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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE MESTRADO EM LETRAS-LINGÜÍSTICA APLICADA

OS ANARQUISTAS ERÓTICOS:
UM ESTUDO COMPARATIVO DO DISCURSO DE
ROBERTO DE LAS CARRERAS E ROBERTO FREIRE

Juan Pedro Álvez Suárez

Orientador: Prof. Dr. Uruguay Cortazzo

Co-Orientadora: Profª. Dra. Aracy Ernst Pereira

PELOTAS, julho de 1998

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS


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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE MESTRADO EM LETRAS-LINGÜÍSTICA APLICADA

OS ANARQUISTAS ERÓTICOS:
UM ESTUDO COMPARATIVO DO DISCURSO DE
ROBERTO DE LAS CARRERAS E ROBERTO FREIRE

Juan Pedro Álvez Suárez

Orientador: Prof. Dr. Uruguay Cortazzo


Co-Orientadora: Profª. Dra. Aracy Ernst Pereira

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Letras


da Universidade Católica de Pelotas como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Letras

PELOTAS, julho de 1998.

AGRADECIMENTOS
3

Expresso minha gratidão àqueles que participaram

da realização deste trabalho.

À Professora Carmem Hernandorena, incansável bata-

lhadora pelo reconhecimento do Mestrado. Com um senso de jus-

tiça pouco comum num universo de injustiças, a decisão certa

e ponderada.

Ao Professor Oscar Brisolara, que participou da

gênese deste processo, como bandeirante desbravando terras

desconhecidas.

Aos colegas de Mestrado, Matilde, Fátima, Luiz

Gustavo, pelos conselhos, pela amizade, pelos gratos momentos

onde o mate ou o vinho tornaram-se inspiradores de sentimen-

tos tão autênticos, honestos e sinceros. Também meu carinho

à Brenda e à Ivete.

À Professora Aracy, co-orientadora, pela paciência

e sabedoria com que soube conduzir-me por caminhos nunca an-

tes explorados por mim. A tarefa cansativa de juntar dois

universos de forma coerente, agradável e convincente. Meu

respeito, minha admiração e profunda gratidão.

Ao Professor Uruguay, meu orientador, meu amigo.


4

A ação certa na hora da incerteza; a voz de coragem na hora

de desânimo e desespero; a saída dos becos e armadilhas in-

telectuais; o leme desta nau perdida na imensidão do oceano

literário. Profissional competente com quem tive o prazer de

dialogar longamente, discutir, aprender a aprender, ter senso

crítico e principalmente ser tolerante e “diplomâtico”. Agra-

deço a confiança em mim depositada.

À Professora Odete Acosta, pela invalorável cola-

boração na revisão.

A Fernando e Marcela, meus filhos, a esperança

de que a utopia ainda seja possível.


5

SUMÁRIO

RESUMO............................... VIII

ABSTRACT............................. X

1 INTRODUÇÃO........................... 1

1.1 Apresentação do tema................... 2


1.2 A importância do tema.................. 9
1.3 Os objetivos........................... 11

2 ROBERTO DE LAS CARRERAS......... 15

2.1 Da materialidade de sua história à

materialidade de sua obra............... 16

2.2 O cânon zumfeldiano..................... 20

2.2.1 A estética dândi........................ 24

2.2.2 O psicologismo do elemento político..... 30

2.2.2.1 O anarquismo e o Modernismo: um rela-

cionamento tenso........................ 39

2.3 Crítica ao cânon........................ 42

2.4 Reações à crítica....................... 48


6

2.4.1 A necessidade de rever o discurso

robertiano............................. 50

3 “AMOR LIBRE”........................ 53

3.1 Condições de produção da obra.......... 54

3.2 A ruptura e os efeitos de sentido.

A subversão do gênero.................. 56

3.3 A subversão ideológica. Anarquia e

sexualidade............................ 66

4 ROBERTO FREIRE..................... 73

4.1 Da materialidade de sua história à

materialidade de sua obra.............. 74

5 TEORIA DA SOMA..................... 83

5.1 O tesão................................ 84

5.2 Os impedimentos do tesão............... 88

5.3 A liberação do tesão................... 90

5.4 O hibridismo no discurso de Freire..... 97

6 AS RESSONÂNCIAS.................... 102

6.1 O uso do discurso jornalístico......... 103


7

6.2 A marginalidade, o escândalo:

o anarquista em ação................... 105

6.3 As idéias de transformação sexual...... 108

6.4 A ficcionalidade da sociedade.......... 111

6.5 A concepção do amor. Sua temporalidade

e sua finitude......................... 113

6.6 A angústia do amante anarquista........ 115

6.7 O erotismo como modelo rítmico......... 116

6.8 A originalidade única.................. 118

CONCLUSÃO................................... 120

NOTAS........................................ 127

BIBLIOGRAFIA............................... 137
8

RESUMO

Esta tese confronta o discurso anarquista-erótico

de Roberto de las Carreras, escritor uruguaio, com o discur-

so de Roberto Freire, escritor brasileiro, a partir da iden-

tificação de ressonâncias interdiscursivas.

Opta-se teoricamente pela Análise do Discurso(AD),

e pela Teoria da Literatura. A AD, porque apresenta conceitos

importantes que auxiliam no desvelamento da natureza signifi-

cante do discurso, tais como: parafrasagem, polissemia, res-

sonâncias interdiscursivas, efeitos de sentido. A Teoria Li-

terária, porque ajuda a provar que os autores conduzem suas

propostas dentro de um marco estético, preocupando-se com o

estilo, o gênero e a construção ficcional.

Primeiramente, são apresentadas as condições his-

tóricas de produção do discurso de Roberto de las Carreras e

a crítica sobre sua obra. A seguir, mostra-se que o autor, em

Amor Libre, faz uma apaixonada defesa do feminismo, do anar-


9

quismo e propõe um relacionamento entre homem e mulher que

foge aos padrões morais e sociais da época. Observam-se aí

efeitos de sentido que, através da ironia e da paródia, pro-

vocam uma subversão discursiva. Essa subversão alia-se à mis-

tura de gêneros literários marginais, e à ficção da realida-


dade, formando um gênero híbrido.

A seguir, apresentam-se as condições históricas de

produção do discurso de Roberto Freire, onde se constata sua

insatisfação e ausência de identificação com sua classe so-

cial -a burguesia- além de sua opção por ideologias de trans-

formação social. Para analisar seu discurso, toma-se como re-

ferência a Teoria do Tesão e seus elementos vitais energéti-

cos -alegria, beleza e prazer- que se desenvolvem dentro da

sexualidade. O discurso do escritor não apresenta traços de

subversão na técnica utilizada. Esta é convencional e delimi-

tada: ensaio, crônica, autobiografia.

A tese conclui que o discurso de Roberto de las

Carreras é um antecedente do de Roberto Freire e que ambos

propõem mudanças nos padrões morais e sociais vigentes atra-

vés da politicidade do sexo. Finalmente, ao constatar-se o

vínculo entre eles, surgem interrogações. A principal delas é

saber se existe ou não uma série discursiva onde se liguem


10

anarquismo, sexualidade e literatura e onde possa ser situado

o discurso anarquista-erótico de Roberto de las Carreras e de

Roberto Freire.

ABSTRACT

This paper compares the uruguaian writer Roberto

de las Carreras’ anarchistic erotical discourse to the

brazilian writer Roberto Freire’s one,with the identification

of interdiscursive resonances.

Discursive Analisis (DA), and Literary Theory are

choosen. The DA, because presents important concepts that

help in the discovery of significant nature of discourse,

such as: paraphrase, polysemy, interdiscursive resonances,

effects of sense. Literary Theory, because helps to prove

that both writers take their proposals to an esthetic way,

worried about style, gender and fictional construction.

First, historical conditions of Roberto de las

Carreras’ discursive production and the critic about his work


11

are presented. Then, it is showed that the author, in


Amor

Libre, does a pasionate defense of feminism, anarchism and

proposes a relationship between man and woman that runs away

of moral and social patterns of this epoch. Effects of sense

are appreciated that through irony and parody, provoque a

discoursive subversion. This one joins to literary mixture of

marginals genders and the fiction of reality.

Then, Roberto Freire’s historical conditions of

discursive production are presented, where his insatisfaction

and not identification with his social class -bourgeoisie-

and his option for social transformation ideologies are show-

ed. To analize Roberto Freire’s discourse, the Theory of

“Tesão” is used as reference and its vital energetic elements

-joy, beauty and pleasure- that develop into sexuality. The

writer’s discourse does not present features of subversion in

the used technic. It is conventional and delimited: essay,

chronicle, autobiography.

The conclusion emphasizes that Roberto de las Car-

reras’ discourse is a precedent of Roberto Freire’s one and

both propose changes in moral and social patterns in vigour

through the politicy of sex. Finally, the tie between them

opens questions. The main one is if exist or not a discursive


12

serie where anarchism, sexuality and literature are joined

and if Roberto de las Carreras’ and Roberto Freire’s

anarchistic erotical discourse can be place there.


13

1. Introdução
1.1- Apresentação do tema

O presente trabalho, "OS ANARQUISTAS ERÓTICOS",

tem como finalidade proceder a uma análise comparativa do

funcionamento do discurso anarquista-erótico de ROBERTO DE

LAS CARRERAS, escritor uruguaio e o de ROBERTO FREIRE, escri-

tor brasileiro.

Ambos os discursos configuram-se como propostas de

transformação social através da conscientização da politici-

dade do sexo e projetam-se sobre um horizonte discursivo utó-


14

pico. O utopismo, como se verá, participa, ao mesmo tempo, de

uma dimensão literária e de outra política. Assim, opta-se

por um duplo enfoque teórico.

Consideram-se duas abordagens teóricas: a teoria

literária e a análise do discurso. A primeira, pela possibi-

lidade de provar que esses autores conduzem suas propostas

dentro de um marco estético e compreendem a si próprios como

escritores, no sentido tradicional do termo, vale dizer, têm

preocupação com o estilo, o gênero e a construção ficcional.

No âmbito literário procede-se a uma análise genológica e te-

matológica do corpus escolhido. A segunda, por apresentar

conceitos importantes que auxiliam no desvelamento da nature-

za significante do discurso anarquista-erótico e utópico.

Dentre esses conceitos destacam-se:


a)o de parafrasagem -dizer "o mesmo"- e o de polissemia –di-

zer "o diferente"- (cf. Orlandi:1987), que são constitutivos

de todo discurso de todo discurso.1 Eles criam a tensão entre

a reiteração de processos cristalizados pelas instituições e

a reformulação através de sentidos diferentes, múltiplos;

b)o de formação discursiva (FD) ”que determina o que pode e

deve ser dito a partir de uma posição dada numa conjuntura”

(Pêcheux e Fuchs,1990,p.166). Esse conceito serve de meio

operatório para circunscrever os discursos em questão dentro


15

de um espaço oposto aos valores cristalizados pela sociedade;

c)o de efeito de sentido, que parece pertinente na confronta-

ção do discurso de Roberto de las Carreras com o discurso de

Roberto Freire. Ambos provocam efeitos de sentido que dessa-

cralizam os padrões morais vigentes na sociedade;

d)o de ressonância de significação, tomado de empréstimo de

Serrani. A autora introduz essa noção ao tratar da paráfrase

no âmbito da Análise do Discurso. Diz ela:

"Entendo que há paráfrase quando podemos estabele-


cer entre as unidades envolvidas uma ressonância
-interdiscursiva- de significação, que tende a
construir a realidade (imaginária) de um sentido.
Ressonância porque para que haja paráfrase a sig-
nificação é produzida por meio de um efeito de vi-
bração semântica mútua. A meu ver, a noção de res-
sonância permite incluir, na própria conceituação
de paráfrase, o sujeito da linguagem, pois ela
sempre ressoa para alguém, tanto na dimensão dos
interlocutores empíricos projetados no discurso
(projeção para a qual é fundamental o domínio das
formações imaginárias), quanto para a dimensão do
sujeito, no sentido foucaultiano do termo, ou se-
ja, o do lugar de exercício da função enunciativa
em uma formação discursiva. Em se tratando de uma
ressonância interdiscursiva, fica compreendido o
trabalho como uma concepção heterogênea de lingua-
gem (...) As paráfrases, então, como as estou en-
tendendo aquí, ressoam significativamente na ver-
ticalidade do discurso e concretizam-se na hori-
zontalidade da cadeia, através de diferentes rea-
lizações lingüísticas."
(1993,p.47)

O conceito de "ressonâncias interdiscursivas" ou

"ressonâncias de significação", usado para estudar o processo

parafrástico, revela-se operatório para este estudo, na medi-


16

da em que possibilita confrontar os discursos em pauta e mos-

trar até que ponto eles constituem um novo modo de “dizer”.

A importância do emprego desse conceito deve-se ao

fato de se referir aos efeitos de sentido produzidos pela re-

petição, no nível do interdiscurso, o que facilita estabele-

cer simetrias e/ou assimetrias entre o discurso de Roberto de

las Carreras e o discurso de Roberto Freire, que permitem

circunscrevê-los, ou não, no mesmo espaço discursivo. Ao per-

mitir focalizar os elementos do interdiscurso, possibilita

contrapô-los aos discursos tidos como sérios, os legitima-

dos, onde não há espaço para os enunciados referentes à li-

berdade sexual.

Entretanto, deve-se ressaltar que esse espaço pos-

sivelmente compartilhado por eles não se refere aos sentidos

sedimentados. Ao contrário, é o "mesmo" mas no espaço do “di-

ferente”. Assim, as "ressonâncias" devem ser aqui entendidas

como os efeitos de sentido produzidos pela repetição, em ní-


vel interdiscursivo, de uma formação discursiva que se con-

tra-põe ao instituído. As ressonâncias permitem demonstrar a

existência de um certo tipo de discurso utópico comum em Ro-

berto de las Carreras e Roberto Freire, apesar do distancia-

mento temporal e espacial de suas obras.


17

O discurso utópico dos autores aparece como uma

transgressão ou subversão do discurso previsto e aceito pela

ordem vigente e como uma proposta de um novo modelo de socie-

dade. É um discurso desmascarador da injustiça e do mal orde-

namento político e social. Opõe-se ao discurso que legitima o

status quo da sociedade. Vem a dizer, pois, outra coisa. Po-

de-se afirmar que, ao mesmo tempo, o discurso utópico é um

discurso político e um gênero literário.

A definição de utopia tem, em si mesma, uma parti-

cular ambigüidade que reclama um duplo enfoque. Por um lado,

inscreve-se dentro do campo do discurso político: um mundo

futuro que se elabora a partir da crítica e da impugnação da

ordem social vigente; por outro, pertence ao campo literário.

Dentro deste campo, constata-se uma divergência entre os au-

Tores quanto à definição do gênero. Alguns autores consideram

a utopia um sub-gênero literário, um texto que descreve um

mundo possível e futuro.2 Outros, dão mais importância ao as-

pecto narrativo. A ficção está presente na narração, mas tam-

bém nos textos onde se descreve uma sociedade inexistente ou


futura. Neste caso, o tratado utópico pode transformar-se em

novela. Os autores que se filiam a esta corrente consideram

a utopia “una rama del género novelesco” (cf.Trusson:1079).


18

Do relacionamento utopia-novela obtém-se se “la impresión de

autenticidad y verosimilitud” (Ibid,p.21). A utopia encontra

na novela a melhor forma para realizar seu propósito. Consi-

derando o aspecto narrativo, Raymond Trousson elaborou a se-

guinte definição de utopia:

“…proponemos que se hable de utopia cuando, en el


marco de un relato (lo que excluye los tratados
políticos), figure descrita una comunidad (lo que
excluye la robinsonada), organizada según ciertos
principios políticos, económicos, morales, que
restituyan la complejidad de la vida social (lo
que excluye la edad de oro y la arcadia), ya se
presente como ideal que realizar (utopia construc-
tiva) o como previsión de un infierno (la antiuto-
pía moderna) y se sitúe en un espacio real o ima-
ginario o también en el tiempo o aparezca, por úl-
timo, descrita al final de un viaje imaginario,
verosímil o no.”
(Grifo nosso)
(1979,p.54)

Contudo, a obra fundadora Utopia, de Thomas More,

que deu o nome ao gênero, apresenta a predominância do ele-

mento descritivo; não há intriga como na novela.

A utopia também é concebida como mentalidade espe-

culativa, como “superación de los límites actuales del hom-

bre” (Trousson,p.24). Neste caso, denomina-se utopismo, isto

é, ”actitud mental que entraña la impugnación o incluso la

negación radical del orden existente en nombre de outro sis-


tema de valores” (Ibid,p.32). Thomas Molnar chega à conclusão

de que o utopismo não é apenas uma forma de experimentar com


19

as possibilidades sociais, mas um sistema de pensamento, uma

filosofia que estabelece uma concepção global do mundo:

"El utopismo es un sistema de pensamiento, una fi-


losofía con bien establecidos conceptos acerca de
Dios, del hombre, de la naturaleza y de la comuni-
dad.”
(Grifo nosso)
(1970,p.240)

Thomas Molnar sustenta que, em nível literário, o

discurso utópico surge do cruzamento do conceito do começo

imaculado da civilização, Idade de Ouro, com o mito do Paraí-

so, introduzido pelo Cristianismo. O autor descreve, referin-

do-se ao mito que, no início as coisas tinham uma perfeição

ideal, depois degeneraram:

"...un estado primitivo en el cual las cosas pose-


ían una perfección ideal, luego de lo cual sobre-
vino la degeneración (...) todo había comenzado
por una Edad de Oro (...) la propiedad privada
corrompió esas idílicas alquerías: la codicia, la
avaricia y la envidia se hicieron universales.”
(Grifo nosso)
(1970,p.24)

Segundo Molnar, com o Cristianismo, o homem pas-

sou a acreditar que o bem e o mal coexistem e espera o dia do

Juízo Final. O homem não podia aceitar a possibilidade de uma

comunidade terrena ideal e imutável antes de que esse dia

chegasse. O discurso utópico seria, pois, o instrumento do


20

homem na luta pela recuperação da pureza absoluta.

O discurso dos autores estudados pode ser qualifi-

cado de utópico, já que apresenta a idéia de uma sociedade

futura, com outros valores e uma nova concepção do homem, do

mundo e a natureza. Essa utopia se materializa pela adesão a

um sistema ideológico específico. Ambos escritores, aberta-

mente declaram-se anarquistas e propõem a transformação so-

cial através do anarquismo.3

Tanto Roberto de las Carreras quanto Roberto Frei-

re dão uma importância central ao fator sexual, dentro das

mudanças que devem operar-se para que se produza o advento da

nova sociedade.

O objeto central do estudo constitui-se na articu-

lação da anarquia com a sexualidade, o que denomina-se anar-

quismo erótico. Por este termo entende-se, de modo geral, a

concepção que, partindo de uma teoria anarquista, propõe a

abolição de todo princípio de autoridade institucional na es-

fera sexual para que os próprios indivíduos sejam os encarre-

gados de autogestioná-la em plena liberdade.

No trabalho, ver-se-á que a corrente denominada


21

denominada Anarquismo não constitui uma unidade, um bloco ho-

mogêneo e pacífico, mas uma corrente diversificada de propos-


tas políticas, econômicas, sexuais, sociais e artísticas.

Tem-se, então, o anarcossindicalismo, o anarquismo individua-

lista, o anarquismo comunista, o anarquismo naturalista, o

anarquismo aristocrático, etc.

Também, apreciar-se-á o fenômeno do dandismo que

surgiu em fins de século XIX e que está ligado ao anarcoindi-

vidualismo. Sua essência está na criatividade, na originali-

dade como expansão do eu, sem os limites impostos pelas nor-

mas sociais. O dandismo pode ser considerado uma derivação

prática do utopismo na medida em que propõe um mundo estéti-

co, comportamentos e valores contrários às convenções sociais

da época. Ao propor uma sociedade diferente, ideal, o dandis-

mo relaciona-se com a utopia.

1.2- A importância do tema

A importância do tema abordado fundamenta-se nos

seguintes pontos:

a)existe no marco do Mercosul um grande esforço de integração

cultural. No caso específico do Uruguai e do Brasil, traçou-

se sempre essa aproximação através da figura do gaúcho, ou


22

“gaucho", no seu habitat natural, o pampa. Contudo, esta tese

tem interesse em demonstrar que o relacionamento convergente

dos dois países na área da teoria literária não corresponde

única e exclusivamente ao discurso gauchesco, mas que há ou-


tra artéria latente e viva que, no fim do século, apresenta

propostas de profundas mudanças político-sociais. Dentro do

comparativismo acadêmico, parece existir o interesse de se

concentrar num regionalismo de evidente traço romântico ou

realista para afirmar uma identidade baseada em característi-

cas geográficas e folclóricas, ou seja, um tradicionalismo de

costumes. Descuida-se, assim, de outros aspectos culturais,

como as projeções utópicas afins com os vanguardismos futu-

ristas, pouco preocupadas em ressaltar valores autóctones e

que, ao contrário, apresentam-se como uma crítica a esses va-

lores, como é o caso do objeto de estudo da presente tese;

b)não há no Uruguai um reconhecimento da dimensão e da impor-

tância do discurso de Roberto de las Carreras, que é conside-

rado de ordem secundária. O universo discursivo crítico tra-

dicional, que neste trabalho se refere aos trabalhos de Al-

berto Zum Felde e a Geração do 45, deprecia os valores lite-

rários do escritor, desviando a atenção para aspectos pecu-

liares de sua vida.4 O investigador Emir Rodríguez Monegal

até chega a descobrir um “algo mais” no discurso do escritor,

possivelmente a proposta de transformação social através da


23

politicidade do sexo, mas não aprofunda o exame. Há, então,

uma lacuna que esta tese tenta preencher;

c)no Brasil, a obra de Roberto Freire também é desvalorizada,

fato constatado pela inexistência de crítica ou de poucos ar-

tigos na mídia, reduzidos a entrevistas sobre a sua vida,

único espaço que lhe é concedido;


d)Roberto de las Carreras e Roberto Freire aproximam-se quan-

to à escolha do gênero literário, pois expõem suas idéias

através de um determinado leito -a prosa-, e, dentro dele, a

autobiografia tem um fator destacado. Em Roberto de las Car-

reras e Roberto Freire, a autobiografia mistura-se com a re-

portagem jornalística, o ensaio e a crônica.5 Nesse sentido,

os dois escritores situam seus trabalhos em zonas fronteiri-

ças, enlaçando gêneros, o que se conhece como hibridismo. Os

autores rompem, subvertem, criam enfim novos efeitos de lei-

tura. Os discursos analisados invertem aspectos culturais,

sociais, políticos e estéticos;

e)ao utilizar estratégias discursivas, os autores desnudam a

hipocrisia vigente na sociedade acerca das questões ligadas à

sexualidade, ao mesmo tempo que marcam a sua posição diferen-

ciada de sujeitos numa atitude clara de confronto com os sa-

beres legitimados.

1.3- Os objetivos
24

Com o presente trabalho, pretende-se:

a)verificar, em seqüências discursivas selecionadas, que dois

escritores, uruguaio e brasileiro, vinculados ao anarquismo,

propõem idéias políticas e estéticas utópicas, através da se-

xualidade;6

b)determinar, nas seqüências discursivas analisadas, os pon-

tos de convergência e/ou divergência entre o discurso de Ro-


berto de las Carreras e o de Roberto Freire a partir da iden-

tificação de ressonâncias interdiscursivas;

c)demonstrar, através de elementos interdiscursivos, que a

proposta anarquista de Roberto de las Carreras, de uma revo-

lução social através da sexualidade, é um antecedente da pro-

posta de Roberto Freire, na série literária latino-americana.

Trata-se de um caso de analogia entre dois autores sem influ-

ências diretas. Freire desconhece a obra de Roberto de las

Carreras. Não existe a suposição de uma tradição literária

desenvolvida a partir de Roberto de las Carreras no Uruguai.7

A coincidência explica-se em termos de interdiscursividade

que aqui pode ser vista a partir de certas formas de lingua-

gem que mostram os autores como sujeitos de transgressão ao

assumirem a posição de luta pela liberação ou liberdade se-

xual. Ambos apresentam a sexualidade como elemento de mudan-

ças da sociedade. Os dois escritores fazem uma abordagem da


25

sexualidade desde o ponto de vista político e lhe atribuem

poderes revolucionários.

Com vistas à consecução desses objetivos, o pre-

sente trabalho busca articular conceitos do campo da Teoria

da Literatura com conceitos do campo da Análise do Discurso

francesa. Na verdade, vale-se desses últimos pela possibili-

dade que oferecem de evidenciar, na materialidade lingüísti-

ca, as propriedades político-ideológicas presentes nas se-

qüências discursivas constitutivas do corpus.


26
27

2. Roberto de las Carreras


2.1- Da materialidade de sua história à materialidade de sua

obra

Nasceu em 1873, em Montevidéu, fruto do relaciona-

mento extra-conjugal entre Clara García de Zúñiga, mulher

pertencente a uma família tradicional da aristocracia do Rio

da Plata, e Ernesto de las Carreras, homem ligado ao governo

uruguaio, do departamento de Paysandú. Muitas são as histó-

rias, versões e anedotas que envolvem a abastada família ma-

terna, mas todas convergem em um ponto: foram tormentosas e

acabaram colocando os membros da família uns contra os outros

na briga pelos direitos hereditários.


28

A mãe de Roberto, bastante citada pelos críticos

do escritor, não viveu ajustada aos padrões sociais e morais

da época, fato pelo qual foi considerada quase uma prostitu-

ta, e apenas tolerada pela alcunha e fortuna –que dilapidou

rapidamente. Acabou seus dias, após um confuso e conturbado

processo judicial, declarada louca e reclusa na fazenda de um

de seus genros.8

Vinculou-se Roberto ao ambiente inteletual do 900

montevideano, principalmente ao filósofo Carlos Vaz Ferreira,

seu amigo de estudo, com quem partilhou o gosto pela litera-

tura e a quem dedicou muitas de suas obras.

Participava das tertúlias literárias e tinha esta-

belecido a sua no Café Moka, onde ditava a seus secretários

os opúsculos que publicava em jornais anarquistas, e no jor-

nal El Día, de outro amigo, Batlle y Ordóñez, que chegou a

ser eleito presidente do Uruguai.9

Quando recebeu a herança paterna viajou e estabe-

leceu-se na Europa, de onde enviava crônicas que eram publi-

cadas em El Día. De volta, apresentou-se à sociedade defini-

tivamente mudado: tinha assumido o dandismo, defendia o amor


29

livre, professava o anarquismo e começava a escandalizar,

provocando as mais variadas reações no meio social. Era admi-

rado euforicamente ou odiado com veemência.

Das pessoas do círculo literário que o admiraram,

Julio Herrera y Reissig foi seu amigo e parceiro em algumas

Produções. Pode dizer-se que foi seu discípulo no que se re-

fere ao anarquismo, ao dandismo, ao erotismo, e também ao Mo-

dernismo. A amizade acabou anos depois por causa de uma po-

lêmica criada sobre uma metáfora, cuja autoria ambos escrito-

tores disputavam.

Em 1901, casou-se com Berta Bandinelli, contra-

riando sua pregação anarquista e do amor livre, mas se justi-

ficou em uma carta dirigida a Julio Herrera y Reissig e pu-

blicada no jornal anarquista Trabajo, alegando que o fazia


para que sua noiva não fosse internada numa instituição para

menores e para que não perdesse o direito a uma herança.

Aos poucos foi dilapidando sua fortuna, chegando

a passar necessidade. Então, lançou mão de um pedido a seu

amigo, então Presidente, Batlle y Ordóñez, para que o nomeas-

se cônsul do Uruguai em Paris.10 Possivelmente, com temor de

que Roberto, com seus escândalos, provocasse um incidente di-


30

plomático, o pedido não foi atendido. Contudo, foi nomeado

para o consulado no porto de Paranaguá, Brasil, o que se pode

dizer, foi quase um exílio, um isolamento.

A partir de 1915, afastou-se da atividade inte-

lectual atacado pela neurose que avançou progressivamente.

Internado numa clínica, na mais completa miséria e esquecido

pela crítica, morreu em 1963.

A produção literária de Roberto começa com


Poe-

sía(1891),escrita sob o pseudónimo de Jorge Kostai. Al


Lector

(1894) é um elaboradíssimo e original poema no qual a crítica

vislumbra os primeiros passos do Modernismo no Uruguay.11 O

poema é uma sátira da instituição literária com todas suas

convenções, uma repreensão e um ataque ao leitor burguês pela

sua ingenuidade, um poema de autoreferência corrosiva.12 No

poema, Roberto manifesta que não tem nada a dizer e que o me-

lhor a fazer é deixar de escrever. Diz que o leitor não tem a

capacidade de entender que o poema é uma grande burla e con-

sidera o leitor um idiota por perder seu tempo lendo-o. A pa-

rodia, conforme anota Cortazzo, acompanha suas obras poste-

riores. A novela Amigos (1894) está impregnada de dados auto-

biográficos -outra tônica que acompanhará suas obras. Na no-


31

vela, nota-se a influência do amigo, o filósofo Carlos Vaz

Ferreira. Sueño de Oriente (1899) é dedicado a uma mulher ca-

sada -seu objeto erótico- a quem chama de Lisette, e que pro-

vocou forte reação no meio culto e foi considerado como algo

monstruoso; Amor Libre (1902) é objeto de análise na presente

tese porque é a obra do escritor que apresenta suas idéias

anarquistas de forma concentrada e com maior intensidade,

conforme apreciar-se-á; Parisianas(1904), um livro de crítica

literária; Psalmo a Venus Cavalieri (1905), um desafio galan-

te lançado à belíssima atriz Lina Cavalieri, texto de refina-

da edição, no qual Roberto alcança o ápice do erotismo e da

voluptuosidade sutil, numa mistura de mitos, símbolos e tra-

dicionais figuras eróticas universais; En onda azul(1905), um

poema em prosa dedicado a uma jovem de família, na época foi

interpretado como abominável e escandaloso. O irmão da moça

entendeu que o poema tinha maculado a honra da família e ten-

tou matar Roberto atingindo-o no peito com dois disparos. En-

tre outras obras de militância erótico-anarquista escreveu

Diadema fúnebre(1906), Oración pagana(1906), Don Juan


(Balma-

ceda)(1907). No exílio, no porto de Paranaguá, escreveu


La

visión del arcángel(1908), no qual a crítica começa a distin-


guir uma virada para a metafísica. La Venus Celeste(1909),
El
32

cáliz(1909), Suspiro de una palmera(1914), são suas últimas

produções.

2.2- O cânon zumfeldiano

Em todos os discursos críticos tradicionais sobre

o discurso literário de Roberto de las Carreras, precedentes

a esta tese, há uma indissimulada preocupação pela exaltação

dos aspectos biográficos e não literários. Quando a crítica

emprega o termo biografia, refere-se a anedotas, acontecimen-

tos, escândalos, não enxerga a possibilidade da ficcionalida-

de do biográfico, de torná-lo discurso literário. Via de re-

gra, entende o discurso de Roberto de las Carreras apenas co-

mo a representação de uma época ou de uma personalidade, ou

seja, com mero valor histórico e psicológico.

O discurso crítico tradicional sobre Roberto opõe

o valor biográfico ao valor literário. A obra é lida com o

objetivo de isolar os fatos biográficos e de levar à conclu-

são de que a vida do autor -as anedotas, os escândalos, os

lances donjuanescos- é mais interessante que as idéias anar-

quistas contidas nos panfletos que utilizava para atacar a

ordem familiar e social de seu tempo. Os panfletos são consi-

derados "documentos amorais" (cf.Zum Felde:1921) que não de-


33

vem nem merecem ser analisados.


O talentoso crítico e pioneiro uruguaio Alberto

Zum Felde enuncia os primeiros juízos sobre o Roberto de las

Carreras. Faz alguns elogios mas chega à conclusão de que Ro-

berto é mais interessante como personagem que como escritor.

Cria uma oposição entre personagem e literatura ou entre a

vida a obra. Personagem e vida têm um valor positivo mas li-

teratura e obra têm valor negativo:

“No es su obra literaria lo que le significa com


tan singulares relieves ante la crítica, sino su
vida. No tanto escribe, cuanto vive su obra.”
(Grifo nosso)
(1921,p.47)

Este será o parámetro fielmente seguido por alguns

críticos posteriores.

Mais tarde,o citado crítico volta a manifestar sua

opinião sobre o "vate", quando diz que é mais interessante a

vida do escritor do que sua obra, que aparece assim subordi-

nada ao aspecto biográfico:

“Más que como escritor, Roberto de las Carreras es


interesante como personaje(…) Su literatura no fue
sino un complemento de su vida; compuesta, en su
mayor parte, de opúsculos ocasionales y de panfle-
tos polémicos, tendía a propugnar por sus ideas
revolucionarias o a defender sus actitudes inmora-
listas; y en el fondo, tras el estilo refinado y
metafórico, eran verdaderos alegatos.”
(Grifo nosso)
34

(1987,p.321)

O crítico Ángel Rama, apoiando-se, como é óbvio,


nas formulações do mestre Zum Felde, comenta que literatura e

pessoa eram uma só:

“Dio consumación en tierra americana a sus prin-


cipios de espectacularidad y agresión contra el
medio, a su sistema de incorporarse a la sociedad
mediante un negativismo crítico muchas veces su-
perficial, a la subjetivación violenta mediante la
cual la literatura se hacía una con la persona y
era ésta aun más que aquélla la que se publicitaba
y vendía en el mercado. Por esse camino había de
practicar la máxima con la cual Oscar Wilde de-
finiera la conducta del decadentismo inglés, po-
niendo su talento en la vida más que en los libros
y haciendo de su própia vida una obra de arte re-
finada insólita, candorosamente cruel.”
(Grifo nosso)
(1967,p.8-9)

Emir Rodríguez Monegal, de conhecidos trabalhos

sobre literatura latino-americana, em convergência, adiciona

que a novidade do escritor uruguaio era sua vida:

“Pero la novedad de Roberto de las Carreras es más


vital que literaria.”
(Grifo nosso)
(1969,p.13)

Arturo Sergio Visca, outro crítico uruguaio, como

os anteriormente citados, também faz seu aporte, no sentido

de que o significativo não é a qualidade da obra do escritor,

mas sua personalidade:


35

“No por la calidad de su obra sino por la singu-


laridad y lo significativo de su personalidad
-paradigmática de lo vitalmente más hondo del
novecientos- Roberto de las Carreras merecería que
se le dedicara um libro.”
(Grifo nosso)
(1975,p.XVIII-XIX)
Em resumo, pode-se destacar que o cânon zumfeldia-

no apresenta as seguintes opiniões sobre a obra de Roberto de

las Carreras:

a)subordinação da obra à vida, tirando importância àquela e

ressaltando apenas os aspectos biográficos;

b)apreciação de valores parciais em Roberto, considerando-o

precursor do Modernismo Hispano-americano no Uruguai e de boa

técnica no uso do verso alexandrino;

c)consideração histórica do valor das propostas anarquistas

do autor e a negação da vigência das mesmas.

Os aspectos literários, embora positivos, são con-

siderados secundários pelo cânon zumfeldiano, uma vez que os

críticos utilizam uma estratégia repressiva. Roberto é cata-

logado por eles, pejorativamente, como escritor menor. É pro-

cedente questionar quais foram os parâmetros utilizados por

eles para chegar a essa qualificação. Como sabem que o escri-

tor é menor se alegam que seu discurso não merece ser estuda-

do, pois a vida dele é mais importante do que a obra?


36

2.2.1- A estética dândi

É impossível compreender o comportamento, a postu-

ra de Roberto, sem compreender, primeiro, o fenômeno do dan-

dismo e sua essência: a vida como arte, estética pura e vi-

tal.
Luis Antonio de Villena, em sua teoria sobre o dan-

dismo, afirma que o dândi vivia esteticamente, sua vida era

sua própria obra de arte:

“El Dandy es un ser volcado a la estética, que


lleva a sus maneras, a las artes sutiles de su
propia persona (...) Su vida es su obra de arte
(...) arte que encubre o significa -en armonía-
una actitud rebelde. Pero el Dandy es, además,
egocéntrico, impasible e impertinente.”
(Grifo nosso)
(1983,p.19)

Ações próprias de um dândi: imprevisível, imperti-

nente e fantasioso, são suas armas contra o mundo que o faz

sofrer. Os ataques amorosos não são por amor, ele não ama.

Embora seja um sedutor natural, o faz de forma gratuita, por

provocaçâo. Além de rebelde, o dândi é exibicionista, narci-

sista, individualista.

Como dândi, Roberto é um eterno rebelde contra a

sociedade e seus costumes, sua moral, suas convenções e re-

gras. Desta rebeldia, como diz Villena, nasce o artista, ele


37

próprio como exemplo:

“Del dandysmo como rebeldía parte la idea del ar-


tista creador de una actitud, del artista como
ejemplo (aunque este ejemplo pueda ser después la
bohemia, el vagabundaje, o la droga.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.18)

O personagem dândi é o rei da cena social, ele re-


presenta aquilo que é, porque a vida é sua obra de arte, e o

instrumento desta arte é a fantasia. Assim, Villena adiciona:

“El personaje dandy (y son más elementos que com-


tribuyen a hacer de él um mito) es el rey de una
escena social, cultiva la fantasía y se siente in-
satisfecho y estéril.
La escena social es su universo, el círculo
de su disidencia, el lugar en el que debe resplan-
decer su esteticismo(...) Hemos dicho antes que el
dandy hace arte con su vida, y el instrumento, el
material de esse arte, de ese culto distinguido a
la estética es la fantasía...”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.22)

Também Hans Hinterhaüser elabora teoria semelhan-

te, no sentido de que a maior criatividade do dândi é fazer

da sua própria pessoa uma obra de arte, um ato de fantasia:

“El logro sublime del gran dandy consiste en hacer


de su persona una obra de arte, en convertirse él
mismo en una realización de la belleza. Belleza
como artificio, belleza como acto de la fantasía,
del entendimiento y de la voluntad, como encar-
nación antinatural y gratuita del principio esté-
tico...”
(Grifo nosso)
38

(1980,p.77)

Mais adiante, o crítico citado menciona que este

fenômeno do dandismo apresenta uma estreita vinculação entre

vida e literatura:

“Aún quedaría mucho que decir para completar nues-


tro inventario de dandies. Tendríamos que hablar,
entre otras cosas, de esse fenómeno sin preceden-
tes que fue la estrecha unión entre vida y litera-
tura em el Fin de siglo: los autores de las nove-
las a las que nos hemos referido ultimamente (Va-
lle-Inclán, D'Annunzio, Wilde) llevaron ellos mis-
mos una existencia de dandies, y junto a éstos,
otros muchos como el joven Barrès, el joven Gide y
el joven Proust, em cuyo ciclo de novelas pueda
quizás verse también la negación del snobismo por
parte de un auténtico dandy.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.87)

No discurso crítico tradicional uruguaio, no cânon

zumfeldiano, há uma total incompreensão sobre a estética dân-

di, o contexto no qual se inscreve de las Carreras. Carlos

Martínez Moreno, em El Aura del 900, além de catalogar o dan-

dismo como ridículo atual, diz que o caso do escritor urugua-

io era patológico:

“En la cuota del ridículo incluiríamos hoy los


alardes de dandysmo en que incurrieron algunos
escritores del 900, entre los cuales uno de los
más valiosos; ridículo actual y ridículo en aquel
tiempo (…) Hay grados del dandysmo, porque no todo
en él es patológico como en el caso de Roberto de
las Carreras.”
(Grifo nosso)
(1968,p.167-169)
39

E a controvérsia fica ainda mais evidente quando

diz que o dândi é um provocador e que quer ele mesmo ser o

personagem de sua literatura, de sua aventura vital:

“El dandysmo es un desafío porque el dandy es un


retador, un provocador: quiere convertirse él mis-
mo en el personaje de su literatura, en el prota-
gonista de su propia aventura vital.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.167)

Emir Rodríguez Monegal vê o engajamento do au-

tor no movimento anarquista apenas como um atrevimento, uma

falta de vergonha de dândi:

“...por sus lecturas y hasta por algunos desplan-


tes personales, Roberto de las Carreras y Herrera
y Reissig pudieron incorporarse a una corriente
anarquista em la cual militaban ya Sánchez y
Vasseur; de estos los aislaba la posición estética
y el ostentoso dandysmo de las actitudes.”
(Grifo nosso)
(1950,p.46)

Ángel Rama, sobre o poeta dândi escreve que é um

ator de si mesmo, um personagem que representa teatralmente

sua vida, e que essa representação -uma falsidade, uma fic-

ção- acabará alienando o homem, convertendo-o num fantoche

que vaga pelas ruas de Montevidéu:

“...el poeta debe transformar su vida em um espec-


40

táculo fabuloso, tenazmente original y disonante,


para ofrecerlo agresivamente a sus contemporáneos;
el poeta será el actor de sí mismo, compondrá
cuidadosamente un personaje de teatro y represen-
tará en la vida haciendo que su obra literaria no
sea sino la sucesión de arias que corresponden a
un cómico de la realidad, las que él recita, cada
vez más presionado por el personaje ante el
público del gran teatro del mundo para quien se
ofrece en una apoteosis muchas veces irrisoria (…)
el alucinante mundo de una marioneta que deam-bula
por el pedestre Montevideo. En esos diez años el
hombre habrá sido enajenado por el personaje (...)
No es la verdad estricta de los hechos la que nos
importa, sino la manera como él los maneja para ir
componiendo su personaje, dado que es éste el que
prefirió ofrecer al mundo.”
(Grifo nosso)
(1967,p.9-10)

O curioso é que Ángel Rama entende ou aceita o

dandismo de Oscar Wilde e de outros poetas, mas não consegue


aceitar o dandismo de Roberto, e menos ainda consegue vislum-

brar o anarquismo individualista, como nesta passagem quando

se refere ao panfleto lido por Roberto em 1902 na celebração

de Emílio Zola:

“Si Oscar Wilde pudo escribir El alma del hombre


bajo el socialismo, no resulta tan rara esta ex-
plosión ácrata de un dandy de uma de las grandes
familias uruguayas.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.36)

O crítico uruguaio diz que não é estranha a explo-

são do dândi, mas paradoxalmente não é o que sustenta em seus

comentários, motivo pelo qual se pode afirmar que seus comen-

tários são controvertidos e incoerentes. O paradoxo de seu


41

discurso é que, por um lado, sustenta que Roberto é o dândi

perfeito, mas, por outro lado, não aprecia a fusão da litera-

tura e da vida que é parte da estética dândi. Também não va-

loriza a ficção vital, a qual considera artificial. Na tenta-

tiva de Roberto de "compor uma personagem" vê uma falsidade,

um “ator”, um "traje", uma "máscara", uma "dicção cênica",

uma “marionete", sem apreciar a ficção deliberada e irônica

que fundamenta esta conduta: toda a sociedade é uma ficção,

por isso o dândi deve inventar a melhor criação que puder:

“...cuando publique En onda azul(1905)nada quedará


del ser humano real que inició la aventura; en su
lugar habrá um actor gesticulante, un traje de
teatro, una máscara compuesta, una dicción escé-
nica con un staccato insoportable...”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.9-10)
O dândi descobre a ficção das instituições sociais

e com isso a possibilidade de reinventar o mundo social, ou

seja, viver os sonhos e criar-se a si mesmo. Assim o expressa

Cortazzo, em um artículo do 12 de setembro de 1997, no jornal

El País Cultural:

“Los dandies, como Roberto, mucho antes que los


sociólogos del conocimiento, descubrieron que la
sociedad era una creación artificial y por lo
tanto decidieron inventarse su propia realidad,
antes de vivir la mediocre realidad prefabricada
que se les ofrecía.”
(Grifo nosso)
(1997,p.2)

Pode criar vida, por exemplo, como em Amor Libre,


42

reinventar outra mulher, que tenha alma, que vibre, que não

seja uma montevideana "inerte":

“Cambiemos su sangre, cambiemos su fisiología:


¡hagamos otra mujer!”
(Grifo nosso)
(1967,p.77)

Pode aplicar a originalidade da arte à vida, por-

que a arte original é igual ao amor original, segundo o se-

guinte trecho:

“-Tienes razón, Roberto. Para quererse se nece-


sita fantasía...La vida en común apesta! Lo que se
tiene siempre al lado es forzosamente trivial.
¡Cómo no hemos de cansarnos del Amor, cuando según
tú me has explicado, lo mismo ocurre con el senti-
miento del Arte! La originalidad, me has dicho,
no es otra cosa que un exitante de nuestra
sensibilidad, un despertamiento producido por lo
nuevo...En Amor se necesita originalidad, como en
Arte...”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.114-115)

O dândi tem a deliberada intenção de transformar

a vida, a personalidade, em obra de arte, ou seja, uma ficção

criativa. Por exemplo, em Poema Sentimental, embora não seja

analisado no presente trabalho, encontra-se um exemplo proce-

dente, quando o escritor rotula-se "homem fantasia":

“Pero yo no me fijo en tales cosas.


Yo me paso soñando noche y día.
43

Vivo en altas regiones luminosas,


Y soy, lector, um hombre fantasía.”
(Grifo nosso)
(1944,p.81)

2.2.2- O psicologismo do elemento político

Alguns críticos apontam como origem da rebeldia de

Roberto de las Carreras o fato de ser filho bastardo. A par-

tir dessa posição crítica, que consideram definitiva e acaba-

da, estudam este aspecto desde o ponto de vista social e psi-

psicológico, justificando toda a explosão literária do es-

critor como produto da necessidade de justificar, assumir,

aceitar e ser aceito pela sociedade. Ser bastardo é a situa-

ção que, como diz Rama, fundamenta suas "loucuras sexuais"

(1967,p.36), seus "exotismos transatlânticos" (Ibid,p.21) e

seus escândalos amorosos. Sua revolta contra a sociedade,

afirmam seus críticos, é o fato de ser filho bastardo.


O registro é feito por Rodríguez Monegal que o

considera com traços existencialistas, numa época pré-freu-

diana e vai levando a explicação dos fundamentos de sua obra

para o aspecto psicológico e sociológico:

“Antes que Jean Genet, antes que Sartre,Roberto de


las Carreras descubre que su única salida es asu-
mir la imagen que los otros le han impuesto: lo
han hecho bastardo, y empezará por proclamarlo,
transformándose de víctima en victimario. De aquí
nace su poesía, de aquí su desafío, de aquí sus
desplantes y escándalo.”
44

(Grifo nosso)
(1969,p.16)

Do mesmo crítico, citado anteriormente, a convic-

ção de que o motivo do escrever era o ressentimento contra a

sociedade por ser filho bastardo:

“Tal vez no supo entonces ni haya llegado a saber


nunca que su título para la gloria literaria no
fue la publicación de esos numerosos folletos en
prosa y verso, en que ventiló su horrible resenti-
miento de bastardo...”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.34)

A tese que sustenta o crítico uruguaio sobre


Amor

Libre, de fundamentos sociológicos e psicoanalíticos, apenas

repete que Roberto de las Carreras deve sua criação literária

a sua rebeldia existencialista, por querer assumir a sua con-

dição de bastardo perante a sociedade a qual pertencia. Con-

tudo, afirma ainda mais a tese de outros críticos que diz

querer superar:
“Se ha querido explicar la leyenda(desmitificarla)
por un análisis de la sociedad que produjo estas
dos flores exóticas(...)se ha intentado explicar
por la presión del medio las estampas de estos
poetas malditos. Pero la explicación que sólo bus-
que por este lado estará fatalmente condenada a la
superficialidad.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.9)

Mais adiante, como para reafirmar sua própria con-


45

tradição, coloca o seguinte:

“Reducir a sus elementos sociológicos el caso de


Roberto de las Carreras o el de Delmira Agustini,
como han pretendido algunos críticos, es olvidarse
que en el mismo ambiente y en la misma época María
Eugenia Vaz Ferreira paseaba su bohemia magnífica,
escribía versos apasionados con destinatarios muy
conocidos...”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.66)

A estratégia utilizada por Rodríguez Monegal pode

denominar-se de redução psicológica. Toda a obra de Roberto

explica-se pelo traumatismo psíquico provocado pela bastardia

e, com isso, evita-se fazer uma análise da projeção ideológi-

ca, estética ou política da obra. Vê-se o problema biográfi-

co, mas não a solução estética que encontra Roberto, articu-

lando uma literatura de liberação sexual, o que é demonstrado

neste trabalho quando se analisa Amor Libre.

Não se duvida que o fato de ser bastardo influen-

ciou sua produção literária de ataque contra o que ele consi-

derava uma sociedade agropecuária com alarde europeu, impreg-


nada de costumes genealógicos. Não obstante, são poucas as

vezes em que o escritor menciona isto nas suas obras e com

um motivo muito especial: forçar a que lhe dessem sua parte

na herança do pai, como pode se observar em Al Lector, e de-

tectado por Rodríguez Monegal:


46

“Si bien el poema continúa subrayando su lamenta-


ble condición de bastardo, su redacción y hasta
publicación en un diario importante obedecen a
la necesidad de presionar a su familia para que
le reconozca su parte en la herencia paterna. La
actitud es doblemente bufonesca, ya que se pre-
senta como destituído pero lo hace com terrible
insolencia; pide alimentos y ropa, y al mismo
tiempo se burla de las convenciones burguesas...”
(Grifo nosso)
(1969,p.15)

Registro mais ou menos semelhante é feito por Án-

gel Rama, que justifica a razão de ser de Roberto pelo com-

plexo edípico. Esta seria a explicação do constante jogo de

sedução que praticava o escritor com todo tipo de mulheres, e

não somente as casadas:

“...decide asumir por entero la historia de su ma-


dre y ser un "bastardo" no en forma solapada sino
pública.”
(Grifo nosso)
(1967,p.12)

A crítica de Ángel Rama é outro tipo de psicolo-

gismo. Conseqüentemente, há novamente uma estratégia de redu-

ção dos valores literários, já que entende que Roberto escre-

ve sem seriedade e tem um grande apetite pelo escândalo. A


sinceridade, a autenticidade, o fundamental é o "apetite pelo

escândalo” como diz Rama (1967,p.24) que está disfarçado por

uma ideologia anarquista, que além disso, considera “confu-


47

sa”.

Os críticos zumfeldianos não explicam a atitude

negativa perante a teoria do amor livre, nem demonstram a

confusão de Roberto nem avaliam a consistência ou a coerência

das idéias do escritor. Este trabalho demonstra que não exis-

te confusão sobre a teoria do amor livre e que as idéias do

escritor, embora não aceitas e combatidas na época, são coe-

rentes. Os críticos não querem discutir o erotismo na obra de

Roberto alegando que não vale a pena e que suas teorias anar-

quistas são confusas. Trata-se de estratégias repressivas.

A estratégia de Rama é semelhante à de Rodríguez

Monegal: desconsidera o valor do anarquismo erótico alegando

que Roberto utiliza uma teoria confusa para dar seriedade a

algo que não é sério:

“... haciéndose el porta-estandarte del “amor


libre" según una confusa teoría de los libertarios
del siglo XIX que este dandy del 900 utilizó para
conferir seriedad a su apetencia de escándalo.”
(Grifo nosso)
(1967,p.24)

Assim, pode-se afirmar que as conclusões dos crí-

ticos zumfeldianos não são procedente porque:


a)em nenhum momento demonstram que o anarquismo de Roberto é
48

uma antigüidade porque sequer fazem referência às fontes ins-

piradoras de sua conduta anarquista, eles mesmos dizem que

não vale a pena aprofundar o estudo sobre o escritor;

b)também não demonstram porque a teoria do amor livre é con-

fusa, nenhum deles faz uma análise desta teoria. Como justi-

ficar essa opinião, em que se fundamenta?

A crítica de Angel Rama não apresenta provas docu-

mentais nem discute as idéias de Roberto para provar que o

escritor não conhecia bem os autores anarquistas e suas

idéias. Assim, assumindo esta frágil posição pode-se concluir

que Rama nega a originalidade do anarquismo de Roberto.13

Quanto à antigüidade das teorias anarquistas é um

argumento que não convence. Nenhum autor pode ser avaliado

pela atualidade de suas fontes, mas pelo uso que faz delas.

Também não interessa a proximidade do autor à fonte. Não in-

teressa o conhecimento direto ou indireto, mas a releitura,

ou seja, o horizonte de recriação. Roberto se sente discípu-

lo, missioneiro de Kropotkin:

“-¿Me tomas por un burgués? Yo soy el misionero


del Amor Libre...el discípulo de Kropokin
[sic]...”
(Grifo nosso)
(1967,p.98)
49

Além disso, Piotr Kropotkin não tem um século de

antigüidade, senão que é contemporâneo de Roberto, publicando

suas obras desde 1885.

Pode-se dizer que Roberto, com sua teoria do amor

livre, não é kropotkiniano, pois ele quer a aventura total:

se pudesse teria todas as mulheres do mundo. Kropotkin é

contra a instituição do matrimônio –a considera um acordo

comercial burguês-, a união que propõe é livre, isso não sig-

nifica que não haja fidelidade na relação. Isto levantaria

uma discussão muito profunda sobre quais são as fontes de Ro-

berto, que ainda é um tema obscuro pela total falta de críti-

ca adequada sobre seus livros.

Carlos Real De Azúa, quando estuda o vínculo entre

anarquismo e literatura no 900 montevideano, formula uma sé-

rie de observações que se acredita possam ser úteis para de-

monstrar em que grau relaciona anarquismo e literatura.

Segundo ele, todos os escritores modernistas, em

determinado instante, olharam com simpatia e aderiram, ou

não, às idéias anarquistas:


50

“Cual más, cual menos, casi todos los modernistas


miraron en algún momento de su formación con sim-
patía tibia o firme las corrientes de protesta y
reivindicación social, de inspiración socialis-
ta-marxista anarquista que iban tomando cuerpo en
las ciudades latinoamericanas.”
(Grifo nosso)
(1986,p.XIV)

Mais adiante, tenta dissociar e mostrar o discurso

como sendo aparente e superficial. O crítico observa que o

anarquismo não era de índole kropotkiniana e reduz esta pos-

tura a um individualismo exibicionista:

“Del famoso anarquismo de algunos modernistas ya


se ha señalado más de uma vez que -muy lejos de
la linea kropotkiniana- fue en substancia un so-
berbio yoismo exhibicionista...”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.XXVI)

O artigo de Real De Azúa demonstra uma tendência

na crítica tradicional uruguaia: o vínculo entre anarquismo e

literatura modernista é apenas uma demostração de egoísmo.

Igual que Rama, opina que exibicionismo e egolatria são a

causa psicológica e ignora a corrente anarco-individualista

e suas implicações ideológicas. Pode deduzir-se que aquele

crítico também condena esta ideologia.

As opiniões de Real De Azúa merecem algumas cor-

reções:
51

a)o egoísmo ou "yoismo", como é denominado, é uma atitude

claramente política, de repúdio ao tecnicismo e à massifica-

ção, de afirmação do indivíduo, e não um problema psicológi-

co;

b)adota uma atitude negativa perante o discurso anarquista


modernista uruguaio, pois se considera o anarquismo apenas

exibicionismo, a atitude política dos modernistas é apenas

uma bricadeira. A História prova o contrário, os modernistas

foram fortes militantes políticos.

O psicologismo, na explicação do anarquismo indi-

vidualista, é uma estratégia elaborada pelo críticos da cha-

mada “Geração do 45”, pois eles não aceitam as idéias sexuais

e políticas revolucionárias defendidas por Roberto. Para Ro-

dríguez Monegal, o escritor é um bastardo ressentido; segundo

Rama, tem apetite de escândalo; Real de Azúa diz que é um

egoísta.14

Esse enquadramento psicológico do anarquismo os

leva a ver a articulação entre anarquismo e literatura como

pouco consistente -ou um mascaramento ou um egoísmo. Os três

não percebem:

a)o conflito histórico que se estabeleceu entre as correntes

anarquistas, delineando uma dicotomia: individualismo versus


52

coletivismo;

b)que o vínculo entre literatura e anarquismo não é uma es-

tratégia superficial de Roberto, mas que é própria da articu-

lação do Modernismo com o anarco-individualismo latino-ameri-

cano, como sustentava o poeta Ruben Darío. Este vínculo tam-

bém se aprecia em amplas zonas da literatura européia, como

sustenta Rezler.15
Roberto de las Carreras não foi somente um ressen-

tido social, senão que partindo de seu ressentimento cons-

truiu uma utopia, idealizou um mundo no qual esse sentimento

não tem lugar.

2.2.2.1- O anarquismo e o Modernismo: um relacionamento tenso

Parece ter surgido uma interpretação equivocada

das divergências entre a vanguarda artística e a vanguarda

política do anarquismo, haja vista a exaltação do individua-

lismo pela primeira. Oscar Wilde, cujo dandismo é valorizado

por Ángel Rama, que ilogicamente não valoriza Roberto, consi-

derava a arte a manifestação suprema do individualismo. Na

sua obra A Alma do Homem Sob o Socialismo (The Soul of


Man

under Socialism), aprecia-se a incompatibilidade entre o in-

dividualismo anarquista do artista e o coletivismo anarquista

militante.16
53

De fato, anarquismo individualista é uma das cor-

rentes do anarquismo, que parece ser confundido com anarcos-

sindicalismo, ou anarquismo coletivista ou até comunista. Ho-

rowitz, considera que a corrente individualista do anarquismo

teve grande desenvolvimento exatamente na América.17

A arte livre, anarquista, individualista, é uma

arma contra a tirania. Reszler, diz que nasce do sentimento

de responsabilidade social do artista no fim de século XIX e

da convicção de um ideal que concede a máxima importância

aos direitos do indivíduo. Segundo este autor, há pontos de

contato entre o esteticismo e anarquismo individualista e o

coletivista: ambos se opõem à sociedade materialista, à mas-

sificação tipo ianque, ao comércio da cultura, à uniformiza-

ção do pensamento, ao submetimento da arte a uma autoridade

que não seja a própria; nem se conformam, nem se submetem.

A relação entre Modernismo e Anarquia é tensa,

pois enquanto muitos escritores modernistas se sentem anar-

quistas ou definem a arte modernista como ácrata -o não reco-

nhecimento de modelos, obrigação de encontrar o próprio esti-

lo, a arte livre-, os anarquistas operários, sindicalistas ou

coletivistas defenderam uma literatura militante ideológica e


54

não aceitaram o sensualismo formal do Modernismo e a estética

elitista.18

Lily Litvak supõe um entendimento provisório e de-

pois uma crise em 1905-1910, conforme comenta:

“Posiblemente la crisis de esta colaboración inte-


lectual llega durante los años 1905-1910, cuan-
do se da materialmente por disuelto el anarquismo
literario. Hasta estas fechas, sin embargo, la es-
trecha unión del proyecto regeneracionalista edu-
cativo, del proyecto estético modernista y del
proyecto sociológico resulta evidente. Aun cuando
los intelectuales y el anarquismo se separan luego
en direcciones contrarias, su punto de encuentro
en esos años pudo haber estado basado en una vi-
sión crítica del presente.”
(Grifo nosso)
(1981,p.270)
Obviamente o anarquismo modernista fundamenta-se

na defesa do indivíduo e suas bases filosóficas são Stirner e

Nieztsche. Isto provocaria um conflito com o anarquismo comu-

nista e o anarcossindicalismo cujos fundamentos são coletivos

e solidários. Não há documentos que provem que esta tensão

tem sido estudada no Uruguai ou no continente. Portanto, po-

de-se dizer que Roberto filia-se a uma corrente de anar-

quismo aristocrático, enquanto outros escritores uruguaios,

como por exemplo Angel Falco, evoluem para uma literatura

modernista de anarquismo operário.

No âmbito da literatura, os escritores podiam se-

guir a corrente modernista, mas na política eram anarquistas.


55

Segundo Reszler(1973), muitos poetas e escritores simbolistas

e parnasianistas franceses estavam à cabeça de revistas e

jornais anárquicos e até advogavam pelos camaradas presos,

cumprindo o que pregava Kropotkin:a participação ativa do ar-

tista e do inteletual como camarada de luta, não como elite

dirigente.

2.3- Crítica ao cânon

Questiona-se por que até hoje ninguém criticou li-

terariamente as vigências éticas, estéticas e sociais que as-

sumiu com autenticidade o referido escritor.

Os críticos desarticulam, isolam, dicotomizam o

aspecto biográfico do literário. Resulta paradoxal, porque

lêem o elemento biográfico como se fosse um discurso literá-

rio autônomo do discurso estético e vêem no autor um persona-

gem narrativo, ou seja, estetizam a vida para desestetizar a

obra. O procedimento crítico é inverso àquilo que propõe o

autor: fundir o aspecto biográfico e o estético de forma tal

que o vital seja obra de arte e a arte uma forma de vida. Al-

go que pode-se chamar de estética dandista. Os críticos tra-

dicionais, a propósito, não fazem esta fusão de vida e obra,

pelo contrário acentuam a separação dos elementos.


56

A importância que a crítica tradicional outorga a

Roberto de las Carreras é considerá-lo:

a)introdutor do Modernismo no Uruguai. Ángel Rama, refere-se

à obra Al Lector,onde encontra traços estéticos do Modernis-

mo:

“En Al Lector en cambio domina el escepticismo, el


subjetivismo frenético y la inestabilidad, dentro
de las coordenadas de una estética que todavía
Montevideo no sabe que se llama "modernista".”
(Grifo nosso)
(1967,p.19)

b)representativo de sua época. Arturo Sergio Visca, até acha

interessante um livro sobre Roberto, mas que evidencie a sua

representatividade histórica:

“Un libro que sin dejar de atender a lo anecdótico


y lo pintoresco, no descuidara lo realmente impor-
tante del personaje: su representatividad históri-
ca, ya que asumió con autenticidad innegable las
vigencias éticas, estéticas, sociales de ciertos
grupos de la intelectualidad uruguaya de comienzos
de este siglo, sincrónicas, por lo demás, con las
producidas por la sensibilidad fin de siglo en to-
do el ámbito de la cultura occidental.”
(Grifo nosso)
(1975,p.XVIII-XIX)

O já citado Visca, considerando a obra do escritor

uruguaio como testemunho da época, no aspecto social, literá-

rio e intelectual, anota:


57

“Todos los textos de Roberto de las Carreras im-


portan, desde luego, más que por sus valores in-
trínsecos por su carácter testimonial en triple
sentido: muestran aspectos interesantes de la so-
ciedad montevideana de principios del siglo XX,
dibujan ciertos perfiles de la literatura y del
clima intelectual del mismo período y aportan da-
tos de la vida de uno de sus representantes más
significativos, ya que no por su obra sí por su
vida. Es en función de este valor testimonial que
deben ser leídos. Sólo así tendrá sentido su lec-
tura.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.XXII)

c)influidor de Julio Herrera y Reissig no anarquismo e no

erotismo. Rodríguez Monegal considera que essa é a maior gló-

ria literária de Roberto:

“Pero la mayor gloria literaria de Roberto de las


Carreras no radica en lo que há creado, sino en lo
que supo despertar en otro.”
(Grifo nosso)
(1969,p.26)

d)medíocre na sua produção literária. Todos os críticos tra-

dicionais coincidem em que o escritor uruguaio consegue ape-

nas alguns momentos de realização, segundo eles não há conti-

nuidade de acertos que sustentem a obra. Zum Felde faz os

primeiros comentários:

“Lo que ha escrito -aun cuando tenga páginas de


apreciable mérito literario- es sólo un reflejo de
su acción...”
(Grifo nosso)
(1821,p.47)
58

Rodríguez Monegal diz o seguinte:

“Una mirada crítica salvará tal vez muy poco de la


copiosa y caótica producción en prosa y verso que
lleva la firma de Roberto de las Carreras. Es la
suya uma curiosidad de la literatura uruguaya.
Aunque tiene algunos méritos. (...)Pero como pro-
sista (...)registra aciertos.”
(Grifo nosso)
(1969,p.26)

Roberto é considerado um grande versificador, cor-

reto tecnicamente, mas não um poeta. Rama escreve o seguinte

sobre o brilhante domínio da técnica do alexandrino:

“...el modernismo ha entrado al país proporcio-


nándole las condiciones para fundar una lírica au-
tónoma. La consignia fue la lucha contra el fili-
teismo burgués, su falsa moral, su falsa cultura,
su falsa política (...) Manejando esgrimística-
mente el verso alejandrino, Roberto de las
Carreras (1873-1964) alternó el desdeñoso “spleen”
con la provocación, y en una prosa poética de re-
cargada pedrería proclamó el amor libre.”
(Grifo nosso)
(1968,p.XXXII)
Também Visca, refere-se à técnica do escritor:

“Roberto de las Carreras se manifiesta como versi-


ficador diestro -y con rara maestría en el manejo
del alejandrino-…”
(Grifo nosso)
(1975,p.XX)

A crítica tradicional evita ou torce as idéias so-

sobre política sexual contidas no discurso dos escritores mo-


59

dernistas uruguaios, quando característica da subversão se-

xual é praticamente uma norma, conforme coloca Cortazzo:

“Por mi lado, estoy llegando, cada vez com más


firmeza, a la convicción de que la "norma moder-
nista" en Uruguay,incluye precisamente la subver-
sión sexual, como lo deja ver un relevo de este
aspecto en ciertos textos de Reyles, otros de Qui-
roga, Sanchez y su tesis libertaria del amor,
repudios a convenciones femeninas en Maria Eu-
genia, Herrera y Reissig, cuyo insólito El Pudor
y La Cachondez acaba de ser publicado, pero -y,
por sobre todos- el gran teórico de la “revolución
sensual” Roberto de las Carreras, sin contar
con escritores desatentidos y menores.”
(Grifo nosso)
(1996,p.7)

Há, por parte de Zum Felde, uma tendência repres-

siva na apreciação, na valoração da literatura sexual moder-

nista. Esta estratégia é seguida, copiada e ampliada sem

oposições, conforme afirma Cortazzo, quando analisa a inter-

pretação antierótica de Delmira Agustini proposta por Zum

Felde:

“Por otro lado, no deja de sorprender el hecho


de que esta interpretación haya hecho escuela y
gozado de tanto predicamento en el medio uruguayo.
Las oposiciones muy escasas que se le han hecho,
parten de um concepto tan pobre y elemental de
la sexualidad, que poca mella han producido en la
visión idealista. Esta deficiencia arranca segura-
mente de la concepción espiritualista y represiva
de la cultura que se consolida en los años 20. Una
crítica sexual pondría seguramente al descubierto
la validez de esta hipótesis que, por lo pronto,
la trayectoria de Zum Felde ilustra paradigmática.
Pero antes, creo más urgente colaborar a desblo-
quear la interpretación represiva del modernismo
uruguayo que nos ayudaría a comprobar la existen-
60

cia de una auténtica propuesta de revolución se-


xual entre muchos de los artistas de la época.
Propuesta que nos ha sido ocultada sistematicamen-
te por la crítica.”
(Grifo nosso)
(1996,p.67-68)

Barrán(1990) sustenta que houve um disciplinamen-

to, uma série de proibições e culpas, de contenção das pul-

sões, de vigilância das mulheres, das crianças, dos adoles-

centes e das classes populares em favor do trabalho e do pu-

dor, que fixaram as bases do conservadorismo uruguaio no 900

e gerações posteriores. Os críticos da chamada Geração do 45

respiraram a esta atmosfera de repressão, logo assujeitaram-

se e passaram a refletir nas suas críticas o conservadorismo

imposto por seus antecessores. À luz da AD, os indivíduos re-

cebem como evidente o sentido daquilo que ouvem, dizem, lêem

ou escrevem, ou seja, repetem como coisa sua noções que lhe

são inculcadas, ou como dizem Pêcheux e Fuchs (1975) “...de

al modo que cada um seja conduzido, sem se dar conta, e tem-

do a impressão de estar exercendo sua livre vontade, a ocu-

par o seu lugar em uma ou outra das duas classes sociais an-

tagonistas do modo de produção (ou naquelas categoria, camada


ou fração de classe ligada a uma delas).”19

2.4- Reações à crítica


61

Nem todos os críticos uruguaios compartem do ponto

de vista legado por Zum Felde. Críticas recentes propõem res-

gatar o discurso de Roberto de las Carreras e revisar o seu

conteúdo político-sexual revolucionário, a subversão do gêne-

ro literário, a formação discursiva e ideológica a que se fi-

lia.

Ricardo Goldaracena, em evidente alusão aos críti-

cos Zumfeldianos, chama-os "los guardianes de la leyenda”

(1979 p.15). Ele comenta que os críticos seguiram os juízos

deixados por Zum Felde:

“La leyenda es muy hermosa, y las cosas hermosas


no deben ser destruídas. La dejó fijada hace ya
unos cuantos años em páginas magistrales, don Al-
berto Zum Felde, y desde entonces hasta el día de
hoy há ido rodando de autor en autor, de comenta-
rio en comentario, de prólogo en prólogo, acrecen-
tada día a día con una anécdota más con una
historia más.”
(Grifo nosso)
(1979,p.17)

Goldaracena também divide a opinião de que a in-

trodução da corrente literária denominada Modernismo, no am-

biente literário uruguaio, deve-se a Roberto:

“...el descubrimiento del modernismo -del cual de


las Carreras es aquí el pionero- esa sensibilidad
estética finisecular, tan a la francesa, que vino
a conjugar los hallazgos del perfeccionismo parna-
siano de raíz baudeleriana con los deslumbramien-
tos de la corriente simbolista influida por Ver-
62

laine y Mallarmé.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.28)

Mais adiante, o mesmo crítico adiciona:

“Y efectivamente, a Roberto de las Carreras le ca-


be la gloria de haber sido el introductor de esta
corriente en el Uruguay.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.30)

Porém, o citado crítico uruguaio apenas reivindica

o aspecto poético de Roberto, o que já é meritório, mas não

resgata e não aprofunda o aspecto ideológico. Somente vê as

condições de produção do discurso de Amor Libre como uma ma-

nifestação das idéias da época no contexto da discussão pela

aprovação da lei do divórcio pelo Parlamento uruguaio, mas

não analisa o amor livre e o anarquismo e se teriam atualida-

de suas idéias. Reduz, então, o valor do discurso robertiano

a um momento histórico.

Recentemente, Uruguay Cortazzo, em duas conferên-

cias (1994 e 1995) responde a esse questionamento e levanta

uma série de observações sobre o aspecto político e erótico

da obra de Roberto, com uma proposta de vincular o escritor

ao movimento neomasculinista.20
2.4.1- A necessidade de rever o discurso robertiano
63

Um juízo que realmente chama a atenção é o formu-

lado por Rodríguez Monegal, que em várias oportunidades diz

ver algo mais na obra de Roberto de las Carreras. Contudo,

chega-se ao fim da obra sem se ter a resposta do que seja

esse algo mais:

“Había en los casos de Roberto y Delmira mucho más


que una rebeldia contra las valoraciones sexuales
y poéticas del medio burgués.”
(Grifo nosso)
(1969,p.9)

Da mesma forma, mais adiante diz:

“Es algo más que un documento aunque sea sobretodo


documental.”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.26)

Esse "algo mais" são as implicações político-se-

xuais e a postura estética contidas na obra do escritor uru-

guaio.

Acredita-se que a obra de Roberto de las Carreras

não é superada, nem simplesmente representativa de uma época

passada, pelo contrário, é uma obra inovadora, original e que

propõe ao homem e à sociedade novos rumos de comportamento

através de uma sexualidade politizada. Propõe uma igualdade


64

de relacionamento entre homem e mulher, sem necessidade de


humilhação nem de superioridade, seja ela qual for. Como um

visionário, um profeta, adianta-se à sua época e renuncia à

sua condição de "macho", ao poder do falo, para abrir um ca-

minho, uma corrente atualíssima, que hoje, no fim do século

XX, denomina-se "nova masculinidade".

Cortazzo, durante uma conferência, em 1994, sus-

tenta que Roberto de las Carreras não é apenas um represen-

tante de tendências mortas do chamado 900 montevideano, senão

o criador de uma estética de idéias libertárias e feministas

que questiona a identidade masculina. Na oportunidade, ele

diz:

“En efecto, de las Carreras no es um simple tipo


representativo de tendencias cultura- les ya muer-
tas, ni un divertido y extravagante personaje que
decora el novecientos montevideano. Es el creador
de un esteticismo beligerante que lo llevó, al
asumir ideologías libertarias y feministas a cues-
tionar la propia identidad masculina.(...)El enfo-
que sexo-político de nuestro modernismo, no com-
firmaría la presunción feminista (que he venido
escuchando en algunas conversaciones sostenidas
con distintas investigadoras) de que el modernismo
es un movimiento machista. Habría que háblar con
más propiedad de campos machistas, áreas feminis-
tas e incluso -y esto me resulta lo más novedo-
so -de territorios neo-masculinistas, como lo
evidencia la obra de Roberto de las Carreras.”
(Grifo nosso)
65
66
67

3. Amor Libre
3.1- As condições de produção da obra

Amor Libre, publicado em 1902, narra o processo

insólito do autor que aceita o adultério da sua mulher, Ber-

ta, com o objetivo final de se transformar em amante. Imbuído

das idéias anarquistas, apresenta um novo protótipo de homem

e propõe uma forma diferente de relacionamento cuja condição

essencial é a liberação da mulher. Como resultado surgiria

uma nova sociedade, mais humana, sincera e livre.

O escritor reconhece que para se tornar amante,

livre das opressões, da relação de poder e propriedade que

sustentam o marido, deve "matar" o macho interior:

“Nosotros, los feministas, debemos apuñalar al


monstruo interior, al Mâle Originel!”
(Grifo nosso)
(1967,P.74)

A obra é uma auto-entrevista em que Roberto de las

Carreras, personagem, é apresentado, por momentos, como um

pedante anarquista, um elegante aristocrata, um dândi que


68

discursa espalhafatosamente sobre anarquia e um jornalista

anarquista, ingênuo, admirador do escritor.

A obra está composta por três entrevistas, que o

escritor pomposamente denominou: Interviews Voluptuosos. Ne-

les, o aristocrata anarquista, profeta do amor livre, narra o


choque que provocou na sociedade montevideana o fato de ter

encontrado sua esposa, Berta Bandinelli, em flagrante com ou-

tro homem e a posterior reconciliação.

No Primer Interview, Roberto parabeniza Berta por

ter aprendido e praticado seus ensinamentos anarquistas e não

ter reprimido seus impulsos sexuais.

No Segundo Interview, o escritor faz uma palestra

sobre a liberação da mulher, as teorias anarquistas sobre a

sociedade burguesa e as relações matrimoniais.

No Tercer Interview, Roberto narra a reconciliação

com Berta; sua guerra interior para renunciar ao "macho an-

tropóide", assumir o novo homem, o amante, e então, liberado

dos preconceitos, viver sua aventura anarquista.

Interessante é o fato que os Interviews foram pu-

blicados como panfletos, num periódico, e o primeiro foi dis-


69

tribuído no dia 25 de agosto -independência do Uruguai- no

Teatro Solís -ponto de encontro da alta sociedade montevidea-

na. Foi uma estratégia política refinada: um ato de terroris-

mo literário, um texto de um exibicionismo sexual intolerável

para a sociedade da época, divulgado o dia da declaração da

independência do país -como se fosse a declaração da indepen-

dência do autor, do indivíduo, contra a sociedade burguesa,


que relacionada ao exibicionismo sexual biográfico transgride

as normas. A personagem do jornalista anarquista qualifica o

fato de "sarcasmo premeditado"(1967,p.71)

3.2- A ruptura e os efeitos de sentido. A subversão do gênero

Rama diz que a obra de Roberto de las Carreras es-

tá penetrada de material autobiográfico e dados da vida real

que o autor integrou à literatura:

“...está penetrada de materiales autobio-gráficos


-apelando a datos y referencias de su vida
corriente y trasladándolos casi sin retoque a la
literatura.”
(Grifo nosso)
(1967,p.17)

Goldaracena diz que homem, obra e lenda são indi-

visíveis no escritor uruguaio:


70

“El homem, la obra y la leyenda serán siempre los


tres aspectos indisociables de Roberto de las
Carreras.”
(Grifo nosso)
(1979,p.73)

Não interessa se é autobiográfico pois não há ne-

cessidade da verdade ou realidade. Aliás, este é um grande

mérito de Roberto de las Carreras, a paródia e a ironia dos

textos provocam uma crise com a verdade e com a realidade,

tal como a sociedade entende esses conceitos.

Chamam a atenção as diversas análises que os


In-

terviews sofrem. Rama os considera hilariantes, uma vez que

não há possibilidade de interpretar fielmente os acontecimen-

tos. O autor modificou-os, ou melhor, ficcionou-os completa-

mente:

“...nadie sabrá nunca lo que realmente ocurrió ni


importa, dado que Roberto de las Carreras susti-
tituyó toda posible interpretación fiel de los su-
cesos con un hilarante relato que hizo aceptar a
la ciudad.”
(Grifo nosso)
(1967,p.33)

Goldaracena considera os Interviews agressivos,

devido ao fato de não serem nenhuma brincadeira do escri-

tor, apesar de utilizar a ironia. Esclareça-se que a ironia

fere mais que a verdade dita em tom de brincadeira. Tanto não


71

é brincadeira, que coloca em xeque a instituição matrimonial

e participa de um dos grandes debates sociais da época: o di-

vórcio, que acabou sendo aprovado pelos legisladores:

“Yo no diría "hilarante"; diría en todo caso


“agresivo", "chocante", porque esto no iba en bro-
ma, iba muy en serio, no obstante la sin par iro-
nía de la presentación y estaba destinado a ter-
ciar en una polémica nacional, contexto histórico
ineludible para quien analice los hechos acaecidos
en el Uruguay en 1902.”
(Grifo nosso)
(1990,p.42)

Pode afirmar-se que por ser hilariante não deixa

de ser agressivo. Neste ponto os dois têm razão. A ironia


aparece como elemento, não de brincadeira, mas de política. O

autor, de forma irônica, expõe seus defeitos com um toque de

de exibicionismo.21

Amor Libre é apresentado como uma entrevista jor-

nalística. Mas é uma pseudo-entrevista, ou uma entrevista

fictícia, porque o escritor cria o personagem jornalista. Es-

te fato produz um efeito paródico do gênero, porque é uma

falsa entrevista relativa, no entanto, a um fato real. Por

isso, questiona um dos fundamentos do gênero jornalístico: a

autenticidade, o caráter testemunhal próprio da crônica. Ou-

tro efeito paródico é produzido pela própria notícia. Não é

um fato público ou de um acontecimento notório, não é um


72

acontecimento político, nem policial, nem cultural, nem es-

portivo. É apenas um acontecimento estritamente particular

que se veste de sensacionalismo, como se fosse um importante

acontecimento de interesse nacional. Trata-se da luta defla-

grada por um indivíduo contra a burguesia uruguaia.

Estas entrevistas desenvolvem-se em tempos dife-

rentes e acabam constituindo uma narração como se fosse uma

novela folhetim. O tema é o desespero de um anarquista, quan-

do vê suas teorias transformarem-se em realidade e a luta pa-

ra continuar fiel a seu ideal. É a assunção pragmática da

doutrina sexual anarquista.

A história tem vários momentos: o engano, a sepa-

ração, a crise ideológica, a aproximação, a reconciliação. Ao

mesmo tempo, há uma transformação psíquica dos personagens,

os esposos que se transformam em amantes.

Na última entrevista, o escritor narra o encontro

e a transformação de esposos em amantes. Nesta última parte,

há como uma dissolução da entrevista, cujo fecho não está da-

do pelo jornalista, mas pela voz de Roberto, personagem que

sustenta quase todo o discurso -como um monólogo teatral.


73

Dentro do gênero “entrevista”, constatam-se algu-

mas rupturas. Apresentam-se no discurso robertiano perfeita-

mente encaixadas: a)o diálogo jornalístico; b)a narrativa

epistolar; c)o relato monologado.

Das classificações feitas dos Interviews –panfle-

to, folhetim, reportagem jornalística- nenhuma delas envolve

o conceito de autobiografia como gênero literário. Pode-se

considerar que a entrevista deve ser classificada também como

autobiografia, pois o escritor conta suas próprias experiên-

cias e coloca-se como exemplo de suas pregações.

A autobiografia encontra-se em estreito relaciona-

mento com as narrações, os diálogos, as cartas e com a crôni-

ca como no jornalismo moderno. E tem sucesso; acontece um


processo de assimilação ou naturalização por parte do leitor.

Os procedimentos empregados -descrições, diálogos, retratos,

cartas, reportagem, crônica, narrações alternadas- aparecem

homogeneizados.

A apologia autobiográfica é misturada pelo autor

com outros gêneros para conseguir o efeito defesa-ataque. Há

uma consciência plena e dirigida em tudo o que faz. Podemos

encontrar estes traços de forma consciente, intencional. Tra-


74

ta-se de um grito abafado pela mediocridade do ambiente, um

grito sofisticado, ultraculto. Resulta curioso e avançadís-

simo este mecanismo de defesa-ataque na época e, por isso,

talvez, difícil de ser entendido pela crítica tradicional.

A autobiografia, desde o momento que passa a ser

uma obra literária, traz com ela certa infidelidade além de

outros fatores deformadores. O problema da verdade na auto-

biografia resume-se a que ela não é verídica justamente por-

que é autobiografia. Quanto à sinceridade, apresenta o mesmo

problema da verdade. Não há como saber até que ponto o autor

chega a ser sincero, assim como não há como saber os motivos

que podem ter levado o escritor à devassa de tais aconteci-

mentos íntimos, a menos que se analisasse o discurso ideolo-

gicamente.

O cruzamento de biografia e literatura pertence à


estética dândi do escritor uruguaio. Ele faz da vida uma

ficção, reinventa-se como ser humano. Faz da biografia uma

ficção e da literatura um documento vital.

A exibição nua e crua de sua condição de bastardo,

como se um título nobilístico fosse, o escândalo inclusive

até o risco físico, a condição de marido traído que aceita


75

com total naturalidade e humor, colocando-se inversamente co-

mo amante é resultado de um hábil jogo de subversões –geno-

lógica e ideológica.

O dândi Roberto convida o leitor a rir de fatos

que foram causa de embaraço, aborrecimento e raiva. Quando

encontra Berta com o amante -para ele o verdadeiro marido,

por que faz uma inversão de papéis na relação- reage como era

de se esperar: com violência. Comete o que chama de “atroci-

dade”: lhe dá uma bofetada e depois se arrepende:

“Al hallarlo in fraganti con mi Favorita, cedí a


un arranque heredero de mis antepasados de las
cavernas, y del qual me arrepiento: le di una bo-
fetada.”
(Grifo nosso)
(1967,p.69)

Essa agressão é inóqua, uma paródia. Debochar de

uma situação aparentemente trágica dá um toque de humor crí-

tico, de ironia, não compreendido pela crítica, a tal ponto

que o gesto é qualificado por Rama de "vaidade pueril”


(1967,p.35). Com graça e argumentos desopilantes, o autor

ironiza a violência dos maridos burgueses contra a mulher

adúltera.22

A ironia destrói toda afirmação certa e tira o


76

dogmatismo do panfleto. Há um distanciamento entre o narrador

Roberto e o personagem, criando um espaço que encerra uma

perspectiva de burla -pedante, retórico, espalhafatoso- que

impede que o discurso funcione como asseverativo e dogmático.

A ironia funciona, quando esse efeito ambíguo de seriedade

burlesca e de burla séria impede uma leitura ingênua e auto-

ritária e obriga o leitor a uma atitude crítica. Até a apre-

sentação do jornalista entrevistador, admirador do Roberto

personagem, é parodística.

A genialidade dos Interviews Voluptuosos está na

perspectiva irônica que adota o narrador perante o anarquismo

do personagem, deixando a veracidade biográfica e ideológica

enquadrada num campo sutilmente humorístico. Cortazzo, duran-

te uma conferencia, em 1994, comenta:

“Su anarquismo se manifiesta, así, en este efecto


estético de recular humorísticamente cada vez que
las actitudes y las ideas se vuelven demasiado
graves y trascendentes y se corre el peligro de
quedar aprisionados en una rigidez pétrea. La son-
risa irónica siempre está ahí para desarticular la
pretensión abusiva de verdades que pueden preten-
derse absolutas.”
(Grifo nosso)

Há uma leitura libertária afastada da ingenuidade

e da candura da literatura anarquista daquela época.

Não é procurado o efeito persuasivo imediato, nem


77

O documental e informativo do jornalismo, nem a veracidade

realista ou naturalista.

Roberto, como os modernistas, é crítico, humorista

corrosivo. A ironia e a paródia utilizadas por ele convertem-

se nas suas armas contra a burguesia capitalista emergente.

Vive marginalizado do sistema, ostentando uma aristocracia

espiritual. A sua arte deixa de ser o veículo de servilismo

às oligarquias, para passar a ser instrumento de protesto

contra qualquer intenção utilitarista.

Contra o positivismo pragmático e a realidade, que

que consideram deturpada e deformante, os modernistas opõem o

onirismo fantasioso, o esoterismo, a lenda e o exótico. Saúl

Yurkevich formula o seguinte comentário:

“Los modernistas son los maestros de la parodia y


del pastiche(...)El arte, desgravado de función
trascendental (sagrada, cívica, mágica, profética,
gnómica), de objetivos ajenos al deleite estético,
se vuelve sobre sí mismo para acrescentar la con-
ciencia de su especificidad, de su tecnicidad,de
su autonomia. Se vuelve autosuficiente, forma-
lista, suntuario, superfluo con respecto a toda
valoración utilitarista.”
(Grifo nosso)
(1976,p.12-13)

A veracidade exigida pela crítica está questionada

pela evidente ficção irônica da entrevista. A ironia “é a fi-


78

gura de retórica que supõe uma certa posição do sujeito dian-

te da verdade, forma invertida”(cf.Brait:1994,p.45). O Rober-

to personagem coincide com o Roberto autor na sua totalidade,

mas está apresentado através dos olhos de um jornalista ingê-

nuo e militante. E ambos são apresentados por Roberto escri-

tor com um afastamento humorístico. Há uma dupla distância

narrativa. A intenção do escritor é destruir a seguridade in-

gênua do realismo -própria da narrativa burguesa- para mos-

trar os aparelhos ficcionais nos quais a realidade sempre

aparece, e, dessa forma, ao mesmo tempo, abre-se uma nova

possibilidade: as probabilidades realistas da ficção.


Amor

Libre mostra assim que a utopia não é um não-lugar, mas uma

evidência jornalística.

No gênero jornalístico, pode-se dizer que o fator

ficção está severamente sob controle ou requer idealmente um

grau zero de ficção. Na autobiografia, acontece algo seme-

lhante. O efeito da veracidade também se vê reforçado pela

consistência ideológica da teoria que se expõe.

Amor Libre também pode-se considerar um ensaio so-

bre a teoria do anarquismo sexual -sem chegar a configurar um

dogma. Roberto escreve para ilustrar suas teorias. Ele é um


79

exemplo de trangressão de códigos e, ao mesmo tempo, modelo


da nova conduta sexual que prega.

Os motivos que podem ter levado a essa crônica ou

reportagem autobiográfica são vários. Talvez a necessidade de

reconstruir uma vida, para compreendê-la, para chegar à con-

clusão de que a identidade do eu e as convicções político-mo-

rais continuam intocáveis. Quiçá a necessidade de justifica-

tificaçâo, de corrigir, de apresentar sua verdade, por alega-

ções caluniosas, muitas vezes com intenções de burla.

Pelo anteriormente exposto, entende-se que Roberto

tinha motivos chave para:

a)politizar sua vida cotidiana;

b)apresentar-se como paradigma, como exemplo revolucionário;

c)apresentar-se, ele mesmo, como prova de seu heroísmo anar-

quista.

Roberto cruza os gêneros -elementos biográficos,

entrevista, ensaio, manifesto,panfleto- que reclamam, tradi-

cionalmente, o mais elevado grau de veracidade, de autentici-

dade, de contato direto com o real, de contemporaneidade e de

atualidade -conceito importantíssimo para o gênero jornalís-

tico. E adiciona uma forte dose de ficção e, principalmente,


80

de corrosiva ironia, ou seja, utiliza a ironia ”como forma de

cortar a ilusão criada pela própria obra de arte(…) contestar

o domínio do racional” (Brait,1994,p.33), criando "um efeito


de sentido humorístico e que poderá ser interpretado via ima-

ginário político e sexual"(Ibid,p.38).

Através do cruzamento de gêneros, de um gênero hí-

brido, o escritor faz que sua vida particular adquira uma es-

pectacularidade estética que culmina com a politização dos

fatos cotidianos.

A subversão está nesse gênero híbrido. Mas também

está na fusão de gêneros que são considerados marginais.

3.3- A subversão ideológica. Anarquia e sexualidade

Roberto sustenta em Amor Libre a teoria de que não

existe anarquia sem revolução sexual. Mas, para que isso

aconteça é necessário uma mudança de atitudes, há que se me-

xer no arcabouço da sociedade e do relacionamento homem-

mulher:

a)combatendo a monogamia, o matrimônio. Esta é uma forma de

repressão da mulher, sobre a qual o homem -o marido- tem ex-

clusivos direitos sexuais. A mulher não pode usufruir de seu


81

corpo e satisfazer sua vontade sexual e, quando se entrega ao

amante, ao adultério, justifica-se a morte pelas mãos do “do-

no", ou seja, do marido:

“-Se niega a la mujer la propiedad de su cuerpo.


No puede hacer uso de él más que parael Marido. Si
dispone, por un derecho elemental, de su don de
vida en beneficio del amante, arrastrada irresis-
tiblemente por la Afinidad Electiva, soberana dis-
pensadora del bien de Amor, único criminal al que
no se escuchan atenuantes, su dueño la degue-
lla!...”
(Grifo nosso)
(1967,p.74-75)

A filiação do escritor uruguaio à corrente divor-

cista é notória, não somente pela publicação de sua obra


Don

Amaro y el divorcio23, mas também em Amor Libre, quando no

Segundo Interview Voluptuoso, considera o divórcio um escape,

mas não a solução:

“-Que utilidad concede usted al divorcio en los


conflictos de la Afinidad Electiva?
-Es una puerta de escape al Amor libre. Pero no
basta. Hay que destruir el vínculo!”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.76)

b)defendendo o direito inalienável da mulher de dispor de seu

corpo. Ninguém pode atribuir-se o direito de propriedade so-

bre ele. Seguindo as idéias anarquistas individualistas, le-

vanta-se contra a opressão da pessoa, principalmente da mu-


82

lher, que considera sob o jugo do homem, neste caso do mari-

do. Incita a quebrar este relacionamento de propriedade:

“Expropiemos la mujer!!!”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.74)

No Terceiro Interview, Roberto de las Carreras,

personagem, quando tece um diálogo com Berta, sua amada, diz-

lhe que é completamente livre para fazer o que quiser com seu

corpo, desejo e sensações:

“-...La propiedad de tu cuerpo nadie puede dispu-


tártela. Eres dueña de tus placeres, libre de
amar, de gozar a tu antojo…”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.98)

E mais adiante, consolida a posição:

“...Eres libre por el mágico poder de la Anarquía.


Yo arrojo los pedazos de tus cadenas rotas a la
faz de los legisladores! ¡Yo pisoteo la Ley! Si
no puedo con el solo vínculo del sexo aprisionar
en mis redes de amorosos el colibrí tornadizo de
tu fantasía, te entrego al espacio. A vivir, di-
chosa libertada!”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.117)

c)incitando e instigando a mulher à liberação sexual:

“-Esclava del hombre, libérate. La hora ha llega-


do. Los eslabones de tu cadena han sido entrea-
83

biertos por la Idea, nuestra sublime aliada. Un


esfuerzo y eres libre. No creas en la Virtud, no
creas al Deber,no creas al Honor. El Tirano te en-
gaña para oprimirte. Rebélate!”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.86)

d)dando à mulher, no caso Berta, um papel ativo e não mais

passivo na relação, como podia esperar-se das montevideanas

na época. Ela escreve, ela procura, ela vai ao encontro dele

e o "ataca" sensual e sexualmente. Não é o homem(Roberto) que

toma a iniciativa:

“Se abalanzó a mi boca, poseyéndola, abarcándola


con un gran mordisco clavado fijo. Sentí su len-
gua...carnosa, dura, húmeda de licor viscoso. La
agitó, trémula, en mi boca; impaciente, con prisa;
febril por evocar al macho, segura de que mi
sensualidaddespierta sería su Victoria. Me
ablandó … me reconquistó hasta el fondo de los
sentidos!”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.95)

Fora todo o simbolismo que possa extrair-se da

narração/descrição do ato sexual propriamente dito é impor-

tante assinalar, mais uma vez, o papel ativo que Roberto dá à

mulher. Esse papel, inclusive, mais adiante no texto, está em

evidência, quando, no ato de amor, Berta está sobre ele, ou

seja, a mulher não desempenha o papel passivo, não está domi-

nada nem submetida:

"Su cara se desencajó retratando uma vehemente


84

súplica muda...
Febricitante:
-Tú, sobre mí...”
(Grifo nosso)
(Ibid,p.97)

E para que não fique nenhuma dúvida:

"Ella estaba sobre mí..."


(Grifo nosso)
(Ibid,p.98)

Chama a atenção esta evidência porque propõe uma

transformação do papel masculino, abre a possibilidade da li-

beração da mulher, reconhece a igualdade -ou seja, lhe dá um

papel ativo na relação- e admite também a entrega do homem às

arremetidas da mulher. Uma novidade a respeito do conceito

tradicional de masculinidade. Mais do que isso: uma verdadei-

ra revolução dos conceitos.

Roberto aceita Berta sob as condições que escolheu

como modelo de vida. Ela volta vitoriosa, embora ele adote

uma postura de sedutor. Ele não tem o orgulho do macho feri-

do, não não se considera um marido traído. A vitória final do

Interview não está na volta da esposa adúltera, senão na

aceitação irrestrita e sem condições por parte de Roberto,

que reconhece os mais sublimes valores anárquicos. É o triun-

fo consolidado do discurso anarquista e a abertura de uma no-


85

va trilha de política sexual à procura de uma nova masculini-

dade.

Roberto de las Carreras empreendeu o caminho da

mudança do papel masculino, fundamentando-se no movimento que

tinha à mão naquela época: o feminismo. Ele combate o tipo de

homem que qualifica de "Antropóide", "macho dominador”, “ti-

rano secular", "macho legal". O novo homem surgirá quando

morram aqueles:

“El enemigo de la mujer es el Antropoide. Nosso-


tros, los feministas, debemos apuñalar al monstruo
interior, al Mâle Originel!”
(Grifo nosso)
(1967,p.74)

No Montevidéu de início de século XX, como comenta

Goldaracena, tanto para a direita burguesa quanto para a es-

querda proletária estas idéias ecoavam a loucuras eróticas.

Carlos Maria Domínguez explica que os burgueses e comercian-

tes montevideanos tinham suas normas de conduta bem definidas

e diferenciadas, e Roberto misturava os valores e burlava-se

deles, propositadamente:

“Desde fines de siglo pasado, para burgueses y co-


merciantes la ficción debía estar de un lado y la
realidade del otro, sin que se confundiera el tra-
bajo con el ocio, la belleza con la verdad, la
honestidad del esfuerzo con los placeres del en-
86

tretenimiento. Y Roberto mezclaba los planos deli-


beradamente.”
(Grifo nosso)
(1997,p.80)

Roberto de las Carreras apresentou uma transforma-

ção do ser humano e da sociedade através da sexualidade. O

processo de transformação e a concepção dessa sociedade utó-

pica implica, em primeiro lugar, o reconhecimento de que ho-

mens e mulheres têm os mesmos direitos e que não deve existir

nenhum tipo de submissão entre eles. Em segundo lugar, deve

existir um relacionamento livre e aberto, onde instituições

sociais, como o matrimônio, não têm lugar. O indivíduo é li-

vre para escolher o papel que deseja desempenhar e pode vivê-


lo com total intensidade, tanto quanto lhe permita sua imagi-

nação criadora. A compreensão destas propostas levará a uma

melhor avaliação de seu discurso e espera-se o reconhecimento

como visionário e revolucionário, antecedente das correntes

anarquistas que sobreviveram na América Latina.


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4. Roberto Freire
90

4.1- Da materialidade de sua história à materialidade de sua

obra

Roberto Freire nasceu em São Paulo em 1927. Obri-

gado a seguir a tradição familiar formou-se em Medicina, es-

pecializou-se em Psiquiatria e posteriormente em Psicanálise.

A sua verdadeira paixão era a arte conforme alega em entre-

vista concedida à jornalista Dóris Fialcoff:

"Eu fui obrigado a ser médico pela minha família.


O meu avô era médico, meus tios eram médicos e
meus pais achavam que eu tinha de ser médico.
Mas eu não queria nada com a Medicina.A minha
vocação era a arte, a cultura,a ciência, mas não a
ciência médica."
(Grifo nosso)
(1995,p.6)

O passado de Roberto Freire, assim como o de Ro-

berto de las Carreras, deixou marcas e ele desabafa através

de suas crônicas ou como nesta entrevista à jornalista Ma-

riana Kalil:

“Quando quis defender minha liberdade, veio o


golpe de 64. E aí recebi a violência física,
ameaças de morte, torturas, prisões. Assisti à
morte de companheiros na minha frente(...)Tenho
um orgulho enorme de ter sobrevivido a essa vio-
lência toda. Grande parte dos meus amigos mor-
reram assassinados, desapareceram.(...) Quando
era menino, tinha um complexo de inferioridade
muito grande. Tão grande que era completamente
gago. Me achava feio, troncho, incapaz."
(Grifo nosso)
(1996,p.4)
91

Por volta dos anos sessenta abandona o que poderia

denominar-se etapa burguesa. Com Cleo e Daniel, o escritor se

liberta de uma imagem social que abominava, conforme diz em

Sem Tesão Não Há Solução:

"Vinha de uma família burguesa, e no livro resolvi


me libertar de tudo aquilo publicamente. Aquela
imagem de bonzinho, do médico, do bem-educado, do
conselheiro, resolvi avacalhar com tudo isso atra-
vés de Rudolf Flügel que é RF, e tudo o que ele,
Rudolf, diz do Roberto Freire, são trechos de crí-
ticas às minhas peças de teatro e de quem escreveu
contra e a favor de mim desde muito tempo, em
jornais, e opiniões de pessoas que me criticavam
de longe. O vomitório de Rudolf é o que as pessoas
pensavam de mim, pessoas mais abertas, mais cora-
josas e ele, Rudolf, era mais ou menos o que eu
queria ser na sociedade burguesa -aquele cara
mesmo, um filho da puta."
(Grifo nosso)
(1987,p.110)

Freire tem consciência de classe, sente-se e iden-

tifica-se como um burguês que reaciona contra sua própria

classe social, vale dizer, coloca-se como burguês revolucio-

nário tal como cita relevante passagem a respeito, no Soma


1:

"...nós, privilegiados burgueses(...) temos melho-


res condições para não suportar as violações de
nossa originalidade e autoregulação espontânea."
(Grifo nosso)
(1988,p.48)

Participou de movimentos teatrais, foi convidado


92

para dirigir o Serviço Nacional de Teatro. Dessa experiência

surge a peça Quarto de empregada (1958) que em 1993 junta a

outras, Quarto de estudante e Quarto de hotel, e publica sob

o título 3/4. Na primeira, o escritor enfoca os problemas das

domésticas no Brasil; na segunda, critica a incompetência e

impotência dos neuróticos jovens pequenos-burgueses, os quais

considera tão infelizes e prostituídos quanto as empregadas

domésticas; e na terceira, apresenta a possibilidade de li-

bertar-se da violência castrativa, colocando como exemplo o

personagem de um jovem anarquista que se liberta dos princí-

pios da vida burguesa, do capitalismo e desperta para o pra-

zer livre e sadio, o sexo natural, a luta social e o amor li-

bertários.

Desde sua juventude teve simpatia pela militância

de esquerda, de origem comunista, marxista e leninista, fato

interessante devido ao antagonismo histórico entre anarquis-

tas e marxistas. Esta poderia ser chamada de etapa militante,

conforme conta em Tesudos de Todo o Mundo, Uni-vos!:

"Vivi esse período importante da vida e da ação do


Partido Comunista no país e tive amigos muito
próximos que militaram nesse partido toda a sua
vida, com os quais acabei militando junto na
mocidade, durante 15 anos, contra a ditadura
Vargas e, já mais adulto, depois de 1964, também
15 anos, contra a ditadura militar. Enfrentei,
assim, com eles, numa militância semelhante, ape-
sar de ser anarquista e eles marxistas, as vio-
93

lências militares, como prisões, torturas e se-


qüestros durante 30 anos de minha vida(...)Assim,
não se poderá nunca esquecer esse aspecto
positivo e belo da militância do tipo marxista
(...) Eu o valorizei sempre e, sobretudo, o admi-
rei muito."
(Grifo nosso)
(1995,p.120)

Em 1964, após o golpe militar, participou da Ação

Popular, organização clandestina, fato que o levou a ser pre-

so e torturado, no que poderia denominar-se etapa da clandes-

tinidade. Para sobreviver escrevia, sob pseudônimos, para


Ul-

tima Hora e Realidade, de São Paulo. Amigo do sociólogo Beti-

nho, irmão do cartunista Henfil, militara junto a ele em Ação

Popular, como conta em Tesudos:

"...ele teria escolhido como eles o caminho marxis-


ta-leninista para o exercício de sua vida revolu-
cionária. Eu não me tornara marxista nem leninista,
mas trabalhava com eles (...)Depois que Betinho
viajou, liguei-me a outro líder da AP.(…) Papi,
tentou, de todo jeito, fazer que eu o acompanhasse
na conversão marxista-leninista."
(Grifo nosso)
(1995,p.182)

Embora partilhando da luta revolucionária junto

aos marxistas, e manifestando nutrida admiração pela forma de

lutarem contra a ditadura, o autor não se define ideologica-

mente marxista. A crítica ao marxismo é, embora sem militân-

cia no movimento libertário, de origem anarquista:


94

"Na verdade, minha crítica ao marxismo era de


origem anarquista, mas naquela época eu tinha
pouca militância no movimento libertário, restrin-
gindo-me às leituras de Proudhon, de Bakunin, de
Stirner e de Malatesta, sobretudo. Nem conhecia os
líderes anarquistas daquela época, como José
Oiticica e Edgard Laurenroth Rodrigues."
(Grifo nosso)
(1995,p.193)

Após essa militância revolucionária quase marxis-


ta, em época da ditadura, afirma-se definitivamente sua mili-

tância libertária, inclusive sua adesão à antipsiquiatria,

que pode-se denominar a etapa totalmente anarquista, da

antipsiquiatria e da ecologia.

Ex-psicanalista, depois de oito anos de ter aban-

donado a prática terapeutica tradicional, em 1971, começa um

trabalho terapêutico diferente, com conteúdo e objetivo polí-

tico-anarquistas. Dedicou-se, por muitos anos, ao estudo da

obra de Wilhelm Reich, mas também Herbert Marcuse e David

Cooper. Dos estudos extraiu os fundamentos para a criação de

uma terapia -a Soma- de liberação das repressões através da

politização da sexualidade, com profundo sustento anarquista.

Esta terapia encontra-se em Soma, uma terapia anarquista, sé-

rie composta de três livros: A alma é o corpo, A arma é


o

corpo, Corpo a corpo. Em Ame e dê vexame, pode encontrar-se o

conceito de Soma:
95

"O anarquismo somático é mais próximo da natureza


genética, corporal e existencial do homem, impon-
do-lhe a realização da vida na busca permanente da
liberdade e na realização plena de seus potenciais
de prazer.
A palavra Soma, para este tipo de anar-
quistas, signififica o ser corporal ou a totali-
dade do ser humano. É muito mais do que existe no
lado de dentro da pele de uma pessoa. Mas também
do que sua capacidade cognitiva e sensitiva, pois
são também soma as suas extensões corporais
físicas, afetivas, sensuais e sexuais. O anar-
quista somático busca mais contato com a totali-
dade do seu ser do que as pessoas ainda não
libertárias.
Soma ou Somaterapia é uma prática terapéuti-
ca corporal e em grupo, baseada na obra de Wilhelm
Reich, visando a prevenção e a recuperação de
pessoas sumetidas a repressão autoritária(...)A
Soma é a única terapia de conteúdo e objetivos
políticos explícito: o socialismo libertário ou
anarquismo."
(Grifo nosso)
(1990,p.16-17)

Como terapeuta ligado à corrente da antipsiquia-

tria, considera a psicanálise uma falsa ciência, além de eli-

tista e reacionária.

Ao abandonar a linha de psicanalista tradicional e

aferrar-se à Soma, logo foi rotulado, conforme conta a Maria-

na Kalil, em entrevista:

"Uma vez perguntaram meu nome e respondi. Então,


devolveram: ”O comuna ou o louco?” Essa é a
impressão que as pessoas têm de mim. Que sou
louco, tarado.”
(Grifo nosso)
(1996,p.4)
96

Seu pensamento político anarquista se expressa

através de suas novelas Cleo e Daniel(1965), Coiote(1986),


Os

Cúmplices(1995), onde coloca em xeque as convenções e acomo-

dações da sociedade burguesa, envolvendo os personagens em

violentas paixões. Narra as aventuras de sua geração. Mostra

como o poder das mutações genéticas dos homens revolucioná-

rios pode conduzir à liberdade e ao amor sob o sonho anar-

quista. Denuncia a asfixia imposta pela estrutura social.

Deixa uma mensagem aos jovens anarquistas de todo o mundo: a

possibilidade do prazer e da beleza na realidade cotidiana e

o surgimento do amor dos mutantes somáticos, um amor "vindo

do futuro", que deixa perplexo seu alter-ego, o psicanalista

Dr. Rudolf Flügel.

Histórias Curtas e Grossas I e II(1991) resgatam o

prazer sensual, o qual o autor opõe à obscenidade afetiva do

cotidiano das pessoas. O escritor adverte que cada leitor sa-

be onde acaba o erótico e começa o pornográfico já que “todo

amor libertário, felizmente, tende a ser um tanto libertino”.

A Farsa Ecológica(1992) é um ensaio que mostra a

posição dos anarquistas em relação à ecologia e um radicalis-


97

mo que atende, segundo o autor, à situação de emergência e

calamidade do planeta que "pede socorro".

Em ensaios psicossociológicos e políticos autobio-

gráficos, a investigação científica, a nova técnica terapêu-

tica e a criação literária fundem-se sob a prática anarquis-

ta do autor. Utopia & Paixão(1984) escreve em parceria com

Fausto Brito, companheiro de luta. Obra de reflexões e deba-

tes sobre a vivência do autor que acredita na transformação

do cotidiano do homem como uma utopia possível. Reflexionam

sobre a militância política; o poder totalitário que regula

até as mínimas regras de comportamento social; o sistema po-

lítico que sustenta o Estado e também as relações cotidianas,


como escola, família, sexo, lazer e valores morais. Esta obra

é revisada e relançada em 1991, devido às profundas mudanças

políticas havidas no mundo -a queda do muro de Berlim, do

"apartheit", a dissolução da União Soviética. Sem tesão


não

há solução(1987) traz uma reflexão filosófica sobre o campo

da Política e da Psicologia. A liberdade do homem está no

prazer, na alegria e na beleza. Há no livro o cruzamento de

três discursos –ensaio, biografia, jornalismo: na primeira

parte, ensaios sobre a semântica da palabra tesão, as muta-

ções da juventude brasileira, a violência e repressão da qual

foi vítima nos últimos vinte anos; na segunda parte, entre-


98

vistas publicadas na imprensa alternativa já que a grande

mídia, segundo ele, o combate através da omissão e do silên-

cio, não publicando seus trabalhos; na terceira parte, uma

conferência ecológica, que tem, para o próprio autor, caráter

de manifesto e de testamento político. Em Ame e dê


vexame

(1990), o escritor combate a ideologia do sacrifício, que é a

renúncia do homem à liberdade e a perda da capacidade de amar

de verdade, ocasionada pelo autoritarismo e a repressão. Em

oposição, apresenta a teoria do prazer -natural, ecológica-

onde o homem deve brincar, jogar, criar e amar em total li-

berdade. A arma contra o sacrifício é o vexame, não ter medo

ao ridículo, ser espontâneo. Tesudos de todo o mundo,


uni-

vos!(1995) contém ensaios confissionais do autor, biográfi-

os, uma espécie de convocação ao estilo do Manifesto


Comu-

nista, onde complementa a teoria do prazer, abordada ante-


riormente, e se levanta contra toda forma de opressão e cas-

tração dos jovens que necessitam expandir sua originalidade

única. Escreve sobre futebol, política, poesia, psiquatria e

psicanálise, religião, sexo, marxismo, e principalmente do

amor em liberdade.
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5. Teoria do Soma
5.1- O tesão

Roberto Freire desenvolve seus trabalhos de soma-

terapia dirigidos à recuperação do tesão, termo que significa

para o autor viver com prazer, beleza e alegria, a energia

vital da pessoa, tal como expressa em Sem Tesão Não Há


Solu-

ção:

“Assim, tesão, muito simples e resumidamente, quer


significar hoje o que sentimos sensualizando
juntos a beleza e a alegria em cada coisa com a
qual entramos em contato e com a qual nos comuni-
camos. Tesão seria, pois, a palavra que reforçaria
e melhor qualificaria o amor nas relações afetivas
dos jovens neo-românticos de hoje. O tesão, num
sentido tão fisiológico quanto poético, seria a
semente do orgasmo e a raiz das paixões.”
(Grifo nosso)
(1987,p.21-22)

A carga semântica que o autor introduz no termo

vai além do aspecto puramente sexual-fisiológico e vincula-se

aos seguintes elementos que conformam a energia vital: a ale-

gria, o prazer e a beleza.

A alegria a que se refere o escritor não significa

felicidade -que ele considera um estado- mas uma sensação. A

alegria é fugaz, instável, é um viver aqui e agora:


103

“...buscamos simples e naturalmente alegria. Ale-


gria, coisa tão incerta como o vento, que tem dia
que vem, dia que não vem.”
(Grifo nosso)
(1987,p.58)
Alegria que o escritor define como:

“…a expressão gostosa, saborosa, orgástica e en-


cantada do funcionamento satisfatório e equilíbrio
de nossa energia vital no plano físico, emocional,
psicológico, afetivo, sensual, ético, ideológico e
espiritual.”
(Grifo nosso)
(1987,p.59)

A alegria pressupõe prazer, do qual se origina to-

da a teoria do tesão. Prazer é o que dá "sentido, direção e

significado à sua vida" -diz o autor- "A palavra prazer,

aquí, tem um significado primário, mas essencial: satisfação

pelo exercício puro e direto da vida em si mesma", e através

do prazer e da dor, o ser humano "exerce, orienta e expande

seu potencial energético"(1987,p.59).

A beleza, o outro conceito relacionado ao tesão, é

a "percepção e sensação estéticas", o "produto de um processo

de desenvolvimento dinâmico, dialético e ecológico" (1987,p.

66-67). São o prazer e a dor que produzem maior ou menor be-

leza:

“Assim, pois, beleza seria a expressão e a comuni-


104

cação do estado atual do equilíbrio entre as sen-


sações de dor e de prazer que se vai vivendo na
forma e no conteúdo de maior ou menor vivência da
alegria.”
(Grifo nosso)
(1987,p.67)

Prazer é viver ludicamente. Ludicidade significa


“a capacidade de brincar e de jogar" (1990,p.74). Para amar

é necessário saber jogar e brincar. E para que isto seja pos-

sível o ser humano deve utilizar o máximo de seu potencial:

sua criatividade, sua originalidade única. A forma de expan-

dir a originalidade única e garantir o máximo de alegria,

prazer e beleza é sentir tesão pela vida.

A originalidade única tem três fundamentos: a)ge-

nético; b)ecológico -conforme desenvolve em Tesudos:

“O pensamento e a ação anarquistas, para nós da


Soma, começa na compreensão do que significa a
'originalidade única' das pessoas(...)a genética e
a ecologia descobriram e provaram: em cada ecos-
sistema, para que ele sobreviva em condições bio-
lógicas satisfatórias, cada um de seus membros ne-
cessita viver de modo a serem respeitadas as suas
individualidades originais e únicas. Quer dizer, a
ciência confirma a filosofia anarquista: nunca
existiu, não existe e não existirá um ser igual ao
outro(...)a originalidade única garante à Natureza
infinitas possibilidades de experiências na veri-
ficação da adaptabilidade dos seres de cada espé-
cie em seu meio ambiente.”
(Grifo nosso)
(1995,p.90-91)

Esta posição aparece, também, no Soma 1:


105

“Está provado geneticamente ser impossível a exis-


tência de dois seres absolutamente iguais na mesma
espécie. Devido às infinitas possibilidades e
combinações dos genes, no momento da formação do
ovo humano, a Natureza mostra querer a produção da
mais completa diversidade entre os membros da es-
pécie humana, como ocorre com as demais espécies
vivas também.”
(Grifo nosso)
(1988,p.46)

c)ideológico. O autor desenvolve uma utopia que apresenta a

possibilidade de desenvolver a energia vital, sem obstáculos,

dentro de uma sociedade futura, de uma sociedade libertária.

Freire neste caso apóia-se em Stirner, conforme expressa no

Soma 1:

“Stirner reabilitou o indivíduo numa época em que,


no plano filosófico, dominava o antiindividualis-
mo. Os danos causados pelo egoísmo burguês condu-
ziam a maior parte dos reformadores a realçar o
seu contrário: não é verdade que a palabra socia-
lismo nasceu como antônimo de individualismo?
Stirner exalta o valor intrínseco do indiví-
duo,do 'único',ou seja, não semelhante a qualquer
outro, criado pela Natureza em um só exemplar
(noção que confirma as mais recentes descobertas
da biologia).”
(Grifo nosso)
(1988,p.200)

O tesão manifesta-se em três níveis: indivíduo,

sociedade e natureza. Individualmente há necessidade de ex-

pandir esta energia original. O anarquismo, para Freire, é o

único meio que permite e libera essa expansão, que dá a li-

berdade necessária para o pleno desenvolvimento. Mas o tesão

não é só individual, ele pode ser social -o tesão entre os


106

indivíduos, e da coletividade que alcança-se com a erotização

do cotidiano:

“Se o tesão depende da alegria e não há o que


fazer na vida cotidiana com a nossa alegria se
não pudermos repartí-la,o tesão fica assim como
algo essencial que nos liga, identifica e comunica
com os outros. Pelo tesão ficamos assim como que
imantados, atraindo e desejando uns aos outros. A
alegria, portanto, é uma sensação de natureza in-
dividual, que os outros podem despertar ou poten-
cializar em nós, adquirindo assim também uma
função social.”
(Grifo nosso)
(1987,p.63)

O escritor preocupa-se em como chegar ao tesão co-

letivo, que significa, primeiro, derrotar o autoritarismo, de

acordo com o que expressa em Utopia e Paixão:

“Mas como conseguir transformar essas estratégias


individuais de liberação do autoritarismo em movi-
mentos coletivos?”
(Grifo nosso)
(1991,p.71)

Freire sustenta, também, que a energia vital está

estreitamente ligada à ecologia:

“Estamos, assim, concluindo pela existência tam-


bém de um tesão antropológico e ecológico que
mantém a ludicidade impregnada na natureza e na
essência do homem. Este tesão o faz ligar-se,
forte e apaixonadamente, sem necessitar nenhuma
explicação consciente, a tudo o que lhe propor-
ciona beleza, alegria e prazer.”
(Grifo nosso)
(1987,p.30-31)
107

5.2- Os impedimentos do tesão

Há situações que impedem o prazer e que vêm de

acontecimentos históricos, culturais, sociais e econômicos.

Estes acontecimentos têm culminado na "ideologia do sacrifí-

cio, de índole cultural,que está a serviço do autoritarismo,

e que é diametralmente oposta à "ideologia do prazer", de ín-


dole biológica, conforme diz em Tesudos:

“Mas, repito, a verdade é que, desfeitos os equí-


vocos, chego à conclusão de ser o único conflito
político de fato existente em nosso tempo o que
produz em nós reações tão diferentes e quase sem-
pre opostas entre duas ideologias, uma biológica e
outra cultural, em ação permanente e há muito tem-
po, uma contra outra: "ideologia do prazer" versus
“ideologia do sacrifício”.”
(Grifo nosso)
(1995,p.78)

A "ideologia do sacrifício" é imposta das formas

mais sutis até escancaradamente coercitivas, seja pelo capi-

taismo, pelo ensino, pelas ditaduras ou pelo cristianismo,

especificamente o catolicismo, conforme o expressa em


Utopia

e Paixão:

"A idéia de utopias distantes, paraíso amanhã, tem


um conteúdo bastante autoritário, paternalista. É
como falamos às crianças: se ficar bonzinho agora,
depois vai ao cinema. Ou, como em qualquer pedago-
108

gia autoritária, pede-se a cada um de nós: se


você obedecer, se se deixar reprimir, se servir
bem, mais tarde você terá suas recompensas (di-
nheiro, propriedade, poder). A religião faz a mês-
ma coisa. Se nos sacrificarmos, nos martizarmos,
seremos santos e receberemos como graça o reino
dos céus.
Em muitas concepções políticas também encontra-
mos essas idéias: hoje precisamos de sacrifícios e
reeducação, uma ditadura nos ajudará. A compensa-
ção, o paraíso, será amanhã, quando estivermos
preparados, reeducados."
(Grifo nosso)
(1991,p.30)

A neurose provocada pelo autoritarismo é uma ca-

racterística da sociedade burguesa capitalista, afirma em


Te-

sudos:

"O capitalismo é o principal instrumento a levar o


homem à "ideologia do sacrifício" e renunciar à
"ideologia do prazer" natural. Em verdade, essas
pessoas movidas por seu egoísmo e pela ânsia de
poder, acabam aceitando a necessidade do sacrifí-
cio de seus prazeres animais e humanos, os praze-
res de hoje e agora, os prazeres da saúde e da
juventude, na esperança, possível e até real de
compensações na vida adulta e, sobretudo, na ve-
lhice."
(Grifo nosso)
(1995,p.81)

Também a psicanálise representa a ideologia do sa-

crifício, conforme Sem Tesão:

"Nascida do pensamento de um homem genial, mas


profundamente pessimista, triste, amargo e ressen-
tido, a Psicanálise reflete as características da
história da religião e da raça judaica no mundo.
Sigmund Freud era um homem que, segundo seu discí-
pulo Wilhelm Reich, permitia-se pouca convivência
109

com o prazer, com a beleza e com a alegria lúdi-


cos da existência comum, que provam suas obras
principais(...)Estou querendo concluir que a reli-
gião judaica e a cristã, bem como tudo aquilo que
a elas está ligado, direta ou indiretamente, como
a Psicanálise, por exemplo, representam o antite-
são."
(Grifo nosso)
(1987,p.32-33)

5.3- A liberação do tesão

O Princípio do Prazer é a expansão da originalida-

de do indivíduo que se manifesta através da sexualidade e da

criatividade, segundo sustenta o escritor em Utopia e


Paixão:

"Então, ser livre é poder viver ampla e irrestri-


tamente as nossas próprias originalidades únicas,
as nossas diferenças. Como? Fundamentalmente, no
jeito de amar e criar. E é exatamente sobre o jei-
to de amar e de criar de cada um que se exerce a
repressão autoritária, o controle social, a favor
das semelhanças e pela massificação da média (si-
nônimo ao mesmo tempo de ninguém e de todos).”
(Grifo nosso)
(1991,p.37)

Como deve organizar-se a sexualidade de acordo com

o princípio do prazer? Surgem novas formas de relacionamento

amoroso e são propostos diferentes modelos:

a)a organização comunitária, abolindo assim a organização fa-

miliar. Desta forma o casal perderia "o sentimento de pro-

priedade de um sobre o outro e sobre os filhos" e venceriam

“o egoísmo fechado da vida familiar que favorece o autorita-


110

rismo" (1995,p.96). Freire aponta a vida comunitária como

saída contra o autoritarismo da família institucionalizada,

conforme expressa em Ame e dê vexame:

"...a única saída é marginalizar-se e criar novos


tipos de relacionamento e acasalamento, bem como
descobrir outras formas de vida comunitária em
substituição à do lar e à da família tradicio-
nais."
(Grifo nosso)
(1990,p.47)

b)o relacionamento suplementar, como acasalamento, destruindo

as normas que regem o matrimônio tradicional, tal o que pro-

põe em Sem Tesão:

"Dentro da minha visão, acho o casamento um absur-


do. Eu gostaria de falar sobre acasalamento,
porque quanto ao casamento eu só quero que acabe,
que não exista mais, porque o casamento é uma das
grandes fontes de destruição do amor. Mas o aca-
salamento é indispensável. Acho que as novas for-
mas de acasalamento que hoje estão sendo pesqui-
sadas pela juventude no mundo são a medida das
transformações atuais na história do homem."
(Grifo nosso)
(1987,p.133)

Este acasalamento pode apresentar-se de forma mo-

nogâmica "por tesão não de posse e de exclusividade" (1987,p.

134) com ou sem coabitação, já que a coabitação "não faz par-

te do amor e nem determina a qualidade, a durabilidade e a

intensidade do amor" (1987,p.134). Ou o acasalamento ocorre


111

através de relações abertas, onde o casal tem experiências

paralelas:

"As relações que mais me fascinam hoje são as


relações abertas, sem sentimento de propriedade
(...)O que acho mais bonito e vejo no amor dos
casais revolucionários é como eles o vivem de
forma lúdica, brincando e jogando sempre. A ludi-
cidade é a mãe do tesão e, ao mesmo tempo, o pai
da criatividade."
(Grifo nosso)
(1987,p.136)

Esse relacionamento amoroso suplementar, aberto,

libertário, segundo Freire, que "vem substituindo, sem hipo-

crisias e sem mentiras, o casamento tradicional" (1995,p.98),

é praticado pelos protomutantes, e anuncia a "Era da Utopia"

e uma sociedade futura.

A sociedade futura seria formada por protomutantes

e dirigida por aqueles que, de forma natural, tivessem o dom

da liderança. O conceito de protomutante, tomado de Thomas

Hanna, precisamente de Corpos em revolta, "os mutantes cultu-

rais que vão criar a sociedade do futuro", segundo Freire

(1995,p.71), define adequadamente o anarquista somático, con-

forme diz em Sem Tesão:

“Os protomutantes culturais desprezam o poder au-


toritário, passando a proclamar e a viver o tesão
como a terceira dimensão fundamental da vida no
Universo. E, estou seguro, serão eles os autores
112

da Revolução Ecológica, que virá do futuro para o


presente e desprezará totalmente a influência do
passado, porque se trata de um fenômeno anti-his-
tórico e anti-dialético, no sentido marxista clás-
sico dessas duas expressões.”
(Grifo nosso)
(1987,p.40)

Através das experiências marginais e minoritárias

realizadas pelos protomutantes, a sociedade começaria a se

transtransformar, orientando-se para outra totalmente nova

que restabeleceria o equilíbrio antropológico e ecológico

perturbado pelo desenvolvimento cultural e social.

Formar-se-iam associações nas quais os protomutan-

tes exerceriam a liderança através de um processo de seleção

natural. Freire descarta o autoritarismo porque "é de lide-

rança, pois, que consiste o poder natural dos protomutantes”

(1987,p.42). Como não há um poder autoritário, os protomutan-

tes relacionar-se-iam de forma anarquista, para viver e pro-


duzir, é o que propõe em Sem Tesão:

"Isto quer dizer que a sua produção é projetada,


organizada, financiada, gerida, controlada e uti-
lizada por quem produz, recaindo seus benefícios e
seus lucros de modo proporcional à qualidade e à
quantidade de trabalho criativo realizado por cada
produtor."
(Grifo nosso)
(1987,p.43)

Nesta sociedade anarquista, sem relações de poder,


113

"com a ética da solidariedade e através do trabalho e do amor

em tesudas formas de autogestão"(1995,p.53), o amor entre os

protomutantes "não se oficializa, não se sacraliza esse amor

que se identifica com a liberdade a dois" (1995,p.63). Assim,

Freire acredita nessa sociedade futura, como expressa em


Te-

sudos:

"Não se pode prever como será essa sociedade, mas


uma coisa é certa: ela será mais justa e terá mais
força que o Estado. Este, ou desaparecerá ou será
apenas um órgão administrativo a serviço do povo.
Na vida anarquista, ninguém substituirá o prazer
pelo poder, porque não haverá poder a não ser como
verbo: poder amar, poder ser livre, poder ser ori-
ginal e poder ser único".
(Grifo nosso)
(1995,p.102)

As atitudes dos protomutantes aparecem como escan-

dalosas na sociedade atual, escandalosas e irresponsáveis,

como diz em Sem Tesão:

"...é papel dos protomutantes atuarem irresponsa-


velmente na sociedade capitalista autoritária. Por
exemplo, eles devem se comportar de modo irritante
e irresponsável no combate ao desenvolvimento tec-
nológico que fere e envenena o meio ambiente. Eles
devem amar e gozar irresponsavelmente e, irrespon-
savelmente, viver segundo o seu tesão e a sua lu-
dicidade."
(Grifo nosso)
(1987,p.47)

O escândalo, o mau exemplo é a saída contra a pa-

ralização, o marasmo político produzido pela neurose. O vexa-


114

me é a expansão do prazer, a paixão e o amor de alto risco.

Freire opõe ao vexame libertário, o vexame autoritário que,

por medo ao ridículo, à vergonha, castra e oprime, como enun-

cia em Ame e dê vexame:

"...o vexame libertário, o que nos livra do auto-


ritarismo para podermos fruir o amor em liberdade;
e o vexame autoritário, o que escraviza e nos
obriga a optar pelo amor ou pela liberdade."
(Grifo nosso)
(1990,p.103)

O anarquista é, por natureza, escandaloso, espe-

cialmente em questões de amor:

"Os anarquistas são os socialistas não autoritá-


rios, pessoas que sabem e gostam de dar vexames em
todos os campos especialmente no amor."
(Grifo nosso)
(1990,p.16)

O escandaloso anarquista assume publicamente cer-

tas situações, que são embaraçosas em uma sociedade não li-

bertária. O anarquista confessa que gosta de ser o que é, sem

falsidades, sem hipocresia, como em Sem Tesão:

“Por isso facilito o trabalho dos inquisidores


oficiais sobre as heresias deste livro, repetindo:
eu me drogo, gosto de me drogar, sei me drogar
convenientemente sempre que possível, de álcool e
de marijuana. Primeiro porque não quero perder to-
dos os outros prazeres que a vida pode me dar,
além dos fisológicos, culturais e ideológicos; se-
115

gundo, porque também estou "doente" da miséria


humana a que a juventude do mundo vem sendo sub-
metida pelo autoritarismo fascista de nosso
tempo."
(Grifo nosso)
(1987,p.102)

E o vexame leva a viver um amor de alto risco,

instável e dinâmico, que se opõe à segurança pretendida pela

sociedade não libertária, mas que proporciona o prazer da li-

berdade, como expressa em Ame e dê vexame:

"...é impossível sentir o prazer da liberdade como


nos instantes dos vexames no amor, sem assumir
riscos na realização de nossos desejos animal e
humano. (...)O equilíbrio instável e dinâmico em-
tre vivermos mais riscos que segurança caracte-
riza e garante nossa liberdade.(...)O medo do
risco é que nos permite dar os indispensáveis e
belos vexames libertários."
(Grifo nosso)
(1990,p.107)

O ridículo, o vexame, a alegria são condutas uti-

lizadas para desbloquear a neurose criada pelo autoritarismo:

"Sem vexame não há tesão. Sem tesão não há solu-


ção."
(Grifo nosso)
(1990,p.107)

5.4- O hibridismo no discurso de Freire

Freire mantém os gêneros bastante claros e tradi-

cionais: a)ensaio científico; b)ensaio político; c)narrativa


116

ficcional.

O discurso está direcionado para o ensaio, a crô-

nica jornalística, enlaçada com dados autobiográficos onde o

escritor reflexiona sobre o presente, o passado e trata de se

projetar no futuro analisando o momento atual.

Contudo, o ensaio também tem a mesma carga de sub-

jetivação da autobiografia, visto que o autor coloca suas re-

flexões sobre o mundo circundante e suas reações perante os

acontecimentos. A subjetivação dá a intimidade necessária pa-

ra que se crie uma atmosfera de cumplicidade com o leitor.24

Por exemplo, há elementos de auto-retrato, confor-

me esta passagem em Sem tesão não há solução:

"...Intuição e experiência, porque convivi com


suicidas bem e mal sucedidos e eu mêsmo já tentei
me matar algumas vezes. Mas apesar disso não posso
provar e garantir nada sobre o significado verda-
deiro do que quer que seja, dentro ou fora de mim.
Procuro apenas ser sincero na compreensão do que
constato no durante das coisas. Sinto-me uma ho-
nesta e franca testemunha do enquanto em meu vi-
ver."
(Grifo nosso)
(1987,p.24)

Na Introdução de Ame e dê vexame, Roberto Freire

manifesta que o livro é dividido em duas partes. Na segunda,


117

estão as próprias vivências do autor, como ele mesmo relata:

"Todos os episódios narrados na segunda parte tra-


tam de vexames amorosos, sinceros e verídicos."
(Grifo nosso)
(1990,p.15)

Embora não declare diretamente a possibilidade de

introduzir ficção na sua obra, pode-se deduzir que ela exis-

te.

Em entrevista a Mariana Kalil, o escritor declara:

"ZH -Em Os Cúmplices, o senhor escreve a biografia


da sua geração e se coloca como um personagem di-
luído entre todos. Por que o senhor não é o perso-
nagem principal?
Freire -Não me acho uma figura que mereça ser
personagem de livro. Procurei inventar personagens
com a vida mais intensa, mais rica, mais bonita.
Tomei a liberdade de fazer o que quisesse com
eles, sem precisar mentir. Acho as autobiografias
mentirosas, os autores se valorizam demais. Os
fatos que narro são todos reais. Algumas pessoas
mais íntimas me reconhecem na mistura do Vítor e
do Bruno."
(Grifo nosso)
(1996,p.4)

Na Introdução de Tesudos de Todo o Mundo, Uni-


vos!

justifica os ensaios que escreveu:

"Ando querendo fechar as portas de minha vida.


Assim realizei este livro, descrevendo e analisan-
do coisas especiais que vivi e conheci (...) Estes
118

artigos são os saldos dessa experiência amorosa e


política. Posso considerá-los uma espécie de diá-
rio de campanha. Neles guardei as reflexões, o es-
tudo e os frutos das discussões com os meus clien-
tes e ouvintes das conferências que fiz nos últi-
mos anos."
(Grifo nosso)
(1995,p.7)

Na novela Cleo e Daniel, que tem elementos auto-

biográficos, o escritor faz a sua autocrítica através da

personagem Rudolf Flügel, seu alter-ego, ou conforme manifes-

ta em Ame e dê vexame:

"...eu fazia uma velada autocrítica à minha origem


e formação burguesa e à minha impotência revolu-
cionária..."
(Grifo nosso)
(1990,p.33)

Em outro momento os elementos autobiográficos ser-

vem como testemunho de uma época crítica para o autor, como

diz em Sem Tesão:

“Resolvi que esse livro (Cléo e Daniel) sera uma


espécie assim de testemunho de tudo aquilo que ti-
nha sentido da vida até aquela época, 1964, quando
comecei a escrever(...)No fundo, quando acabei de
ler tudo aquilo vi que tinha feito um livro de me-
mórias sublimadas ou racionalizadas, mas o que eu
queria era mostrar a impossibilidade da existência
do amor na sociedade burguesa."
(Grifo nosso)
(1987,p.109)

O ensaio político de Freire aspira a utilizar uma


119

linguagem direta e cotidiana que se define por oposição ou

afastamento do "meio científico e acadêmico brasileiros”,

conforme o autor manifesta no Soma 1(p.15) devido a que seu

principal interesse é a divulgação de suas idéias e uma comu-

nicação imediata com o leitor. Freire define seu discurso co-

mo “simples e cotidiana" (ibid,p.16).

Este discurso, cujo valor fundamental é a imedia-

tez e a clareza, opõe-se deliberadamente ao discurso literá-

rio, à procura estética, à estilização, à beleza. Quando fala

de Cleo e Daniel, em Sem tesão não tem solução (p.117-118),

refere-se a antiliteratura e define a forma que ele usa como

“suja”. Estas idéias fundamentam a proximidade com o discurso

jornalístico, imediato, espontâneo, popular, etc.

A função da autobiografia, derradeiramente, é dar,

além de testemunho do autor e veracidade aos fatos narrados,

provas de que ele é aquílo mesmo que prega: o aqui e agora da

utopia.

Assim, pode-se adiantar que tanto Freire quanto o

escritor uruguaio De Las Carreras aproximam aspectos biográ-

ficos a utópicos. Também é interessante para a teoria dos gê-


120

neros literários, já que a utopia define-se como uma das for-

mas da ficção ensaística e/ou narrativa.

Quando contaminado com o biográfico, o gênero se


move num âmbito fronteiriço: há uma parte da ficção que se

aproxima da realidade e ao mesmo tempo parte da compreensão

dela -a própria vida do autor-, se projeta e ingressa num

mundo fictício -não existente.


121
122
123

6. As ressonâncias
124

6.1- O uso do discurso jornalístico

Ambos os autores escolheram a crônica como gênero,

mas Freire aproxima-se do ensaio. Optaram por um gênero cuja

temporalidade opõe-se à permanência aspirada por qualquer es-

critor -o desejo de perdurar no panteão literário. A crônica

jornalística é o gênero do cotidiano. Enquadrando essa tempo-

ralidade dentro da problemática estética maior, os grandes

temas do homem, pode-se apreciar o enfrentamento do cotidiano

(os problemas do hoje, a rotina, o banal) com o excepcional

(os problemas metafísicos, como Deus, morte). Por exemplo,

Roberto Freire não está interessado nesses grandes problemas

metafísicos; ele quer "erotizar o cotidiano"; é mais impor-

tante viver intensamente o hoje, aqui e agora. A oposição é

presente versus eternidade. Os “grandes temas” são parte das

obras dos autores: a organização social, a liberdade, o amor,

a natureza humana. A diferença está em que são presentistas

-o Paraíso é aqui e agora. Nesse presente se manifestam os

temas metafísicos: o efêmero do desejo, a mudança da natureza

das coisas. Ambos aceitam a morte, uma concepção do tempo di-

ferente da cristã pois querem submergir-se no tempo –porque a

energia se manifesta aí- e não afastar-se do temporal para

aspirar ao eterno. Não acreditam na eternidade das coisas,

mas na energia da Natureza ou em transformações permanentes.


125

Os autores escolhem gêneros apropriados para expor


assuntos polêmicos e democratizantes e publicam suas obras em

jornais e revistas. Contudo, desejam que sua produção intele-

tual fique para a posteridade pois, posteriormente, reúnem o

material em livros. O fato de recolher Amor Libre em um livro

prova que Roberto de las Carreras queria perpetuar sua pro-

dução. O mesmo fez Freire com suas entrevistas e publicações

jornalísticas, por exemplo em Viva eu, viva tu, viva o


rabo

do tatú!

Roberto Freire é convencional quanto à divisão de

gênero e à estruturação do texto. Segue o curso normal, pro-

põe um estilo transparente, simples, acessível, não acadêmi-

co, que o vincula a certa vulgarização jornalística de es-

querda. Não tem novidades nem rupturas formais notórias. Não

questiona a autoridade a outro nível que não seja o ideológi-

co. É um escritor anarquista, mas não tem uma escritura que

possa se vincular ao experimentalismo do “happening” ou da

música aleatória. Pelo contrário, ele transforma-se em auto-

ridade indiscutível. O único elemento anarquista em Freire é

o rechaço do estilo cuidado e a defesa de um “estilo sujo”,

vinculado à espontaneidade e que tem seu fundamento no tesão.


126

Em Roberto de las Carreras há mais elementos, como

um efeito anarquista, por exemplo, na paródia do gênero jor-

nalístico, o que foi visto na análise de Amor Libre. Também,

na auto-ironia: isso sim desautoriza o sujeito e remete nova-


mente a uma liberdade do leitor. Beth Brait, referindo-se à

ironia, diz que é necessário um trio: o locutor(A1), o recep-

tor(A2) e um terceiro que é o alvo(A3). "No caso de um soli-

lóquio irônico há a coincidência entre A1 e A2; no caso de

uma auto-ironia há a coincidência entre A1 e A3. Há ainda a

possibilidade de o receptor ser tomado como alvo, o que im-

plica a coincidência entre A2 e A3 ou, ainda, um caso de so-

lilóquio auto-irônico em que coincidem A1/A2/A3."(1995,p.62)

Pode considerar-se, quanto ao enfoque autobiográ-

fico, que nenhum dos dois escreve uma autobiografia. Usam

elementos autobiográficos para ilustrar suas teses políti-

cas, suas crônicas, seus ensaios e provar que eles são exem-

plos concretos da sociedade anarquista que pregam. Assim,

querem convencer o leitor de que a utopia é possível.

6.2- A marginalidade, o escândalo: o anarquista em ação

Fica constatado o fato de que os próprios escrito-


127

res são exemplos vivos daquilo que pregam: são mutantes. En-

quanto Roberto de las Carreras diz-se missioneiro de Kropot-

kin e profeta do amor livre, Roberto Freire, em entrevista a

Dóris Fialcoff, declara sua prática anarquista:

"...Eu acreditei na utopia anarquista e passei a


viver de forma anarquista. Embora a sociedade seja
uma sociedade autoritária, minha vida, a relação
com minha mulher, com meus filhos, com as pessoas,
é de uma forma anarquista. Minha utopia está na
prática."
(Grifo nosso)
(1996,p.6)

Freire afirma a necessidade de utopia do seu pro-

jeto de sociedade libertária quando se mostra a si mesmo como

prova de seu mundo futuro ou a existência atual de “mutan-

tes”.

O que define uma utopia como tal é sua inexistên-

cia, mas inexistência não quer dizer impossibilidade. A uto-

pia, tal como é entendida por Roberto de las Carreras e Ro-

berto Freire, é um futuro possível, do qual eles mesmos são a

prova.

As idéias utópicas que, no decorrer do século XIX,

dão sustento ao anarquismo, contêm as bases do erotismo, bem

como o acirrado combate contra a sociedade patriarcal e seu


128

fundamento: a família e o matrimônio, a propriedade e a reli-

gião. São as mesmos propriedades discursivas que encontramos

nas obras de Roberto de las Carreras e Roberto Freire. No

primeiro, quase de forma imediata e crua; no segundo, já mais

elaborados, lapidados.

Roberto Freire mostra qual é o caminho a ser se-

guido pelos anarquistas somáticos: a marginalidade. A margi-

nalidade de Freire é uma estratégia voluntária e uma atitude


política de resistência. Em entrevista a Mariana Kalil, o es-

critor brasileiro faz o seguinte depoimento:

"ZH -O senhor diz que as pessoas devem ser margi-


nais, não entrar na engrenagem do sistema capita-
lista. Existe alguma outra maneira de dizer is-
so sem ser através de um livro vendido em livra-
rias?
Freire -Vivendo. Conheço muitos marginais ao sis-
tema, marginais criativos. A impressão que a gente
tem vivendo na repressão familiar e escolar é a
de que temos pouca criatividade, somos incapazes.
Então, acabamos concordando com qualquer empre-
go. Se você fica na marginalidade, começa a produ-
zir coisas das quais se sustenta. Eu, por exemplo,
vivo dos meus direitos autorais. Sinto um prazer
extraordinário de poder escrever e conseguir pagar
minha comida, meu teto, ajudar meus filhos com
aquilo que faço com amor."
(Grifo nosso)
(1996,p.4)

Semelhante caminho foi o seguido por Roberto de

las Carreras. Sua postura de dândi exigia-lhe essa atitude. O

dandismo é marginal. De uma forma ou outra, ambos escritores

estão marginalizados no sistema. Roberto de las Carreras é


129

“reduzido" por uma crítica que tira completamente o valor de

suas obras, as quais contêm as principais idéias anarquistas

que sustenta. Para a crítica, sua obra não vale nada porque

o consideram um bastardo ressentido, um fantoche escandaloso

sem seriedade, um alienado, um imoral.

Roberto Freire é simplesmente ignorado. Para a mí-

dia, sua obra é inexistente. Não se encontra uma só crítica

sobre ela. Esporadicamente aparecem publicadas entrevistas

repetitivas, que contam sua sofrida infância, a atividade na


clandestinidade, sua decisão de combater a psicanálise, a

descoberta da Soma através dos fundamentos de Reich e do mo-

vimento da antipsiquiatria de Cooper. Praticamente é mostrado

como um espécimen curioso, dando-se ênfase, também neste ca-

so, à vida do escritor e esquecendo-se a obra que é o que

realmente interessa. Este trabalho aborda quatro de suas

obras, nelas o escritor desenvolve suas idéias anarquistas.

A marginalidade pode também ser o escândalo como

praxis revolucionária, já que a marginalidade é conseqüência

de atitudes que se chocam com o sistema vigente. O escândalo,

o ridículo, em nível discursivo, é dizer aquilo que não se

deve ou não se pode dizer. Foi visto que as instituições so-

ciais não aceitam a discusão de temas sexuais ou que questio-


130

nem a vigência, por exemplo, do matrimônio, da monogamia ou

de outra forma de relacionamento, como o fazem os anarquis-

tas. Quando surge a polêmica, de forma aberta, os autores são

considerados impertinentes e inadequados, ou como diz Freire

“comuna e tarado”.

6.3- As idéias de tranformação sexual

As idéias metaforizadas em Roberto de las Carre-

ras, por exemplo “...en el laboratorio de Proteo...” (1967,p.

85), encontram-se expostas em Roberto Freire, por exemplo

“...na Natureza...” (1987,p.45). Ambos elaboram propostas de


transformação sexual através da conscientização da politici-

dade do sexo. A anarquia é aplicada por Roberto de las Carre-

ras na transformação do marido em amante. Dá-se pela morte, o

suicídio, do macho para o renascimento purificado –o amante.

A anarquia é aplicada por Roberto Freire através da terapia

da Soma, para a tomada de consciência e a liberação da afeti-

vidade, do amor, contra a neurose provocada pelas relações

autoritárias. A Soma transforma o homem em mutante. Os pro-

dutos dos dois escritores são iguais, com diferente denomina-

ção: o amante e o mutante.

Freire não apresenta com a mesma intensidade e


131

profundidade o tema da mutação do macho como de las Carreras.

Para Freire, o tema em questão é tratado como se fosse a li-

beração do autoritarismo -a posse, os ciúmes- que é imposto

ao indivíduo pelo sistema do capitalismo burguês. Em Roberto

de las Carreras, o processo é visceral, somático, agônico,

muito mais intenso. Ele vê a masculinidade articulada profun-

damente com o autoritarismo. O macho original é o símbolo de

uma força ancestral, primitiva e básica ao varão. Como um

fundamento psico-biológico, mas não uma formação histórica

determinada economicamente, uma aderência que pode ser arran-

cada por uma terapia anarquista. Para o autor uruguaio, ar-

rancar o autoritarismo do macho é assassiná-lo, suicidá-lo.

Justamente, o fato de ter que "matar o macho interior” faz

com que o discurso de Roberto de las Carreras destrua-se,


desestruture-se. O leitor nunca sabe quando fala sério ou

quando é brincadeira.

Roberto Freire, pelo contrário, sempre é sério,

até nos vexames. Seu discurso é estruturador do dogma anar-

quista, construidor de uma sociedade libertária utópica e ele

acredita que essa é a verdade, embora diga que não há verda-

des absolutas.

Há elementos suficientes, de acordo com os antece-


132

dentes, para afirmar que o discurso de Roberto de las Carre-

ras pode ser enquadrado na novíssima corrente da neo-masculi-

nidade. Uruguay Cortazzo, em trabalho inédito, de 1996, Pró-

logo a Sueño de oriente e Psalmo a Venus Cavalieri, sobre

Amor Libre diz que:

“no creo que pueda demostrarse fácilmente que esta


es una simple obra representativa de una época ya
superada. Creo más bien que estamos frente a un
producto bastante atípico y original: una auténti-
ca creación literaria que se adelantó, en mucho, a
planteos que recién han empezado a surgir en los
años 80 en Estados Unidos y que se conoce como el
movimiento de la nueva masculinidad.”
(Grifo nosso)

Roberto Freire não é neomasculino. Fixa-se na eta-

pa dos anos setenta, do questionamento da virilidade machis-

ta, do machão, do durão, do reconhecimento dos direitos da

mulher, mas não procura novos fundamentos para a masculinida-

de, apenas trata o assunto como uma mutação ou uma aderência


cultural:

"...Os valores viris de Ocidente despencaram (...)


os homens jovens não estavam interessados nos va-
lores tradicionais do macho. Aos poucos passaram
não apenas a rejeitar a guerra, mas o gosto pela
posse, pelo consumismo, pela desvastação da Natu-
reza(...)os jovens voltavam as costas para os es-
tereótipos da virilidade e adotavam valores mais
femininos, as próprias mulheres abandonavam uma
parte de suas atitudes milenares e se apossavam de
setores que outrora eram privilégio dos homens
(...) Superada essa contradição, os estereótipos
do homem viril e da mulher feminina foram pulveri-
zados. Não há mais modelo obrigatório, mas uma in-
finidade de modelos possíveis. Cada um segue sua
133

particularidade e realiza a própria dosagem de


masculinidade e feminilidade.
A semelhança entre os sexos é uma inovação tal
que podemos, legitimamente, encarála em termos de
mutação."
(Grifo nosso)
(1995,p.61-62)

6.4- A ficcionalidade da sociedade

Ambos têm consciência da possibilidade de que cada

pessoa invente seu papel. Roberto Freire concebe as relações

humanas como um "faz de contas", uma brincadeira de adultos,

ou seja, uma convenção, como propõe em Sem tesão:

"E sou também como as crianças que não entendem o


mundo dos adultos e brincam de ser adultos nos
faz-de-contas dos seus jogos infantis. Eu não em-
tendo nem explico a vida, mas brinco de vivê-la
nos faz-de-contas dos meus jogos adultos que não
visam decifrar esfinge alguma, mas sim curtir o
mais possível com as caras delas.”
(Grifo nosso)
(1987,p.24)

Ou como no seguinte comentário de Ame e dê


vexame,
quando se refere à ludicidade da natureza do homem:

"Ludicidade significa a capacidade de brincar e de


jogar. Quem ama precisa saber brincar e jogar,
para não cair nos jogos e brinquedos autoritários
das pessoas que não são lúdicas e devem ganhar
sempre, nem que para isso tenham de mudar as re-
gras do jogo, roubar o jogo, destruir o jogo ou os
próprios parceiros."
(Grifo nosso)
(1990,p.74)
134

Agindo assim, o amante libertário poderia derrotar

a neurose provocada pelo autoritarismo da sociedade burguesa

cujo jogo é:

"...um jogo medíocre, doente, neurótico, nivelando


as pessoas por baixo e boicotando a dinâmica e a
liberdade no amor."
(Grifo nosso)
(Ibid,p.106)

Roberto de las Carreras declarava-se "homem fanta-

sia", no Poema Sentimental. Ele e Roberto Freire concebem sua

interação social como um exercício de imaginação, de sentido

sobre uma realidade, o que é no fundo incompreensível. Freire

assim explica:

"Vivo emaranhado deliciosamente nas relatividades


absolutas, intensas, apaixonadas e vãs de sonhos,
delírios, alucinações e deslumbramentos, que con-
fundo com os aspectos surreais, fantásticos, mági-
cos e encantados da realidade."
(Grifo nosso)
(1987,p.24)

Para Roberto de las Carreras a realidade era me-


díocre e prosaica, e implica um afastamento das doutrinas de-

terministas. Isto, ao mesmo tempo, é o fundamento do conceito

de mutação. A possibilidade de escolher a melhor ficção para

nós mesmos.
135

6.5- A concepção do amor. Sua temporalidade e sua finitude

Os dois denunciam a ideologia do "amor eterno",

fundamento do matrimônio indissolúvel, e defendem a idéia de

que o amor deve ser vivido com a consciência plena da finitu-

de. O amor não pode ser controlado, legalizado, nem ser

transformado em um bem eterno.

Da obra de Roberto de las Carreras podem extrair-

se a seguinte porção de texto:

"El Amor muere joven.(...) Dicen los griegos, esos


maestros reconocidos en Belleza, en Filosofía, en
Arte, y en Amor, que pretender ser amado exclusi-
vamente es uma locura de mortales. Sería curioso
que el Amor(...) se encontrara prisionero en los
hogares montevideanos junto a la cocina y el re-
trete!"
(Grifo nosso)
(1967,p.67-68)

Mais adiante, encontra-se o seguinte:

"¿Dónde está esa Naturaleza disciplinada, matemá-


tica, que distribuye a los seres por parejas eter-
nas, y cuyas potencias sordas de atracción se de-
tienen una vez que los ha juntado?
La Naturaleza es variable, caprichosa, mujer! El
amor vive de deseos y muere de saciedad, dice la
gran sentencia.(...) Arrancados de la educación
cristiana nos acostumbraremos a mirar en el amor
una cosa fugaz, como todo lo que vive."
(Grifo nosso)
(Ibid,p.77-78)
136

Roberto Freire, em Sem tesão não há solução, diz:

“A grande decepção dos amantes que buscam a feli-


cidade (estado de prazer permanente, instituciona-
lizado) através do amor é produzida pela sua inca-
pacidade em aceitar que, como todas as coisas vi-
vas, o amor também tem um começo, um meio e um
fim. Nem seu tempo, nem seu espaço e nem seu tesão
podem ser determinados e controlados por razão da
vontade e pela força de poder."
(Grifo nosso)
(1987,p.56)

E em Ame e dê vexame, afirma:

"O amor não pode ser uma condenação perpétua,


embora eu não descarte a possibilidade e o direito
de que algumas pessoas o vivam assim, não como
condenação, mas sendo esse tipo de amor um fato
ecológico possível. O que não consigo entender é o
amor exclusivo e perpétuo ser uma vantagem em
relação às outras formas possíveis de amor."
(Grifo nosso)
(1990,p.73)

Numa entrevista, o escritor brasileiro, declara:

"Preciso de pessoas que não me cobrem fidelidade,


nem continuidade, nem exclusividade. Gosto do na-
moro, do encontro, que propicia sexualidade ori-
ginal, lúdica, alegre, descartável. Assim, a gente
vive em permanente estado de descoberta, surpresa
e encantamento."
(Grifo nosso)
(Ibid,p.91)
6.6- A angústia do amante anarquista

Do item anterior, extrai-se que as utopias apre-


137

sentadas pelos autores têm um forte conteúdo anti-eudemônico.

Há uma renúncia ao mito da felicidade.

Em Roberto de las Carreras, há uma angústia:

"Optemos: la mujer inerte, la montevideana sin al-


ma, sin cuerpo, sin virtud siquiera dentro del
mismo punto de vista convencional; sin abnegación,
que nada hace vibrar, que presencia, impasible,
instalada en um palco, los más grandes sollozos
que atraviesan la historia afectiva de la humani-
dad y que revientan en la música; que mira sin
comprender todos los torcedores, todas las angus-
tias dramáticas del corazón estrujado (...) Nosso-
tros, los que hemos sido cien veces crucificados,
martirizados, destrozados, no vacilamos. No damos
nuestra quemante angustia por la plétora de satis-
facción de los burgueses..."
(Grifo nosso)
(1967,p.78)

O conceito de angústia está politizado porque se

opõe a “satisfacción burguesa”. É, portanto, a angústia do

amante anarquista. Adianta-se a Freire no sentido de rejeitar

a idéia de felicidade eterna e considerar que apenas há mo-

mentos de intensa alegria.

Em Roberto Freire o conceito está mais elaborado

visto que a idéia de "felicidade" também é uma ideologia. En-

tão propõe sua substituição pela alegria, que é, como o amor,

um estado instável e cíclico. Em Sem tesão, o escritor afirma


o seguinte:
138

"Creio já ter conseguido expor todas as razões que


me levam a concluir ser a felicidade algo impossí-
vel de se atingir (...) não se trata de prazer
saudável e libertário(...) a felicidade é uma coi-
sa impossível de ser alcançada (...) Penso mesmo
que sua ideologia debe ser fortemente combatida
tanto como estratégia política ou como delírio re-
ligioso e patológico(...) Afirmo que o sonho capi-
talista burguês da felicidade deve ser combatido
de forma constante e efetiva..."
(Grifo nosso)
(1987,p.56-57)

Então, o escritor oferece sua fórmula substituti-

va:

"...buscamos simples e naturalmente alegria. Ale-


gria, coisa tão incerta como o vento, que tem dia
que vem, dia que não vem(...)alegria entendida co-
mo a expressão gostosa, saborosa, orgástica e em-
cantada do funcionamento satisfatório e equilibra-
do de nossa energia vital no plano físico, emocio-
nal, psicológico, afetivo, sensual, ético, ideoló-
gico e espiritual."
(Grifo nosso)
(Ibid,p.58-59)

6.7- O erotismo como modelo rítmico

Os dois defendem a euforia e atacam as filosofias

pessimistas. Concebem o erotismo segundo o modelo rítmico, um

processo dinâmico igual aos ciclos da natureza, a permanente

dinâmica do desejo. Roberto de las Carreras fala sobre:

"¿La veleidad inquieta del deseo no esconde, tal


139

vez, la ley de renovación de la Naturaleza? Nada


se detiene. Todo bulle y se transforma en el labo-
ratorio de Proteo de sus laberínticas elaboracio-
nes(...)Nuevos moldes, nuevas armonías, nuevos em-
trelazamientos, nuevas formas, busca con turbulen-
to afán el genio afiebrado de la Naturaleza..."
(Grifo nosso)
(1967,p.85)

Roberto Freire, em Sem Tesão, refere-se a:

"Isto quer dizer que na Natureza, fazendo uma com-


paração com a criação musical, a vida se organiza
num modelo rítmico mais ou menos rígido de tempo e
de espaço, mas é todo livre o seu tesão, que varia
segundo as circunstâncias produzidas por variáveis
para nós imperceptíveis e que geram sempre novas e
originais melodias e harmonias."
(Grifo nosso)
(1987,p.45)

Em Utopia e Paixão, o escritor brasileiro sustenta

que as novas experiências são sinônimo de liberdade, e isto

implica segurança, risco, aventura. Comprendendo a temporali-

dade cíclica da Natureza há possibilidade de realizar a uto-

pia e viver com prazer:

"Experimentar situações novas de vida ou viver ex-


periências socialmente inovadoras envolve risco e
conseqüentemente traz incertezas,inseguranças(...)
Risco é liberdade.
É na busca da segurança que se estabelece o po-
der. Quem gosta do risco e se aventura, aceita
a insegurança, porque tem sua própria utopia, vive
de satisfazer, a qualquer preço, sua necessidade
de prazer."
(Grifo nosso)
(1991,p.78-79)
140

6.8- A originalidade única

Os dois escritores têm uma visão estética da exis-

tência e essa coincidência é surprendente. Eles perseguem o

mesmo objetivo: o desenvolvimento da originalidade específica

do ser humano. Roberto de las Carreras traça um paralelo en-

tre originalidade erótica e originalidade artística:

"La originalidad, me has dicho, no es outra cosa


que un exitante de nuestra sensibilidad, un des-
pertamiento producido por lo nuevo... En Amor se
necesita originalidad, como en Arte."
(Grifo nosso)
(1967,p.114-115)

Roberto Freire expõe que cada um tem um referen-

cial e que esse parâmetro lhe permite,

"...saber se uma coisa que sinto ou observo está


viva no limite máximo possível de seus potenciais,
se ela aplica a totalidade da energia vital dis-
ponível naquilo que sabe ser sua originalidade
única."
(Grifo nosso)
(1987,p.66)

Ou mais adiante quando diz:

"Se o conceito de beleza não estiver forte e dire-


tamente ligado à necessidade biológica e ecológica
do homem para viver a sua originalidade única,
corre-se sempre risco de a beleza passar a ser um
valor produzido por um processo de massificação
141

autoritária sobre o que deva ser a alegria huma-


na."
(Grifo nosso)
(Ibid,p.69)
Também em Ame e dê vexame, encontra-se algo seme-

lhante:

“Mas o que é a criatividade no amor? É simples-


mente poder dispor de todos os nossos potenciais
humanos liberados, estar o mais próximo possível
de nossa originalidade única e vivermos autore-
gulados, quer dizer,livres."
(Grifo nosso)
(1990,p.74)

A originalidade, para Roberto Freire, é a diferen-

ça, é a liberdade:

"Cada um de nós é um ser original e único. Nunca


houve e nem haverá jamais um ser igual a outro
(...) Mas o que importa é a diferença que resta: o
original e único em cada um (...) Então, ser li-
vre, é poder viver ampla e irrestritamente as pró-
prias originalidades únicas, as nossas diferen-
ças."
(Grifo nosso)
(1991,p.37)
142
143
144

7. Conclusão
145

O presente trabalho, procurou analisar o discurso

anarquista-erótico e utópico dos escritores Roberto de las

Carreras e Roberto Freire, utilizando alguns conceitos da

Análise do Discurso francesa, combinados com outros da Teoria

da Literatura. No caso de Roberto de las Carreras, o dandismo

e o Modernismo Hispano-americano necessariamente foram abor-

dados, para uma melhor compreensão de suas propostas e de sua

postura estética.

Um grupo de críticos e jornalistas uruguaios têm

resgatado obras inéditas de Roberto de las Carreras, demons-

trando grande interesse e colocando o escritor como figura de

destaque da chamada Geração do 900. Opõem-se, desta forma, à

crítica tradicional, ou ao cânon zumfeldiano –como se intitu-

lou no presente trabalho.

O estudo das porções maiores de texto, extraidas

do corpus, possibilitou constatar simetrias e assimetrias (ou

ressonâncias) nos discursos de Roberto de las Carreras e Ro-

berto Freire. De maneira geral, pode-se dizer que, ao exami-

nar as porções para ver as propriedades do discurso, enqua-

drando-as num discurso anarquista, erótico, utópico e dândi,

acessou-se elementos interdiscursivos que normalmente em ou-

tras formações discursivas, situam-se no âmbito do não-dito,


146

ou seja, daquilo que não pode nem deve ser dito. Eles estão

explicitamente declarados, numa atitude extremamente polêmica


e contestadora dos valores vigentes na sociedade.

O balanço das convergências e divergências leva a

algumas conclusões:

a)Roberto de las Carreras é um antecedente de Roberto Freire.

Porém, as condições históricas de produção são diferentes em

ambos os autores conforme foi exposto. Trata-se de um caso de

analogia entre dois autores sem influência direta, pois Frei-

re desconhece o trabalho de Roberto de las Carreras.

Conforme foi visto anteriormente, há ressonâncias

entre o discurso de um e de outro. Os escritores enfocam a

sexualidade desde o ponto de vista político e lhe atribuem

poderes revolucionários –a liberação ou liberdade social.

Eles propõem mudanças nos padrões morais e sociais vigentes

através da politicidade do sexo.

Os autores estudados propõem uma estética que rom-

pe com o conceito institucionalizado de sexualidade e erotis-

mo e o vinculam ao cotidiano. Em ambos autores, o Eros vincu-

la-se ao conceito de beleza e à procura da expressão artísti-

ca e da criatividade individual; sai do âmbito sexual como


147

atividade psico-física necessária à preservação da espécie ou

do arcabouço social e transforma-se em criação artística.

Roberto de las Carreras combina paródia, ironia e


humor para desestruturar o discurso cristalizado pelas insti-

tuições. Freire serve-se do discurso para estruturar o dogma

anarquista. O vexame, o ridículo, no fundo é um elemento sé-

rio que permite a liberação das repressões impostas pelo au-

toritarismo. Vem a ser uma arma de luta contra as repressões

e a neurose provocados pelo autoritarismo da sociedade capi-

talista e burguesa.

De las Carreras propõe um mundo novo sob a estéti-

ca do dandismo, que vai desde a forma de vestir, atuar, até a

forma de escrever. Um mundo onde a beleza, o bonito, a per-

feição literária está presente. Freire também propõe um mundo

novo, ecológico e estético, onde tesão e beleza articulam-se.

A beleza do mundo percebe-se como a expansão livre do tesão.

O anti-estético é a repressão do tesão. Mas, não se preocupa

com a perfeição literária, pelo contrário, ele manifesta que

quer um estilo "sujo",espontâneo,imediato e vulgarizante;

b)o discurso dos escritores estudados situa-se no âmbito da-

quilo que não deveria ser dito, não estão assujeitados, e es-

ta possibilidade de interpretação fundamenta-se na observação


148

do ato da criação artística: eles são o produto de seus uto-

pismos. Roberto de las Carreras denomina-se homem fantasia,

constrói e vive a utopia de sua personagem. Roberto Freire

afirma a necessidade da utopia quando se mostra ele mesmo co-

mo prova de seu mundo ou a existência atual de “mutantes”.

Freire quer a utopia anarquista já, a erotização do cotidia-


no. O que define uma utopia como tal é sua inexistência, mas

inexistência não quer dizer impossibilidade. A utopia, tal

como é entendida por Roberto de las Carreras e Roberto Frei-

re, é um futuro possível, do qual eles mesmos são a prova.

Daqui pode extrair-se uma segunda afirmação: a utopia anar-

quista está também no âmbito daquilo que não pode ser dito;

c)a relação entre os escritores pode estar apoiada numa tra-

dição latino-americana, do contrário são dois escritores exó-

ticos que se fundamentam em fontes exclusivamente internacio-

nais. Daqui deriva uma segunda formulação: deve existir uma

seqüência literária em América Latina vinculada à corrente

anarquista, deve haver outros autores nesta linha e esse cam-

po ainda não foi adequadamente explorado;

d)se esta tradição não tem sido considerada, há necessidade

de estudar o vínculo entre sexo-anarquismo-literatura, pois

existe a possibilidade da existência de uma seqüência discur-

siva literária que não tem sido bem atendida pela crítica, já

que o discurso crítico latino-americano é fortemente conser-


149

vador no que se refere à sexualidade e o erotismo, como se

pode apreciar no caso de Roberto de las Carreras e Roberto

Freire: o primeiro, deslocado pelo panteão literário, e o se-

gundo silenciado e ignorado pela mídia e a crítica.

Os vínculos entre erotismo e política são aborda-

dos por outros autores como Otávio Paz e Fernando Gabeira,

por citar dois exemplos imediatos;

e)indiretamente, o trabalho prova que existe uma vínculo en-

tre a corrente do Modernismo Hispano-americano e o Anarquis-

mo, o que obriga a revisar e ver de forma diferente este re-

lacionamento e a redimir o Modernismo como um movimento de

zonas ou grupos altamente politizados. O Modernismo traduz ao

plano da Teoria Literária o princípio anarquista da arte li-

vre, tal como afirma o poeta Ruben Darío, quando refuta a

idéia de escrever um manifesto:

"Porque proclamando, como proclamo, una estética


acrática, la imposición de un modelo o de um códi-
go implicaría una contradición."
(Grifo nosso)
(1989,p.48)

f)há uma necessidade urgente de estudo comparativo com as ou-

tras literaturas nacionais, principalmente latino-americanas,

para comprovar se existe um vínculo e, se existe, como se si-


150

tua perante as tradições mais visíveis e dominantes como, por

exemplo, a procura da identidade e de uma nova civilização: o

americanismo.

Através da análise e das conclusões apresentadas,

procura-se uma compreensão maior da natureza do discurso

anarquista-erótico de Roberto de las Carreras e de Roberto

Freire, como a possibilidade de escapar das determinações

ideológicas de sua época, criando ficções de contúdo político


que se transformam em modelos que regem suas condutas e prá-

ticas cotidianas. Ambos os discursos separam-se da realidade,

projetando-se no futuro e voltam a ela para interceptá-la com

a própria experiência dos autores. A ficção utópica distan-

cia-se da realidade presente para, depois, encontrá-la e pro-

duzir transformações. Isto demonstra que a ficção, longe de

ser oposição à realidade, está numa relação dialética com

ela: permite uma oposição para depois reinserir-se como uma

nova força configuradora.

Graças à capacidade de imaginação do homem será

possível a harmonia consigo mesmo e com seus semelhantes. O

olhar fictício e utópico da realidade desvela um mundo dentro

do mundo no qual o homem habita, a presença de outro homem

dentro do homem que é.


151
152

8. Notas
1. ORLANDI (1988,p.19-20), sobre parafrasagem e polissemia
diz:“Da observação da linguagem em seu contexto, e em termos
bastante gerais, podemos dizer que a produção do discurso se
faz na articulação de dois grandes processos, que seriam o
fundamento da linguagem: o processo parafrástico e o processo
polissêmico. O processo parafrástico é o que permite a produ-
ção do mesmo sentido sob várias de suas formas (matriz da
linguagem). O processo polissêmico é o responsável pelo fato
de que são sempre possíveis sentidos diferentes, múltiplos
(fonte da linguagem).”(Grifo nosso)

No mesmo sentido, no artigo Para quem é o Discurso


Pedagó-gico (1987,p.27), estabelece que: ”...a produção da
linguagem se faz na articulação de dois grandes processos: o
pa-rafrás-tico e o polissêmico.Isto é, de um lado, há um
retorno cons-tante a um mesmo dizer sedimentado -a paráfrase-
e, de outro, há no texto uma tensão que aponta para o
rompimento(...) Há um conflito entre o que é garantido e o
que tem de se garan-tir. A polissemia é essa força na
linguagem que desloca o mesmo, o garantido, o sedimentado.
Essa é a tensão básica do discurso, tensão entre o texto e o
153

contexto histórico-social: o conflito entre o "mesmo" e o


“diferente"(Orlandi 1978), entre a paráfrase e a
polissemia.”(Grifo nosso)

2. Antonio GARCÍA BERRO e Javier HUERTA CALVO (1992,p.222),


sobre os gêneros literários, o sistema e história, manifes-
tam: “Como es evidente, estamos en las fronteras que borro-
samente separan la especulación racional de la ficción imagi-
nativa. En este punto ocupan también un lugar singular las
utopías o tratados utópicos, gênero que nace en el siglo XVI
con la genial creación creación de Tomás Moro y que después
ha tenido una singular fortuna en casi todas las literatu-
ras.”(Grifo nosso)

3. Marx e Engels, a partir do Manifesto Comunista, desatam


uma polêmica ao aplicar o termo utópico ao socialismo que,
conforme BUBER (1995), em Caminos de utopía, “apela a la
razón, a la justicia y a la voluntad del hombre para volver a
su lugar a la sociedad humana desquiciada”, em oposição ao
socialismo científico que eles pregam. O termo utopia sofre
evidente depreciação. BUBER (Ibid,p.20) assinala que o termo
utópico somente se aplica ao socialismo voluntarista que se
opõe ao socialismo científico: “Si considera utópico todo
socialismo voluntarista. Lo cual no significa en modo alguno
que esté exento de utopía el socialismo que con él se enfren-
ta y que podría calificarse de necesarista porque declara que
lo único que pide es que se ejecute lo necesario para la
evolución. Evidentemente, los elementos utópicos que contiene
son de otra índole y afectan a otro orden de ideas”.(Grifo
nosso)
Embora o anarquismo é considerado utópico, há autores,
como Daniel GUÉRIN (1967,p.49), que se opõem a esta afirma-
ção. Em El Anarquismo, sob o título de El Anarquismo no es
utópico, manifesta: “Por proclamarse constructivo, el anar-
quismo rechaza ante todo la acusación de utópico.Recurre al
método histórico para tratar de probar que la sociedad futura
no es invención suya, sino, simplemente, producto del trabajo
subterráneo del pasado.”(Grifo nosso)

Freire, embora anarquista, não rechaça o termo utopia,


pelo contrário, o aceita como positivo e se inclui como uto-
pista.

4.Os críticos da denominada “Geração de 45”, posteriores a


Zum Felde, e para este trabalho foram considerados os textos
de Emir Rodriguez Monegal, Angel Rama, Arturo Sergio Visca,
que se dedicaram a repetir e complementar a crítica de
154

Alberto Zum Felde sobre Roberto de las Carreras. Também


são considerados os textos de Carlos Real de Azúa, onde
critica o movimento modernista uruguaio e latino-americano.

5.MASSAUD MOISES(1995,p.175-77) considera o ensaio “um espé-


cime literário de contorno indefinível.” Ele diz que é “im-
possível estabelecer com rigorosa precisão os limites do en-
saio(...) pertence ao gênero da prosa, na vertente didáti-
ca(...)contém a discussão livre, pessoal, de um assunto qual-
quer(...)o ensaio oferece antes de tudo uma sensação de bele-
za, posto que beleza da forma: o ensaísta é por definição o
bom escritor.”

ANGÉLICA SOARES(1993,p.65-66) manifesta que “o ensaio se


coloca como forma fronteiriça, sendo improdutivo, do ponto de
vista teórico-crítico, querer marcar os seus limites(...)Para
o ensaio, não há um tema predominante: vai desde a impressão
causada no artista por sua própria personalidade ou pela de
outrem, até a apreciação ou o julgamento de diferentes rea-
lizações humanas, e pode também se limitar à descrição de fa-
tos.”

Quanto à crônica, MASSAUD MOISÉS(1995,p.131-133) comenta


que o vocábulo “mudou de sentido ao longo dos séculos”. No
início referia-se a uma série de acontecimentos, conforme uma
seqüência linear de tempo, mas não analisava as causas e não
havia qualquer tipo de interpretação. Modernamente, o
vocábulo se vincula a textos que “ostentam, agora, estrita
personalidade literária(...) A crônica de feição moderna, via
de regra publicada em jornal ou revista e muitas vezes
reunida em volume, concentra-se num acontecimento diário que
tenha chamado a atenção do escritor(...) Na verdade, clas-
sifica-se como expressão literária híbrida, ou múltipla, de
vez que pode assumir a forma de alegoria, necrológio, entre-
vista, invectiva, apelo, resenha, confissão, monólogo, diálo-
go, em torno de personagens reais e/ou imaginárias(...)Moda-
lidade literária sujeita ao transitório e à leveza do jorna-
lismo, a crônica sobrevive quando logra desentranhar o perene
da sucessão anódina de acontecimentos diários, e graças ao
recursos da linguagem do prosador.”

JORGE DE SÁ(1992,p.10-11) fala de “um gênero jornalístico”


referindo-se à crônica, aponta “a sua precariedade, esse seu
lado efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre
antes de que acabe o dia, no instante em que o leitor trans-
forma as páginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes
que mais lhe interessam num arquivo pessoal(...) Nesse con-
155

texto, a crônica também assume essa transitoriedade(...) Com


o seu toque de lirismo reflexivo, o cronista capta esse
intante brevíssimo que também faz parte da condição humana e
lhe confere (ou lhe devolve) a dignidade de um núcleo estru-
turante de outros núcleos, transformando a simples situação
no diálogo sobre a complexidade das nossas dores e alegrias.
Somente nesse sentido crítico é que nos interessa o lado
circunstancial da vida. E da literatura também.”

6. Há vários autores, entre eles André RESZLER (1973), que


discutem as diferentes idéias e tendências dos anarquistas
sobre a arte, desde as teorias do anarquismo clássico até as
formas artísticas contemporâneas. Algumas destas formas podem
ser catalogadas como anarquistas, por exemplo os “happen-
ings", o "Living Theatre” de Nova Iorque, a música aleatória
e as manifestações da chamada "arte efêmera”.

Happening é uma forma de experiência coletiva, de partici-


pação efetiva do espectador. Há um plano de ação inicial, um
esquema, como na música aleatória, que metamorfoseia de uma
apresentação para outra.

O Living Theatre, ou teatro aleatório, também é uma forma


de criação coletiva, onde atores e espectadores são os co-
autores do drama. Procura-se a revolução pela arte, a ação
política direta e o anarquismo como experiência vivida. O fim
que persegue é destruir o princípio da autoridade, seja do
Estado ou da família. RESZLER (Ibid,p.115) considera que:
"mediante sus creaciones colectivas, los animadores del
Living tratan de recrear la unidad orgánica del cuerpo so-
cial, romper el armazón del individualismo burgués, desper-
tando en el hombre sentimientos de amor y fraternidad”.
Manifesta (Ibid,p.132) que: “el arte sustituye a la política.
Y el hombre mismo se convierte en obra de arte(...)La vida
es teatro(...)El teatro -y la política- no es sino energía
pura, instinto, anarquismo.”(Grifo nosso)

Com a técnica aleatória a obra musical não tem uma par-


titura acabada. Há apenas um projeto que permitirá um diálogo
entre o compositor e o músico -que neste caso é qualquer um
do povo. O intérprete determina sua estrutura e sua execução
e a obra acaba tendo um número infinito de execuções.

O crítico sustenta que a estética anarquista atual é uma


estética puramente artística cuja base está na ideologia
anarquista do século XIX. RESZLER (Ibid,p.136) conclui que
a estética anarquista "es el guardián del espíritu de ruptu-
156

ra. Y puesto que tiene la mirada fija en el porvenir -la


utopia- interpreta tal vez mejor la aspiración del artista de
hoy a la libre expresión de su fe de herético”(Grifo nosso)

7. Em 1968, Fernando AINSA, publica um artigo na revista


Capítulo Oriental, número 19, "La narración y el teatro en
los años veinte", sobre o escritor Magariños Solsona. Este,
em várias novelas apresenta casos de poligamia entre os
personagens como forma de rebeldia contra os valores sociais.
Em Las hermanas Flammari (1893), Valmar (1896) e Pasar
(1920), critica, de forma burlesca e feroz a sociedade monte-
videana de fim de século XIX. A novela de 1920, retoma o tema
do amor livre. Este raro dado sobre o tema das transformações
sexuais, não é vinculado por Ainsa com Roberto de las Carre-
ras.

8. Recentemente, em junho de 1997, Carlos Maria DOMÍNGUEZ,


lançou El Bastardo, onde conta a polêmica história de Clara
García de Zúñiga -mãe de Roberto de las Carreras. Aprofunda
e documenta essa história, de forma minuciosa. Este romance
biográfico tem a biografia integral do escritor uruguaio e a
descrição de sua época.Para a reconstrução do ambiente do 900
montevideano, utilizou os textos sobre este período dos cha-
mados "críticos del 45". O questionamento que Domínguez faz à
visão destes críticos confirma a crítica adiantada por Uru-
guay CORTAZZO em conferências -Roberto de las Carreras: los
futuros del macho (1994), Suicidio y trasmutación del falo
(1995).

9. Referindo-se a Roberto, ZUM FELDE (1921,p.49) anota:


"Detiénense los transeuntes a observarle, y la vidriera del
"Café Moka", donde suele dictar sus páginas a un secretario,
parece la vitrina donde se exhibe algún objeto curioso."

10. O texto encontra-se no Interview Político con Roberto


de
las Carreras, possivelmente publicado em 1903. Também pode
consultar-se Rama, no Prólogo de Psalmo a Venus Cavalieri y
otras prosas.

11. No presente trabalho, quando se fala de Modernismo, de-


ve ser entendido como o Modernismo Hispano-americano. Homero
CASTILLO, em Estudios críticos sobre el Modernismo, faz um
apanhado da maioria dos autores que se ocuparam de caracte-
rizar a essência do movimento, os escritores desta corrente.
Extrai-se da citada obra conceitos como que o Modernismo não
foi uma escola, senão a reunião de várias delas (Zum Felde);
157

uma revolução literária e um conjunto de tendências de ordem


formal e espiritual (Max Henriquez Ureña); a literatura dos
sentidos, de atrativos sensuais, deslumbrante e cromática
(Pedro Salinas); uma crise espiritual de múltiplas formas
individuais e nacionais, contraditória, que conseguiu
expressão universal no mundo hispânico(Federico de Onís).

12. CORTAZZO, numa conferência, Los futuros del macho (1994),


comenta que: “…toda la poética de De Las Carreras se enmarca
en una elaboradísima óptica paródica que aparece temprana-
mente constituida en un poema de 1894: ”Al Lector”. Allí
confiesa en doce interminables instancias que no tiene nada
original para decir y que el lector es un idiota por leerlo y
doblemente idiota porque no comprenderá su ingeniosa burla de
escribir un poema que concluye demostrando que la idea más
genial que se le ocurre es que deje de escribir. Esta burla
al lector, a sí mismo y a la institución literaria será su
principal herramienta de crítica para atacar otras insti-
tuciones y es, además, una forma de situar su literatura en
una zona fronteriza donde la ficción literaria se vuelve so-
bre sí misma autodestruyéndose en su pretensión de verosimi-
litud. Su anarquismo se manifiesta, así, en este efecto esté-
tico de recular humorísticamente cada vez que las actitudes y
las ideas se vuelven demasiado graves y trascendentes y se
corre el peligro de quedar aprisionados en una rigidez pé-
trea. La sonrisa irónica siempre está ahí, para desarticular
la pretensión abusiva de verdades que pueden pretenderse
absolutas.”(Grifo nosso)

Em outro trabalho não publicado, Prólogo a Sueño de


Orien-te e Psalmo a Venus Cavalieri (1996), sobre o poema
de Ro-berto de las Carreras Al Lector, manifesta que: “…es
una pa-rodia radical y cínica de la institución literaria
que le va a permitir declararse, en otro poema, un “hombre
fanta-sía”. Se contraponía obviamente al hombre realista,
común, vulgar, burgués y uruguayo: el que vive el libreto
seriado y anodino que le escribe la sociedad: el hombre
ripio.”(Grifo nosso)

13. Os pensadores anarquistas foram traduzidos pela editora


espanhola Sempere e circularam abundantemente em Uruguai.
Carlos M. RAMA (1968,p.29) conta que em Montevidéu se editava
uma grande variedade de obras operárias, e principalmente
anarquistas: “Junto a las figuras de las letras, los propa-
gandistas, los polemistas y los promotores de una frondosa
prensa subversiva. Es sorprendente el número y variedad de
las publicaciones obreristas, y especialmente anárquicas, que
158

se han publicado en el Uruguay. Estos intelectuales, obreros


politizados, militantes revolucionarios, son formidables lec-
tores de impresos locales y extrangeros, porque no faltan en
Montevideo los productos de las prensas ácratas de Barcelo-
na, de Bologna o Ancona, de Buenos Aires,especialmente.”
(Grifo nosso)

14. Alberto Zum Felde não participa da estratégia. Pelo con-


trário, na crítica de 1921, vê, claramente, a questão do
anarquismo individualista e do dandismo, que está avaliada e
entendida corretamente. Mister é lembrar que Zum Felde per-
tenceu ao círculo de Roberto e também foi um modernista.

15. RESZLER (1974,p.93) aborda o tema em questão afirmando


que a arte anarquista estava vinculada às vanguardas simbo-
listas e pósimpressionistas, que traduziam esteticamente o
anarquismo individualista de Godwin e Stirner e as leituras
das teorias de Kropotkin, Malatesta e Grave, de caráter cole-
tivista ou comunista. Lembra Jean Maitron que diz: "Se era
simbolista en literatura y anarquista en política"

16. RESZLER (1974,p.101) comenta que: “este ensayo provocati-


vo resume bastante bien el sentido del anarquismo de los
medios artísticos de fin de siglo, y los límites de su com-
promiso. Saca también a la luz la incompatibilidad fundamen-
tal entre el anarquismo individualista del poeta y el anar-
quismo colectivista del militante”(Grifo nosso)

17. Inspirada em Max Stirner, e bem menos em Bakunin ou Kro-


potkin, a corrente individualista do Anarquismo, considera a
pessoa, o indivíduo, como representante de tudo aquilo que é
humano e autodeterminante, e o Estado um ente de opressão.
HOROWITZ (1982,p. 53-54) encontra uma linha comum na dispari-
dade de pensadores do anarquismo individualista, da qual
extraem-se os seguintes comentários: “...adhirieron al com-
cepto de la propiedad privada, en la medida en que este com-
cepto sólo abarcaba el producto total del trabajo individual
(...) La finalidad de la sociedad consiste en preservar la
soberanía de todo indivíduo, sin excepción(…) El princípio de
la individualidad requiere, para tener éxito, la igualdad ab-
soluta de los sexos, la igualdad absoluta de las razas y la
igualdad absoluta del trabajo(…) Toda invasión de los dere-
chos naturales de la persona es injusta y constituye un sím-
bolo de la tiranía de la mayoría(...) Toda definición de la
libertad comienza y concluye con la libertad de la parte más
débil de una nación.”
159

18. Comenta LITVAK (1981,p.273), referindo-se ao anarquismo


espanhol: “Los anarquistas declaran la necesidad de la liber-
tad para la creación literaria, libertad tanto en el senti-
do ideológico como creativo(...) Sin embargo, a pesar de
esta postura abierta, la estética literaria de los anarquis-
tas es normativa, y en general, a pesar de la aproximación
que hubo con los modernistas, hay una condena general del mo-
dernismo y de toda manifestación literaria que deje de lado
la cuestión social y se dedique exclusiva o principalmente a
un fin puramente estético(...) Adoptan los anarquistas la
idea, común por entonces, de que la decadencia de la litera-
tura se manifestaba por un predominio de la forma sobre el
contenido de la obra.”(Grifo nosso)

19. BRANDÃO (1994,p.38) diz que assujeitamento ideológico ou


interpelação ideológica "consiste em fazer com que cada indi-
víduo (sem que ele tome consciência disso, mas, ao contrário,
tenha a impressão de que é senhor de sua própria vontade)
seja levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou classes de
uma determinada formação social"

20. Robert MOORE e Douglas GILLETTE (1993) sustentam que no


fim do século vinte existe uma crise de identidade masculina
sem precedentes. Apontam como uma das causas o desaparecimen-
to do ritual que ajudaria o adolescente a efetuar a transi-
ção para a masculinidade adulta. Como conseqüência, a psico-
logia dominante é a do adolescente, de comportamentos prepo-
tentes e violentos. Outra causa é a organização social e
cultural do patriarcado que se traduz através de uma domina-
ção opressora e abusiva com as mulheres. A corrente denomina-
da "nova masculinidade" ou "neomasculinismo", onde se situam
os autores, considera que o patriarcado não é a verdadeira
expressão da masculinidade, porque esta não é prepotente. A
masculinidade imatura, expressão da psicologia adolescente,
procuraria não somente dominar as mulheres mas também os
homens. Propõem, então, uma redefinição do que seria o poder
masculino, uma adequada conexão com "as energias masculinas
profundas e instintivas, com os potenciais da masculinidade
matura"(1993,p.18). Segundo os autores, o homem necessita
"mais poder masculino maturo”(Ibid,p.19).

21. Mas Georges MAY (1979,p.95) considera que isto é excep-


cional. Observa que há na autobiografia um tipo de deformação
decorrente da ironia e do humor, como se o autor debochasse
de sí mesmo e das situações embaraçosas as quais atravessou:
“Pero en algunas ocasiones se llega, sin que sea fácil juzgar
si se debe o no a su propia voluntad, a introducir en la pro-
160

pia retórica de la narración otra clase de deformación que no


forma parte de las condiciones genéricas de la autobiografía
dado que no aparece sino en ciertos textos: se trata de la
ironía o del humor, con los cuales el autobiógrafo se enfren-
ta a ciertas acciones, dichos y pensamientos del personaje
que fue alguna vez.”(Grifo nosso)
Roberto de las Carreras e Roberto Freire coincidem numa
visão bastante irônica de si mesmos. Os dois são, então,
exceções.

22. A ironia do dândi nunca é grosseria, mas um ato de ousa-


dia e provocação. Critica a sociedade decrépita, burla das
normas sociais e vinga-se através da ironia e da impertinên-
cia. Assim é a observação de HINTERHAÜSER (1980,p.74): “La
ironía del dandy culmina, a su vez en impertinencia, pero
ésta no llega nunca a degenerar en grosería, sino que sigue
siendo un acto temerario y provocador de índole social-inte-
lectual(...) tal reacción se produce dentro de los límites
impuestos por la convención, ya que el dandy no puede pres-
cindir de la sociedad: su vanidad (legítima) necesita el
aplauso de aquélla; pues, hijo al fin de esa sociedad decré-
pita, carece de fuerzas para romper radicalmente con ella. Es
cierto que se burla de las normas sociales, pero, al mismo
tiempo las respeta. Atormentado por esta discrepancia, trata
de vengarse mediante la ironía y la impertinencia.”(Grifo
nosso)

BRAIT (1994,p.15) afirma que a ironia pode provocar efei-


tos de sentidos, quebrando ou desmascarando o discurso tido
como oficial: “...a ironia é supreendida como procedimento
intertextual, interdiscursivo, sendo considerada, portanto,
como um processo meta-referencialização, de estruturação do
fragmentário e que, como organização de recursos significan-
tes,pode provocar efeitos de sentido como a dessacralização
do discurso oficial ou o desmascaramento de uma pretensa ob-
jetividade em discursos tidos como neutros. Em outras pala-
vras, a ironia será considerada como estratégia de lingua-
gem que, participando da constituição do discurso como fato
histórico e social, mobiliza diferentes vozes, instaura a po-
lifonia, ainda que esta polifonia não signifique, necessaria-
mente, a democratização dos valores veiculados ou criados.”
(Grifo nosso)

A autora (Ibid,p.16) considera que o riso, o humor, decor-


rentes da ironia, desnudam aspectos culturais, sociais e es-
téticos: “Como elemento estruturador de um texto cuja força
reside na sua capacidade de fazer do riso uma conseqüência, o
161

interdiscurso irônico posssibilita o desnudamento de determi-


nados aspectos culturais, sociais ou mesmo estéticos, enco-
bertos pelos discursos mais sérios e, muitas vezes, bem menos
críticos.”(Grifo noso)

23. Não foi possível consultar esta obra, por não ter sido
encontrada na Biblioteca Nacional de Montevidéu, nem em po-
der dos familiares de Roberto.

24. Conforme enuncia GÓMEZ-MARTÍNEZ (1981,p.48): “El subjeti-


vismo es, según lo indicado, parte esencial del ensayo. Es
esta motivación interior la que elige el tema y su aproxima-
ción a él; y como el ensayista expresa no sólo sus sentimen-
tos, sino también el mismo proceso de adquirirlos, sus escri-
tos poseen siempre un carácter de íntima autobiografía. El
"yo" del autor se destaca en todas las páginas, como estan-
darte que anuncia una fuerte personalidad. Dentro de la indi-
vidualidad peculiar de cada ensayista, las notas autobiográ-
ficas son frecuentes en todos los ensayos, con independencia
del tema de estos.”(Grifo nosso)
162
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