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1.

INTRODUÇÃO

O Mito da Caverna de Platão (428-347 a.C.), também conhecido como Alegoria da Caverna,
é historicamente reconhecido como uma das metáforas mais importantes imaginadas pela filosofia
para descrever a situação geral da humanidade. Tal mito encontra-se na obra intitulada A República
(livro VII) e ainda inspira inúmeras reflexões, como a obra A Caverna, do escritor português José
Saramago (SARAMAGO, 2000); Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (HUXLEY, 1932);
os filmes Matrix, dos irmãos Wachowski (WACHOWSKI & WACHOWSKI, 1999) e A Ilha, de
Michael Bay (BAY, 2005).
Platão, ao publicar tal obra, desejava demonstrar como o homem pode se libertar da
condição de escuridão por meio da luz da verdade. O mito é escrito na forma de um diálogo
metafórico entre Sócrates e dois interlocutores, Glauco e Adimato1, irmãos de Platão. No diálogo
podemos reconhecer a natureza filosófica da obra, uma vez que o mesmo destaca a ênfase ao
processo de conhecimento, contrapondo a visão de mundo do ignorante, o qual vive do senso
comum, com a do filósofo, o qual está em uma busca eterna da verdade. Abaixo destacamos o
diálogo escrito por Platão:

Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza


relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada
subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens
estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não
podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os
impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa
colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma
estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um
pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam
diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco – Estou vendo.

Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que


transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e
animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses
transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco - Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates - Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal


condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros,
mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica

1 Embora Adimato seja citado como pertencente ao diálogo entre Sócrates e Glauco, nota-se que o mesmo não
aparece no mito. Grande parte das fontes disponibilizadas na internet em língua portuguesa ignoram o fato e o
incluem como participante do diálogo, o que não ocorre em fontes encontradas em língua inglesa, por exemplo,
como pode ser verificado no site http://en.wikipedia.org/wiki/Allegory_of_the_cave.

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defronte?

Glauco - Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates - E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco - Sem dúvida.

Sócrates - Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas


que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco - É bem possível.

Sócrates - E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos


transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?

Glauco - Sim, por Zeus!

Sócrates - Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras
dos objetos fabricados?

Glauco - Assim terá de ser.

Sócrates - Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem


libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses
prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o
pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes
movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de
que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que
não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e
voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe
cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que
é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe
parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco - Muito mais verdadeiras.

Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados?


Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que
estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco - Com toda a certeza.

Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a


encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do
Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver
chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só
das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região


superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as
imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último,
os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e

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da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o
próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.

Glauco - Sem dúvida.

Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas
águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar,
que poderá ver e contemplar tal qual é.

Glauco - Necessariamente.

Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as
estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é
a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se


professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se
alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.

Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas


para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das
sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou
em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a
sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são
venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil
vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas
ilusões e viver como vivia?

Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.

Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu
antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar
bruscamente da luz do Sol?

Glauco - Por certo que sim.

Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que


não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua
vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à
escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua
custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que
não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o
alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco - Sem nenhuma dúvida.

Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta
imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da
prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à
subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares
como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à

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minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é
verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia
do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode
apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe
em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível,
é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para
se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.

Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.

(Platão, A República, v. II, p. 105 a 109)

1.2 Interpretação do Mito

A interpretação do Mito da caverna pode ser realizado sob dois pontos de vista diferentes: o
epistemológico2, o qual está relacionado ao conhecimento em si, e o político, o qual está
diretamente ligado ao poder (ARANHA & MARTINS, 1993).

1.2.1 Interpretação epistemológica do mito

A metáfora tratada no Mito da Caverna aborda diretamente a condição humana perante o


mundo, o qual pode ser compreendido como “perante a natureza e perante sua própria natureza”,
uma vez que Platão refere-se aos seus contemporâneos, os quais apresentavam crenças e
superstições das mais variadas devido à falta de conhecimento filosófico. Podemos implementar,
ainda, que tal condição de ignorância não é dada apenas pela falta de conhecimento filosófico, mas
também pela falta de conhecimento científico capaz de explicar os eventos naturais que envolvem a
humanidade daquela época – mais de 2500 anos atrás. Naturalmente, a filosofia contemplava não
somente o “Amor pelo Conhecimento”, sendo então que todas as ciências naturais a tiveram como
marco inicial.
De acordo com Platão, a única forma de superar o estado de ignorância é por meio dos
estudos, ou seja, por meio da busca pelo conhecimento. Ainda, Platão considera a ignorância como
sendo o senso comum da explicação da realidade (CHAUÍ, 2003). Ao compreender e explicar a
realidade por meio do conhecimento filosófico, o homem transcende da ignorância para as “luzes
do conhecimento”, o qual pode ser considerado como um nível superior na escalada humana diante
sua evolução enquanto seres racionais. A explicação da realidade pela filosofia é racional,

2 Epistemologia - Epistemologia ou teoria do conhecimento (do grego"episteme" - ciência, conhecimento; "logos" -


discurso), é um ramo da filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados à crença e ao conhecimento.
(Dicionário online inFormal).

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sistemática e organizada, não buscando as respostas no acaso, mas sim na causalidade dos fatos
(SPINELLI, 2006).
Dessa forma, somente o filósofo era capaz de escapar das algemas que prendem o homem
comum as falsas crenças, conseguindo, assim, compreender a realidade como algo muito mais
amplo do que aparenta ser. De acordo com Chauí (2003), a metáfora pode assim ser resumida:

O que é a caverna? - É o mundo em que vivemos.


O que são as sombras das estatuetas? - São as coisas materiais e sensoriais que percebemos.
Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? - O filósofo.
O que é a luz exterior do Sol? - É a luz da verdade.
O que é o mundo exterior? - O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade.
Qual instrumento liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? - A
dialética.
O que é a visão do mundo real iluminado? - A filosofia.
Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à
condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense)? - Por que imaginam que o mundo
sensível é o mundo real e o único verdadeiro.

1.2.2 Interpretação política do mito

Parte do mito retrata a tentativa do filósofo (aquele que se libertou das correntes) de orientar
os demais homens que haviam ficado aprisionados na caverna, mostrando a eles a verdadeira
realidade.
Tal tentativa assume a segunda possibilidade de interpretação do Mito da Caverna, ou seja,
como influenciar os homens impossibilitados de ver. Assim, cabe ao sábio ensinar a realidade e
governar. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade,
desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado (ARANHA & MARTINS, 1993).

2. APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO NA ATUALIDADE – O PAPEL DO


MITO DA CAVERNA

De acordo com Gusdorf (1979), o mito propõe todos os valores, puros e impuros. Não é da
sua atribuição autorizar tudo que sugere. Nossa época conheceu o horror do desencadeamento dos
mitos do poder e da raça, quando seu fascínio se exercia sem controle. A sabedoria é um equilíbrio.

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O mito propõe, mas cabe à consciência dispor. E foi talvez porque um racionalismo estreito demais
fazia profissão de desprezar os mitos, que estes, deixados sem controle, tornaram-se loucos.
A realidade dessacraliza3 o pensamento e a ação, fazendo surgir a filosofia, a ciência, a
técnica e a religião, fato que se contrapõe totalmente ao homem pré-histórico, o qual possuía uma
consciência ingênua e dogmática (ARANHA & MARTINS, 1993). Surge então o questionamento
sob o qual se debruça a fonte de origem do presente trabalho: o desenvolvimento do pensamento
reflexivo deveria decretar a morte da consciência mítica? Em outras palavras, o conhecimento
gerado pela filosofia por meio dos mitos torna-se dispensável no meio empresarial, acadêmico e
político nos dias de hoje?
Augusto Comte, um dos principais filósofos franceses do século XIX e fundador do
positivismo4, explicava a evolução da humanidade por meio da teoria dos três estados, definindo a
maturidade do espírito humano pelo abandono de todas as formas míticas e religiosas (ARANHA &
MARTINS, 1993). Entretanto, Comte referia-se ao processo pelo qual um mito dá origem a uma
religião, não se tratando então da mesma característica apresentada pelo Mito da Caverna de Platão.
Assim como Aranha & Martins (1993) criticam o fato de Comte privilegiar o positivismo
em detrimento aos mitos, justificados por eles pelo fato de que o positivismo é uma forma
reducionista de se ver o mundo e, ainda, de que a ciência é necessária, mas não é a única
interpretação válida real, propomos que mitos não religiosos, como o Mito da Caverna de Platão,
sejam recuperados dos livros de filosofia e história, passando a ser utilizados como ferramentas de
referência e aprendizado não somente escolar em seus diferentes níveis de profundidade, mas
também nas empresas, na economia e na política, permitindo uma reflexão mais apurada da
realidade.

3 Dessacralizar - consiste em devolver às realidades temporais a sua aptidão original, reconhecendo-lhes a autonomia
abusivamente submetida ao poder religioso. Equivale a secularização. Ambas as expressões podem ser entendidas
num sentido depreciativo, de intervenção abusiva do poder político na esfera religiosa. V. secularização.
Afastamento da Igreja em geral. (Dicionário online inFormal).
4 Positivismo - O Positivismo é uma corrente sociológica cujo precursor foi o francês Auguste Comte (1789-1857).
Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo e das crises social e moral do fim da Idade Média e do
nascimento da sociedade industrial. Propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando
radicalmente teologia ou metafísica. Assim, o Positivismo - na versão contemporânea, pelo menos - associa uma
interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana, desenvolvida na segunda fase
da carreira de Comte. (Dicionário online inFormal).

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3. OBJETIVO

Tendo em vista o significado da utilização de mitos não religiosos nas práticas cotidianas, o
objetivos do presente trabalho são:
• relacionar eventos de desastres de diferentes origens (políticos, ambientais) com a ideia
central do Mito da Caverna de Platão;
• atribuir a importância do conhecimento filosófico, em especial do Mito da Caverna, ao
contexto empresarial, econômico e político da atualidade;
• caracterizar a busca pela realidade com embasamento na filosofia, de forma a contribuir com
o crescimento empresarial e político.

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4. RELAÇÕES ENTRE EVENTOS HISTÓRICOS E O MITO DA CAVERNA

4.1 A queda do Império Romano

4.1.1 História de Roma

A história de Roma foi marcada por vários períodos (Monarquia, República e Império), cada
qual com a sua devida importância e em seu devido momento. A origem de Roma se deu as
margens do Rio Tibre, a cidade de Roma se originou a partir da fusão de dois povos: os Latinos e
Sabinos. No inicio uma aldeia pobre, mas após ser conquistada pelos Etruscos, a cidade de fato
cresceu. Recebendo influências de todos esses povos Roma surgiu com sua própria característica
(KOSHIBA, 2000).

4.1.2 Monarquia (753 – 509 a.C.)

Neste período a sociedade Romana já se encontrava divida em plebeus e patrícios. Patrícios


eram membros das camadas superiores da sociedade e os plebeus das inferiores. O que definia essa
diferença era a gens. Uma gens congregava os indivíduos que descendiam, pela linha masculina, de
um antepassado comum. Portanto, a gens nada mais era do que família em sentido amplo. Em
outras palavras, gens era o nome que os romanos davam àquilo que conhecemos como clã. E, como
qualquer clã, a gens era composta de várias famílias individuais. Uma gens distinguia-se de outra
pelo nome: gens Lívia, gens Fábia, etc. e todos os seus membros traziam o nome da gens. O nome
dos patrícios era composto de três elementos: o prenome, o nome gentílico, ou da gens, e o
cognome ou designação especial, uma espécie de apelido. Exemplos: Lúcio Cornélio Sila, Caio
Júlio César, etc. Quer dizer: Sila era membro da gens Cornélia, e César, da gens Júlia. Haviam os
clientes, que eram pessoas que eram de certa forma agregada aos patrícios, já que em troca de
lealdade e serviços, recebiam alguns benefícios dos patrícios, com o tempo clientes e plebeus
acabaram sendo fundidos em uma só categoria. Plebeus não pertenciam a nenhuma gens. A menor
unidade social era, pois, a gens. Certo número de gentes formava uma cúria, e dez cúrias formavam
uma tribo.
Cada gens era chefiada por um pater (“pai”). Os membros das cúrias reuniam-se em
assembléias denominadas comícios curiatos, que votavam as leis. Os chefes das gentes, os patres
(plural de pater e palavra da qual se origina patrício), formavam o Senado, ou seja, o conselho
superior que atuava com o rei na época da Monarquia e que se converteu, durante a República, no

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órgão dirigente supremo. A palavra senado deriva do latim senex, que significa “velho”. O Senado
era, pois, um conselho de anciãos, uma instituição muito comum na Antiguidade. Seu equivalente,
na Grécia, era a Gerúsia, em Esparta. Inicialmente composto de cem membros, o Senado passou a
ter depois trezentos e, mais tarde, seiscentos membros (KOSHIBA, 2000).
Os que não pertenciam a nenhuma gens eram plebeus e, por esse motivo, estavam excluídos
da vida política. Sem direitos políticos, eram considerados cidadãos de segunda classe. Mas,
atenção, ser plebeu não significava ter uma condição econômica inferior ou de pobreza. Só que com
as reformas servianas, realizadas pelo segundo rei Etrusco Sérvio Túlio, os plebeus conseguiram
obter alguns direitos. Ele criou várias gentes, promovendo famílias plebéias à condição de nobres,
organizou assembléias militares, os comícios centuriatos, e estimulou o comércio e o artesanato
visando fortalecer economicamente os plebeus. Essas medidas, que a tradição atribuiu a Sérvio
Túlio, ficaram conhecidas como reformas servianas. O objetivo do rei, entretanto, não era
propriamente beneficiar os plebeus, mas fortalecer o poder monárquico. A criação de uma classe
plebéia vigorosa tinha por fim a neutralização do poder dos patrícios, ou seja, algo semelhante ao
pretendido pelos tiranos, como Pisístrato, na Grécia. Mas em Roma essa política não teve o mesmo
efeito.
Ao adotar uma política populista a monarquia cortou os próprios pulsos, já que os patrícios
não gostaram das atitudes que favoreciam os plebeus, realizaram assim uma revolução que em 509
a.C. tirou Tarquinio sucessor de Sérvio do poder dando fim assim a Monarquia (NADAI &
NEVES, 1993).

4.1.3 República (509 - 27 a.C.)

Os patrícios vitoriosos realizaram algumas reformas pertinentes a seus interesses, realizaram


mudanças nas instituições de poder, tentando eliminar risco de retorno da monarquia.
As principais instituições políticas da República eram, portanto, o Senado, a magistratura
(desempenhada pelos cônsules) e os comícios curiatos e centuriatos. Mas somente os patrícios
podiam ser senadores, cônsules e membros dos comícios curiatos. Os plebeus tinham acesso
unicamente aos comícios centuriatos, criados por Sérvio Túlio. Nessas assembléias tinham direito
de participação todos os cidadãos que serviam ao exército, o que incluía tanto plebeus quanto
patrícios. Os plebeus tinham, assim, uma participação ínfima na vida política romana. Por isso, nos
duzentos anos seguintes à criação da República, eles lutaram insistentemente pela ampliação de
seus direitos.
Os plebeus não eram, entretanto, um grupo social homogêneo. Embora a maioria fosse

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pobre, existiam plebeus muito ricos. Na luta contra os patrícios, enquanto os pobres exigiam leis
escritas, abolição da escravidão por dívidas e distribuição de terras, os ricos reclamavam uma lei
que permitisse o casamento entre patrícios e plebeus e o acesso às magistraturas. Ao longo de
duzentos anos, com muita luta, os plebeus atingiram seus objetivos. O primeiro passo foi a
conquista de um órgão político de defesa de seus interesses, o tribunato da plebe. Essa conquista
ocorreu depois que os plebeus ameaçaram criar, em 494 a. C ., uma sociedade plebéia separada da
dos patrícios, nas vizinhanças de Roma (NADAI & NEVES, 1993).
Os tribunos da plebe, a princípio dois e mais tarde dez, eram considerados sacrossantos, isto
é, invioláveis. Fazer ameaças ou resistir a eles pela força era considerado um sacrilégio. Os tribunos
tinham o direito de intercessio, o que significava poder socorrer o cidadão ameaçado por um
magistrado e interceder para anular atos ou decisões que julgassem prejudiciais aos plebeus. Podiam
também reunir a assembléia da plebe e fazer votar o plebiscito, que tinha o valor de lei para os
plebeus. Por volta de 450 a.C., depois de uma revolta plebéia, uma comissão de dez membros
(decênviros) publicou pela primeira vez um código de leis válido para todos a. Em 445 a.C., com a
Lei de Canuleio, foi autorizada a união matrimonial entre patrícios e plebeus. Mas no ano seguinte,
com o fim de impedir que os plebeus conseguissem o direito de se tornar cônsules, essa
magistratura foi abolida pelos patrícios.
O consulado, entretanto, foi restabelecido em 366 a.C., e o acesso a ele foi permitido aos
plebeus pelas Leis de Licínio e Sextio, ambos tribunos da plebe. Foram ainda criadas duas novas
magistraturas (funções políticas) – a dos pretores e a dos censores –, reservadas com exclusividade
aos patrícios e às quais foi transferida parte dos poderes do antigo consulado. Os plebeus, contudo,
continuaram sua luta, exigindo acesso a todas as magistraturas, o que lhes foi concedido em 300
a.C. Por fim, em 286 a.C., através da Lei Hortênsia, os plebiscitos tornaram-se leis válidas também
para os patrícios. A partir de então passou a ocorrer o comício das tribos ou assembléia tribal, com a
participação de patrícios e plebeus. Em 326 a.C., outra medida importante abolira a escravidão por
dívidas que pesava sobre os plebeus empobrecidos (KOSHIBA, 2000).
A seguir um esquema dos principais órgãos do governo e suas relações entre si:

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Funções públicas de Roma
Cargo Número Função
Cônsules 2 Eram os magistrados supremos. Presidiam os cultos religiosos comandavam o
exército.
Pretores 2 Exerciam funções judiciárias. Um deles se preocupava com os processos entre os
romanos, e o outro, dos processos entre os romanos e estrangeiros.
Edis 2 Cuidavam do abastecimento, do policiamento e organizavam os jogos e as festas da
cidade.
Questores 8 Eram os responsáveis pelas finanças. Depois de 267 a.C. O número de questores foi
aumentado.
Censores 2 Faziam o recenseamento dos cidadãos e de sua fortuna, para saber com o que se pode
contar em caso de guerra. Elaboravam a lista de senadores, indicando os futuros
membros do Senado.
Tribunos da Plebe 10 No início, exclusivamente plebeus. Eram sacrossantos, isto é, tinham direitos
especiais invioláveis e podiam vetar leis.
Ditador 1 Em períodos excepcionais e graves, o Senado tinha o poder de indicar um dos dois
cônsules como ditador, que, nessa condição, adquiria poderes extraordinários, porém
por tempo delimitado.

Os comícios elegiam os magistrados. Estes ingressavam no Senado, após cumprir o mandato


de magistrado. O Senado aconselhava os magistrados. Senatus consultum (“decreto”) era o nome
dado às decisões do Senado. Além de reunir e presidir os comícios, os magistrados propunham as
leis, que os comícios votavam. Os comícios ou assembléias curiatas, reunidos por cúrias, segundo a
tradicional organização gentílica, tornaram-se meras formalidades em meados do século III (250
a.C.). Também perderam força os comícios centuriatos. Ao longo do tempo destacou-se o comício
das tribos ou assembléia tribal.
As conquistas no período da República iniciaram quando vizinhos ambiciosos queriam suas
terras e suas riquezas, gradualmente essas guerras se converteram em guerras de conquista, até que
em 272 a.C., depois de duzentos anos de luta, toda a Península Itálica havia sido dominada,
ganhando assim grande respeito. O problema é que Roma a partir de agora começou a fazer
fronteira com outra grande potência, Cartago, contra eles foi realizados as três guerras púnicas, com
vitória em todas. Com a anexação de Cartago, Roma pode conquistar as ilhas de Sardenha, Córsega
e Sicília, além da Espanha e do norte da África. Roma não parou mais de se expandir depois disso.
Voltou os olhos para o Leste, onde conquistou o reino macedônico da Grécia, e levou a guerra até o
mar Negro, onde reinava Mitridate, um formidável opositor, que resistiu aos romanos por mais de
vinte anos, até ser derrotado, em 66 a.C. (NADAI & NEVES, 1993).
Com as conquistas, tanto a economia quanto a sociedade romana foram se transformando.
Até 202 a.C., quando terminou a Segunda Guerra Púnica, Roma ainda não havia se voltado para o

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Oriente. Naquele momento, os domínios romanos limitavam-se ao Ocidente, que, em comparação
com o Oriente Helenístico (antigo domínio de Alexandre Magno), era pouco desenvolvido e muito
pobre. Mas os povos do Ocidente Itália, sul da Gália e parte da Espanha tinham uma riqueza que
despertava a cobiça dos patrícios: terras. Essas terras foram confiscadas e convertidas em terras
públicas (ager publicus). Apesar de públicas, foram vendidas ou arrendadas aos patrícios os únicos
que, na prática, tinham acesso a elas. Foi justamente essa privatização das terras públicas que
impulsionou o processo de concentração de terras nas mãos dos patrícios (NADAI & NEVES,
1993).
Esse processo jamais teve seu desenvolvimento bloqueado em Roma, diferentemente do que
ocorreu na Grécia, onde as maiores extensões iam de 12 a 24 hectares. Os latifúndios romanos eram
freqüentemente superiores a 120 hectares. Houve os que chegaram a atingir 1.200 e até mesmo
80.000 hectares. A maioria dos latifúndios, entretanto, não era constituída por terras contínuas, mas
por terras dispersas, situadas em regiões diferentes.
Mas não foram apenas as terras conquistadas aos povos do Ocidente que fizeram a fortuna e
o poder dos patrícios. Com a conquista do Oriente e a imposição da administração romana, um
imenso volume de dinheiro começou a fluir para as mãos dos patrícios e para os cofres do Estado, a
ponto de este se dar ao luxo de abrir mão do imposto fundiário e do tributam cobrado do povo em
tempo de guerra.
Contudo, a transformação crucial do período foi a constituição do escravismo. Trazidos do
Ocidente e do Oriente, os escravos tornaram-se a principal mão-de-obra, tanto na agricultura quanto
no artesanato, como já havia ocorrido na Grécia. Mas a grande originalidade de Roma foi a
combinação inédita de latifúndio e escravidão. Em comparação com o escravismo grego, o romano
mostrou-se muito mais amplo e profundo, atingindo um número surpreendente de pessoas,
proporcionalmente ao de pessoas livres:

• em 225 a.C., para 4 milhões e quatrocentos mil homens livres, havia 60 mil escravos;
• em 43 a.C., para 4 milhões e quinhentos mil homens livres, havia 3 milhões de escravos.

Nunca a Antiguidade tinha visto algo semelhante. Para os plebeus, o expansionismo romano
teve conseqüências funestas: quanto mais a República triunfava no exterior, mais os plebeus se
arruinavam em Roma. Na realidade, a expansão romana prejudicou os plebeus de vários modos.
As guerras, ao mobilizarem constantemente os pequenos e médios proprietários plebeus (os
assidui), provocaram a sua ruína. Os que não pereciam na guerra, ao retornar não tinham meios para
retomar as suas atividades, pois não recebiam nenhum tipo de compensação pelos serviços

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prestados ao Estado, não sendo levado em conta nem mesmo o fato de que a eles se devia o êxito
romano no exterior.
O expansionismo romano prejudicou os plebeus ainda de outro modo, em razão de um
processo muito semelhante ao que ocorrera na Grécia. Com a importação maciça de trigo das
províncias sicilianas e norte - africanas, o preço do produto despencou em Roma. Os pequenos e
médios proprietários não tinham como concorrer com o baixo preço do trigo importado e logo
ficaram sem meios para saldar as dívidas contraídas e prover o próprio sustento. Em geral acabavam
perdendo as suas terras para os credores patrícios.
Os patrícios também foram atingidos pela entrada do trigo das províncias. Mas eles
enfrentaram essa nova situação fazendo a reconversão das culturas: abandonaram o cultivo de
cereais e se especializaram na plantação da vinha e da oliveira e na produção de vinho e azeite de
oliva, além de árvores frutíferas.
Essa reconversão não estava ao alcance dos pequenos e médios proprietários, em virtude do
tempo de maturação exigido pela nova cultura até as primeiras colheitas. Era necessário dispor de
recursos para esperar o retorno do investimento feito na nova plantação.
Enquanto os patrícios dispunham de recursos para suportar a espera, aos plebeus estavam
reservados destinos trágicos. Com os latifúndios sendo trabalhados por uma numerosa escravaria e
90% do artesanato sendo exercido por escravos, o campo de trabalho para eles havia se reduzido
drasticamente. Arruinados pela guerra, pela importação do trigo, pelo latifúndio escravista, os
plebeus foram forçados a abandonar o campo e migrar para as cidades, onde engrossaram as fileiras
da plebe urbana, sem propriedade e sem trabalho.
O único meio de sobrevivência da plebe era se colocar sob os cuidados das nobres famílias,
transformando-se em sua clientela. Para que a manutenção desse poder perdurasse, o estado
oferecia trigo e espetáculos circenses, mantendo os plebeus como um dócil instrumento.
Enquanto o escravismo se impunha e a condição da plebe se degradava, ocorriam também
transformações no estrato superior da sociedade romana.
No início da República, pertenciam ao estrato superior da sociedade apenas os membros das
gentes – a nobreza gentílica. No final da República, existiam 47 dessas famílias patrícias
tradicionais. Porém, no decurso da República, havia ocorrido um importante fenômeno em Roma: a
ampliação da nobreza. Ao lado da tradicional nobreza gentílica, haviam surgido novas famílias de
nobres, cujos membros eram os nobilitas. A conquista dessa posição devia-se ao fato de os chefes
de algumas famílias plebéias terem pertencido ao Senado. Naturalmente, tratava-se de famílias
plebéias bastante ricas. Com o tempo, a tradicional nobreza gentílica fundiu-se com a nova, dando
origem à nobreza senatorial (AQUINO et al., 1978).

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Desde o ano 366 a.C., quando o acesso ao Consulado foi aberto aos plebeus, teoricamente o
ingresso à condição nobiliárquica ficou possibilitado a todos, pois os cônsules tornavam-se
automaticamente membros do Senado. Mas, na prática, a nova nobreza senatorial fechou e impediu
o acesso aos altos cargos da magistratura aos membros não pertencentes ao seu grupo. De 200 a.C.
a 146 a.C., apenas três não integrantes da nobreza senatorial conseguiram a proeza de penetrar no
fechado círculo daquela aristocracia.
Os antigos e novos membros que compunham a nobreza senatorial monopolizavam as altas
magistraturas e se apropriavam dos altos cargos militares e dos governos provinciais. Tinham a
terra como base de sua riqueza e detinham uma fortuna em imóveis.
A sombra do fortalecimento da nobreza senatorial, fez também fortuna considerável um
pequeno número de famílias plebéias ligadas ao mundo dos negócios. Essas famílias se
enriqueceram como fornecedores do exército, como mercadores do comércio marítimo ou como
chefes de organizações bancárias. Esse pequeno grupo de empreendedores tinha por base a riqueza
mobiliária (dinheiro e mercadorias, portanto riqueza móvel em oposição à riqueza imóvel da
nobreza senatorial). A sua importância econômica era enorme e, pela fortuna de que dispunha,
estava muito acima da massa plebéia empobrecida. Os membros dessa nova camada social
ganharam o nome de cavaleiros.
A eles os censores contratavam para construir obras públicas e, nas províncias, o Estado
passava a responsabilidade de cobrar impostos, chamando-se publicanos os cobradores de impostos.
Alguns dos cavaleiros haviam conseguido elevar-se um degrau a mais na escala social, tornando-se
homens novos (homines novi). Esse título era conferido aos cavaleiros que tivessem exercido cargos
na alta magistratura e aos integrantes de suas famílias. Socialmente elevada, essa posição era,
porém, inferior à da nobreza senatorial.
Os irmãos Tibério e Caio Graco tentaram realizar uma reforma aristocrática sem muito
sucesso, gerando uma grande desilusão por parte dos membros da plebe, que tinham esperança de
que os dois conseguissem organizar o Estado Romano de forma democrática a todos (AQUINO et
al., 1978).

4.1.4 Império (27 a.C.- 476 d.C.)

A história de Roma depois do fracasso da experiência reformista dos irmãos Graco foi
marcada por dois processos interligados: o exército substituiu o Senado como núcleo de poder e o
exercício desse poder passou dos senadores para um ditador e, mais tarde, para um imperador. Em
suma, a República foi substituída pelo Império.

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O declínio do poder dos patrícios foi produto de sua própria ambição e egoísmo. Desde o
começo, eles haviam utilizado o exército como instrumento para conseguir mais terras e mais
escravos. O expansionismo tinha como base um exército cívico composto pelos assidui (pequenos
proprietários), mas com o tempo foi se tornando imprescindível o recrutamento dos proletários
aqueles que nada possuíam, a não ser seus filhos (prole). O exército cívico não se mantinha
organizado permanentemente e os soldados não eram remunerados. Com a integração dos
proletários, esse exército converteu-se gradualmente em exército profissional, pois os soldados
passaram a ser pagos para combater. O general Mário foi o autor dessa mudança, que pouco a
pouco levou os soldados a colocarem os seus interesses acima dos interesses do Estado e a prestar
mais apoio a um chefe militar que os beneficiasse do que ao governo constituído da República. Não
foi por outro motivo que Mário, instituindo uma ditadura informal, converteu-se no homem forte de
Roma. Eleito cônsul pela primeira vez em 107 a.C., ele só poderia ser reeleito dez anos depois,
como estabelecia a lei. Mas se reelegeu em 104 a.C. e em todos os anos seguintes até o ano 100 a.C.
Ele foi, assim, cônsul seis vezes seguidas e ainda chegou a ser reeleito novamente em 87 a.C.
As leis republicanas previam a ditadura uma magistratura extraordinária, com poderes
ilimitados, mas para atuar apenas em momentos de grave crise e por tempo determinado.
Era esse tipo de poder que os novos e ambiciosos generais estavam buscando. Depois do
primeiro passo dado por Mário, vieram Sila e César, que adotaram formalmente o título de ditador.
A ditadura foi aos poucos corroendo as bases da República e preparando terreno para a implantação
da monarquia imperial.
Contudo, nenhum dos ditadores, mesmo o poderosíssimo César, ousou abolir oficialmente a
República. A situação manteve-se ambígua: de Mário a César, para todos os efeitos, a República
continuou existindo, embora funcionasse cada vez menos como forma de governo. Mas esse
declínio relativo não anulou o sentimento republicano, que continuou muito vivo em Roma. E a isso
se deveu o assassinato de César, em 44 a.C., ocorrido em conseqüência de uma conspiração liderada
por Brutus (seu filho adotivo) e Cássio.
Antes de César assumir o poder houve um período em que o Império foi divido entre três
ditadores, sendo estes César, Crasso e Pompeu, César acabou por vencer os rivais e assumiu o poder
sozinho em 48 a.C.
Na seqüência dos acontecimentos, entretanto, a República não levou a melhor. O poder
transferiu-se para as mãos de três homens ligados a César: Otaviano, Marco Antônio e Lépido, que
formaram o segundo triunvirato (governo de três). Brutus e Cássio fugiram de Roma e foram
derrotados em 42 a.C.
O general Lépido, o mais inexpressivo, perdeu logo seu poder para Otaviano, em 36 a.C. Por

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esse tempo, Otaviano fazia-se chamar de Otávio e apresentava-se em Roma como herdeiro legítimo
de César, enquanto seu rival, Marco Antônio, governava o Oriente a partir do Egito e se preparava
para enfrentá-lo, caso a ocasião para isso se oferecesse. Essa ocasião chegou em 31 a.C. e terminou
com a vitória de Otávio (AQUINO et al., 1978).
Nos anos que se seguiram à vitória contra Marco Antônio, Otávio, através de títulos e
mudanças no próprio nome, foi cumulado de honrarias, a última delas como fundador do Império.
Em 40 a.C., ele recebeu do exército o título de Imperator, que transformou em seu prenome. E, para
ressaltar a sua relação de parentesco com César, divinizado após a morte, e para significar que dele
havia adquirido o direito de comando do exército, Otávio conservou para si a denominação César.
O nome que adotou foi, então, Imperator Caesar Divi Filius, significando “Imperador Filho de
César Divino”.
Depois de ter exercido o governo com poderes excepcionais desde a guerra contra Marco
Antônio, Otávio executou em 27 a.C. uma manobra política bem-sucedida: renunciou aos seus
poderes numa sessão do Senado e declarou restaurada a República. Nessa mesma reunião, o Senado
não apenas reafirmou seus poderes, como concedeu-lhe novos títulos, como princeps, que
significava “primeiro cidadão romano”. Além disso, conferiu-lhe o título Augusto, dado apenas aos
deuses. Otávio, que daí em diante passou a ser conhecido por Augusto, saiu, portanto, mais
fortalecido desse episódio.
Os quatro primeiros imperadores que sucederam Augusto eram todos parentes entre si e
fizeram parte da dinastia conhecida como Júlio-Cláudia ou Júlio-Claudiana (2 7 a. C . - 69 d. C . ) .
Vieram depois as dinastias Flaviana (70 - 96), Antonina (96 - 193) e Severiana (193 - 235).
A crescente influência do exército na vida política foi a principal característica do
Principado. Sua primeira intervenção ocorreu no reinado de Calígula, um imperador cujo
comportamento mostrava claros sinais de desequilíbrio mental, morto em decorrência de um
complô dirigido contra ele pelos oficiais da guarda pretoriana.
Apesar dessa tendência, o Principado conheceu uma fase de grande estabilidade com a
dinastia Antonina, durante a qual vigorou a chamada Pax Romana (paz romana), que perdurou por
quase cem anos.
Com a chegada dos Severos ao poder imperial, teve início outro período de turbulência, que chegou
ao auge em 235 d.C. Esse foi o ano em que começou a mais profunda crise do Império Romano, da
qual ele saiu completamente transformado cinqüenta anos depois. Nesse conturbado período
conhecido como “anarquia militar”, de 235 a 285, Roma conheceu uma rápida sucessão de mais de
vinte imperadores, dos quais apenas um morreu de morte natural. Em constantes motins, o exército
romano estava dividido em facções rivais, que proclamavam os imperadores com a mesma

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facilidade com que os assassinavam.
O Império Romano foi dividido por historiadores em dois momentos, baixo e alto império.
Até aqui vimos o alto império.
O baixo império está intimamente ligado a Constantino e Diocleciano, mas foi com
Aureliano (270 – 275) que o imperador deixaria de ser o primeiro cidadão e se tornaria senhor e
deus (ser dominus et deus). Coube a Diocleciano e Constantino dar a forma final ao dominato. Um
dos traços mais marcantes do novo poder foi dar ao imperador o direito divino, em contra partida o
senado entrou em declínio chegando ao ponto de ser algo meramente representativo. Essas
mudanças trouxeram crises econômicas, políticas e religiosas e como se mostrou adiante acabou por
condenar toda a Roma.

4.1.5 A queda de Roma

As crises que foram desencadeadas abrangem todo o Império, em todos os seus aspectos. A
crise econômica gerada pelo declínio da mão de obra escrava, já que em seu auge o Império não
tinha um poder militar suficiente para novas expansões, sabendo que as terras conquistas
demandavam grande contingente para manter-las sem invasores. Com isso a mão de obra que
provinha de conquistar externas foi se extinguindo, chegando a um ponto onde o próprio cidadão de
Roma (principalmente os pequenos e médios proprietários tiveram que deixar suas terras e buscar
auxilio em propriedades maiores geralmente de membros da elite, trabalhavam em uma fração da
terra em troca de alguma ajuda. Outros foram para a cidade de Roma e em pouco tempo as cidades
se encheram de mendigos, roubos e doenças, não tendo mais para onde ir se vê obrigado a voltar
para o campo e trabalhar para o grande proprietário, devido a essas condições muitas revoluções
ocorreram contra o Império, quando o Exército é agora a instituição mais poderosa de Roma o
Senado não gosta acaba-se gerando uma disputa entre os dois que desestabiliza toda a política
mesmo com um senado já sem poder. Todos os fatores decorrentes das crises geradas ironicamente
pelo o egoísmo de seu cidadão, pela vastidão do seu Império, acabaram por gerar a queda de Roma.
Que agora estava suscetível a ameaças externas e por ironia o que ocorreu foi que os bárbaros viram
a situação em que os romanos e estavam e se aproveitaram, começando ondas de invasões e saques.
É muito comum ouvir que o fator que acabou com o Império foram as invasões por si só,
mas isto é errado. O que provocou o declínio do Império foi o seu tamanho colossal e seu cidadão
egoísta, que só pensava em si mesmo, principalmente os responsáveis pelos altos cargos do
Império, os quais em nenhum momento estavam interessados no bem do Império e sim no bem
próprio, na acumulação de riquezas. Roma se tonou um gigante sem alma com pernas frágeis, pois a

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realidade era outra e, como no Mito da Caverna, o que eles se negaram a enxergar era a realidade,
uma nação em processo de decadência e com inúmeras crises que acabou por sucumbir todo o
Império Romano (NADAI & NEVES, 1993).
A caverna do romano, por assim dizer, pode ser entendida até mesmo como um buraco.
Cidadãos de Roma acabavam por cair nele, justamente quando alcançavam poder ou propriedades
de terra. Caíam e nem mesmo pensavam em sair. No fundo do buraco, nem mesmo sombras da
realidade, apenas o reflexo do próprio romano. Seus interesses, seus poderes, sua influência, sua
riqueza, haviam somente isso a sua frente. A realidade, lá embaixo, não era uma distorção, e sim
algo mais específico. Era, na verdade, um ponto de vista, apenas uma visão da vida, que
privilegiava o ego. O buraco do egoísmo.
Com o tempo, todo o império estava esburacado. Cada patrício, ou mesmo plebeu, com seu
próprio espelho, vendo toda Roma a seus pés. Com isso, ampliavam suas cavernas, escavando mais
fundo, aumentando o seu reflexo. Em um determinado ponto, todo o território ficara oco, e o
império acima não poderia mais se sustentar, caindo e soterrando todos. Não houve sequer tentativa
de escalar o caminho para fora do buraco, em direção à realidade.
Nem mesmo os imperadores escaparam dos buracos. Na verdade, eram justamente os
buracos dos imperadores os mais profundos. E, como se não bastasse, na época em que existiu mais
de um imperador, estes cavavam, desesperadamente, tentando colocar o próprio espelho na frente
dos demais. Júlio Cezar talvez tenha escapado do buraco, sendo idolatrado por todos os cantos do
império, porém, com certeza, serviu de motivação para muitos se atirarem ao fundo do poço.

4.2 A queda de Hitler e o fim do Nazismo

4.2.1 A Primeira Guerra Mundial

Um país poderoso, forte economicamente e uma das maiores potências mundiais. A busca
por novos mercados consumidores e a expansão de seu imperialismo. Essas eram características da
Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial. E foi justamente essa busca por ampliar sua
influência no mundo que, por conflito de interesses, ocasionou a Primeira Grande Guerra. E,
justamente por essa Guerra, as características perderam sentido.
A Alemanha e toda a Tríplice Aliança saíram derrotadas do conflito. Em 1918, Guilherme
2º, então imperador alemão, abdica o trono. Isso por si só já representava uma grande perda para a
Alemanha. Porém, o que definiu boa parte do destino do país alemão foi o Tratado de Versalhes, e
data de 1919. Este tratado, imposto pelas nações vencedoras, determinava a Alemanha como

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causadora da guerra (as chamadas cláusulas de culpa) e, assim sendo, deveria reparar os danos aos
países da Tríplice Entente (Inglaterra, França e a atual Rússia). O valor total foi inicialmente
contabilizado em 269 bilhões de Marcos (moeda corrente na Alemanha à época), porém reduzido
posteriormente para 132 bilhões. Além disso, a nação alemã foi forçada a ceder uma enorme
extensão de seu território (grande parte da qual para a Prússia) e teve seu exército muito reduzido,
limitado a cem mil homens. A Marinha e a grande força aérea alemã, a Luftwaffe, também foram
castigadas. A primeira reduzida a quinze mil homens e a outra proibida de funcionar. Afora, sua
produção bélica e arsenal seriam rigorosamente supervisionados pelas nações da Tríplice Entente
(NOAKES & PRIDHAM, 1988).

4.2.2 As Conseqüências do Tratado de Versalhes e o Ex-cabo

Um governo provisório, uma assembléia constituinte a ser formada e uma economia em


declínio. A situação na Alemanha era propícia para revoltas e, até mesmo, um golpe de estado. Os
comunistas alemães perceberam isso e não demoraram a fazer uma investida. Contudo o governo
conseguiu controlar a situação, e os líderes da rebelião acabaram mortos. Mas esse era apenas o
início dos problemas que a nação teria.
A crise se instaurava. As indústrias, pouco a pouco, anunciavam falência e fechavam. O
índice de desemprego subia vertiginosamente e, com um crescimento ainda maior, a inflação
assustava o país. Quanto menos poder aquisitivo tinha a população, maiores eram os preços. A fome
se alastrava. Em meio a essa situação, em 1920, um austríaco, ex-cabo do exército alemão, fundou o
Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, que mais tarde ficaria conhecido por
“Nazismo”. O nome de seu fundador é Adolf Hitler.
Os ideais do partido eram exageradamente nacionalistas e militaristas. O Nazismo não tinha,
entretanto, uma representação muito grande no cenário alemão, reunindo apenas ex-militares e
pessoas descrentes na república que tentava se estabelecer (a república de Weimar) (FRANK,
1947).
Em 1923 a inflação não era mais sustentável, com um dólar valendo por mais de quatro
bilhões de Marcos. Com isto, Hitler decidiu atacar. Reuniu os seguidores do nazismo e, assim como
os comunistas, organizaram uma revolta. Não obstante, não obtiveram êxito. Porém, ao contrário do
ocorrido anteriormente, os líderes não foram mortos. Hitler foi preso. E, em sua cela, pôde repensar
todo o movimento nazista. Durante oito meses organizou e planejou seus passos, escrevendo o livro
sagrado do nazismo: Mein Kampf (Minha Luta).

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4.2.3 Mein Kampf

O Nazismo parecia ter sido abalado pela repressão do governo em 1923. Seus ideais não se
faziam ouvidos pela população. Porém a situação do país não apresentava melhoras.
Em 1929, com a retração de consumo na Europa, as indústrias norte-americanas perderam
um grande mercado consumidor. Havia, então, muitos produtos e ninguém pra comprar. Os preços
despencaram, a produção começou a ser cortada e, com ela, o emprego de muitas pessoas. O
comércio estagnou, os lucros diminuíram e a produção retraiu. Dessa crise resultou a quebra da
bolsa de valores de Nova York. A recessão econômica se espalhou para outros países (como
ocorreu há pouco, em 2008) e se tornou o que é conhecido como A Grande Depressão.
A economia alemã, que já estava debilitada, capitulou. Milhares de empresas que resistiam
às adversidades, por fim, faliram. O número de desempregados ultrapassou seis milhões e o
desespero e o caos, que pairavam o país, caíram sobre o povo alemão. Despontava a necessidade
por uma nova motivação, um novo começo para a Alemanha. As idéias ultranacionalistas
preenchiam essa lacuna. A facilidade, nestas condições, de influenciar uma multidão, aliada à
habilidade persuasiva de Hitler, favoreceram o nazismo.
O partido contava, agora, com o apoio da classe média, do operariado e das forças armadas.
Os capitalistas, que viam no nazismo uma barreira protetora contra o comunismo, também
demonstravam aprovação. Em 1932, os nazistas já estavam consolidados, com 230 deputados no
parlamento. Hitler se destacou e, em 1933, já era primeiro-ministro. Abaixo apenas do presidente e
com a maioria no parlamento a seu favor, o ex-cabo conseguiu a aprovação de uma lei que lhe
permitia governar sem dar satisfações a ninguém. Com isso, não demorou a fazer a dissolução de
todos os outros partidos, exceto o nazista. Em 1934, o então presidente Hindenburg morre e Hitler
assume de vez o poder. É o início do III Reich (terceiro império) e dos planos do Führer (guia),
como Hitler era chamado. O próximo passo era a consolidação da raça Ariana, a raça que ele
considerava superior, com a formação do espaço vital e a subordinação e até extinção das raças
inferiores (HITLER, 1925). A luta de Adolf apresentava resultados.

4.2.4 Os Alemães e seus canhões

Após a tomada total do poder, em 1934, Hitler agiu como bem quis. Tendo eliminado os
rivais e com apoio popular, não demonstrava nenhum interesse em que o antigo tratado, que
manchara a história alemã, continuasse determinando a política e desenvolvimento do país. O
Tratado de Versalhes foi ignorado.

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O Führer instalou seu governo totalitarista e ordenou o rearmamento da Alemanha. Os
signatários do Tratado não esboçaram reação, e isso só aumentou a confiança de Hitler e em 1936, o
Führer enviara tropas e tomava de volta a região do Reno. Na Áustria, com grande influência no
parlamento, porém sem o apoio do chanceler, Hitler se utilizou de uma forte campanha nazista. Em
1938 o exército alemão entra em território austríaco, sem resistência. O território voltava ao
comando da Alemanha. Eram os primeiros indícios da guerra que viria. Não obstante o fato, os
demais países europeus continuavam apáticos.
Hitler, contudo, não ficou sozinho. Logo encontrou uma forte aliança: Benito Mussolini. O
Fascismo, doutrina em parte semelhante ao nazismo, porém mais antiga que este, estava em vigor e
era extremamente popular na Itália. E, juntos, os ditadores apoiaram Francisco Franco na tomada do
poder na guerra civil espanhola. Porém suas ações conjuntas ainda se prolongariam.
Havia, na fronteira da Checoslováquia, um território com grande população alemã, chamado
Sudetos. O povo alemão que habitava este território já estava descontente pela discriminação
tcheca, e isso, juntamente com recursos naturais e indústrias bélicas ali presentes, atraiu a atenção
de Hitler, que direcionou e ampliou esse descontentamento contra o governo tcheco. O resultado foi
um conflito armado e, por fim, as nações da tríplice entente tomaram atitude, ainda que discreta:
foram convocadas reuniões do primeiro-ministro britânico com o Führer alemão.
As reuniões não produziram frutos, e Hitler manteve sua posição. Sabendo que tanto
Inglaterra quanto França não lutariam por aquele território, afirmou que, caso Sudetos não fosse
anexado à Alemanha, ele iniciaria uma guerra. No entanto, se seu pedido fosse atendido, não
invadiria outros territórios europeus. Os ingleses e franceses aceitaram e Hitler, surpreendendo-os,
tomou toda a Tchecoslováquia. A situação se tornava tensa, porém o ditador não dava sinais de
parar sua expansão pela Europa.
A Alemanha reclamou a posse de um porto seu que havia perdido para a Polônia,
consequência do Tratado de Versalhes. A Inglaterra estava pronta para iniciar uma guerra,
inconformada com a invasão da Tchecoslováquia. Percebendo isso, Adolf Hitler se apressou em
tentar apoio do outro lado do território polonês: a Rússia. Prometendo a esta a recuperação de sua
extensão perdida para a Polônia, conseguiu apoio Russo na investida contra a Polônia. Contando
com seu exército (com uma estratégia de ataque rápida e violenta), a Luftwaffe, e o exército Russo,
Hitler conseguiu tomar a Polônia e foi feita a divisão.
A guerra tornara-se inevitável, e o estopim era iminente. Aproveitando a demora dos
franceses e ingleses, denominados, a partir de então, como “Países Aliados”, Hitler tento,
inicialmente, um acordo de paz, que foi rejeitado. Decidiu, então, que era preciso investir enquanto
França e Inglaterra estavam fazendo preparativos de guerra, objetivando um ataque surpresa.

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Entretanto, um incidente acabou por revelar os planos do ditador. Com uma estratégia nova,
concretizou o ataque, porém os franceses já estavam cientes do perigo, e a eficácia da missão foi
comprometida. Por outro lado, o ataque nazista à Noruega logrou êxito com o elemento surpresa e,
novamente com rapidez e violência, outro país fora dominado.
A guerra finalmente se iniciara, e a Alemanha colecionava vitórias.
Outro ponto importante, que se agrava com esta guerra, é o holocausto, a perseguição
nazista aos judeus, homossexuais, comunistas, ciganos, entre outros. Para os ideais nazistas, essas
eram raças inferiores que representavam uma ameaça e, portanto, deveriam ser eliminadas. Milhões
de pessoas foram confinadas nos chamados campos de concentração, onde eram forçadas a trabalho
escravo, independente de idade ou sexo; eram também usadas como cobaias em experimentos
nazistas e, em grande parte das vezes, eram assassinadas. “Aqueles que têm má saúde física e
mental não devem perpetuar seus sofrimentos nos corpos de seus filhos." (HITLER, 1925). As
condições sub-humanas às quais eram comprometidas revoltavam o mundo todo. Parte desta
crueldade e frieza nazista pode ser comprovada pelo livro “Het Achterhuis: Dagboekbrieven van 12
Juni 1942 – 1 Augustus 1944” (1947), traduzido para o português como “O Diário de uma Jovem
Garota”, publicação póstuma do diário de Anne Frank, no qual a menina judia que fazia notações
dentro do campo de concentração, onde acabou morrendo de tifo. Foi de seu pai, Otto Frank, a
decisão de publicá-lo, para divulgar os absurdos aos quais as pessoas foram submetidas. O resgate
destas pessoas tornou-se, também, uma das prioridades das nações que participariam da guerra.
Contudo, o holocausto foi distorcido, e usado como meio político-ideológico, não só
direcionado contra o nazismo, mas para interesses próprios de países que, com ele, ofuscam suas
atrocidades internas. “As atrocidades nazistas transformaram-se num mito americano que serve aos
interesses da elite judaica, sendo que nesse sentido, o holocausto transformou-se em Holocausto
(com h maiúsculo), ou seja, numa indústria que exibe como vítimas o grupo étnico mais bem
sucedido dos Estados Unidos e apresenta como indefeso um país como Israel, uma das maiores
potências militares do mundo, que oprime os não judeus em seu território e em áreas de influência"
(FINKELSTEIN, 2001).

4.2.5 A Ganância e a Queda

Em pouco tempo o conflito se tornara mundial. Primeiro quando Hitler buscou o apoio do
Japão, que se expandia fortemente pela Ásia e representava um aliado interessante, com seus
territórios próximos à Rússia, que o Führer visava. O Eixo, então, estava montado, com a
Alemanha, Itália e Japão como integrantes.

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Com a estratégia alemã de batalhas rápidas e com força total, aliando a Luftwaffe com
ataques terrestres, começou o conceito de guerra-relâmpago. Através deste sistema, Hitler ampliara
seus domínios até territórios próximos à URSS, e mesmo em direção à África, onde foram contidos
pelas tropas do general britânico Bernard Montgomery.
Após a queda da França perante o exército alemão e o ataque japonês à base americana de
Pearl Harbor, os Estados Unidos entram na guerra pelo lado dos Aliados e, marcam
definitivamente, a mundialização do conflito.
Apesar de inconformado com a posição dos Estados Unidos, a atenção de Hitler estava
voltada para o outro lado. O pacto de paz com a Rússia, estabelecido para conseguir a anexação da
Polônia, já não era mais interessante. A Rússia tinha uma extensão territorial invejável e o ditador
suspeitou de conspirações desta com a Inglaterra. Então, tomaria a URSS para o controle. Como
estratégia militar de apoio à invasão, antes de entrar na Rússia, Adolf Hitler desviou suas tropas
para a Bulgária, Grécia e Iugoslávia, países que poderiam interferir no combate. Em junho de 1941,
a fronteira russa é invadida.
O erro nazista começou neste ponto. A capital russa, Moscou, fica longe da fronteira, e o
exército nazista não estava preparado para percorrer uma distância dessa extensão com dois fatores
desvantajosos: primeiramente o clima russo, com um inverno rigoroso, que abalou as tropas
alemães. E, em segundo lugar, o enorme exército russo acostumado ao território lamacento.
Em um primeiro momento, a invasão lograra êxito, contudo, quanto mais russos eram
derrotados, mais russos se apresentavam para as batalhas. Assim, Hitler teve que desviar cada vez
mais homens para a batalha russa, debilitando sua defesa em outros pontos do “império alemão”.
O inverno teve início e os soldados nazistas ficaram muito debilitados. Os generais alemães
dividiam opiniões sobre parar ou continuar avançando. A decisão, no entanto, foi continuar em
frente. Com um avanço lento e pouco estável, as tropas alemãs chegaram aos subúrbios de Moscou,
onde foram rápida e duramente expulsas pelo exército vermelho. Hitler ordena que suas tropas,
forçadas a um recuo, se mantivessem próximas a Moscou. No entanto, seus homens já não tinham
condições de batalha.
Ao final de 1942, a Rússia contra-atacou. Os alemães não podiam mais manter sua posição,
exemplo disso foi a batalha de Stalingrado, um marco da derrota alemã. Ainda assim, Hitler ordena
um novo ataque, que fracassa. As tropas nazistas recuam até sair do território inimigo e os russos
continuam o avanço.
A insistência em atacar um território bem armado e com condições climáticas adversas foi a
grande besteira cometida por Hitler. Debilitou suas defesas e comprometeu muito seu exército, além
de permitir a queda do orgulho e otimismo alemão. A população, que confiava em seu guia, acabou

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sendo deixada de lado, para que as atenções fossem voltadas para necessidades de guerra e
produção bélica.
A partir de 1943, os Aliados recuperavam território europeu, derrotando as tropas nazistas
em diversas nações. Do outro lado, a Rússia avançava em direção à própria Alemanha,
comprimindo o exército de Hitler. A Itália foi invadida e caiu, se unindo às causas dos Aliados.
Mussolini, que havia sido preso, foi resgatado pelos alemães.
Em 6 de junho de 1944, o dia-D, as tropas aliadas desembarcaram na Normandia, e
começaram uma investida final. Paris foi retomada, juntamente com a Bélgica e a guerra já
anunciava qual seria seu fim. No pacífico, o Japão sofria várias derrotas infligidas pelos norte-
americanos e começava a cair.
Em 1945 a guerra já estava decidida. O exército russo invade Berlim e, em 30 de abril,
Hitler se suicida. A Alemanha estava acabada e, junto com ela, os campos de concentração,
ocasionando, enfim, a libertação dos presos que, há muito, sofriam sob o domínio nazista. No Japão
são lançadas duas bombas nucleares, uma em Hiroshima e outra em Nagasaki. Questiona-se o a
necessidade real de tal ataque por parte dos Estados Unidos, uma vez que o Japão já estava
enfraquecido. Sendo ou não uma afronta aos direitos humanos, as explosões marcaram o fim da
guerra, com a rendição do Japão em 2 de setembro.
Uma nação quebrada, arrasada pela guerra, com a população em miséria e com um território
reduzido. As características alemãs assim resumiam-se ao final do famigerado Reich.

4.2.6 A cega loucura

Durante toda a Segunda Grande Guerra, Hitler demonstrou suas habilidades estratégicas e
capacidade de persuasão. Com suas batalhas-relâmpago e sua inteligência, expandiu territórios e
influências nazistas pela Europa e África muito rapidamente. Derrotou a França, ultrapassando a
linha Maginot, extensas fortificações francesas, consideradas impenetráveis. Contudo, sua visão de
mundo se distorceu, bem como seus objetivos.
Após os oito meses preso, Adolf Hitler pôde, como citado anteriormente, reestruturar todo o
movimento nazista. Mas também na prisão, deixou o nacionalismo obscurecer suas decisões
julgamento. A idéia de que os Arianos eram uma raça superior e definitiva é prova de que ele já não
mais enxergava a realidade. Como os prisioneiros no mito da caverna, passou a ver um mundo
irreal, onde a luz do Sol, que permitia a visualização das sombras, era seu fanatismo.
Conseguiu, com seu discurso, levar uma nação inteira para dentro da caverna e, então, sua
influência estava semeada. As crianças deveriam começar a ver, também, o novo mundo. “Na

24
seleção dos materiais de ensino eles devem evitar as obras que 'contradizem os sentimentos alemães
ou paralisam as energias necessárias para auto-afirmação' e selecionar somente obras modernas que
'têm uma afinidade com o espírito da nova Alemanha'." (NOAKES & PRIDHAM, 1988). O povo,
por vontade própria, tornava-se prisioneiro. O holocausto teve início e a busca pelo espaço vital era
prioridade.
Contudo, o ex-cabo alemão, mesmo através das sombras, pôde combater os inimigos e se
estabelecer como herói para os outros habitantes da gruta. Seu fanatismo brilhava tão intensamente
que, em determinado momento, não havia mais sombras, apenas o ideal de mundo. Seguindo o
líder, o exército alemão entrou na Rússia. E lá puderam presenciar de volta o lado de fora da
caverna. As mortes e perdas faziam o povo virar a cabeça para o lado da entrada da caverna. O resto
do mundo tomou consciência de que a Alemanha não era invencível.
Hitler, por outro lado, só via a si mesmo na parede. E, convencido de que a vitória era
iminente, agarrava seus grilhões, enquanto os outros, aos poucos e duramente, se libertavam. Ao
presenciar a verdade do exterior, generais nazistas tentaram voltar e alertar seu Führer. Este, assim
como os presos que se recusavam a admitir outro tipo de existência, não se importou, e continuou
olhando para a parede de pedra. No entanto, quando os russos pisaram em Berlim, a luz do orgulho
nazista apagou. A realidade de Hitler se extinguiu e este, em desespero, se mata.

4.3 O acidente químico de Bophal

Nos anos 70, o governo indiano iniciou uma série de medidas políticas que visavam seu
crescimento econômico. Dentre essas medidas podemos destacar uma política de estímulo às
empresas estrangeiras para investimento na indústria local.
A Union Carbide Corporation (UCC) foi uma das empresas estrangeiras que se fixaram em
solo indiano, sendo responsável pela manufatura de um pesticida muito utilizado pelos países
asiáticos, o Servin. Como parte do acordo entre o governo indiano e a UCC, a maior parte dos
investimentos deveriam ser feitos pelos parceiros. Dessa forma, o governo indiano investiu apenas
22% na companhia subsidiária, a Union Carbide India Limited (UCIL).
Devido a sua posição privilegiada em relação a infraestrutura de transporte, Bophal foi
escolhida para a construção da planta. Entretanto, o local específico dentro da cidade onde a planta
foi construída estava destinada ao uso comercial e não para uso de indústrias tóxicas, sendo este o
primeiro equívoco tanto do governo indiano quanto da UCC e sua subsidiária indiana.
A planta foi aprovada inicialmente para produzir apenas pesticidas a partir de componentes
químicos, como o MIC (metil-isocianato), importados da matriz. Entretanto, a pressão competitiva

25
conduziu a UCIL a manufaturar a matéria-prima e os produtos intermediários para a formulação do
produto final dentro de uma mesma planta, o que além de ser mais perigoso também necessita de
uma maior tecnologia (BROUGHTON, 2005).

4.3.1 Os antecedentes

Em 1984, devido a diminuição da demanda, a UCIL produzia Servin a apenas um quarto de


sua capacidade total. Perdas na produção agrícola e a fome se espalharam pelo região da Índia nos
anos 80, reduzindo o capital dos agricultores para investimentos em pesticidas.
Diante de tal situação, os responsáveis pela subsidiária foram aconselhados a vendê-la o
mais rápido possível. A ausência de compradores fez com que a UCIL planejasse desmontar a
planta industrial e enviar o material já produzido para outro país em desenvolvimento. Todavia,
nesse meio período, a planta continuou a operar com procedimentos e equipamentos de segurança
bem abaixo dos padrões dos utilizados pela planta industrial irmã, localizada em West Virginia
(BROUGHTON, 2005).
Embora o governo local soubesse dos problemas, nenhuma atitude foi tomada pois, de
acordo com Shrivastava (1987), o mesmo estava reticente em colocar o lixo industrial em local
seguro e incomodar a empresa com controles de poluição, temendo os efeitos econômicos da perda
de um grande gerador de empregos.

4.3.2 O acidente

A maior parte da população de Bophal já dormia quando as 11:00 horas da noite de 2 de


dezembro de 1984 um operador da indústria identificou um pequeno vazamento do gás metil-
isocianato e o aumento de pressão dentro do tanque de estoque do mesmo. Um dos equipamentos
responsáveis pela neutralização do gás em caso de vazamentos havia sido desligado cerca de 3
semanas antes (SHRIVASTAVA, 1987).
Aparentemente, uma válvula defeituosa permitiu que 1 tonelada de água que deveria ser
utilizada para limpeza interna de tubulações tenha se misturado com 40 toneladas de MIC. Uma
unidade de refrigeração com aproximadamente 30 toneladas que normalmente serve para resfriar o
tanque de estoque de MIC havia sido drenada para uso em outra parte da indústria. Sem a
refrigeração, a pressão e o calor derivada da intensa reação exotérmica no tanque continuou a
aumentar.
Assim como os equipamentos responsáveis pela neutralização do gás, o sistema de

26
segurança que indica o vazamento de gás estava desligado a aproximadamente 3 meses. A
combinação de falta de um sistema de segurança com o descaso do responsáveis tornou o rotineiro
no maior dos desastres químicos da história (BROUGHTON, 2005). Aproximadamente a 1 hora da
manhã do dia 03 de dezembro de 1984 a válvula do tanque não suportou a pressão e liberou uma
nuvem mortal de gás MIC que, dentro de pouco horas, matou aproximadamente 3.800 pessoas
instantaneamente (MACKENZIE, 2002).
Em pouco tempo os hospitais estavam lotados de pacientes apresentando sintomas de
contaminação, entretanto, não se sabia exatamente qual gás estava envolvido no problema e quais
os seus sintomas e efeitos (BROUGHTON, 2005).

4.3.3 As consequências

De acordo com Sharma (2005), a estimativa de mortes nos primeiros dias decorrentes ao
acidente está acima de 10.000 pessoas, com cerca de 15.000 a 20.000 mortes prematuras nas duas
décadas seguintes. Além disso, o governo indiano afirma que aproximadamente meio milhão de
pessoas foram expostas ao gás (CASSELLS, 1996).
Por outro lado, Freitas et al. (1995) afirmam que o número oficial de mortes foi igual a
2.500, mas que estimativas extra oficiais variam entre 1.800 e 20.000, sendo que o número de
pessoas expostas e afetadas pela nuvem de gás varia entre 100.000 e 200.000. Destas,
aproximadamente 20.000 pessoas sofreram lesões permanentes nos pulmões. Além disso, foram
também diagnosticados, embora em número não determinado, efeitos oftalmológicos da exposição
ao gás MIC (VARMA & GUEST, 1993).
Mesmo diante de estimativas variáveis, Dhara & Dhara (2002) destacam que estes dados
estão sub-dimensionados devido ao fato de que muitos dos indivíduos expostos deixaram Bophal
após o acidente e não voltaram mais a cidade.

4.3.4 Responsabilização após o desastre

Imediatamente após o desastre, UCC iniciou suas tentativas de dissociar sua


responsabilidade pelo acidente. A principal tática adotada pela empresa foi culpar a UCIL,
defendendo a tese de que a planta foi totalmente construída e operada pela subsidiária (FORTUN,
2001).
Em março de 1985, o governo indiano elaborou o Bophal Gas Leak Disaster Act, como um
modo de garantir que os recompensas pelo acidente fossem atendidas de forma rápida e equiparável

27
aos danos provocados pelo acidente (BROUGHTON, 2005). Em julgamento realizado na Suprema
Corte Indiana, a UCC aceitou a responsabilização moral pelo acidente e uma multa de US$ 470
milhões a ser paga ao governo indiano (FORTUN, 2001).
Em outubro de 2003, de acordo com Relief Bophal Gas Tragedy e o Departamento de
reabilitação, as recompensas financeiras pelo desastre foram divididas entre 554.895 pessoas pelas
injúrias. A quantia média recebida pelos familiares de pessoas que morreram foi de US$ 2.200
(KUMAR, 2004).
A todo momento, UCC tenta manipular, obscurecer e desacreditar os dados científicos.
Ainda hoje, a empresa não sabe exatamente o que havia no gás tóxico que encobriu a cidade no dia
do acidente (Dhara & Dhara, 2002). Quando MIC é exposto a temperaturas de 200oC, a sua
degradação produz cianureto de hidrogênio, reconhecidamente o mais mortal dos gases. Haviam
claras evidências de que a temperatura no tanque chegou a este nível e a cor vermelho-cereja do
sangue e das vísceras das vítimas são características de envenenamento por este tipo de gás
(MANGLA, 1989).
Apesar da UCC ter deixado suas operações industriais em Bophal, a empresa não
descontaminou a área de forma adequada. A planta continua a vazar diversas substâncias químicas
tóxicas e metais pesados, os quais foram identificados em aquíferos locais (FORTUN, 2001).
Assim, o legado deixado pela UCC ainda permanecerá em Bophal e sua população por muitos anos.

4.4 O desastre nuclear de Chernobyl

O acidente nuclear de Chernobyl é, de longe, o mais famoso acidente industrial da história.


Existem muitas versões para as causas que levaram à explosão dos reator número 4 que, no
momento do acidente, ainda não havia sido inaugurado. Entretanto, poucas conseguem contemplar
as verdadeiras causas primordiais desse fatídico evento que é considerada por muitos estudiosos
como um dos primeiros eventos que levaram à queda do regime comunista da união Soviética.
A usina nuclear de Chernobyl está localizada em uma cidade originalmente conhecida como
Vladimir Lenin, ao norte da Ucrânia, então União Soviética. A aproximadamente 1,5 Km de
distância foi construída a cidade de Prypiat, residência de todos os funcionários da usina nuclear. Os
engenheiro nucleares possuíam fama e viviam em Prypiat em ótimas condições de vida,
contrastando com o conceito fundamental do comunismo, evidenciando que mesmo no país que deu
origem ao comunismo, ainda existia a luta entre classes.
Dentre as principais características dos eventos que levaram ao acidente, podemos citar a
falha no projeto do reator e a forte personalidade do engenheiro responsável pelo teste.

28
Os principais protagonistas do acidente são o engenheiro de controle sênior, Leonid
Toptunov, com 26 anos de idade naquela época, o engenheiro nuclear responsável pelo reator
nuclear naquele turno Alexander Akimov e o engenheiro-chefe Anatoliy Dyatlov, um dos principais
engenheiros nucleares da então União Soviética.
Em especial, Anatoliy Dyatlov foi um dos principais responsáveis por tal desastre. Dono de
uma personalidade forte, Anatoliy era filho de um pescador e fugiu de casa aos 14 anos de idade.
Além de engenheiro, Anatoliy fazia parte do Partido Comunista. Na época do acidente, sua imagem
estava comprometida no partido devido à sua arrogância e forma de tratamento dos demais
companheiros.
Na década de 60, Anatoliy trabalhava na Sibéria instalando reatores nucleares em
submarinos. Um acidente causado em um dos reatores foi atribuído a ele, mas Anatoliy não foi
acusado diretamente. Nesse acidente, Anatoliy recebeu uma dose de radiação de aproximadamente
200 rem5, o que equivale a cerca de 200 anos de exposição aceitável pelos padrões internacionais.
Pouco tempo depois do acidente, seu filho morreu de leucemia, o que aparentemente o tornou um
homem rude.
Em 16 de abril de 1986, Anatoliy era o responsável pela realização de um teste de segurança
no reator número 4. Como seu chefe estava em vias de ser promovido, um sucesso no teste poderia
promover sua ascensão no partido, o que lhe permitiria deixar a equipe de engenheiros.

4.4.1 Os antecedentes

De 1979 a 1986, a KGB já havia emitido vários documentos que avisavam que o projeto da
usina possuía falhas graves, mas todos foram ignorados pelas autoridades. Como o chefe dos
reatores de Chernobyl fazia parte do partido comunista, de modo a ganhar bónus no partido, as
obras foram aceleradas, deixando-se a segurança em segundo plano. Exemplo disso foi a construção
do teto do reator, o qual era para ter sido construído com material a prova de fogo, mas acabou
sendo construído com material inflamável.
As falhas no projeto deixavam o núcleo do reator muito instável quando este era operado a
baixas potências, pois era difícil controlar o nível de água. Alguns anos antes, um reator iraquiano
construído pela União Soviética havia sido destruído por um ataque aéreo israelense. Diante do
temor de que novos ataques fossem realizados sobre território soviético, o Comitê Estatal para uso
da Energia Atômica exigiu um teste de segurança em seus reatores nucleares. O teste deveria ser

5 REM: radiation equivalent for men. Antiga unidade de medida de dose. A dose letal para 50% de uma população
humana dentro de 30 dias é estimada em 450 rem (4,5 Sievert).

29
conduzido a uma potência entre 700 e 1000 MW6. Entretanto, Anatoliy deseja fazer o teste a
200 MW, de forma a preservar água utilizada no resfriamento do reator, contrariando as normas
oficiais.
Tal instabilidade do reator quando operado em baixas potências é decorrente do fato de que
o reator possuía um coeficiente vazio anormalmente elevado, o que significa que quando se formam
bolhas de vapor na água de resfriamento do núcleo, a reação nuclear em cadeia é acelerada. Ao
mesmo tempo, este coeficiente não era compensado por outros fatores quando o reator operava com
baixa potência.
Além disso, outra grande falha no projeto estava ligada às barras de controle. Essas barras
são responsáveis por capturar os nêutrons produzidos pelas reações nucleares em cadeia de forma a
aumentar ou diminuir a potência do reator. Quando tais barras estão totalmente alocadas entre as
barras contendo o combustível nuclear, elas capturam os nêutrons das reações nucleares, desligado
o reator.
As barras de controle do reator de Chernobyl possuíam sua extremidade feitas de grafite e o
restante do corpo da barra de um composto de carbono-boro, que é a parte responsável pela
absorção dos nêutrons. Entretanto, como o grafite é um moderador de nêutrons mais potente que o
boro, ele acabava por deslocar uma quantidades de água do núcleo, a qual é responsável pela sua
refrigeração. Em decorrência disso, ocorre um aumento na taxa de fissão nuclear logo que as barras
são inseridas no núcleo, ou seja, ao invés de diminuir a potência do reator, ocorre um aumento de
potência. Tal fato não era conhecido pelos operadores do reator e sua compreensão não é tão
intuitiva.

4.4.2 O acidente

Como mencionado anteriormente, o teste de segurança deveria ser realizado a uma potência
entre 700 e 1000 MW, mas Anatoliy insistia em realizá-lo a 200 MW, algo reconhecidamente
perigoso. Mesmo os engenheiros responsáveis pelo funcionamento do reator sendo contrários a uma
diminuição da potência a esses níveis, a hierarquia falou mais alto, pois todos temiam ser demitidos
e perder as excelentes condições de vida que tinham em Prypiat.
Inicialmente, ao ser baixada, a potência do reator caiu rápido demais, chegando até 0 MW.
Para aumentar a potência do reator, seria necessário remover as barras de controle, o que
praticamente impediria o seu controle. Entretanto, foi exatamente essa a ordem dada por Anatoliy

6 A unidade de medida de potência é o Watt (W). Aqui, temos o Mega Watt (MW), ou seja, 1 milhão de Watts de
potência.

30
aos engenheiros. Leonid Toptunov não aceitou as ordens de Anatoliy e foi substituído por outro
funcionário do reator, pois Anatoliy estava disposto a realizar o teste de qualquer forma naquela
noite. Assim que a potência foi restabelecida em 160 MW, o controle voltou para Leonid Toptunov,
sob a supervisão do operário que havia iniciado o aumento de potência do reator.
Ao voltar a 200 MW de potência, o engenheiro Alexander Akimov pede que Anatoliy assine
um termo de compromisso no qual se responsabilizava pelas mudanças de parâmetros nos testes.
Sua arrogância não lhe permite tal rebaixamento e Anatoliy não assina o documento.
A falta de água dispara várias vezes os alarmes de segurança, mas todos foram ignorados
pelos funcionários, que achavam que um acidente seria impossível, uma vez que os cálculos
apontavam para 1 chance em 10 milhões por ano de acontecer um acidente. Com as barras de
controle parcialmente dentro do núcleo do reator, a radiação concentrou-se na parte inferior do
mesmo, local onde os sensores de segurança não conseguiam monitorar com acurácia.
O teste consistia no desligamento da turbina principal. Assim que desligada, as turbinas de
segurança entrariam em funcionamento somente após 40 segundos. O teste desejava saber até que
ponto a turbina que estava desligada conseguiria manter os níveis de água no reator por meio de sua
inércia até o momento em que os geradores secundários entrassem em ação. Com o desligamento da
turbina, as bombas lançam menos água para o núcleo do reator. Forma-se uma quantidade maior de
vapor fazendo com que a potência do reator volte a subir. A pressão torna-se cada segundo maior, a
ponto de deslocar as tampas de 350 Kg dos canais de combustível.
Os engenheiros então acionaram o botão de emergência que deveria desligar por completo o
reator. As barras de controle começaram a descer e, ao penetrar no núcleo, aceleram a taxa de
fissão. A pressão interna foi tão elevada que rompeu os canais de combustível e barras de controle,
provocando uma explosão no núcleo do reator. Ao tentar compensar o estouro hidráulico, os
engenheiro promoveram uma segunda explosão no reator.

4.4.3 As consequências

Ao explodir, a tampa de 500 T foi destruída, permitindo a entrada do ar. Seguiu-se então a
formação de chamas no reator. Cerca de 50 t de combustível nuclear foram lançadas na atmosfera e
700 toneladas de grafite radioativo espalham-se pelo local (Discovery Channel Brasil, 2006).
O reator em chamas liberou substâncias radioativas na forma de gases, vapores, aerosóis por
10 dias na atmosfera. As condições climáticas, como o vento, favoreceram a dispersão dessas
substâncias radioativas por toda a Europa, principalmente sobre Belarus, Ucrânia e Rússia. Estima-
se que 20% das emissões radioativas ocorreram além da Europa (De Cort et al., 1998).

31
Logo após o acidente foram envolvidos cerca de 350.000 trabalhadores entre médicos,
enfermeiros, policiais, bombeiros, exército e funcionários da própria usina, cuja funções eram
conter o vazamento radioativo e limpar o local. Tempos depois esse número já superava os 600.000
(UNSCEAR, 2000).
Durante a primavera e o verão de 1986, cerca de 116.000 pessoas foram evacuadas das
imediações da Central Nuclear de Chernobyl para regiões que não haviam sido contaminadas pela
nuvem radioativa, região esta conhecida como “Zona de Exclusão”. Os anos seguintes foram
testemunhas da realocação de outras 220.000 pessoas (BALONOV, 2007).
Em relação ao número de óbitos, é difícil determinar com precisão a sua quantidade, uma
vez que os efeitos da radiação podem ser tardios, como alguns tipos de câncer, o que muitas vezes
não permite identificar suas reais causas. De acordo com o relatório oficial a ONU (2005), 56
pessoas morreram no desastre, sendo que deste total, 47 eram trabalhadores da usina e 9 eram
crianças. A ONU estima ainda que mais 4.000 pessoas morrerão de câncer devido a exposição à
doses muito altas de radiação. Por outro lado, órgãos não oficiais, como o Greenpeace, alegam que
o número de mortos superou os 140.000 (GREENPEACE, 2006).

32
5. CONCLUSÃO

O Mito da Caverna propõe uma reflexão mais aprofundada sobre a realidade, a qual somente
poderá ser compreendida em sua plenitude por meio do uso da razão.
Todos os eventos descritos no presentes trabalho compartilham alguns fatores em comum: a
falta de planejamento coerente com sua atividade, a arrogância dos seus principais personagens,
além de ambições pessoais. Seus principais personagens encontram-se, de uma forma ou de outra,
acorrentados em sua própria caverna fazendo dela sua realidade. O egocentrismo e a arrogância
impedem sua saída da mesma, como pode ser notado pelo fato de que Hitler, Anatoliy e outros
tenham ignorado as advertências apresentadas pelos seus colaboradores. O egocentrismo, somado
às aspirações pessoais, impedem percepção da realidade que os cerca, o que contribui para que
perigos iminentes passem a se tornar fatos reais. As consequências desses fatos envolvem não
somente os responsáveis pelo desencadeamento dos eventos, mas traz consigo uma grande
quantidade de pessoas inocentes.
Dessa forma, podemos desenvolver a ideia de Cavernas Pessoais, como a Caverna Romana,
a Caverna de Hitler, a Caverna de Anatoliy e a Caverna dos Dirigentes da UCC/UCIL. Em especial,
Hitler entrou em sua caverna e fez dela sua realidade quando entrou na prisão e por lá ficou durante
8 meses. A sua realidade tornou-se a realidade de toda uma população, evidenciando a interpretação
política do Mito da Caverna de Platão.
No contexto empresarial e político atual, o conhecimento do Mito da Caverna e seu emprego
em situações que exigem uma percepção mais abrange da realidade assumem um novo significado.
Embora o conhecimento humano tenha evoluído demasiadamente desde os tempos de Platão, o
emprego dos mesmos ainda é realizado de forma imprudente por uma grande parcela dos
empresários e políticos atuais. O desenvolvimento e o reconhecimento da filosofia como ferramenta
de análise aprimorada na tomada de decisões torna-se, portanto, um importante mecanismo para o
desenvolvimento de uma sociedade mais justa, segura e evoluída.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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