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A ORDEM SECRETA
DOS ORNITORRINCOS

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COPYRIGHT© 2008 MARIA ALZIRA BRUM LEMOS

EDITORES: VANDERLEY MENDONÇA


MARCELO BARBÃO
STELLA MARIS BAYGORRIA
REVISÃO: MARCELO BARBÃO
FOTOS: EDER CHIODETTO

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lemos, Maria Alzira Brum.


A Ordem Secreta dos Ornitorrincos / Maria Alzira
Brum Lemos. -- São Paulo : Amauta Editorial, 2008

1. Ficção Brasileira I. Título

ISBN 978-859039340-5

08-08662 CDD- 869.93


Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura Brasileira 869.93

Endereço para correspondência:

Amauta Editorial
Rua Augusta, 1378 - Cj 72
01304-001 - São Paulo - SP
www.amautaeditorial.com
contato@amautaeditorial.com

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MARIA ALZIRA BRUM LEMOS

A ORDEM SECRETA
DOS ORNITORRINCOS

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SINTOMA E MÉTODO

Tudo começou com minha decisão de fazer doutorado em


História da Ciência. Na época, a pesquisa me parecia a
carreira óbvia para uma pessoa com minha curiosidade e meu
temperamento. A curiosidade foi incentivada pelo meu pai
quando eu era criança. Ele trabalhava numa fábrica de sapa-
tos e viajava freqüentemente para visitar clientes. Quando
voltava, costumava me trazer amostras de minérios (dos quais
eu gostava de declinar os nomes científicos), bichos estranhos
em vidros, fósseis e coisas do tipo. Com sua contribuição
formei uma espécie de minigabinete de curiosidades. Ainda
conservo algumas peças dessa coleção, entre elas um fóssil de
borboleta. Estão em cima do balcão da sala, juntamente com
um disco que era da minha mãe e a fotografia da nossa
família. Ordeno-os de vez em quando, principalmente quan-
do percebo que estou para entrar numa das minhas crises de
desconexão. Comparo estas crises à sensação de um astronau-
ta quando o fio que o liga à nave se solta. Não consigo impe-
di-las de todo. A ordem e uma dose diária de ignatia amara,

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que tomo por indicação de um homeopata, são estratégias


para reduzir sua freqüência.
Já o meu temperamento nunca foi incentivado. Nem pelo
meu pai, nem pela minha mãe, e menos ainda pelos meus
colegas. Na época da faculdade, me atribuíam austeridade,
excentricidade e até certo grau de autismo. Alguns criticavam
minha forma de vestir, e a maioria estranhava a ausência de
namorados ou namoradas. A maioria estava enganada. Du-
rante o curso tive uma namorada, uma ruiva que estudava
comunicação, e um namorado, que não me quis. Eu não
ligava para os comentários. Aliás foi isso que a Ruiva me disse
em tom de acusação, que eu não ligava. Disse também que
eu não era romântica. Ela estava enganada, eu era, só que se
tratava de um tipo particular de romantismo cuja descrição e
características só vim a conhecer mais tarde.
A Ruiva não usou nenhum dos termos que estavam na moda
na sua área. Não disse que eu não fui colaborativa nem que
faltava interatividade entre nós. Ela se expressou com termos de
telessérie: eu não era romântica e ainda por cima era cruel. Mas
o que esperar, acrescentou, de alguém que colecionava pedras
na infância e gostava de declinar seus nomes? Não sei o que ela
esperava, mas antes me chamava de gêmea. Acho que ela era
um pouco como aqueles estudiosos que, nos primórdios da
ciência moderna, reviraram tudo, se apropriaram de todas as
fontes e construíram a autoria pela imposição do seu método.
Nos dois casos se tratava de uma armadilha para capturar o
mundo e os outros numa certa ordem narrativa e classificatória.
E conseqüentemente de me aprisionar num roteiro.

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Nunca respondi à Ruiva, e ainda resta uma coisa que eu


preciso lhe dizer. As relações são adversas. No amor e no sexo,
e também na História da Ciência. Há alguma coisa de assus-
tador nessas disciplinas, algo que as leva a desembocar em
telessérie.
Nossa faculdade estava dividida entre duas forças políticas,
os evolucionaristas e os hibridistas, cujas diferenças se tradu-
ziam na prática em acordos sobre concessões de bolsas, dis-
cussões sobre onde colocar o espécime empalhado presentea-
do por uma instituição americana e uma que outra trama pa-
ra afastar professores. Na falta de definições, o espécime con-
tinuava no hall da faculdade e os professores nas suas cadei-
ras, pelo menos até a data em que abandonei o doutorado
depois de duas tentativas de tese.
Na primeira me dediquei a estudar a obra de I. Templia-
kov, interessante porém desconhecido pensador do século
XX, sob a orientação de uma professora evolucionarista. A
pesquisa fluiu, mas quando lhe apresentei meu primeiro tex-
to sobre o tema, a orientadora o devolveu cheio de comen-
tários e críticas. Disse que carecia de fontes primárias que o
creditassem bem como do rigor necessário para unir idéias,
fatos e experiências. Isso mais a diversidade de assuntos que
se emaranhavam sem conclusão, segundo ela, o desqualifica-
vam como texto acadêmico. Podia ser um texto de divulga-
ção ou de ficção, mas não um texto científico, arrematou.
Conforme eu acreditava, e seguindo uma obra indicada na
própria bibliografia do curso, a retórica era parte da lógica, e
tudo aquilo que ela considerava fantasioso ou acessório, tudo

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o que classificava meu texto como feito apenas para seduzir,


era parte da verdade. Mas nunca respondi. Preferi mudar de
orientador, e conseqüentemente de lado na política do de-
partamento, onde ser evolucionarista ou hibridista era tanto
escolha metodológica quanto questão de sobrevivência.
O professor P. me acolheu no seu projeto de pesquisa que
visava demonstrar o papel das idéias das ordens secretas nas
origens da ciência moderna. Por sugestão dele, comecei a
pesquisar sobre a Ordem Secreta dos Ornitorrincos, surgida
em Portugal no século XVI, e suas relações com o desenvol-
vimento do modo moderno-científico de conhecimento e
pensamento.
O meu tema era original e praticamente inédito. O estudo
mais recente fora feito por A., pesquisador português que
apresentara seus resultados no artigo “A Ordem Secreta dos
Ornitorrincos: verdade ou lenda?”, publicado na Revista do
Centro Superior de Pesquisas Científicas. Mas A. não concluíra
sua tese, tinha abandonado a academia para se dedicar a um
negócio no ramo de mármores e granitos. Ninguém mais ha-
via se interessado pela Ordem, e as fontes continuavam à es-
pera de quem as estudasse e revelasse. Com estes argumentos
e o correto preenchimento dos formulários, consegui uma
bolsa de estudos para pesquisar em Portugal. Foi assim que
fiz minha primeira viagem ao exterior e tomei contato com a
Ordem Secreta dos Ornitorrincos.

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ARMADILHAS

Os evolucionaristas acham que na origem de sua teoria


está a consideração da indeterminação como algo demasia-
damente profundo para a nossa inteligência. Para eles no
princípio está um prólogo, no meio uma história e no fim
um fim.

Os hibridistas compartilham vagamente a idéia de que na


origem de sua teoria está uma mistura de sorte, lógica e
polimento adequado do vidro. Consideram que no princípio
há uma singularidade, no meio indeterminação e no fim,
entropia.

Os evolucionaristas estão num lugar numa tarde e gostam


de cantar, tocar violoncelo, seguir pistas e classificar. Costu-
mam cultivar alface orgânica e montar negócios. Seu esporte
favorito é a observação e caça de ornitorrincos.

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Os hibridistas são mais difíceis de localizar. Eles gostam de


representar e de fazer experiências. Às vezes cultivam plantas
carnívoras e as vendem como se fosse alface orgânica. Seu
esporte favorito é a observação e caça de ornitorrincos.

Além do esporte, evolucionaristas e hibridistas têm em


comum a lei que rege suas existências: em algum momento,
em algum sistema, um evolucionarista é um hibridista e vice-
versa.

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NÃO DÊ COMIDA ÀS PLANTAS CARNÍVORAS

A ampla vidraça da editora emoldura um pedaço do Rio


de Janeiro com o Aterro do Flamengo em primeiro plano. O
ar-condicionado congela meus pés e mãos. São 11h55, o
Editor ficou de me atender às 12h00. Estou sentada numa
poltrona de design funcional. De vez em quando, enquanto
fala ao telefone, a recepcionista de terninho de oxford olha
disfarçadamente para mim. Entram e saem office boys, fun-
cionários, estagiários, autores. Dou uma olhada no jornal.
Paro numa notícia que diz que um corpo apareceu na praia
perto daqui e que o caso foi registrado como tendo causa des-
conhecida. A recepcionista diz para eu entrar.
A sala do Editor fica ao fundo de um espaço cheio de
baias. Passo no corredor entre elas. A presa distraída não per-
cebe que a planta carnívora monta sua armadilha. Na parte
interna das folhas, possui pêlos eretos. A presa encosta neles. Zás!
A armadilha se fecha.
O Editor sorri e se levanta para me receber. Da última vez
que conversamos, me disse que tinha gostado dos primeiros

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capítulos do texto (romance segundo ele) que eu lhe entre-


gara. Comentou que continham reflexão e humor na medida
certa mas que eu devia melhorar a narratividade e os trechos
que tratavam de amor e sexo.
Naquele momento, independentemente de amor e sexo e
de técnicas narrativas, cheguei a imaginar que o adiantamen-
to que a editora aprovara para que eu concluísse meu livro
premiava uma escritura razoável, polida em dois projetos de
teses, ficção na internet, escrita mercenária, revisão de textos
alheios e algum esforço para me sintonizar com as tendên-
cias. Mas o Editor esclareceu que o que tinha pesado mesmo
tinham sido certas decisões do setor de marketing. “Sabe
como é, a gente tem que vender”, justificara.
Eu me sento de frente para ele, que está na sua cadeira de
espaldar alto, mais confortável que a minha — afinal aqui é
o seu escritório, o seu roteiro no qual ele me permite aden-
trar. Entre mim e ele há uma mesa com livros e uma foto de
uma ruiva com duas crianças, um menino e uma menina. Eu
observo disfarçadamente a fotografia enquanto ele tira o meu
texto da gaveta.
— Gostei muito do seu romance — diz.
— Fico contente.
— Talvez você devesse fazer algumas modificações. O
título, por exemplo, não acaba de me convencer.
— Você não gosta?
Ele sorri — Gosto — fica sério de novo — mas será que
o público vai entender o espírito da coisa? Você será o meu
último fracasso...

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— Vai sim, o público tem senso de humor.


— Alguns trechos estão um pouco confusos, outros algo
retóricos. — Enfatiza confusos e retóricos, mas em seguida
recua. — Só estou sugerindo pequenos ajustes.
— Agradeço por isso, é ótimo ter um leitor da sua quali-
dade e um privilégio ser editada por vocês.
Ele fica satisfeito com o comentário e se estira um pouco
mais na cadeira antes de prosseguir.
— O texto precisa ganhar coerência, unidade. Falta costu-
rar a narrativa. A experimentação já se esgotou, tem muita
gente por aí usando linguagem fragmentada só para dizer que
está transgredindo ou para justificar falta de fôlego narrativo,
de conexão com a literatura. Mas uma boa história ainda é a
alma do negócio.
— Vou considerar seus pontos de vista, quero revisar al-
gumas coisas. Mas o título...
— Desculpe, são só observações, não quero tolher sua li-
berdade de criação. Você pensa, faz a revisão e a gente volta a
conversar, tudo bem?
Penso em pedir algo mais de adiantamento, mas ele se
levanta e sutilmente me conduz em direção à saída. Dois bei-
jinhos.
— Espero a versão final o quanto antes.
Versão final, que coisa mais entediante e feia, penso en-
quanto volto a passar entre as baias. Misturo-me no elevador
aos funcionários que descem para o almoço. Entro num beco
e caminho até uma praça de frente para o mar.

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AQUELA TARDE
SEGUNDO A., NEGOCIANTE DE MÁRMORES E GRANITOS,
COM TEXTOS INCIDENTAIS

Eu andava em viagem de negócios (faço muitas, a várias


partes do mundo), de modo que demorei a responder ao
recado deixado com minha secretária em Lisboa. Queria en-
contrar-me uma brasileira para fazer uma entrevista sobre
minhas pesquisas em História da Ciência. Estranhei que al-
guém estivesse a me procurar para tratar desse assunto, pois
abandonei a academia antes de ver meu nome se reproduzir
em citações e bibliografias. De facto escrevi apenas um artigo
sem maiores repercussões sobre a Ordem Secreta dos Orni-
torrincos.
Não me arrependo, pá, pois estou a ser muito bem suce-
dido. Meus negócios permitem-me levar uma vida confor-
tável e com luxos impensáveis para os académicos. Não que
eu seja madraço, é que aprecio as boas coisas da vida, como
por exemplo as brasileiras... Adoro-as, devoto incensador de
mil deidades, digo, de moças mil. As brasileiras movem o rabo

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como nenhuma outra. E que rabos! Aprecio as mulheres


rabudas. Talvez esta pesquisadora esteja entre elas. Ah, as
brasileiras... Tão quentes, pá, ardendo como mil sóis. Que não
me tomem por marialva, mas foram estes pensamentos que
me levaram a concordar em receber a pesquisadora naquela
tarde no meu escritório.
Ela chegou à hora combinada. Bom rabo, observei en-
quanto se movia pela sala. Infelizmente coberto por um fato
inadequado, de beata. Não que isto seja problema, já estive
com uma quase freira. Ah que mamas! Ainda me sabem os
biquinhos... Volto àquela tarde, volto à brasileira, agora sen-
tada de frente para mim, à minha mesa, onde minha cadeira
de espaldar alto, mais ampla e confortável, anuncia que este
é uma parte do meu roteiro que eu lhe permito adentrar. Ela
está a falar sobre os motivos de sua visita. Talvez bonita.
Cabelos castanhos, teus cabelos sutis e luminosos/mil vistas ce-
gam, mil vontades prendem.
“Aceitas uma bica ou uma água?” Aceita ambos, enquanto
retira de uma bolsa enorme, tão deselegante quanto o fato,
uma cópia do meu artigo. Na época da publicação, este e
principalmente as palavras que o precediam, “Centro Supe-
rior de Pesquisas Científicas”, elevavam-me o palmarés. Incul-
tas produções da mocidade. Depois percebi que cadeiras de es-
paldar alto surtem o mesmo efeito retórico, com mais conforto.
Não falo sobre a Ordem, não se fala sobre a Ordem, mas
verei o que posso fazer. Dizem que uma mulher é boa quan-
do fala em ornitorrincos e tu te pões a imaginá-la na cama.
Estou neste clichê quando ela tira da bolsa uma caneta e um

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maço de papéis ao mesmo tempo em que, baixa e pausa-


damente, começa a me fazer perguntas. Tento adivinhar-lhe
a idade. Mas o fato feio e entediante, uma saia azul, uma blu-
sa bege, a envelhece e me impede. Ou será minha imaginação
que a remoça?
As pantomimeiras me provocam repulsa, de forma que
aprecio sua contenção nos gestos e na voz, cego quem se fia da
feminina voz na vã promessa. Respondo pacientemente, po-
rém sem detalhes. “Desconheço o paradeiro dos manuscritos
de L. Por que não buscas no Tombo? Sim, a Ordem chegou
ao Brasil, mas não sei como.”
Já estou a maçar-me quando ela me surpreende: “Boticcino”,
diz com segurança enquanto sua mão acaricia uma das amos-
tras de mármore na mesa. Tenho várias, vindas de diversas
partes do mundo: carrara, o mais duro, rosso verona, verme-
lho e cheio de trincas e lascas, tassos, grego, nero marquina,
como o nome diz totalmente negro e, acariciado por ela, teus
alvos curtos dedos melindrosos, o Boticcino, bege como a blusa
e a pele dela. O Boticcino, agora forma bege, suave, maleável
numa mão pequena, ela, maquinalmente a mão movendo, do-
cemente o caralho embalava.
“Oh, pá, tu entendes de pedras?!”, pergunto, tentando dis-
farçar que estou surpreendido, impressionado e até intimi-
dado. “Um pouco”, ela responde. Provoco-lhe o orgulho pá-
trio: “os granitos brasileiros são muito bonitos”. Ela me sur-
preende e impressiona outra vez: “gosto dos nomes, dos sons
dos nomes”, e em seguida declina: “mauá, biritiba, ubatuba,
juparaná”.

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Segue-se um silêncio em que viajo para aquém das pátrias,


para eras geológicas distantes, dentro dela, granito: rocha
eruptiva. Ela retoma as perguntas, que continuo a responder
genericamente, acrescentando às respostas opiniões sobre o
mundo dos negócios e os vinhos, especialmente os portu-
gueses, que só se dão a conhecer em plenitude a poucos pala-
dares, como algumas mulheres, que conquistam pelo recato.
Estou a tentar impressionar a pesquisadora. Em geral a
cadeira de espaldar alto ajuda, bons negócios também, não
são só as pegas que se deixam seduzir por isso. Além do
mais, não sou feio, bem servido de pés, meão de altura, triste de
facha, o mesmo de figura, nariz alto no meio, e não pequeno.
Mas o mais importante são uns detalhes nos quais considero-
me especialista e estou decidido a experimentar com ela.
“Pois”, digo-lhe, “ainda tenho as anotações que fiz para a
pesquisa. Copiei trechos de fontes primárias. Também con-
servo um trabalho não publicado. Se tu quiseres, convido-te
a passar um dia à minha finca, onde guardo este material”.
Ela continua com as pernas cruzadas (naquele jeito dela, que
eu talvez viesse a conhecer bem e que um dia talvez até me
irritasse, de ficar imóvel, sem que eu soubesse se pensativa,
indiferente, impotente ou arrogante). “Se calhar, encontras
alguma coisa que tenha me escapado.” Séculos se passam até
que ela, oh, lábios, cujo riso a paz me tira, me faça promessas
de cascatas de mel em reinos exóticos enquanto diz: “estou à
disposição”.

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