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É usual dizer-se que as sonatas de Scarlatti estão escritas segundo uma forma
binária simples (ou forma bipartida), caracterizada por uma estrutura |:A:||:B:| e que
costuma ser amplamente utilizada nas sonatas pós-barrocas (e também noutros
géneros). Nesta forma, a primeira secção costuma modular ao V grau (ou III,
no caso de a tonalidade principal ser menor). Por vezes pode permanecer na
tónica, encerrando com uma cadêcia à Dominante ou, ainda mais raramente,
com uma cadência na Tónica.
Scarlatti escreveu ao longo da sua vida 555 sonatas; como é fácil de entender,
elas traduzem obrigatoriamente alguma evolução na maneira como são escritas, uma
vez que abrangendo tão grande período de tempo, nunca poderiam manter sempre uma
forma inalterável.
Na realidade, nestes seus exercisi per gravicembalo, ele alcança uma
flexibilidade que anterioemente não existia: manipula o som do cravo e traz não só
variedade mas também volatilidade para a forma binária comum, uma vez que antes
destes exrcícios era raro exprimir-se mais do que um carácter numa peçade apenas um
movimento. Nestas suas sonatas, começa a levar-se a cabo o processo através do qual se
introduz cada vez um maior número de nuances na expressão/carácter de um único
movimento. É verdade que algumas peças estão completamente unificadas, mas noutras
dá-se lugar a grandes contrastes, ou então a mudanças de carácter como de alegria para
tristeza.
A partir da sonata 96, Scarlatti liberta-se das restrições impostas pela forma
binária simétrica que caracterizaram as suas primeiras sonatas. De agora em diante
(nesta sonata simplesmente retem o final simetrico de cada parte) o que acontece na
abertura de cada parte das suas sonatas resume-se à sua escolha livre e espontânea, já
não tao formal.
Esta mudança formal em relação às sonatas mais tardias prende-se à evolução de
uma concepção da forma musical de algo estático para algo cada vez mais dinâmico.
Assiste-se cada vez mais ao aparecimento espontâneo de um carácter musical fora do
material temático anterior, pelo que a segunda parte das sonatas de scarlatti tende a ser,
Para este ponto do trabalho, escolheu-se uma sonata de Scarlatti (uma gavotte1
em ré menor) e um primeiro andamento de uma sonata de Mozart (Kv. 545, em Dó
maior). E importante perceber-se porque motivo se escolheu apenas o primeiro
andamento de uma sonata de Mozart e não a sonata inteira, uma vez que de Scarlatti
analisou-se uma sonata inteira. No entanto não podemos esquecer que a sonata de
Scarlatti consta de um único andamento, numa forma bipartida (como já foi
anteriormente visto), e que as influências que poderá ter legado à posterioridade estarão
presentes apenas no primeiro andamento, uma vez que é este que está escrito no que é
conhecido como “forma-sonata”. Nesta forma, podemos encontrar três partes
constituintes fundamentais, ainda que nas partituras o primeiro andamento apareça, na
maior parte dos casos, escrito segundo uma forma bipartida. Estas partes são a
exposição, o desenvolvimento e a reexposição. Dentro da exposição, é possível
encontrar-se dois temas, estando o primeiro na tónica e o segundo na dominante. No
desenvolvimento, encontramos um grande trabalho feito sobre o material temático,
explorando-se e transformando-se os temas anteriormente apresentados com uma
grande diersidade harmónica, não apenas na tónica ou dominante. Finalmente, na
reexposição são novamente apresentados os dois primeiros temas, com a diferença de
que estão ambos na tónica, não existindo já modulação alguma ao V grau. No entanto,
como relacionar estes três momentos com o que foi dito sobre o primeiro movimento
estar apresentado como uma forma binária, isto é, como ||:A:||:B:||?
O que se passa é que na parte A é apenas apresentada a exposição, enquanto a B
se reparte entre o desenvolvimento e a reexposição. Na realidade, na forma sonata
coexistem os dois princípios: o binário e o ternário; são três secções principais (porque
todas têm a mesma importância) condensadas ou imbutidas numa estrutura formal de
duas partes.
Seria possível condensar isto na seguinte tabela:
Torna-se importante referir que esta tabela é meramente uma aproximação que
pretende mostrar quais as primeiras semelhanças que poderão existir entre a Sonata
escrita por Scarlatti e a Sonata escrita no período clássico (período para qual se
escolheu, neste trabalho, a Mozart enquanto representante), uma vez que uma diferença
bastante importante e que não é possível negligenciar é o facto de na Sonata de Scarlatti
não se encontrar uma recapitulação na tónica do material que foi primeiramente
enunciado na parte A. Se pensarmos no exemplo de Scarlatti escolhido (uma Gavotte
em re menor), vemos precisamente isto: está construída segunda uma forma binária
simples e apresenta dois temas distintos em cada uma das partes; no entanto, tal como
diz Kirkpatrick, não é possível falar de “tema 1” e “tema 2” uma vez que estes temas
são independentes um do outro. Não é o caso da sonata clássica, onde a regra é haver
uma modulação ao V grau e depois uma transição para o segundo tema (como acontece
no exemplo escolhido, sonata Kv 545 em Do Maior. No fundo, em Scarlatti temos um
tema por parte, enquanto em Mozart temos apenas na parte A dois temas que constituem
um conjunto e que será mais tarde reapresentado na íntegra na conclusão (embora com
uma diferença harmónica fundamental que se prende ao facto de ambos os temas serem
apresentados na tónica).
Viu-se no ponto anterior do trabalho que existe um elemento constituinte da
Sonata em Scarlatti que é chamado “secção tonal”, e que este se situa na parte A. Se
tivermos de tentar estabelecer um paralelo com a sonata clássica, esta secção tonal
corresponderia (segundo Kirkpatrick) ao conjunto de música formado entre o início do
segundo tema e o final da exposição. Se virmos os exemplos apresentados (e que
estarão nos anexos deste trabalho), percebemos precisamente isso: a secção tonal da
parte A da Gavotte de Scarlatti começará no compasso 13, visto que a secção tonal
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A introdução do prefixo “pré” está ligada ao facto de na época em que as sonatas de Scarlatti
foram compostas, esta estrutura de antecedente-consequente ainda não existia formalmente; no entanto,
parece ter sido reaproveitada, no período clássico, a partir daquilo que já os compositores anteriores
faziam.
Docente: Dr. Filipe Mesquita de Oliveira
Discente: Ana Rita Faleiro – nº 24138
Cadeira: História da Música Ocidental III
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Ao longo deste trabalho, foi possível chegar a algumas conclusões sobre a forma
da sonata em Scarlatti, bem como a algumas conclusões sobre que relação ela poderá ter
tido com a forma sonata clássica, de que forma a poderá ter influenciado.
Creio que se pode dizer que de facto a estrutura da sonata não se alterou muito
da época de Scarlatti para a época clássica, sendo esta herdeira de algumas
características que se vêem nas composições daquele.
Ainda que existam diferenças claras (uma vez os compositores viveram em
épocas diferentes, e cada um tem o seu próprio estilo de escrita e de fazer música, com
características próprias da época em que cada um viveu), há também vários pontos em
comum.
Viu-se que as sonatas de Scarlatti, apesar de serem constituídas por um único
movimento, são passíveis de serem “decompostas” em vários elementos constituintes
(provavelmente a maior contribuição para isto tenha sido o estudo de Ralph Kirkpatrick,
largamente citado ao longo deste trabalho); no entanto, quando se analisa uma partitura
que contenha uma sonata de Scarlatti, por vezes toda esta divisão pode ser difícil de
encontrar, uma vez que não é raro os elementos fundirem-se entre si, dando lugar a que
se possam omitir algumas das partes constituintes referidas por Kirkpatrick. No fundo,
esta divisão que ele propõe é tão pormenorizada que por vezes pode ser fácil não a
conseguir identificar.
No entanto, viu-se que há sem dúvidas elementos que se mantém de uma forma
para a outra. É o caso por exemplo da estrutura antecedente-consequente, que aparece já
(embora não oficialmente assim denominada) nas sonatas de Scarlatti (conforme se
pôde ver no exemplo apresentado, a Gavotte em ré menor) e que vai ser largamente
utilizada durante o periodo clássico na constituição de certas frases musicais (como se
pode facilmente constatar na maior parte das sonatas de Mozart, por exemplo).
Outro ponto de semelhança está baseado na estrutura tonal (também ela sempre
ligada indubitavelmente à forma). É verdade que a forma-sonata é caracterizada por
uma modulação, na exposição, à dominante. Também as sonatas de Scarlatti usam este
esquema tónica-dominante, com ou sem modulação, sendo que algumas, na segunda
Bibliografia