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Capitulo 11 Escoamento bruscamente variado No presente capitulo serdo estudados os escoamentos permanentes brus- ‘camente variados, ou seja, aqueles cujas caractersticas de fluxo variam de forma repentina de uma secéo a outra. Este tipo de escoarento, fortemente dependente das condig6es de contorno, ocorre geralmente associado a singularidades e estruturas hidréulicas. Pela sua importancia na Engenharia Hidréulica, sera detalhadamente contemplado o ressalto hidrdulico. 11.1 Caracterizacao do escoamento bruscamente variado Um escoamento permanente é denominado bruscamente variado quando existe uma mudanca répida elocalizada das caractersticas do escoamento. Essentcialmente, as caracteristicas dos escoamentos bruscamente variados s8o as seguintes * a.curvatuura do fluxo é bastante pronunciada, no sendo possivel admitir-se a distribuicdo hidrostatica das press6es, como foi efetuado para os casos dos escoamentos uniforme e gradualmente variado; * as répidas variacSes das caracteristicas do escoamento sdo essencialmente condicionadas pelas condicées de contorno, ocorrendo em uma pequena extensdo, Assim, 0 atrito com as paredes do conduto passa a desempenhar papel secundério, podendo set, muitas vezes, desprezado; '* tendo em vista as répidas variagoes das velocidades de escoamento, os coeficientes «eB podem apresentar variacoes significativas; + associadas a0 escoamento, podem ocorrer correntes secundarias, forma- Go de vortices, zonas de estagnacéo etc., que conduzem a complicagées adicionais para a adequada definicao das condicbes do fluxo. (© conjunto das peculiaridades associadas este tipo de escoamento condiciona a ocorréncia de descontinuidades no fluxo, acarretando a nao validade das expresses estabelecidas para 0 estudo dos escoamentos uniforme e gradualmente variado. De forma geral, os aspectos supra citados vém inviabilizar 0 estabelecimento de formulas sgenéricas, apliciveis a todos 0 tipos de situacbes. ‘Assim, a Engenharia Hidraulica trata de forma particular e espectfica cada tipo de ocorréncia. As situacdes praticas usuais de escoamento bruscamente variado so ass ciadas @ estruturas hidraulicas tais como vertedores, comportas, dssipadores de energie degraus, obstaculos, transicdes bruscas etc. estudo do escoamento bruscamente variado é, portanto, bastante complex == termos teéricos, sendo que diversos trabalhos procuram abordar a questao. Entreta solucées generalizaveis para tratar todo tipo de problema ainda nao puderam ser estabe= cidas, conforme foi dito anteriormente. © tratamento teérico dos diversos tipos de situacao, quando possivel, pode see efetuado com a aplicaco dos principios de Conservacao de Energia e de Quantidaa de Movimento. Entretanto, de forma geral os estudos s80 efetuados, com base em proce dimentos experimentais, fundamentados em técnicas de modelagem fisica, centres nos principios de Semelhanca Mecanica e da Analise Dimensional. Com 0 uso Gest técnicas torna-se possivel enfrentar a caréncia de elementos tedricos seguros pars = aplicacoes praticas que se apresentam na Engenharia Hidraulica Um caso importante de escoamento bruscamente variado € quando ocorre 3 p= sagem do regime torrencial ao fluvial em uma curta distancia, com o aparecimer turbilhdes e grande dissipacao de energia. Esta situacdo corresponde ao ressalto hicks lico, que sera estudado no préxima item, ilustrando a abordagem te6rica e experimn para tratar 0 problema. Nos Capitulos 13 e 14 serdo vistas algumas situacBes pra de escoamento bruscamente variado em estruturas hidraulicas. 11.2 O ressalto hidraulico Come ja citado anteriormente, o ressalto hidrdulico corresponde @ uma bras elevacao do nivel d'agua em um canal funcionando em regime permanente. Ele Oca ‘coma passagem de um escoamento supercritico para subcritico, com grande turbulene perda de energia, conforme esquematizado na Figura 11.1 O ressalto é caracterizado pelas profundidades y, e y,, Imediatamente antencr = posterior, respectivamente, denominadas profundidades conjugadas, sendo que 2 prom didade y, corresponde ao escoamento supercritco e a profundidade y, ao escoamens subcritico, Outros parametros caracteristicos do ressalto s0 0 comprimento L, ¢3 Bee de energia A, Em funcao des aificuldades para um tratamento tebrico geral sobre oressalto hice lico, sera efetuado a seguir o estudo da sua ocorréncia em canais retangulares hor Nos itens subsequentes procurar-se-8 ampliar a andlise para outras situacbes prsticas Figuta 11.1 -Esquema de um rssaltohidrdulico Ressatohidrdulico (Laboratorio de Hidraulica ~ UFMG) 11.2.1 Ressalto em canais retangulares horizontais Em funcéo da elevada perda de eneraia 20 longo do trecho de acorréncia do fend- meno invalida-se a utilizacao da equacSo de conservacao de energia para a determinacao das profundidades correspondentes ao ressato. Para tratar esta situaco, seré estudado o volume de controle limitado pelas secées 1 € 2, situadas imediatamente a montante e a jusante do ressalto hidréulico (Figura 11.1) Com efeito, utilizando-se a equacao da conservacao da quantidade de movimento e de equillbrio de forcas e supondo o canal horizontal, pode-se escrever: R=F,-F, = pQu, -G,) R 6 a resultante das forcas atuantes no sistema; F, @ F, Séo as forcas hidrostaticas nas secdes1 e 2; U, € U, sAo as velocidades nestas secoes, Para os canals retangulares, com A = By, vem: Veena = pgBy% = pg 4B ogee Assim °9 A= pgtts “Aplicando a equacéo da continuidade e levando 8 equacao (11.1), pode-se escrever: eae Yip coe = St ee sre aes; y= Assim: 2 _(yi-y3) sen Portanto: 20? Ly Nn -VeYr +¥2) oe ty, =¥,) 2g 98° ou: bf WYAN + V2) tan te) Estas express6es intermediaras permitem a obtencéo da profundidade montante, ‘Ga conhecida a profundidade conjugada montantey,, ou vice-versa Dividindo todos os termos da equacao (11.3a) por ¥? 2° ozs By; wn 2 2° OIF + Yat -—ay 9B*y; Define-se, a partir da equacdo (8.12): oer 9B°y; vem O21)? +YaIYy— 2F = Resolvendo a equacéo de 2° grau para (y./y,): a Lai erF -1 a4) Com esta expressdo, conhecidas as condigbes de escoamento a montante, a saber, a profundidade y, e Fr,, pode-se obter a(profundidade jusante yx Da mesma forma, pode-se divi os termos da equacao (11.32) por ye obter a se- -guinte expressdo, que permite minacao dalprofundidade mantante (y,)J conhecidas as condigoes de escoamento/ N+ 8Fr -1) A perda de carga localizada do ressalto pode ser obtida através da aplicacao da equacéo de Bernoulli entre as sec6es de ocorréncia das profundidades conjugadas: emer gears Meren 2,46,=2, +E, +Ah, Ah, =E,-E, (a=W 16) ae © comprimento do ressalto hidraulico nao pode ser definido através de expressoes tedricas, tornando necessario 0 desenvolvimento de estudos experimentais para ob- tencdo de elementos que permitam o seu célculo. Existem diversas formulas empiricas que possibiltam sua estimativa, sendo a seguinte expressao proposta pelo organismo norte-americano U.S. Bureau of Reclamation (U.S.B.R.), a mais comum no meio técnico 92-1) a7) Outros estudos, mais detalhados, também do U.S.B.R., nos permitem definir o comprimento do ressalto de acordo com o grafico apresentado na Figura 11.2, Fgura 11.2 -Comprimentae pos de resslt hiraulco Forte Adoptade de Chom, 1959 Exemplo 11.1 A jusante de um vertedor observa-se a ocorréncia de um ressalto em um canal retangular com largura de 60 m. Sabendo-se que a vazao é de 300 m/s que a profundidade inicial do ressalto de 0,70 m, pede-se calcular 2 profundidade jusante, o.comprimento e a energia dissipada neste. mm Solucao 7, 14 mls)(9, 8 IS? xO, 701m) = 2,72 Profundidade jusante: y= 070m) i+ B27F -1) = 237m Comprimento aproximado do ressalto: Lr = 69x (237m - 0,70m) = 11,52 Energia dissipada’ (2,37m-0,70m) Ah, = 2370-0700 _ 970m (4x2,37mx 0,70m) Exemplo 11.2 Um canal retangular com 12 m de largura transporta 150 m?s em condigbes supercriticas. Ao final do canal uma estrutura de concreto eleva 0 NA a 3,00 mde altura, ocasionando um ressalto hidréulico, Calcule a profun- didade inicial do ressalto, seu comprimento e a energia por ele dissipada Solugéo Calculo da profundidade inicial: z 2/5)? 20m y,y, G+ y)=—2H15000m? 15) 987 Deaimis*dtagomp OO +300) = y=2,09m Energia dissipadar Ah, =(3,00m- 2,09m I (4 x 3,00mx 2,09m)=0,03m Comprimento do ressaltor 3,9 (3,00m- 2,09m)= 6,30m 29 De acordo com as suas caracteristicas, sobretudo quanto a eficiéncia na dissipacdo de energia, pode-se distinguir diversos tipos de ressaltos, em func3o do numero de Froude a montante, como indicado nas Figuras 11.2. e 11:3 (@) Fri enttot.2017. Fr ento17e25 Fels ressato (onduoso) Prereseato rises ome acres eres (Fri >10 Grande turbuléncia (forts) Figura 11.3 -Tipos de ressalt hidrslico Fonte Adeptad de Siete, 1878, ‘A definigao da localizacao do ressalto hidréulico também € muito importante, tendo fem vista a eventual necessidade de protecdo na regiao de ocorréncia, em funcso da forte dissipacao de energia e da consequente possibiidade de erosao. Para efetuar s determinacao é necessério que sejarn determinadas duas linhas d'4gua, a montante © jusante, a partir das profundidades conhecidas. Calculando-se a linha d’agua conjugada partir de montante, o ressaito fica definido pela intersecao desta curva com a de jusante ‘em primeira aproximacéo. Deve-se, em seguida, satisfazer, simultaneamente, a equacso do comprimento do ressalto e a relacao entre as profundidades conjugadas. A localizacao do ressalto pode também ser definida a partir do conceito de force especifica, como sera visto ulteriormente. Ainda quanto a localizacao do ressalto, pode-se distinguir, essencialmente, trés situacées basicas, correspondentes & relacio entre a profundidade conjugada jusante, @ a profundidade final do escoamento a jusante, y,’ , conforme ilustrado na Figura 11.4 ‘A profundidade final do fluxo, a jusante do ressalto, condiciona a posicao relative deste. 0 Caso 1 corresponde a um ressalto estabilizado; no Caso 2, com a profundidad= do escoamento a jusante menor do que a profundidade conjugada jusante, o ressalte desloca-se para jusante. Enfim, 0 Caso 3 corresponde a situacao contréria, ocorrende © deslocamento do ressalto para montante, podendo mesmo ocorrer 0 "afogamer deste. Figura 11.4 Localizagbo do resatohidraulico Fonte» Adaptade de Chow, 1959 11.2.2 Ressalto em canais com geometria nao retangular A anélise do ressalto hidréulico em canais prismaticos nao retangulares nao permite 2 obtencéo de express6es gerais, operacionalmente diretas como as obtidas para canais retangulares. Com efeito, para canais com geometria qualquer, pode-se voltar & equacao da conservacio da quantidade de movimento (11.1) e escrever: Ara —1Ashs us) onde h, é a distancia da superficie até o centro de gravidade da secto. Aplicando a equacéo da continuidade, vem: g eg eee ae 19) +A = Sah Esta expresséo geral apresenta uma relativa dificuldade para sua utlizac3o, devendo ser resolvida iterativamente, Entretanto, algumas expressoes e graficos semiempiricos encontram-se disponiveis na literatura, facilitando 0 célculo do ressalto em secoes genéricas. Um caso particular diz respeito ao ressalto em condutos circulares, de amplo em- prego em Engenharia Hidrdulica. Conforme French (1986), dispde-se de um conjunto de expressoes semiempiricas que permitem o tratamento da questao, destacando-se os trabalhos de Straub, que propés, em 1978, a equacéo (11.10) 199 i (4) (11.10) vs Fanfonentsr de apna ia Para némeros de Froude a montante inferiores a 1,7, pode ser utilizada a expressao (11.11), caso contrério adota-se a equacao (11.12); x aay Yo ry (1.2) yw Anda conforme descrto por French (1986), a profundidade critica nos condutos citcu- lares pode ser estimada pela sequinte expressao, valida para a faixa de y/D entre 0,02 e 0,85: 101 (= J" (1.13) 3g ‘ou, adotando-se a= 7: 101(Q\™ Ye= Sm | (11.132) aa Estas equacdes permitem, portanto, uma base pratica para estimativa das profun- E didades conjugadas dos ressaltos hidréulicos em condutos circulares. Entretanto, 05 tra- balhos experimentais ja desenvolvidos nao permitiram a obtencao de dados conclusives sobre seu comprimento, Exemplo 11.3 - Um ressalto hidraulico ocorre em um canal circular com diémetro de 1,50 m, transportando uma vazio de 2,10 m/s com uma profundidade de escoa- mento de 0,60 m, Pede-se determinar a profundidade conjugada jusante. Solugéo * y/O = 0,40 = pode-se adotar a expressao (11.13a): pie 101 4) aoe [981 2 (24 13) 060 ) * Como Fr,<1,7> yo= ‘A profundidade jusante é, portanto, cerca de 0,92 m, .2.3 Ressalto em canais inclinados No que diz respeito aos canais inclinados, 0 peso do volume de controle corres- pondente ao ressalto hidréulico apresenta ur componente no sentido do escoamento, levando a uma maior complexidade no seu tratamento matematico, Estudos te6ricos e experimentais descritos por Chow (1959) permitem a obtenc3o de graficos que possibiltam o tratamento pratico da questéo. As Figuras 11.5 ¢ 11.6 apresentam graficos que permitem 0 calculo das profundidades conjugadas e do com- primento do ressalto em canais retangulares inclinados. Fgura 11S - Profundidades canjugadas em ressaltos em canaisinclnados SeTee MH RH MS eT Ww Fr Figura 11.6 - Comprimento dos ressaltos em canais ineinados Fert -Adgptado de Chow, 1959. Resta dizer que 0 ressalto em canais inclinados pode assumir diferentes configu- rac6es e posicionamentos. Uma discussao mais aprofundada sobre 0 assunto pode ser vista em Chow (1959).

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