You are on page 1of 2

De super vilão à super herói, por que não?

Ao contrário do que muitos pensam, a principal ferramenta de trabalho do profissional


criativo não é um computador munido de softwares gráficos de última geração. O mundo
das idéias é que constitui a matéria prima da criação publicitária. Ser publicitário é ter nas
mãos o poder de captar, transformar, melhorar, traduzir e/ou subverter a forma de ver o
mundo dos “leitores” das mensagens criadas por ele.

Kalle Lasn, o fundador da revista Adbusters, dizia que os designers vivem no córtex direito
do cérebro, e que isso os presenteia com um poder especial. Se os criativos aprendessem a
usar este poder de outras formas então poderiam desempenhar um papel muito importante
na criação desse futuro que desesperadamente precisamos.

Essa citação não apenas expõe a ética dentro da qual o publicitário deveria atuar, como
demonstra o simples teorema que Peter Parker, o homem aranha, cansou de ouvir de seu tio
Ben: Muito poder requer muita responsabilidade.

O curioso é que para muitos, a imagem estereotipada do publicitário é uma figura


desencanada, livre e despreocupada, uma vez que qualquer fronteira bloqueia o processo
criativo. Nada a ver com qualquer imagem sisuda suposta pelo termo “responsável”. É uma
armadilha comum e perigosa. Pode fazer, por exemplo, com se criem campanhas onde
crianças simpatizem com bebidas alcoólicas e tornem-se logo ávidos consumidores de
cerveja. Pode fazer, por exemplo, com que se veiculem mensagens onde mulheres casadas
devem exigir que seus maridos transem com elas de camisinha a despeito de ambos terem
jurado fidelidade um ao outro, legitimando os mesmos machismos que subjugam as
mulheres desde muito antes da AIDS.

Depois desse exemplo começa a dar até medo do que o perigo desta armadilha pode fazer.
Mas talvez devêssemos continuar especulando só mais um pouquinho, pode fazer com que
a TV tão onipresente nos lares comece a convencer as pessoas de que existem sabonetes
mágicos no mercado da esquina que transformam mulheres comuns em celebridades por
apenas noventa centavos. E por aí vai...

Resumindo é um pouco aquela história do jornalista uruguaio Eduardo Galeano; se na


América latina o gozo dos bens terrenos está reservado a poucos, é preciso que a maioria
se resigne a consumir fantasias. Vendem-se ilusões de riqueza aos pobres e de liberdade
aos oprimidos, sonhos de triunfo aos vencidos e de poder aos fracos. O que significa que
do outro lado as pessoas querem ser convencidas de alguma coisa por mais ilusória que
essa coisa seja.

No entanto, Lasn alertou para um futuro que necessitamos desesperadamente. E hoje em


dia ele talvez diria até desesperada e urgentemente, só pra enfatizar. A lógica que construiu
o discurso publicitário até hoje é em grande parte responsável pela necessidade deste
futuro. E é só por isso que quem abraça a carreira de publicitário devia começar a rever os
conceitos que estão aí, devia questiona-los e devia se empenhar em mudar a imagem sisuda
que supõe o termo “responsável”. Devia explorar mais a idéia de consumo consciente ao
invés de consumo desenfreado. Devia usar seus conhecimentos e seu talento para anunciar
soluções para um mundo melhor, mais justo, mais bonito.

Não é religião, é física: toda ação tem as conseqüências correspondentes. E ainda que
clichês maniqueístas estejam desgastados é melhor ser super herói que super vilão. Que o
diga o homem aranha.

Erica Fernandes
Aluna do 5º semestre de comunicação social

You might also like