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A lenda da Iara

- João Barbosa Rodrigues (1842-1909), botânico, arqueólogo, etnógrafo, grande estudioso do folclore indígena. A lenda transcrita,
comum a todo Brasil, faz parte do seu ensaio: - Lendas, crenças e supertições - publicado na "Revista Brasileira" tomo X, pp. 35-37,
Rio de Janeiro, 1881.

Iara: Significa mãe-d’água, senhora d'água, de "í" água e "ara" senhora. A pronúncia do "ig" do "i" (o autor
escrevia "y") tem feito com que de diferentes formas se tenha escrito essa palavra; assim temos ioara, gauara,
oioara, etc.

Igarapé: Significa braço de rio que penetra pelo interior das terras, podendo apresentar condições de
navegabilidade, ou então se originar de veios de nascentes em determinados pontos. ("Vocabulário
Amazonense", Alfredo da Mata, Manaus, 1939).
YARA - A RAINHA DAS AGUAS

Yara, a jovem Tupi, era a mais formosa mulher das tribos que habitavam ao longo do rio
Amazonas. Por sua doçura, todos os animais e as plantas a amavam. Mantinha-se, entretanto,
indiferente aos muitos admiradores da tribo.
Numa tarde de verão, mesmo após o Sol se pôr, Yara permanecia no banho, quando foi
surpreendida por um grupo de homens estranhos. Sem condições de fugir, a jovem foi agarrada
e amordaçada. Acabou por desmaiar, sendo, mesmo assim, violentada e atirada ao rio.
O espírito das águas transformou o corpo de Yara num ser duplo. Continuaria humana da cintura
para cima, tornando-se peixe no restante.
Yara passou a ser uma sereia, cujo canto atrai os homens de maneira irresistível. Ao verem a
linda criatura, eles se aproximam dela, que os abraça e os arrasta às profundezas, de onde
nunca mais voltarão.
DEUSA IARA
Quando a feiticeira Circe, aconselhou Ulisses à amarrar-se no mastro de seu navio e tapar com
cera as orelhas de seus marinheiros para que não pudessem ouvir o cântico das sereias, já se
tinha notícia do perigo das suas doces vozes e de quanto elas eram fatais.

Mas quem eram estas sedutoras e encantadoras criaturas, cujo canto não resistiam os homens e
atendendo aos seus apelos eram mortos e devorados?
As Sereias estão associadas ao grupo das divindades da morte, como as Harpias e
Eumênides.
Segundo a lenda, viviam no litoral sul da Itália. Possuíam a princípio, o corpo de um pássaro com
busto e rosto de mulher. Mas com o tempo mudaram sua aparência. A metade pássaro de seu
corpo foi substituída pela cauda de um peixe.
Na antiguidade, seu mito ligava-se ao culto dos mortos. Isto também mudou e apenas o
documentam as estátuas de sereias nos sepulcros.
A Sereia apareceu no Brasil trazida pelo colonizador português e já chegou aqui como sendo
uma mulher-peixe, registrada no fabulário ibérico de século XV.
O sincretismo deu-se facilmente somando-se ao conhecimento indígena, surgindo a Mãe
D'água, como uma das muitas mães de concepção das tribos aqui presentes. Mesmo assim,
estes registros não são tão antigos, pois não foi encontrado nada a respeito nas crônicas do
período colonial. Não se conhece nenhum documentário brasileiro fazendo menção à mãe
d'água, moça bonita de cabelo loiro e olhos azuis, senão na segunda metade do século XIX. Mas
daí para cá, são inúmeros os relatos.
Em Portugal, de onde nos veio o mito, há duas designações para essa personagem mítica: no
litoral do continente, Sereia. E, no arquipélago dos Açores, Feiticeira Marinha. As cantigas
populares fazem referência a uma ou a outra:

"Lá no meio desse mar


Saiu-se a senhora Sereia
Lá no palácio d'el rei"

E nos Açores:

"Escutai se quereis ouvir:


Ouvi um rico cantar;
Devem ser as Marinhas
Ou os peixinhos do mar.

Para nós, a Mãe D'água, apresenta-se sob diferentes nomes e formas e até mesmo sexo: Iara,
Iemanjá, Boto.

IARA, RAINHA DOS RIOS.


A Sereia Brasileira atende pelo nome de Iara e vive no fundo dos rios, à sombra das florestas
virgens.

Conta a lenda amazônica que uma noite um índio sonhou com uma bela mulher de cabelos
loiros, olhos azuis e pele muito clara. Tal fada estava à entrada de um imenso castelo de cristal
recoberto de ouro e safiras de onde vinha uma música celestial. O jovem apaixonou-se à
primeira vista e ouviu a linda mulher lhe propor amor eterno. Um dia navegando pelo rio, o índio
viu formar-se sobre as águas uma choupana e, por detrás da janela, apareceu a mulher de seus
sonhos que lhe sorria. Apaixonado e enfeitiçado foi até a choupana que flutuava sobre as águas.
O pai do índio pode ver que o corpo da mulher tinha uma cauda, igual à de um peixe, e que,
agarrando seu filho, se jogou na água, mergulhando para nunca mais voltar.

Alguns indígenas e caboclos juram já ter visto a Iara, como passou a ser chamada em muitos
rios e igarapés. A crença neste mito é tão grande, que, pelos lugares em que mora a Iara,
segundo a tradição, ninguém tem coragem de passar em determinada hora da tarde. Em
algumas ocasiões, comenta-se, ela mostra-se com pernas para logo em seguida transformar-se
em sereia. É nesta forma que atrai suas vítimas. Para livrar-se do poder de sedução de Iara,
aconselham os indígenas, deve-se comer muito alho ou esfregá-lo por todo o corpo.
Numerosas são as lendas em torno de Iara, seus encantamentos e artimanhas. É o mito que
mais inspirou poetas brasileiros. José de Alencar, por exemplo, incluiu no romance "O Tronco de
Ipê" um conto sobre a mãe d'água, em que figura um palácio de ouro e de brilhantes no fundo
do mar.
O simbolismo mais conhecido da sereia é o da sedução mortal. Com toda certeza, ela é uma
tentadora ("As asas da sereia é o amor de uma mulher, que está pronta a dar e a retomar",
escreve Pierre de Beauvais). Mas a paixão inflamável que ela inspira é perigosa, porque provém
do sonho e do inconsciente, e por isso é sonho insensato, fantasma irreal. Para preservar-se da
paixão ("o amor é cego!"), é necessário, como Ulisses agarra-se à dura realidade do mastro.
Sob a influência egípcia, na qual a alma do morto era representada na forma de pássaro com
cabeça humana, a sereia se tornou a representação simbólica da alma do morto que falhou em
seu destino e transformou-se em vampiro devorador.

ARQUÉTIPO DA TRANSFORMAÇÃO
No livro de M. Esther Harding, "Os Mistérios da Mulher", está descrita uma impressionante
associação entre as fases da lua com as fases da deusa. A cada fase da lua, conta, a deusa
veste um diferente traje de escamas, que é o traje de seu instinto.
Os peixes eram dedicados a Atárgatis, a deusa lua de Ascalon, uma das formas de Ishtar,
que era algumas vezes representada com rabo de peixe. Esta representação refere-se a extrema
inconsciência do instinto feminino. Aqui a satisfação do instinto é essencial, não importando as
conseqüências do tal ato.
O aspecto deusa-sereia corresponde ao período da Lua Escura, onde ela está inteiramente sob
o domínio do instinto. Esta fase pertence à esfera dos mistérios da mulher e, para um homem
olhar para a ela nestes dias, significa "doença e morte", pois estará agindo como fêmea,
desprezando qualquer consideração humana. É a "Viúva Negra" nos seus melhores dias. Muitas
mulheres não estão conscientes do poder desta qualidade feminina e então, um efeito
desastroso pode ocorrer em virtude de sua desatenção ao papel de destruidora de seu amor.
Mas há também algumas, que conscientes do seu poder sobre os homens o usam
inescrupulosamente para vantagens pessoais. Para aceitar o poder desta Lua, sem se deixar
sucumbir a ele, é necessário autodisciplina e sacrifício do auto-erotismo.
Uma mulher que se confronta com tais aspectos na escuridão de seu coração pode aprender a
lidar melhor com este conflito em vez, de tornar-se responsável de atitudes irreconciliáveis e
opostas. Em verdade, esta energia instintiva se transformará em algo bom e utilizável na vida.
Esta energia fluirá naturalmente em seus relacionamentos aprofundando-os, ou pode tornar-se
um escape direcionado a um trabalho criativo, ou ainda, suprirá a força motriz que torna
possível a construção de uma personalidade mais completa, fundamentada tanto no lado
sombrio quanto no aspecto luminoso.
Rosane Volpatto

Bibliografia consultada:
Os Mistérios da Mulher - M. Esther Harding
Bibliografia do Folclore Brasileiro - Braulio do Nascimento.

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