You are on page 1of 2

AGRUPAMENTO VERTICAL DE ESCOLAS OESTE DA COLINA

ESCOLA EB23 FREI CAETANO BRANDÃO – ANO LECTIVO 2009/2010


EFA ESCOLAR B3 – LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA E AS SUAS PERSONALIDADES

NOME _____________________________________ DATA __/__/__

CESÁRIO VERDE (POETA: 1855 – 1886)

SETENTRIONAL

Talvez já te não lembres, triste Helena, Quando, uma noite, em êxtases caímos
Dos passeios que dávamos sozinhos, Ao sentir o chorar dalgumas fontes,
À tardinha, naquela terra amena, E os cânticos das rãs que sobre os limos
No tempo da colheita dos bons vinhos. Quebravam a solidão dos altos montes.

Talvez já te não lembres, pesarosa, E assentados nos rudes escabelos,


Da casinha caiada em que moramos, Sob os arcos de murta e sobre as relvas,
Nem do adro da ermida silenciosa, Longamente sonhamos sonhos belos,
Onde nós tantas vezes conversamos. Sentindo a fresquidão das verdes selvas.

Talvez já te esquecesses, ó bonina, Quando ao nascer da aurora, unidos ambos


Que viveste no campo só comigo, Num amor grande como um mar sem praias
Que te osculei a boca purpurina, Ouvíamos os meigos ditirambos
E que fui o teu sol e o teu abrigo. Que os rouxinóis teciam nas olaias.

Que fugiste comigo da Babel, E, afastados da aldeia e dos casais,


Mulher como não há nem na Circássia, Eu contigo, abraçado como as heras,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel, Escondidos nas ondas dos trigais.
E regamos com prantos uma acácia. Devolvia-te os beijos que me deras.

Talvez já te não lembres com desgosto Quando, se havia lama no caminho,


Daquelas brancas noites de mistério, Eu te levava ao colo sobre a greda,
Em que a Lua sorria no teu rosto E o teu corpo nevado como arminho
E nas lajes campais do cemitério. Pesava menos que um papel de seda.

Ficha de Trabalho Nº14 – Prof. Teresa Paula Alves


1/2
LC3B – Interpretar textos de carácter informativo-reflexivo, argumentativo e literário.
Talvez já se apagassem as miragens Talvez já te esquecesses dos poemetos,
Do tempo em que eu vivia nos teus seios, Revoltos como os bailes do Cassino,
Quando as aves cantando entre as ramagens E daqueles byrônicos sonetos
O teu nome diziam nos gorjeios. Que eu gravei no teu peito alabastrino.

Quando, à brisa outoniça, como um manto, De tudo certamente te esqueceste,


Os teus cabelos de âmbar, desmanchados, Porque tudo no mundo morre e muda,
Se prendiam nas folhas dum acanto, E agora és triste e só como um cipreste,
Ou nos bicos agrestes dos silvados. E como a campa jazes fria e muda.

E eu ia desprendê-los, como um pajem Esqueceste-te, sim, meu sonho querido,


Que a cauda solevasse aos teus vestidos, Que o nosso belo e lúcido passado
E ouvia murmurar à doce aragem Foi um único abraço comprimido,
Uns delírios de amor, entristecidos. Foi um beijo, por meses, prolongado.

Quando eu via, invejoso, mas sem queixas, E foste sepultar-te, ó serafim,


Pousarem borboletas doidejantes No claustro das Fiéis emparedadas,
Nas tuas formosíssimas madeixas, Escondeste o teu rosto de marfim
Daquela cor das messes lourejantes. No véu negro das freiras resignadas.

E no pomar, nós dois, ombro com ombro, E eu passo tão calado como a Morte
Caminhávamos sós e de mãos dadas, Nesta velha cidade tão sombria,
Beijando os nossos rostos sem assombro, Chorando aflitamente a minha sorte
E colorindo as faces desbotadas. E prelibando o cálix da agonia,

Quando Helena, bebíamos, curvados, E, tristíssima Helena, com verdade,


As águas nos ribeiros remansosos, Se pudera na terra achar suplícios,
E, nas sombras, olhando os céus amados Eu também me faria gordo frade
Contávamos os astros luminosos. E cobriria a carne de cilícios.

Ficha de Trabalho Nº14 – Prof. Teresa Paula Alves


2/2
LC3B – Interpretar textos de carácter informativo-reflexivo, argumentativo e literário.

You might also like