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para um espectador, etc.). E ha outros jas além das conversacdes: ceri- ‘monias publicas, cantos coletivos, aulas, discursos. Todos estes sto diferentes ti- pos de rituais durkheimianos, nao apenas em virtude do diferente numero de pes- soas envolvidas, mas em virtude das diferentes molduras que os envolvem e, por- tanto, das diferentes formas que canalizam a atencao das pessoas. Com efeito, eles criam diferentes tipos de “objetos sagrados' A vida social consiste em uma série de encaixes. Existe a fala humana, com to- dos os tipos de jogos ¢ pretensoes nela envolvidos. A fala € parte de uma situacao social mais ampla constituida pelas pessoas envolvidas, e a propria situacao social € enquadrada em uma situacdo etnologica e em outta propriamente fisica. Com frequencia, o modo como a fala emerge ou adquire significado esta conectado com a relacio dos participantes com algum acontecimento ou com o trabalho que reali- zam no mundb fisico que os circunda. A conversa que ocorre quando os individuos estio consertando um carro (“aqui esta 0 problema!”) ou jogando cartas (“Espa- das") nao é compreensivel a menos que se saiba o que esta acontecendo fisicamen- te,e geralmente isso requer que se esteja presente no lugar, olhiando pata o capo do carro a partir do mesmo angulo que aquele que esta falando. Tal como afirma Golf man, a base da linguagem nao é qualquer tipo de intersubjetividade primaria, mas tum foco comum em um cenatio fisico no qual se da a asao. ‘Alem dessas séries de enquadramentos, nossa capacidade humana de acres- centar ou retirar molduras contribui para a construgao desse mundo familiar € multifacetado no qual vivemos. A sofisticagio social determina nossa facilidade em nos deslocarmos entre diferentes molduras, podemos inseri-las delicadamente nas molduras das Uuttas pessoas ou ainda manipular deliberadamente essas mol- duras para confundir os outros a respeito daquilo que estamos realmente fazendo. Embora Goffman nao mencione isso, tudo se passa como se houvesse barreiras in visiveis entre as culturas das diferentes classes sociais que influenciam nessas dife- rengas técnicas de emolduracio. Ele demonstra como as diferencas entre o palco os bastidores podem ser estabelecidas mais precisamente em termos do tanto de li- berdade que se possui para se mudar de uma moldura a outra Do ponto de vista de Goffman, portanto, os esforcos de Chomsky e dos outros linguistas para encontrar uma tinica estrutura profunda subjacente a toda fala sio, na verdade, uma questao tola. A linguagem é inerentemente parte de uma situagio com diversos niveis. Ea capacidade da linguagem de permitira alguém que se afas- te ininterruptamente das situac6es mais primarias 0 que constitui a chave de tudo. Longe de ser apenas um codigo programado no cérebro, a linguagem € construida a partir de uma série de acoes sociais, que se referem reflexivamente as aces a riores. No extremo oposto, o abismo da relatividade exposto pelos etnometodélo- gos € igualmente irreal. O mundo até pode ser bastante fluido, mas dificilmente a fluidez escapa a todo controle. Em todas as circunstancias em que ela vai muito adiante — ou quando algo mais importante intervem ~ rapidamente voltamos ao ‘marco zero, qual seja, o mundo fisico que esti diante de nos ea postura dos corpos dos seres humanos ao nosso redor. © mundo pode se tornar bastante complicado, ‘mas ele € edificado a partir da repeticao &@ um pequeno ntimero de mecanismos reflexivos. As generalizagoes cientificas so possiveis porque podemos descrever Um resumo, Dentre todas as tradigdes intelectuais que acompanhamos, a linhagem de ideias descrita neste capitulo ¢, cavtica, Todas as posicoes que fo- ram passadas em revista aqui ainda hoje possuem adeptos; dificilmente alguém concordaria em afirmar que se trata de uma progressao, isto é, que os te6ricos mais recentes tenham promovido avancos a partir das teorias mais antigas. Ha pelo me- nos quatro nomes que nunca foram derrotados nessas infindaveis batalhas trava- das nessa guerra da microssociologia: Peirce, Mead, Garfinkel e Goffman, Por con- veniéncia, podemos reduzir esses nomes a trés, dado que Peirce foi mais um filéso- fo do que um socidlogo, e a parte mais relevante de sua filosofia ~ sua teoria da se- miética - foi amplamente incorporada no sistema de Mead. Exagerando um pou- ¢o.podemos dizer que Goan também icorporoueexpandii storia dos itn je Durkheim Agora, qual desses tres devemos escolher? Se nao houve nenhum progresso, podemos optar entre eles no que se refere aos diversos pontos em questo? Em al- _guns aspectos, isso pode ser demasiadamente prematuro. Embora tenha sido reali- zada uma boa quantidade de trabalho empirico no contexto de cada uma dessas tues teorias, pouco se fez no sentido de testar as proprias teorias. Os interacionistas simbolicos simplesmente tomaram as teorias de Mead e Blumer e as utilizaram para interpretar os diversos fragmentos de estudos sobre o desvio, sobre as profis- 80es, eassim por diante. Os etnometodélogos utilizaram suas evidéncias mais para ilustrar argumentos do que para embasar algum contra-ataque as teorias contra- rias. Embora diversas teorias tenham habitado em um mesmo territorio durante décadas, elas ndo fizeram muito mais do que lutar contra sombras, Somente Goff- man explicitou os pontos de divergencia, mas até mesmo seus ataques se deram na forma de alusdes veladas. Mas vejamos como podemos especular a respeito. Primetramente, Mead versus Garfinkel. Esse € um confronto entre duas filosofias muito diferentes, com os prag- matistas de um lado contra a fenomenologia de Husserl de outro, Husserl tentou fazer precisamente aquilo que Peirce considerava como algo nao natural para a mente humana, ou seja, duvidar de tudo e suspender 0 proprio sentimento de renga, Para os pragmatistas, ao contrario, o “desejo de acreditar” mesmo sem evi- dencias suficientes é a qualidade mais fundamental da mente humana, Além disso, 05 praginatistas acreditavam que as pessoas tém plena certeza sobre 0 tempo (como algo que funciona na pratica), de modo que consideram os procedimentos ens a Mead ¢ os outros pragmatistas, saber

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