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CONSELHO EDITORIAL: ‘Antunes Fho/Juce de Oliveira Sho Medagla/Zaza Homem de Mello. Obras: ~ CHEKHOV, m Para 0 Ator = LOVELOCK, w. Histérla Coneisa da MGsica ~"BOURCIER, P. Histia da'Danga no Ocidente = KERNAN, J Musteologia — FRANCIS, A daze — BETTON, 6. Estdtien do: Cinema = HOLST ‘ABC da Msien — STANISLAUSKT, c. Manual do Ator = BAZIN, & (0 Cinema da Crveldade — CHION, M. O Roteico de Cis Prdximos langamentor = KAROLYI, 0. Inwodueso & Méstea ~~ DART, T Tnterpretacio da Mésfea ~ BOURNIQUEL, C. Chopin | | | 0 ROTEIRO DE CINEMA MICHEL CHION ‘Titulo orginal: ECRIRE UN SCENARIO opycght'© Canles di Cinta (Copyrisht @ Livraria Martins Fontes Exitora Lda, para eta tadugto 1 edit braslta:outbeo de 1989, Tradusto: Bauardo Brandio eviso de tredugdo: Monica Stel MA da Siva ‘Reubio tenleae Alvaro de Moye Revisiotipordfiea: Coordeasgo de Mauricio B. Leal Produgdo arifica: Geraldo Alves Composida: Oxwalda Voivodie Adore L. da Siva Arte final: Mossi K. Massiaki (Copa ~ Projeto: Alesandse Martine Fontes matte as Todos os direitos para a lingua portuguesa reservados & LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA. ‘Rus Consetneico Ramalho, 330/340 ~ Teh 253.367) 01325 — $20 Paulo SP — Brasil Pare Alain Zagaroli Indice Apresentacio Primeira parte As obras-primas também tém roteiros I. Pauline a la plage, 1983 .. ae 4, Estamos na Normandia,&beirwmer, Ove. "io chega 20 fin. (inopse) 9 2. Uma estrutura depuradan 1 3. O roweiro cena por cena, 8 WLU aventura na Martinica, 1944... 1. Estamos em Fortderanee em Bid Tanieaadminisagiode Vy ose mas 2. As‘Stcsdader de una adpiagio, 26 3. Oreo cena por cena 38 TIL O testamento do Doutor Mabuse, 1933 41, Estamos em Berlim, Alemanha, no info. os anos 30. (inopee), 43 2. O eterna foihetim, 43 3. O roteizo cena por cena, 53 IV. Sansho Dayu, 1955... 1. No século 21, no Fapio, quand o homens ‘ainda ignorava seu proprio vale. nop. 50) 68 25 45 69 2. A quintesséncia do melodrama, 71 3. O toteiro cena por cena, 74 Segunda parte © roteirista também tem as suas técnicas 'V. O tabuleiro e as pegas (os elginéntos do roteiro) 87 SL. inte ewarnagio 7 2! Unidade, 89 3. Iraportante, essencial (0 que 62, 91 3 Selindare Gatnga) 50 5. Aga0, 96 8. Petseguizdes, 97 1. Pensatmentos das personagens, 99 a2 pitloge tor suseaaanes 9. Sulbentendio, cumplicidads, aus, “un derstatement’, 167 10; Mentiras, 108 11. Nomes, 109 12, Peesonagem, 113, 13) Mutheces, 121 1. Grupo, 123 15. Acessério, 126 16. Tempo, 130 17. Dias noite, 136 18. Montagemseacencia, 139 19, Lagares, 140 VIO que movimenta as personagéns (e tapela os espectadores)? Le Kdentificagio, M5 ‘Temer, 9 Piedad, 150 ‘Mudanga do sort, 152 Recoahecimento, 153 Equlvoco, malentendido, quiproqus, 155, 145 7. Divide, 358 8: Condi social, 159 5: Morais (valores, 161 10. Pertucbaeso, 163 EL Dificuldades, 165 12, Objetivo, 166 13. Intec, vemades, 179 ‘VIL As partes e os tempos fortes do roteiro.... 17 vor. Progressio continua (le da, {77 Climax, 179| Genas'¢ sequéncias, 181 ‘Atos (us) 183 185 Desfecho, 191 "Happy end” Gina Felo, 195 Golpe teatral, 197 ‘Flashback, 199 Os procedimentos de narragio 1, Dramatizagéo, 206 2 Ponto de vista, 207 3. Informapses, 210 4 Blisdo, elipse, paralipse, 216 5. Suspentelsurpresa, 219, é 7 ® 5 a. I 2, Previsto, 220 Implants, 223, Pista flea, 25 Caracterizagio, 226 Contrast, 229" Respiragio, deseanso, 231 Fermata, 22 13. Repetigio, 34 A Piada tepetitiva (“running gag’), 235 IX. Os erros de roteiro (para melhor cometé-los) 239 1. Como & que se sabe?, 260 2. Conversa (sensaeso de ter sido Tevado ta), 241 3. Fragmentagto, 242 3° Colpelaneia, 243 5. Desfechoroqueass do), 244 6. Desvio, 246 7. Explieatvo (Qislogo), 247 8. Implantes fleos, 248 5° Inverossimilhanga, 249 10 Miotiee, 250 Hi Pobre do hai, 251 12, Indolénca, estagnagéo, 252 13, Personagns (efeitos na utlinago das), 253 14, O que e impede de 2, 254 415. Telegrafado(eeito), 235 46. Buraeo, 257 Terceira parte X.As formas de apresentagio do roteir nnn 263 1. Lia, histor 2. Sinopse, 264 3 "Outline 265, 4 Tratamento, 266 5 é 7 Continuidade dislogads, 267 ecurager enien 266 “Storyboard”, 289 Bibliografia sumatia an ‘4. Prinipais obras ct 8. Outtos manuals de rote, 278 ¢! Numeros expels de revista e jomais,278 4. Coletineas de entrevstas com recs, 28 : e.Obras sobre os problemas de sdaptagao, 279 f. Obras sabres problemes da narrative, 279 f. Roteitos publicados, 2800 = Indice dos filmes €itad08 wecereoununinnnne 283 Apresentagio Em 1983, Bénédicte Puppinck, do INA, propunhs- xnos contribuir para sta pesquisa com vistas a eriar um ‘curso de roteiro, que comegou a partir de entéo. Nos ‘2 contribuigdo pessoal, gragas & sua confianga, deu ori gem a este livro. Na Franca, esse curso constitui uma relativa novi- dade, Muitos dizem que roteiro nao se ensina,e tém re Zo... em principio. Os bons roteiros ndo stirgem por ‘geragio espontanea; em geral, nascem de certo dom! nio do oficio, ou da intuicdo de certas leis, que 0 rote rista decide’ respeitar ou ignorar, Esse oficio, essa {nauiggo, adquiremse em grande parte com a experién cia e um pouco através do estuido. E para esse esiudo que o presente trabalho pretende contribu. No ingeio, tratavase simplesmente de esmiugar al- guns manuais anglo-saxdes, obras cuja ambicdo extre- ‘mamente prética (‘como escrever seu roteiro em vinte ligdes") suscita nos franceses aquele misto de fascinio ¢ ironia caracteristico de sua relagéo com a cultura americana. A lista desses manuais, finalmente limita. daa sete titulos, é fornecida no inicio da segunda par- te; sao obras bastante citadas neste livro e analisadas uma a uma na bibliografia. Devemos muito a elas — embora este trabalho tenha-se ampliado depois, com o acréscimo de observacdes mais pessoais, pesquisas mais 2 O roteiro de cinema abrangentes, além do estudo de quatro roteiros de fil ‘mes clissicos, tomados como modelos vivos ¢ reserva trios de exemplos. ‘Tinhatnos, de inicio, ume opinigo preconcebida so- bre o tema, e a mantivemos até o fim. Por que no? B 86 dizélo. Essa opinido era de que as historias, decid damente, S20 sempre as mesmas. Ha quem se afija com isso. Quanto a nés, alegramo-nos ao ver ai o sinal de ‘uma coesio da experiéncia humana através do espaco| € do tempa, Como as criancas, gostamos das historias repetidas, e quase chegarfamos a negar a possibilida- de de “historias navas”,,mesmo.que com as mais no- vas técnicas (pois, se fosse assim, o desenho animado nos teria trazido essas historias novas ha muito tem- po). Em compensacio, indefinidamente aberta ¢ reno vavel 6 @ arte da narragdo, a arte do conto, da qual a arte do roteirista é apenas uma aplicagio particular, pensada para o cinema. Por isso nao hesitamos em propor a.aspirantes ou aprendizes de roteiristas quatro filmes de diferentes épocas do cinema e de quatro paises bem diferentes: Franca, Estados Unidos, Alemanha e Japio— Das Tes: tament’ des Dr. Mabuse (0 testamento do Doutor Ma- use), de 1933; To Have and Have not (Uma aventura nna Martinica), de 1944; Sansho Dayt (sem titulo brasi- leiro), de 1955; e Pauline @ fa plage (sem titulo brasile- 10), de 1983. Achamos que so exemplos atuais e vivos, inclusive quanto a seus erros, suas irregularidades ¢ as vicissitudes da sua génese. Séo.estudados no todo e-em detalhe, quanto a seus grandes temas e seus pe- ‘quenos procedimentos. De fato, toda narragdo repousa ndo em idéie, mas em macetes, em procedimentos praticos — dat o,cars ter de colcha de retalhos que urh manual como este nfo pode deixar de ter (¢ acaso um tratado de composigao| ‘musical € mais do que um mosaico de usos & procedi Apresentagio 3 mentos?), $6 quando um roteiro funciona mum filme, fem que ele vive e respira, ¢ que 0 procedimento tora: se expresso, poesia. Ndo importa, entéo, que a princi- pio ele tenha sido apenas um recheio dramatico, ou um estratagema inconfessdvel de narracdo. Os mais belos achados dos poetas as veres também nascem ligados A necessidade de encontrar a rima, ou de reunir 0 mi- mero certo de pés. Por isso este livro nao é hierarduic co, recusando se a separarmacetes modestos de idéias gerais, ‘Do mesmo modo, ele evita ser normativo e preten- de lembrar, ao lado da forea dos bons modelos, a se- cdugdo do mau exemplo, a tranaiiladisplictncia de Una aventura na Martinica ow o frenesi folhetinesco de O testamento do Doutor Mabuse. Nao ha milagre, porérn: esses dois filmes puseram a servigo das suas “irregue lridades” e de seus “defeitos” o trunfo de um profis- sionalismo irrepreensivel — para néo dizer mais — em 5: atores, diresAo, etc. Alguns talver se espantardo por néo encontrarem neste livro conselhos para vender um roteiro. E que nao acreditamos nisso: na Fravic, o roteiro é apenas um ele- mento etre outros endo necesaramente mas im sortante — na decisao de fazer om filme. De que serve, Entfo, um ivr como este? Ele smplesinentesjuda ctiar rotetros melhores. Querem nos fazer crer que es- 3e6 roteiros melhores sejam ipso facto mais féceis de serem vendidos, 0 que comprovaria uma justica ima- nente, que todavia néo corresponcle a realidade. Os filmes que obtém os maiores. sucessos nfo tém, necessariamente, bons roteiros. H& mesmo alguns cujo roteiro ¢ particularmente desinteressante e desleixado. Bsses filmes conquistam o puiblico gracas a presenca cde um ator, ao aspecto “empolgante” de um tema, & qua- lidade do ritmo, da diregao, a0 frescor de um look. Tal: vez, mais tarde, revélos no seja to apaixonante quanto 4 0 roteiro de cinema rever outros filmes mais bem “escritos” — mas, por en- quanto, eles dio certo. E por isso que somos céticos quarto’ propalada “desnanda’” de bons roteiros no ci- zema francés, pelo menos por parte dos produtores, ¢ mesmo dos diretores. No entanto, como todos sentem ‘uma Zacuna nessa dea, foi possvel o surgimento a publicacao, ao lado de outros. ica, entso, a adverténcia: este manual é vendido sem a garantia de “roteiro aceito ou dinheiro do livro devolvido" Nao ha roteiro qué se possa fazer de ante- fo para agradar aos produtores ou a uma comisséo —o que, em certo sentido, € até trangiilizador. Falla fomecer o modo de usar desia obra, dividi- dda em duas partes principais Ela comera com o estudo de quatro filmes ditos eléssicos, mas que, para nés, sio antes de mais nada representativos de quatro tipos de roteiros tipicos. ~Pauline @ la plage, escrito e dirigido por Eric Rohmer, é uma comédia sentimental eve, de estrutura muito pura: tr8s mogas, 8s rapazes, as férias, e nada além de questées sentimentais “Através do caso de Una aventura na Martinica, com diregao de Howard Hawks e roteiro de Jules Ferthman ¢ William Faulkner, bascado mum romance ée Emest Hemingway, podemos reconhecer, por usr: lado, pers0- nagens tipicas do cinema romanesco kollywoodiano, € por outro certos problemas comuns a todas as adapt bes de livros. O testamento do Doutor Mabuse, dirigido por Fritz Lang, com roteiro dele mesmo e de Thea von Harbou, tipieo rote de "ances com cnasfregmeniaas, personagens esbogados de maneira bastante suméria (mais representando ideias: 0 Mal, a Lel), baseado na curnulagto das peripécas: perséguigbes, aposentos se- cretos, maquinas infernais, desaparecimentos,&s vezes em detrimento da Logica, Apresentiacao 5 , Sansho Day, apesar de ser um filme apo s de 1955, representa, em nossa opinigo, a esséncia mais pura do melodrama, 20 mais belo sentido do ter- mo. Seria preciso, no caso desta pelicula, esquecer to- do exotismo para conseguir nela encontrar néo $3 ‘motivos universais, mas também um belissimo exem lo de mestria drsingtca, um filme de Keni Mizo guchi, com roteiro de Yoshigata Yoda (revisto depois pelo diretor), baseadio numa novela de Ogai Mori Para cada um desses filmes, fornecemos primeiro um resumo rapido da historia (Sinopse), depos um es: ‘tudo ao mesino tempo histérico e analitica, que desta- ca seu interesse para o aprendizado do roteiro e conta a sua génese (ambém interessante, pois a maioria dos roteiros sofrem modificagées, submetendo-se a impo: sigdes especificas) Enfim, para os que desejam estuds- Jos mais de perto, fornecemos um resumo detalhado, espécie de “tratamento”, no sentido americano, com 2 lista das cenas, das personagens, etc. Esclarecemos que Of textos das sinpses e dos tratamentos sto de ato ria e responsabilidade nossa, nao sendo recopiados de textos preexistentes. Sua redacgo levou-nos @ entren- tar o dificil problema de restnir um filme, em inhas gerais ou mais detalhadamente. Exercicio dificil ein- teressante, que propomos a qualquer pessoa que dese- Jesse aperleigoar na técnica do roteiro,¢ tentar resumix em algumas pginas um filme que viu e confrontar se trabalho com o de outras pessoas, sobre o mesmo ob- Jeto, A experiéncia é muito enriquecedora ___ Asegunda parte, O roteirista também fem as suas ‘écnicas, corresponde a forma mais classica do manual americana, com as grandes leis, os procedimentos, os ° conselhos, os exemplos, extraidos prineipalmente dos quatro filmes de referéicia, mas também de Vérios ou- tos. Nunca sera demais relembrar 0 cardter relativo € meramente indicativo desses procedimentos e leis. 6 0 roteiro de cinema Enfim, uma terceira parte, constitufda de um ca- pitulo tinico, descreve as formas de apresentagio do ro- teiro utilizadas com maior freqtiéncia. Nao é proibido conceber putras! Resta‘nos, agora, agradecer a ajuda preciosa de to- dos os que nos permitimos citar, mais particularmen- te a Bénédicte Puppinck e Danielle Jaeggi, a primeira por ter suscitado e apoiado esta obra, a segunda por té/a beneficiado com seu trabalho de documentagao pessoal, ealizado por ocasifo de sua tese de Teresi 10 de outubro de 1985 ‘Michel Chion ‘OBSERVACKO: Na segunda parte desta obra, tomames ini. 1meras referdnclas de sels manuais de roteiro anglo-randes, que ‘Sto anulisados, além disso, na bibliografla Para nao tomar o texto pesado, esses Sis livros so designados pelo nome do autor em naldsculas Asim, VALE rematea Te Technigae of Sereenplay- ‘writing, de Bugene Vale; HERMAN, 20 Practical Manual of Soeer- writing, de Lewis Herman; SWAIN, a Fllve Seript Writing, de Dwight V. Swain; NASH OAKEY, a The Screamwiter’s Handbook, de Constance Nash e Virginia Oakey; FIELD, « Screenplay, the Foundations of Screenwriting, de Sidney Field enfim, STEMPEL, a Sereenvoriting, de Tom Stampa. Por outro lado, SALE remet® livro de entrevietas de Christian Sale, Lee scéiaistes au tr ‘ail vera bibiogratia) ‘Eguivalente ao doutoredo (N. Primeira parte As obras-primas também tém roteiros 1. Pauline a Ja plage, 1983 Um filme de Eric Rohmer Roteiro original: Eric Rohmer {terceiro filme da série “Comédies et proverbes") Produgio: Les Films du Losange, les Films Ariane, Paris, Franca Duragao: 1 hh 34 1. Estamos na Normandia, a beira-mar. 0 verdo chega ao fim... (sinopse) Estamos na Normandia, perto do mar. O verao che- 0 ao fim. MARION, esilista (Arielle Dombasle uma be- 1a loura, ¢ sua prima PAULINE (Amanda Langiet) uma moreninha que ainda esté no secundaria, chegam a sua casa de praia, onde se instalam. Na praia Marion encontra um “vetho amigo", PIERRE (Pascal Greggory), mas trava conhecimento, ao ‘mesmo tempo, com HENRI, um ‘einélogo” (Fédor Atkine) Pierre propée a Marion e Pauline praticaremt ‘windsurf; Henri convida todos para jantar na‘easa dele Durante 0 jantar, os dois rapazes e as duuas mogas falam de suas respectivas concepedes do amor: livre e némade para Henn, pai divorciado; sibito e reatproco, conto uria paixao repentina, para Marion, gue estd se ivorciande e que fala, em termas preciosos, das "fogos" que pretende acender; profundo ¢ duradouro, baseado na familiaridade, para Pierre, que vive $6; por firm, re- fletido e cireunspecto para Pauline, ainda riuito jovern. ‘Na mesma noite, durante um baile, Marion repele Pierre, que hd muito tempo esté apaizonado por ela, e 10 O roteiro de cinema danea com Henri, com quem vai para casa e passa.a noi- te, Pierre ficard com um citime sombrio, tanto mais que Marion sedis apaizonada por Henri por quam se oré foucamente amada. Pauline conhece, pouco depois, unt rapaz da sua ida de, SYLVAIN (Simon de la Brosse) com quem flerta sem maiores compromissos, Marion critica a escotha da prima. Certo dia, quando Pauline e Marion saem para um passeio, Henri aproveita para tomar banho de mar com tuna vendedora dle balas, LOUISETTE (Rosette) que dera em cima dele. Levaa para casa, bem como a Sylvain, {que participara do banko de mar. 0 carro de Marion chegara intempestivamente Sylvain mal tem tempo de avisar Henri e Louisette, que esto fazendo armor no primeiro andar. Henri dd um jei- to, entéo, para Marion acreditar que Louisette estava fazendo amor com Sylvain. Este tltimo se presta passi- yamente ao jogo, ¢ Louisette também. ‘No entanto, antes da chegada de Marion, ao passar pela casa, Pierre entrovira, por wma janela, Louisette divertindo-se nua com um homem... gue, logicamente, pensou ser Henri : ‘Quando ele conta isso a Marion, ela sorri e the diz 0 que aoredita ser a verdade, ou seja, que ndo era Her ri, eva Sylvain. Pauiline estranha a auséncia de Sylvain. Pierre, que ndo quer vé-la triste por causa de wm injiel, contathe a histéria de Sylvain e Louisette (que Henri e Marion tinham evitada the contar), Magoada, Pauline procura Marion e Henri para confirmarem a historia, e estes cen: ‘suram Pierre por ter contado. Por sua ver, Sylvain, tendo ciéncia de que Pauline “soube", zanga-se com Henri,.que 0 tinha usado. Este diz que'no dia seguinte contaré tudo. ‘Mas Pierre fica sabendo da verdade através de Loui- - Pauline a la plage u sette. Ele ndo se havia enganado: era Henri mesmo que estava com a Vendedora. Entdo, conta para Pauiline, Marion tem de se ausentar por wm dia, ¢ 08 outros — Henri, Pierre, Sylvain e Pauline — aproveitam a oca: sido para um confronto geral ema casa de Henri. Paul ne, mesmo sabendo de tudo, permanece fra com Sylvain, ‘a quem censura porter se prestado aquele papel. Sylvain se aborrece com Pierre por ele ter falado e chegam a brigar. ‘Anoitinha se separam, mais calmos, ¢ Pauline pre- fore dormir em casa de Henri enquanto espera a volia de Marion, no dia seguinte. “Henri é convidado para wm onuzeiro de barco ¢ apro- veita para abandonar Marion sem tomar a vésa. Antes, Ientara a sorte com Pauline, sem compromisso, revelan- do.0 que achava de Marion: bonita, de fato, porént per- feita demais, e cairathe nos bracos muito depressa. Marion e Pauline tornam a se encontrar sds e deci- dem voltar para Paris antes do que fora programado, Marion talver tenha divides quanto a Henri, pois pro- poe que cada uma acredite no que quiser, embora isso Seja contraditério — Pauline, que a vendedora estava com Henri; ela, Marion, o que ela continua achando ver: dade, isto 6 que ela estava com Sylvain. “Tudo be”, responde Pauline, que nao desmente Marion. E as pri- ‘mas se vio da casa de. praia. 2, Uma estrutura depurada... primeiro filme abordado neste livro é a obra de ‘um auiordiretor. Eric Rohmer, que assinou os rotei- ros de quase todas as suas obras. Mas Rohmer insiste no fato de que, na maior parte das vezes, ele os escre- ‘yeu de inicio conto histéias isto é,utlizaveis tanto para 12 O roteiro de cinema uum romance como para um fin anteméo para a tela. ‘No entanto, veremos que o roteiro de Pauline @ la lage & ura trabalho séiido, bem estruturado, que ver ce as diffculdades especificas do roteiro cinematogré- fico: 2 conducéo da narrativa, a apresentagio das personagens, 0 jogo dos mal-entendidos e das peripé Clas, a concentracto da acdo num tempo limitado e nu ma forme circular, a consideracio da impossibilidade de exprimir diretamente os pensamentos das persona: gens... em todos esses aspectos, Rohmer revela-se um roteirista superior! Dos quatro roteiros que nos seryem de referéncia, Pauline & la plage & 0 tnico que se apéia exclusivamen- te n0 mével psicol6gico e sentimental. Todas as perso- nagens, salvo a "Vendedora” (Louisette), esto de férias; no esto trabalhando, so mais ou menos da mesma classe (salvo, mais uma vez, a Vendedora), isto é, nfo tem grandes preocupagées de subsisténcia e nenhum obstéculo extero — material, metereol6gico, social ou fisico Coens, acidnte) — vem contrarar seus dese- {jos ou fazé-los eclodir. Bde seu proprio amago; de seu ‘aréter ¢ da sua personalidade que essas pessoas, jo- vyens e menos jovens, extraem a matéria e os méveis d& ‘histéria que vivem. Acestrutura de Pauline a la plage ¢ muito depura- da: no ha nenhuma personager initil, nem mesmo se- cundéria, Temos trés mocas (Marion, Pauline Louisette, a Vendedora) e tr rapazes (Pierre, Henrie Sylvain), 0s seis “livres” sob o plano sentimental, fami- liar e sexual: um divorciado (Henri), uma se divorcian- do (Marion), os outros quatro solteiros. Portanto, sio possiveis muitas combinages. stra escotha muito precisa é a da faixa etéri além da personagem fugidia da filhinha de Henri, cuja ‘presenga se destina sobretudo a definiro retrato social 1, sem concebé las de ‘Pauline @ la plage 13 ¢ familiar do pai, nossos herbis sto teenagers (Pauline, Sylvain) ou jovers adultos (Marion, Henri, Louisette ¢ Pierre), algo immaturos, ali. Essas duas faixas etézias tém a mesma linguagem ¢ preocupagoes bastante pro ximas; sdo pessoas que podem se associar formando ca- sais, sem parecer incesto... Nao ha quadragenarios estabelecidos ou personagens idosas; hé uma mesma ‘deologia do amor livre. Veremos que, ainda assim, a diferenca de geragao tem uma certa importéncia no filme. Ahistoria ¢ a éstrutura de Pauline inserevemse nu- mma certa tradigao chamada “teatral” (Marivaux, Mus- set), em que @ grande questdo decidir quem vai se amar ou ni se amar. O paralelismo dos casais Hen- H/Marion ¢ PaulinelSyivain, 0 segundo mostrado como ‘uma “imitacao” do primeiro —formada mais tarde — ¢appresenga de uma personagem “popular”, comparé- vel, quanto & sua estilizagao e a gua linguagem conven- cionalmente “popular”, ‘a uma “criada de Moliere” (Rohmer déxif, vem fortalecer essa referencia teatral. Mas a originalidade da técnica roteiristica de Eric Rohmer, para nfo falar da sua tematica, jé reside na recusa dos habituais “recheios” cinematografiéds e no desprezo dos “jogos de cena” que server, nos filmes, para preencher as cenas de conversa. No cinema, freqiientemente as personagens s6 fa Jam enquanto execuiam agées mais ou menos titeis, co- mo abrir uma jenela, beber, fumar, tocar piano, éirgir, cuja funcdo ¢ servir de “suporte” para a palavra e dar as cenas um caréter pretensamente cinematogratico. Em Pauiline, 20 contrétio, enquanto as personagens con versam —¢ esta é sua principal atividade —, elas no fazem mais nada, no méximo se acariciam ou se bejam! ‘A outra originalidade do roteiro esta ligada a pri- meiza, ot seja, a palavra nao é dissimulada, suavizada, evitada por ser anticinematogréafica; ao contrério, ela oy 0 roteiro de cinema se faz muito presente, pesada até, as personagens fa- zem verdadeiras profissbes de fé e declaracées de prin- Cipio. Mas a0 mesino tempo somos levados a questionar a validade do discurso delas, a ter em mente que nfo deveros obrigatotiamente Ihe dar crédito, que as per sonagens podem mentir para si proprias e que seu per samento nao corresponde inteiramente & sua palavra, se & que elas pensam mesmo. (O que as personagens se dizem, o préprio fato de elas se dizerem alguma coisa, torna-se o motor da his- tia, gio nfo na medida ém que digam a verdad, “sua” verdade, ou mentiras, mas independentemen te de dizerem ou nao a verdade. Em tal cinema, o dua- lismo ou a alternancia palavralacdo, presente em outros filmes (as personagens falam, depois agem,; ou eno fa Jam e agem paralelamente), € superado em favor de uma utilieaedo da palavra conto agao. Pauline & la plage pertence a uma série “aberta” de filmes, que Eric Rohmer intitulou globalmente de “"Comnédies et proverbes” (Comédias e Provérbios). 0 provérbio enfocado por este filme foi tomado de Chre- tien de Troyes: Qui trop parole, il se mesfait ("Quer fa- la demais mal se faz"). Como 0 proprio Rohmer esclarece, enquanto na série precedente dos scis “Con- +08 motais" o ponto de vista da narrativa era o angulo privilegiado do herbi masculino, em "Comédias e pro- vérbios” (portanto em Pauline) esse ponto de vista é dis Turloso com Baldy, Johnson faz mengéo de bater nel, quando Harry intervém e aieagaJogar’s cliente no mas, Resolvem voltar a0 porto depos da infeliz pescaria, 4, HARRY, JOHNSON (ext, Port, dia) Pela cena precedente, eamos sabendo que Johnson jé dove dss sentanas de alageel 2 Hay “Enquanto os dois homens camiahern na rua que Beira 0 cais, um pequeno incidente entre Johnson e amt guard civil do regime de Vichy (que acredtou er ouvido palavras ofensivas de Johnson contra as autoridades)nos fe telcos Brag contetoinrco Enea aeaio qu cnsinamos que Harry se recusa a tomar partido na guerra e sé ques Guidar dos seus interesses 5. HARRY, JOHNSON, GERARD (apelidado de FRENCHY), MARIE BROWNING (nt. CafeHotel Marguas, nate) Harry entra no Cafe Hotel Margi, onde mora O pro pritirio do hotel, oresistente francés GERARD, algo Uma aventura na Martinica 37 FRENCHY (Marcel Dali), pede urs favor a Harry empres. tar seu batco, contra dishdir, para uma operagto ce stra vessamento clandestino, Harry recusaava'e tte aqui ‘Ness interim, Johnson dssea Hany que nfo take seirosulicente eprometeu passar no baoto no da suse te-de manhd, para pagar sua dvida ances de r embers Apatece na ports do quarto de Harry una jovem chia desi, MARIE BROWNING (Lauren Bacall) procura deck 487708 Sabemos, por intermédio de Gerard que cla chegot 4 FortdeFrance naquele dia, de avian, e quest hosp da no quarto 2 lado do quasto de Mase 6, HARRY, MARIE, JOHNSON, GERARD, CRICKET (int. Ba, noite) ‘No bar do hotel, uma orquestradirigida pelo pianista CRICKET (Hoagy Carmichael toca para es numeroens Se ‘guess. Harry estd atento a Marie, por quem se intercage eee Va fntar com Joon ante Quando ela sui da sala, ele a segue, porgue perecbeu sua {aia sabe que ola Sica act aeons, Guan Jncercepia Marie, ela comega por megan, mas depots confessa. Harry Ihe diz que Tohnsoa¢ seu cienioe he Gove iro, e que s6 por iss0 nfo quer que ela o rou (Mas; abtindo a carteira que Mare Ihe devolve Harry desdbbre muito dinheiro, bem como chequss de vag tuna passage para o prime wood mai ogee va iefutavel de que Johnson queria trapecedos 1. HARRY, MARIE, GERARD, Resistentes, EDDY, RENARD (int. Cofetotl note) Mais uma vez, dlante de Marie (que, com isso, fice a par do segredo), Harry &chamado porta de seu quarto por re sistentes que querem comprar seus sevigos, Mais rhs ve, ele recusaodinhelro, Bddy aparece faz so grapo sa po, gunta sobre a abelha morta, A resposta media de Mace {E vocd? deixao encantado,¢ ele logo adota & mega Depois, Harry sai com Matie para encontrar Jason, Deixa seu cliente confuso, fazendo com que a macs Ihe ge volva a carters, pois Johson percebe que cle sabe deft do, Mas Harry no procura se anger: sitmplestneate obra 38 0 roteiro de cinema Johnson a assingr na hora uma quanti em cheques de vie em correspondente a divide. i Ness memento xoua pa olen exeramuga tue jovens gaullists‘e as autoridades. Harry e Marie se pro. tegem. Depots do incident eda troca de ros descobre-se na bar do hotel o corpo de Johnson, morto por uma bala perdi, Elemso teve tempo de assinar os cheques antes de ‘Bore Revista Jobson, Hare peas oo dno gue consegue encontrar na earteira do motto Chega entéo um comissirio do regime de Viehy, um gor do silico e fro chamado RENARD (Dan Seymour) que vern acompantiado de sens homens. Fle ordena a Harry, Marie © Gérard que o acompanhem até a delegacia, como teste ‘muna 8. HARRY, MARIE, GERARD, Capito RENARD, Tenente COYO (int, Delegacia, noite) Na delegacis, Renard tenta fazer os trés amigos fala- ‘rem, para saber énde os resistentes esconderam um gaul- lista Ferido na escaramuga, Primeiro a ser interrogado, Gérard responde que no sabe nada acerca das pessons que {freqiientam seu estabelecimento, Renard & obrigado a solts Jo, advertindoo para que nZo se meta em encrencas. Depois avec de Harry, que explica @ Renard que Johnson era seu cliente ¢ Ihe devia dinheiro. Renard resolve confisear de Harry nio $80 dinheire que ele tirera de Johnson como sett proprio dinheiro e seus documentos de identidade: les Ihe sero devolvides, se sua reclamasto se revelar jusia, diz. ‘Quando chega a vez de Mare, ela responde com inso- lencia e & esbofeteada por COYO, um tenente de Renard (Sheldon Leonard). Harry intervém e dia a Marie que ela tem © direito de no responder. Renard é obrigado a soltar os dois americanos, 9, HARRY, MARIE, EDDY (ext. Ruas de Fortde-France ¢ bar ddangante, noite) “Harry Morgan e Marie snem juntos da delegacia. Cami- nando pela rus, Morgan explica a Marie a situaeao polit cca. Aparece Eddy, sempre atrés de dinheiro para beber, ¢ reocupado com seu cspitdo, Harry manda-o dormir. Ja & Uma aventura na Martinica 39 noite quando Harry e Marie enttam juntos no bar danger ‘e, Mas Harry lembra que no tem miais um tostio para pa. gar o dringue e deixa Marie pegar wm inarinheirono ban, ‘enquanto volta ao hotel para dormir. 10 BARRY, MARIE fst. Quarto de Harry e quarto de Max Mats tarde, durante a note, Marie entra no quarto de Hasty para Ihe dar ume garrafa de bebida extongie do snariniero. Hany permanece fro e cutie com sla pals ‘anelra como Marie recsbeu a boteiads abutihe sme, a agitada, Marie sa, zangada porter sido tomada por anva ‘agabunds, e vei para seu quart, Depois, Harry éque vai ao quarto dela, para se descul ar. Mati esa deprimida, queria humiiharHarsy gues éstd hurhada él, Alem dio, no tem dnhelo uficente para voltar os Estados Unidos. Hay sal ‘Mais tarde ainda, Marie volta ao quarto de Harry. Ela seme que, para ajuda, Hany aceite 0 tabathe porges aferecido por Gerard eofereceacleo seu diaheiva Revo 0: Harry, acreditando que se trata de uma soma ele vada, ach que Mare Ihe mens ht pouc, quand dane gue estava sem dinheiro, Marie censureo por sua mogitie Mas, de spent bloom Yon Hay cama defeat spas patececorresponder ao bij, Depots, Marie sal dass, do com humor que se Harry a ghser, sd assobin a fica estupefato” ee i. a ‘Terunina aqui o primeiro dia da ago, Fuso, a imagem 11, HARRY, GERARD, BEAUCLERG, Sra. BEAUCLERC fit Pathoca, dia) De manha descobrimos, escondido numa casa de mar- tiniquenses pobres,o resistente ferido, BEAUCLERC Paul ‘Marion), E um dos homens que haviams procurado Haney na véspera.Lé também estava a mulher de Beauclere (Patricia ‘Shay), Gérard e Harry estfo presentes, Harry finalmente re- solvew aceitar, a troco de dinheiro, a missao que Ihe fora solictada. Beauclere expliea que se trata de introduzir clan. destinamente em ForteFrance dois Tesistentes, umm dos 40 0 roteiro de cinema cas ¢ um al Paul de Bure, Convers sobre atte Ser adotada em caso ce Interceptagdo por algum barco ge Vik Hare ego agama allan ‘frien de Beauclere se mostra host a Harry, gue a faz calarse, pro tande saber melhor do que elao qu fazer para medicar seu mario. 12, MARIE, CRICKET, HARRY fine. Bar, di) Not oot, Marie onversa com Crick, qu ents escrevendo una cangio, Harry entre eda Matie tea pas Sagem de avo que scabs de comprar com 9 diheiro Ga travessia, aconselhando- alr embora naquela mesma ta de, Apesarde triste por tet de separacse de Hlary, Marie sits 1B, HARRY, EDDY (ext. Porto, dia) No porto de Fortde-France, Hay encontra o velho bé- bade Edy a quem pedir, pore para far no hotel. Edy fulvinhou ‘ue Harty sai ao mar e quer acompanhalo. Harry procira convencbo de que nfo quer que ele, pa ra iso, chega ao ponto de darhe uma bofetada 14, HARRY, EDDY, PAUL DE BURSAC, HELENE DE BUR. SAE et, Barco no mar, rt) ‘Aoite eal, Quando o barco sai 20 mar, Har ‘uma carabin, para estar preparado em caro de inekdente, Mas oave wm baruih:¢ Eday que emibarcae, apesar det {tb Bichavia percebido que se tata de um problema grave quando Hany ne exlica anatureza da masta, Ese fi Cc Snterneido, compretndendo que Harry quer mant@lo Sfastado para protege, Eni, o barvo chega 20 lugar do encontro, onde 0 aguardamn 2s dua pessons a serem embarcadas; Harry Per. bbe que una delas¢ una mulher, uaa Jovem americana, {ult “aisuma’, HELENE DE BURSAC (Dolores Moran) Som seu mario, o frances PAUL DE BURSAC (Waiter Mol Sap) Harty est irtado,e Hele, por saver, no flere 2 ingolénela de Harey, de quem ela desconfia Nocamino de valta, em pleno mar, no melo do nevoet zoe da eseuridio, Harty sente presenga de tm navio Jutta, Paul aeonselhao ase render, Nas Hare, queren- Uma aventura na Martinica ot do preservar seu barco, pega a carabinae atira no holofote do navio-patrulha, para que nfo os enxerguer. Aconselha Paul e Hélene ase deitarem, para no se exporem, Na troca de tras que se sucede, Paul, que se recusara a pér-se a0 abr- igo, reeehe uma bala no brago. Helene fica ainda mais furio- sa com Harry. IS, HARRY, GERARD, PAUL, HELENE, EDDY, MARIE ext. Porta et Bar mt ‘Harry chega a0 porto, desembarca os passageiros e confia-os a Gérard, No hotel Marquis, encontra Marie, (que decidit: nao ir embora e arranjou trabalho ao lado de Cricket, como cantora da orquestra. Harry dissimula sua satisfacio. Gérard revela a Harry que Paul de Bursac, que estava cescondide no porso do hotel, esté muito mal e que é preci se opel para impedir uma gangrena Para consegu de Harty esse Favor (a conhecemos seus talentos médicos), @ ccalxa do hotel chega a the propor perdoar o que deve ao ¢s- tabelecimento, Harry acaba aceitando “por uma questo de Tonra”, mas pede que perdoem a divida de Macie. 16, HARRY, GERARD, MARIE, PAUL, HELENE (it. Quar- to, noite) Paul de Bursac foi teansportade para umn quarto, onde Harry se prepara para extrait a bala alojada no brago do resistente. Mas Harry esbarra na hostilidace de Hélene, que reclama um médieo de verdade. Ora, chamar um médico se- fe alertar as autordades, Helen qu de te eto eutto de enfermagem, propée a sua ajuda, mas desmala 2o ver 0 sangue, e Harry termina a operacso com a ajuda eficaz de Marie, A bala é extraida com sucesso. Terminada a opera ‘¢lo, Harry leva a bela desmaiada para um diva, provocan- fio. cme de Marie, que 0 exprime de modo satcéstco.. 17. HARRY, PAUL, HELENE, MARIE (int. Pordo, mana) ‘Mais tarde, com Paul restabeiecido, Hélene agradece a Harry e, com certo coquetismo, pedelhe desculpes por sua condita estipida. Harry mostra-se reservado para com Hé Ig: Maretersém para intereompero que ele pense ser 2 0 roteiro de cinema 18, HARRY, MARIE, GERARD (int! Quarto de Harry, dia) ‘Marie vai ter com Harry no quarto dele. Na man da- aquele tereiro dia da acdo. Harry s0 quer descansar, mas Marie insiste em cuidar dele. Harry a trangiiliza quanto a ses sentimentos,eseolhendo as palavres para leva 3 en fender que ndo sente nada por Helene. ‘Gétard irrompe, dizendohes que o comissério Renard cst embaino, no bar, embebedando Eddy para faxblo dizer ‘onde esti escondidos os resitentes. Harry desce com Marie. 19, HARRY, MARIE, EDDY, RENARD fint. Ba, di) Encohtram Eddy, aparentemente bébado,sentado & me sa.com Renard, a quem esté exasperando com una histdria de pescaria Hany intervém e banca 0 ingenuo:confessa & Renard que atirow no holofote de uma embareacio mas diz ae pensow atarae dem sarin sem, Guapdo Re ard sugere a Harry que poderia recompensivio se falasse, Hany deixadhe a esparanga de que mais tarde talvez aceite o trato, Renard, desta ve, val embore de mfos abanando. ‘Segue-se uma cena descontraida de cumplicidade ami gaentre Harry, Marie ¢ Edd Hanry aconselha seu velho nein ant se mostrar muito, ekt cama ume an Ho so piano e Maric, por sua ver, dispose a cantar para Ssthregueses do bar me 20, HARRY, PAUL, GERARD, HELENE (int. Porto, di) ‘No porto, durante uma longa conversa entre Paul ¢ Harry, o resistente francés egradece 20 capitao do Queen Conch por télo medicado e salvo e expéedhe sua causa € rnissio, sugerindo lhe que se alle a ele: trats-se de ibertar Um iloste lider da Resistencia na ha do Diabo. Morgan fests reticente 21, HARRY, MARIE, CRICKET (int. Bar, dia) ‘Harry esta preocupado com 0 desaparecimento de Edy, c expbe a Maric su desejo de nse de Fortde-Prance ddebarco, com cla e Eddy. Marie est feliz e canta, para os frepueset do bar, oma cansia,chela de esperangs. Gérard ‘eam mals uma vee serir de intermedidno, avisando a Harry gue lap de Bursa est dem ina ose quarto, ae rendo velo 1 Ura aventura na Martinica 43 22. HARRY, HELENE, MARIE, RENARD, COYO (int, Quar- 10 de Harry, dia) Harry sobe até seu quarto. Hélene quer the oferecer ‘suas jolas como recompenss, se ele accitaraliar-se a0 ma- ido aa misséo. Marie intervém mais uma vez no encontro dos dois, para avisar que Renard est no andar de baixo e avai subir. Harry pede, sem tardar, que Marie e Hélene be escondam no banheiro do quarto. ‘Renard entra com dois homens armados, um dos quis, & Coyo. Conseguis, no se sabe como, a identidade dos re- Sistentes que desanibarcaram em Fort-deFrance e, sentin- do perfume de mulher no quarto de Harry, esté convencido Ge gue encontraré Hélene. Mas é Marie que Harry faz sair ‘do banheiro, frustrando o gordo. Este joga seu titimo trun- fo, revelando que Eddy esta em suas milos e que pode faze- Jo falar privando- do alcool, e nfo o embriagando, como acreditara bobamente a principio. ‘Enquanto mantém a conversa com Renard, Harry, com ajuda de Marie e gragas a presenga de espirito da moga, d& {um jelto de se aproximar de uma gaveta onde estd seu re- vélver, Apodera-se dele, tira e mata um dos capangas de Renard. Depois, rende Renard e Coyo. Sua fleuma desapa- rece ele era tmulo de ral: Chega deforurarbfbadon ‘esbojetear mogas, Promete a Renard que vsi surrélos até {gue um dos dois resolva telefonar & policia mandando sol- far Eddy. Comeca a bater 23, HARRY, RENARD, MARIE, GERARD, EDDY, CRICKET int. Bar note? (OS ecga de ua pistol, Renard ex 20 tlfone, peding satura de Bay. Depot Harry anunia» Gérard Tue decitis leva os Bartee pars tha do Dabo. Fasson 1 Simpatca coms eusa da Resistencia, eos partidaios 6 tebe de Vichy no le grata. oo de Gerarc Nolte de Baty, 20 e sak, 8 velho maraheio Yl par Ue comlony e Mane depois qoe este toda fell (pasar do cardter pergoso dt misedoy, disor adeus so pista Cricket seu'amig, caja mosis encerr o fe na cima Il. O testamento, do doutor Mabuse, 1933 Um filme de Fritz Lang Roteiro: Thea von Harbou, baseado numa personagem inspirada num romance de Norbert Jacques Titulo original: Das Testament des Dr. Mabuse Produgdo: Nero-Film, Berlim, Alemanha Duragao original: 2 h 02 1. Estamos em Berlim, Alemanha, no inicio dos anos 30... (sinopse) Estamos em Berlimn, Alemanha, no inicio dos anos 30, HOFMEISTER (Karl Meixner) ex policial do comis. ssério LOHMANN (Otto Wernicke) o mesmo que, emt on tro filme de Fritz Lang, fazia as investigagées sobre M,) telefona ao comissdrio para the dizer que, investigando um caso de falsirios, descobriu un terivel seghedo, Mas no momento em ia revelé-o, é pego pelos bandidas e, em consegiiéneia de um misterioso “traumatismo", fi a lowco. Somos apresentados ao bando dos falsirio, que obs- dece as ordens de um chefe invisivel, 0 “Doutor". Este thes fala por telefone ou se escondendo detrds de uma cortina, num aposento secreto. Sob suas ordens, a gar gue comete uma série de atosilegais (chantagens, assal- (os, falsificagao de dinkeiro, atentados) que obedecem ‘uma logica misteriosa e desconhecida, pois 0 dinkei- 46 0 roteiro de cinema See pec ee jovem, TOM KENT (Gustav Diessi), que entrou para a quadritha por falta de trabalho, néo aprova as agaes vio~ lentas. ‘Travamos conhecimento também com um eminente psiquiatra, o PROFESSOR BAUM (Oskar Beregi), dire: tor do asilo em que estd internado o famoso DOUTOR MABUSE (Rudolf Klein Rogge) Através de uma confe- Mts de Ba femmes sob qu Mab fap Teese dis ines eve dente ao Oe ee ae documento cientifico sobre um louco. Was aie Bears RRO (Theodor Loos toma conhecimento desse escrito e descobre nele corres- pondéncias perturbadoras com um crime recente (um Leena atonal Forme ste te Bsn aco ds ut abuse pera era sons Tote Sasa cee eas eee nae Tisdnee® Apis gue Kram pose are a pote eee descoberta, é assassinado pelos homens da qua- Seas Kray éenrepue a Lokmann Perle Fa enchant pts naires wom o comissdrio e nada the pode dizer, refugiado em sua loucura, Lohmann manda seus peritos decifrarem uma inscrigdo feita por Hofmeister numa vidraga, antes do Santen Eie snide @ tom Noe dps aaa 12 mann peg enti o dos sre Mabuse. Tee fonando para o asilo onde 0 Doutor louco esta interna- do, fica sabendo que ele acaba de morrer! Diante do sew ee asilo,. ees tem uma ee eee eae en ea ieee aa ater iets en ee decals ce to de Mabuse, vé aparecer 0 faniasma do Doutor, que 0 testamento do Dr. Mabuse 47 © hipnotiza e se apossa dele (recordemos gue, guardo ‘vivo, antes de ser capturado, Mabuse praticava seus de- lites servindo-se da hipnose) O bando do Chefe comparece diante da cortina do aposento seereto, ¢ a vor lhes dé novas ordens. Kent é admoestado por sua md vontade, recebendo uma tilt ma adverténcia: se ele dé valor & vida..! Nao obstante, ele resolve abandonar a quadritha e é assistido em sua decisdopor LILY (Wera Liessem), sua amiga fel, a mes- ‘ma que, umn ano antes, quando ele estava sem dinheiro e sem trabalho, ajudara-o emprestando-the dinheiro, Pos: aa par das suas atividadesilegais, que desconheci, Lily ido 0 censusa mas aconselha- a entregarse a Lohmann. Entyotanto, Kent e Lily sto segiestrados pelo barrdo. Lohmann descobre vestigios do caso da joalheria: uma das jdias roubadas foi vista numa mulher, conhe- ‘cida da policia, ANNA (Camilla Spira). Os policiais vo a procura dela ¢ cercam seu apartamento, onde esté reve rida boa parte da quadritha, Paralelamente, Kent e Lilly sdo trancafiados no apo- sento secreto, onde a vor. thes notifica sua sentenca de morte, para dentro de trés horas, antes da deflagragao de um engenho infernal. Rasgando a eortina proibida, ndo encontram ninguém por trds dela, apenas um alto- falante e um microfone. Procuram desesperadamente Sair do recinto hermeticamente fechado, e jinalmente conseguem, provocando uma inundagao que sufoct @ explosdo da bomba. Por sua vez, Lohmarm obriga a quadritha a se ren der. Interrogando seus membros procura saber quem & 0 Chefe, mas eles dizem ndo saber. Confrontados com Baum (que Lohmann mandou vir sob vam pretexto qual quer também negarn conhecélo. No entanto, Lohmann comeca @ estabelecer uma ligacdo entre o assassinato de Kramm (que os bandidos conjessam) e 0 asilo de ‘Baur, em cujas proximidades o crime foi cometido, 48 0 roteiro de cinema ‘Mas eis que Kent chega &delegacia comm Lily. Baur, ‘que ia embora, tem wm movimento de surpresa, que nto assou despercebido a Lohmann. Ao ser interrogado, Kent revela o nome do Chefe do bande: Mabuse, "Ele morreit”, explode Lohmann, mas logo compreende que outra pessoa pode ter tomado o lugar e 0 nome de Mabuse. Kent ¢ Lohmann correm para o asilo, para onde convergem todas as pistas. Nao encontram Bau (que fazia supor sua presenga no escritério gragas d vor gra- vada nur gramofone), mas encontram em cima da me- sam plano de ataque a uma fabrica. Ao mesmo tempo, Kent reconhece irrefutavelmente, na voe do disco, a v02 do Cheje que sai de trés da cortina. ‘Na fibrica, onde 0 incéndio provacado por Baw estd no auge, Kent ¢ Lohmann entcontram o Professor, ‘que foge. Os dois correm em seu encalgo no meio da noite. Baum é guiado, em sua corrida louea, pelo fantas- made Mabuse, que the repete no ouvido o titulo do Tes- tamento: Império do crime, Império do crime. Na verdade, 0 texto era ume tratado sobre a tomada do po- der pelo terror nascido de atentacas incoerentes e incom. preensiveis, sem motivos aparentes. ‘Baum rerorna ao asilo. Como um zumbi obedien- te, vai até seu escritdrio, pega o manuscrito ¢ entra na cela de Hofmeister, que fora a de Mabuse. "Eu me apre- sento’, diz Baum a Hofmeister, “sou o doutor Mabuse.” Esse nome desencadeia em Hofmeister uma crise hhistrica. Curado, ele agora reconhece 0 comissirio Lohmann, que acaba de chegar com Kent, e pode the revelar 0 "segreda": "O nome do homem & Mabuse, comissério, Doutor Mabuse." E Baur, que agora se considera Mabuse, instala-se nna cela de seu amo. Nela, mudo, prostrado, rasga silen- ciosamente 0 manuscrito do Testamento, 0 testamento do Dr. Mabuse 49 2.0 eterno folhetim Muitas vezes esquecemos que a série de televisio, do tipo Dallas, teve seus ancestrais no cinema mudo das décadas de 1910 ¢ 1920, na forma do que se chamava entdo de “seriado”, Tratava-se de historias com epis6- dios filmados rapidamente e programados de semana ‘em semana para o piiblico entusiasta das salas de ci- nema, Cada episédio terminava com o heréi ott a he- rofna metidos em pleno perigo, a beira de serem devorados por um lefo ou amarrados as tilhos de uma Fetrovia, & espera de que o inicio do episédio seguinte os safasse daquela situacao. Para fazer um seriado, pois, era preciso inventar uma trama geral, com uma moral sumaria e sem am- bigitidades (por exemplo, a luta contra um génio do mal dotado de uma poderosa organizacéo), e a cada episé- dio multiplicar as peripécias e os desenvolvimento: previstos, cuja verossimilhanca e coeréncia néo eram ‘motivo de maiores cuidados. 0 testamento do Doutor Mabuse foi concebido den- tro desse espitito, embora ndo se trate de um seriado no sentido estrito, No entanto, ja 6a seqtiéneia dé um filme mudo em dois episédios, igualmente escritos por ‘Thea von Harboti e Fritz Lang em 1922, Mabuse der Spieler (Doutor Mabuse, jogador). A muliplicagéo das Beripécas dos mistériosedos aposents screos ote tna da organizacdo oculta que visa reinar sobre o mun- do, a proliferacao de méquinas — todos esses eleraentos ligam o Testamento a uma viva tradicdo folhetinesca, aque os filmes de James Bond, atualmente, dio conti- nisidade. ‘Trinta anos depois, em 1961, Fritz Lang realizava um derradeito filme de Mabuse, Die Tausend Augen des Doktors Mabuse (Os rl olhos do Doutor Mabuse), que seria também seu titimo filme, Houve, no intervalo, ak 50 0 roteiro de cinema guns outros Mabuse, filmados por varios diretores slemes, ‘Té falamos* da estrutura muito particular do ro- teiro do Testamento, espécie de mosaico que se apre senta como um quebra-cabeca onde, a cada vez que julgamos t@1o completado, verificamos que continua fal: ‘ando uma peca. : Este roteizo certamente deve muito de sua forca a romancista Thea von Harbou, entdo esposa do dire- tor, que {di autor ou co-autor dos roteizos de varios fil mes de Lang (entre os quais Der mide Tod [Pode o amor mais que a mortel, 1921, Die Nibelungen (Os Nibelun- {gos}, 1923-1924, Metropolis [Idem}, 1927, Spione, 1928, M4 (ML, 0 Vampiro de Dusseldorf), 1981), Fritz Lang separou-se dela em 1932, portanto pouco depois do nos: so filme. Nessa época ele fugiu da Alemanha e do na- zismo, ao contrério de Thea, que aderia a ele (tornou ase casar, com o intérprete do papel de Mabuse, Ru- Golf Klein-Rogge). No entanto, Lang nunca desprezou 2 inspiragdo de sua ex-mulher: ro fim de sua carrei- 1a, fez questio de realizar uma nova versio de Das indische Grabmmal, baseado numa histéria original de- Tee de Thea, jé filmada por Richard Bichberg. ‘Hé quem recrimine os roteiros de Thea von Har- bbou por um excesso de sentimentalismo (como no fim de Metropolis e € provavel que a parte mais fraca do Testamento — a que diz respeito ao papel salvador redentor da personagem feminina — deva-se a ela (no- ‘femos que a8 cenas com Lily foram cada vex mais en Curtadas nas sucessivas versbes do filme} Nao obstante, como romancistare roteirista, Thea von Harbou tinha ‘odom, as vezes inquietante, de dar suas histories uma Elipse, narragéo Se contarmos linearmente uma hist6ria como a de Psicose, de Alfred Hitchcock, desvendando a cada ‘momento 0 que acontece (um homem fica louco ¢ toma‘se por sua mée, que ele préprio tinha matado, massacrando viajantes disfarcado sob a aparéncia da de tom, etc) foi formulado por Aristételes e, depois ¢ele, pela maioria dos tebricos da arte dramatica, Aris- \Steles diz: “Como a tragédia ¢ a imitagio de uma ago plena e inteira, € preciso que as partes sejam reuni- Gas de tal modo que, ao se transpor ou retirar uma elas, 0 todo fique comprometido ou alterado, porque aquilo que pode ser ou nao ser acrescentado sem con- seqiiéncia apreciével ndo faz parte do todo ouden mo- riou tou alou estin}” (Poética). 90, 0 roteiro de cinema Os autores, por conseguinte, aconselham que nio se disperse a unidade do rotciro em demasiadas im. trigas secundérias (subplots), demasiados pequenos detalhes. Diderot, em Entretiens sur le fils naturel (Conver. sages sobre o filho natural), ja insistia, ao falar de teatro, na necessidade de concentragio. unidade do tema: “Na sociedade, os casos s6 duram por peque- nos incidentes, que emprestariam verdade a um ro- ‘mance, mas que tirariam todo interesse de uma obra dramética: nela nossa atencdo se divide entre uma it Finidade de objetos diferentes. Mas no teatro, onde s6 se representam instantes particulares da vida real, 6 preciso que estejamos totalmente concentrados na ‘mesma coisa.” Esta lei de unidade assim compreen- ida seria valida, portanto, para todos os generos de imitagdo dramndtica (teatro, cinema, 6pera), que agem durante um perfodo de tempo limitado, em oposicao ‘0s géneros de narragdo (poema épico, romance), que autorizam a multiplicidade dos temas. Sabe-se, porém, {que outros teatros que nao o teatro francés classico Duscaram 0 contrario, isto é, a profusao de intrigas (Shakespeare) Num filme como 0 testamento do Doutor Mabuse, por cexemplo, a unidade 6 assegurada pela personagem central ‘de Mabuse, em torno da qual gravitam as personagens que ‘se conhecem mais ou menos bem. umas as outras — mas também pelo tema da luta contra o Mal. Em Una aventura nna Martinica, a unidade é criada pela personagem central de Harry Morgan (que participa de todas as cenas), pelo amm- bientehistérico (o regime de Vichy em Fortde France e tia luta contra a Resistencia) e pelo tema do engajamento pes. soal diante da guerra. Em Sansho, a unidade é criada em torno da famnilia de Tamaki, cada vee mais dispersa e dizi ‘mada, e também em torno do tema da escravidao e da opres- sifo. Enfim, em Pauline dla plage, a unidade & mantida pelo par de primas Pauline e Marion, reunidas no info eno fir, 0 tabuleiro e as pecas 1 « pelo tema da itso amorosa. Bm tds 05 casos a uniday pao prover apenas daexisténeia de wma intriga central ue unta ou duss personagens principals teas também do fato de que tudo oque acontece no filme se liga mats ou me hos estsltamente a uin motivo central. Iso significa que, ie, pots una ta peretanente etd» int porocnagern, num petfodo de tempo) mas Sem ese {me ea motivo. cents), portanto sem una verdadeira tnidade. 3. importante, essencial (0 que é)? ‘Um dos principais riseos, quando se trabalha e se desenvelve umn reir, € perder de vista, ow ate dis ‘simular a fdéia, o motivo, a intenedo principal que deve animbo, A necessidade de preencher a gto, de invenr tar peripécias eligar os acontecimentos uns 20s outros, ier ultasvezeea um actmulo despropositado de de talhes e situagées, que pode encobrir, enfraquecer ou ‘mesmo fazer desaparecer essa idéia inital, quando nao transformévla em seu oposto. E preciso entfo que o roteirista determine o que ele considera esseneial para nao se perder em preoc- paces vagas e secundatias,e que ele saiba de que sub- . terfigio langar mao (0 relinamento da psicologia, a verossimilhanga, a verdade hist6rica, a intensidade dra ‘mitica, ete.) para melhor realizar sia idéia. Permane- ‘ce no entanto 0 risco contrario, de que o roteiro seja ‘excessivamente centrado, linear, girando demais em tor. no de uma s6 idéia, ae evar constantemente em consideragio a iia rincipal possibilita enfrentar as dificuldades os ri- Eos impliitos na escrita de umn rotero,clasifieando (68, hierarquizando-os. Muitas vezes, pot ndo se conse- Cy O roteiro de cinema, ir separar o importante do nfoimportante e por falta de desembarapo no manejo das regras, proce dimentos e recursos draméticos, chega-se a um roteiro enso e consistente, mas sem linhas de forgas. Ter sempre em mente a idéia inicial leva a quem sejam sistematicamente relacionados a ela todos os dados com que se enriquece a historia (detalhes psicologicos, pe- Fipécias, ambiente das locagées, tonalidades draméti- cas das cenas, etc),para se verificar se eles afortalecem * ‘ou, se ao contrétio, a dissipam. Por exemplo, quando se quer escrever um roteiro sobre o duplo, é preciso ndo s6 que a idéia do duplo seja postulada na inten do roteiro e afirmada no in Cio do roteiro, bem como nas grandes linhas da hist6- ria, mas também que ela emane de todos os detalhes, de todas as peripécias. Percebe-se que, na invencdo das sgbes¢ dos caratees surgem mil oportnidades pox ra gue essa idéia iniial se perca ou seja esquecida. Por tutto lado, hi mil meios de seutlizarem oy detalhes de cada cena, de cada peripécia, de cada carater, para Hustrar¢ foraleera presengadesse tema, seja por re forgo, seja por contrast. ‘No caso de-filmes onde o importante € 0 tom, e nfo © tema, como freqiientemente ocorre com os filmes ¢6- ‘micos, @ preocupacio ser o tom, o ritmo a ser manti- do, ¢ a eles deverdo ser relacionadas as invenebes de cialhe, 0 arranjo das peripécias e a definicdo das per- sonagens. Escrevé Pascal Bonitzer (Caliers du cinéma, 1? 369}. “Muita gente pensa que contar uma historia -80 desenvolvimento dramético de um mticleo, que se resumiria, por exemplo, em: boy meets girl (um rapaz encontra tuma moca). Haveria encontros ¢ se mostra- ria o que acontece. Algumas pessoas saberiam algumas coisas, outras as ignorariam, e sé mostraria o que acon- tece quando as tltimas ficam a par do que as primei- ras sabem. Ou o que fariam por néo saberem (.) Uma 0 tabuleiro e as pegas 93 histétia nao é isso: € a colocagao de uma Idéia deter- minaida como problema, através das personagens que ‘fo a'encarnacao miiltipla dessa Idéia.” Lembremos que a arte dos grandes roteitistas e dos grandes cineastas é, muitas vezes, tanto uma arte da concentrasio, da simplificagao e da reducdo, quanto uma arte do inesperado, do volteio, da floragio das dias. Vejase Sansho Dayu, cujo roteiro a primeira vis 1@ parece nao ter nada de mais, mas onde os dois moti- ¥os principais (a desigualdade social e a escravidio, de um lado; 0 amor entre pais e filhos, do outro) sto afir- ‘mados com forga e continuidade, através de encarna- ‘es Variadas, endo sofrem a interferéncia de nenhuma ‘complicagao acrescentada apenas com a preocupagio de alimentar a intriga. + Fates estencais de um roteiro Duight V. SWAIN distingue, num roteiro, cinco fatoresessencis: a personagem principal uma situs 6 dificil um objeto; um oporente ou antagonista {que nfo € necessariamente alguem, pode ser siguma Caisa} tm terrivelperigo que'os ameaga (muitas Ve 25, 0 perigo de morte. Para Sidney FIELD, um roteiro¢ “alguém (ou vé- iss pessoas), em algun lugar, fazendo alguma coisa” Ele define o roteiro como uma "progresedo linear de contecimentosligadas uns aos outros levando a una Fesolugdo dramatiea” —definigao que pode parecer Ghvia, mas ja implica cortas coisas precies (a ligagao dos acontecimentos, a progressao de sua tensao cra. matic) Ele aconselin que, 20 iniviarmos a elabora. eo gum ttc fsa seus erent jal a personagem principal? Quais sfo as premis: sas dramiticas? Qual 6a situagdo? Como termina a Histris (ado se deve escrever s historia sem saber, desantento, ose fim)? Para cle, epsess20.08 element 4 © roteiro de cinema tos essenciais em que devemos voltar a nos concen: trar de tempos em tempos. Para Charles Spaak, citado em Cirtéma 83 (n? 296), as prineipais dificuldades a serem vencidas pelo ro: teitista sao: “... a apresentacdo dos herdis, 0 inven tirio dos episédios e a escolha do ambiente onde si- tutelos, a organizagdo das seqiiéncias, 0 sentido das proporgées e do resumo, 0 cuidado de fazer as perso. nagens falarem uma linguagem ligeiramente estiliza- da, mas que seja a delas”. 4, Secundéria (intriga) ‘Segundo Lewis HERMAN, uma intriga secundévia 6 um desvio em relacao & intriga principal, pondo em acto personagens secundarios cujos atos estdo relacio- nnados com a intriga principal e com os fatos e gestos dos protagonistas, As intrigas secundétias (subplots) &S claves sio utilizadas para o relief (em ingles, alivio, re pouso}, mas também para enriquecer, variar, distrair ©, 88 vezes, desviar — de propésito — & atencao ¢ a cue osidade do pblic (red hering ou pista faa; enti, para reforcar a idéia principal em torno da qual gira Snarrativa, lustrandoa de maneira diferente da fue a ilustra a intriga principal dificil em relago aos subplots é, evidentemen- ligislos @ historia principal. Nas comédias, em particular, costuma-se fazer as intrigas secundarias interferirem na intriga principal (aliiproqués, enganos). Em Sansho e Uma aventura na Martinica nio ha int. ga secundaria, Podemos dizer, a rigor, que em Hawks as ee has que mostram as relacées de amizade entre Eddy e Harty (cena do mal-entendido, n® 13) formam um subplot dentro do filme, pois nada acrescentam a intriga principal, concor 0 tabuleiro e as pegas 98 rendo apenas para definiressas relagées, sem fazbas evo- Jair ao longo do filme enquanto, por outto lado, tudo muda 2 ida paiva eprofisionl de Har), Walter Brennan, ue representa Edd, faz 0 papel do comparsapitoresco que Titnenta cenas engrasadas ov enternesedoras que funcio- fain como reife ~ com suas réplieas enigméticas, ele tem ‘algo do louco shakespeareano. © abuse baseis-se numa constrcSo em gucdeabea tue compa espalbando as pegs numa aparente desorde ‘ice eprceerem a ines concn da hstria, Foto nos falar portanto, pasa variar a metaora, de linkas pa- Talelas (montagem paralela) que pdem em acdo uma quar- ‘Riad sneietavel de persoagens, ene o qual lgumas emergem poueo a pouco como sendo as principals, de modo ‘qe tedas as historias paralelas paregam destinadas ase i= terlgar, mais tarde, na horlzonte da previsio do espectador (versAntecipagto). (0 inicio do filme, prncipalmente, anga mio com miu tahabilidads, de umoa pista fala, fazendo ume personagem secundaria aparecer como personagera principal. Nos Prk rneiros minutos tudo leva oexpectador a creditar que Hof reister vai ser her, ate que ele posto de lado, eaindo na loucura, $80 vemos reaparecer no desfecho, Fazendo uma Fecsospeeto, constatnos qe otter fo um lento eligacto ¢ soldagem da narrativa, muito mais um “inter Inedato" do que.o verdadsiro protagonisa, ‘As narrativas policiais jogam Freqilentemente com a indecisio, mantida por um tempo mais ou menos lon- «go, quanto a0 aspecto “principal” ou “secundério” de determinado detalhe,episédio ou peripécia. E tipico dos tenigmas confundir a solugéo, 0 principal, na multidao dos detalhes acess6rios. A proliferagao do acess6rio € do secundézio é, portanto, um verdadero prinefpio do filme de enigmas. 96 O roteiro de cinema 5. Ag&io + Dizem que cinema em primetro lugar, ao. secu: dariamente, dalogos. Sim, mas o que é acso? Otimes filmes, considerados de acto, muitas vezes compor- tam mais conversa, mais dilogos do que agao propria mente dita, no sentido habitual de brigas,tirotclos, explosdes, perseguicées, cenas de perigo, faganhas... Diz Pascal Bonitzer: “Nao se deve confundir mo mentos vazios do ponto de vista da aco com momen- tos fracos no roteivo” (Cahiers dis cinéma, Lene seénario, 73), © A ago nao se identifica com a historia propriament. dita; pode haver muita ago, no sentido de acao fist a, com pouca histéria, isto é, pouca intriga propria. mente dita (STEMPEL, 39),'ou o contrario. Leigh Brackett, célebre roteirista de Hawks, mas também de The empire strikes back (0 império contra-ataca), conta suas lembrangas de roteirista de Hatari (STEM: PEL, 39): "Howard Hawks tinha passado seis meses na Africa com uma equipe, ¢ voltado com um mate- rial maravilhoso. Mas eram apenas cenas do tipo: olhemali, uma gitafa! Vamos pegé-lal (0 filme pe em cena pessoas que capturam os animais em liberdade para vendé-los aos circos ¢ jardins zoolégicos.) Falta- va, portanto, fazer as cenas em que seriam desenvol- vidas as personagens e suas relacdes.” A roteirista de -Rio Bravo (Onde comeca o inferno) lembra, depois, que ‘tudo o que ela escrevera até entio no valia grande coisa: “Tinhamos um guadro gigantesco, com cartas de cores diferentes: vermelhas para as cenas de per- seguicio, ¢ assim por diante... Dando uma olhada ne- Te logo viamos que havia cartas vermelhas demais, uumas depois das outras. Era preciso conceber cenas tabuleiro e as pecas~ 7 de intrign entre as personagens para interlas entre as conas de perseguieao. sce problema € tpico dos filmes baseados em facanhas fisicas e esportivas de um toureiro, um lu- tador de boxe, um piloto de automével, etc., que mui- tas vezes caem no erro de uma construgio altemnada, conforme a formula monstoril race/plov/racelplot, co- mo diz Stempel, isto ¢: cena de perseguigaolcena de intriga/cena de perseguicaolcena de intriga. O mesmo 'sco se corre nas comédias musicais que se desenro- Tam no meio do espetaculo e que, muitas vezes, so construidas com base na alternancia entre nimeros ‘miusicais e cenas de intriga, As vezes, o roteirista ten- taligar as duas, de modo que o mimero musical faca a intriga prosseguir. * Descrever as agdes no roteiro Pode-se aconselhar, primeiro, a descrevé-las precisa- mente, concretamente. Se dizemos que X anda, como ele anda, de que jeito (devagar, nervosamente)? Para daresses esclarecimentos, podem-se empregar adje- tivos e advérbios, sem se cair em descrigées longas ce complicadas. E preciso ser a0 mesmo tempo expli- Cito e econdmico. ‘Quando a aco acompanha uma frase pronuncia- da simultaneamente (e reciprocamente), a regra &es- crever a acdo antes das palavras que fazem parte del. Exemplo tomado a HERMAN (26): “WILLA (dando _uma bofetada em Joe): Bis 0 que penso de voce!” 6, Perseguigdes, As cenas de perseguicdes esto presentes desde os primérdios do cinema, e Noél Burch mostrou (Commu- 98 O roteiro de cinema nications, n? 38) a relagdo entre seu aparecimento ea lnearicapo da narativa cinematogrdfics, ito, cons tituigao de um estilo de narragao linear, sempre avane gando numa progresséo cronolégica (em oposicéo & utzagfo do cinema para apresentar quadros vives, sem narragdo). pun fis ans ee Sip diego fu ise Seger ees ee ple ro seguicdo é a fragmentag&o em planos curtos, em agdes curtas, em réplicas curtas. Sabe-se que foi Griffith quem, nos primeiros anos do cinema mudo, desenvol- veu a perseguicao em montagem paralela, * Perseguido e perseguidor Numa perseguicdo, a identidade do perseguido (assassino ou desconhecido) pode ser descoberta ape- nas no fim; a do perseguidor também, pelo artificio da camara subjetiva, que nos proporciona 0 olhat do cagador sem mostrar 0 rosto dele. + Ambiente da perseguigio Podem-se distinguir perseguigdes que poem o par perseguidor/perseguido em aco num lugar deserto ouabandonado, e as que se desenrolam num ambien te cheio de gente: feira, reuniao, baile, ceriménia, etc., fazendo o ambiente interferir mais ot menos na per seguiedo, Hd uma cena de perseguicio no fim de Mabuse. Ela se desenvolve numa estrada no campo, A noite, e faz intervit, ‘como obstiiculos e meios de suspense, os elementos habi tuais que podemos encontrar numa estrada; outros carros, “de moda hoje em dia. Um exemplo: 0 her6i 0 tabuleiro e as pecas 99 ‘uma passagem de nivel, um carro enguigado, ete. Sua for. fg estd em levar-nos ao lugar central do filme: o asilo de Baum, 7 Pensamentos das personagens © Um problema no cinema "A expressiio dos pensamentos das personagens & ‘um problema especifico do roteiro de cinema, 20 contrario do romance, onde podemos simplesmente relaté-los: "Ele pensava que..” Sabe-se, alids, que a tcorialiteréria freqientemente questionow a oniscién- cia do narrador quanto aos pensamentos das per- sonagens (ver: Pontos de vista). Diz Gérard Brach (Christian SALE, 33): “Num romance, as personagens pensam; num filme, no se pode fazé-las pensar — a do ser por intermédio da voz off —, mas apenas mostré-las pensando... claro, 0 procedimento da vor interha, que os ingleses chamam de procedimento da strean-on- consciousness, da corrente de consciéncia (‘utilizélo ‘com precaucao”, aconselha HERMAN, 212), assim co- mo 0 procedimento do memory recall thoughts, fora do por uma frase que Ihe disseram — voo8 é um me- diocre, nunca sera capaz —, ¢ essa frase fatidica volta-the a meméria diante de uma dificuldade que precisa superar, repetida varias vezes e envolta num eco dramatico, Mabuse contém uma variante original da “vor inter- na": vor do Fantasma de Mabuse, que ressoa na cabesa do Doutar Baum como a vor da sua consciéneia— ou an 100 0 roteiro de cinema tes como a vor do Mal nele. Tornamos @ ouvila no fim do filme, na “coreida 20 inferno” final, repetindo no ouvide deBoum as palavras que soo ttule do testamento de Ma. buse, Herschaft des Verbrechens, mapério do crime, con- forme modelo do memory recall houghts. Aga vee N80 5 da personagem, mas a voe de outro que ecoa na cabera de alguém e ocupa seus pensamentos (voz de um parente, de um amigo, deuim modelo, dem adversti, dem set amado, ete). © Uma deficféncia ou uma forca do cinema? Podemos considerar essa dificuldade de exprimir diretamente os pensamentos como uma lacuna ou ‘uma deficiéncia do cinema, mas também podemos, se- guindo o exemplo de Rohmer, utilizar ativamente es. sa opacidade das consciéncias como meio dramatico: ‘quando uma personagem se abre a outra ou outras, quando faz profisbes de fé e confissbes, nao sabemos se esta sendo totalmente sincera, inclusive consigo mesma, eé essa ambigilidade que se tora interessan- te, Mesmo a voz off da narragio, em certos “contos ‘maorais”, nfo é dada como cem por cento sincera, co- ‘mo Se stipde que seja nos outros filmes. Em La collectionneuse, por exemplo, a heroina re- presentada por Haydée Politoff eo her6i, que conduz anarragéo com sua oro veram umna conversa “de coragdo aberto’’ eo proprio espectador deixou-se en- ganar por essa sinceridade, Logo depois, a voz off do narrador declara que aqueis entrevista fora insince- ra ¢ enganosa; mas quem nos diz que essa voz. off € sincera? Alids, o quee sinceridade? O que ¢0 “pensa- mento” de uma personagem? ‘Aimpressao de ingenuidade que nos deixa a lei tura de certos roteiros de iniciantes deve-se ao fato de eles utilizarem os didlogos como meio de expor os pensamentos,-como se as personagens se abrissem O tabuleiro e as pegas 101 sem reticéncias e com uma consciéneia total do que vive e sentem. 8, Didlogo + Fungies do didlogo ‘Nocinema mais "visual o didlogo mantém qua- se sempre uma funedo importante: recordemas que J havia didlogos no cinema "mudo”. Esses dialogos ‘io eram ouvidos, mas seu sentido nos era comuni- cado pelas mimiers dos atores ¢ pelos intertitulos (le- teiros). As personagens do cinema mudo néo eram nada mudas. De acordo com FIELD, as funcdes do didlogo de cinema st: : — fazer a acdo progredir; —comunicar fatos e informacées ao piiblico; —estabelecer as relacdes entre esses fatos e relagSes; —Tevelar 0s conflitos e o estado emocional das per- sonagens; —comentar a acdo. ‘Mas todas essas fungSes podem, e em certos ca- 0s devem, ser assumidas por outra coisa que nfo 0 didlogo. + Deacordo com SWAIN, essas fung6es do dislogo slo: dar uma informacéo (sem parar a aco); —revelar uma emogdo ("As palavras sdo menos im- portantes em si mesmas do que pela mudanga que re- Hietem.; —Tarer & intriga progredir (os didlogos no séo um elemento arparte do filme, separados); 102 O roteiro de cinema —caracterizar a personagem que fala, mas também a que eseuta, Para STEMPEL, 0 diflogo deve ser erivel (belie sable interessant’ fazer @ ago progredi arate Nazar as personagens, ser engracado (ur), tex uma Ere ianes revere feonre tices linhss). Enfim, segundo HERMAN (144), “o roteirista de vesempre terem mente este aforismo de August Tho- mast uma réplica deve fazer a historia progredir, dleserever a personagem, ou fazer Hr.” TEsses conselhos podem parecer supérfluos, mas tém a ulilidade de advert o roteirista contra a ten: tagdo de deixar o didlogovaler por si s6, como um ron. ronar complacente. © O dilogo deve ser dindmico... endo estatico; deve por- tanto evitar a alternancia mecAnica entre perguntas @ respostas. Mizoguchi escrevia, numa nota de traba- Tho a seu roteirista Yoda: "No seu diflogo, s6 ha tro- cas de palavras, perguntas ¢ respostas. Vocé nao poderia encontrar expressdes ou réplicas negativas?” ‘Gérard Brach (SALE, 35) di um exemplo do que considera como um didlogo ruim: —"Que horas so? — Oito horas. — Vocé est com fome? — Estou, bem que comeria alguma coisa. Bem, entdo vamos ao restaurante, etc.” Ele sugere como ponte de partida de um didlogo mais interes- sante 0 modelo: "Que horas sio? — Estou com os pés doendo, ete. FIELD lembra que, num jogo de perguntas e res- ppostas, aréplica de uma personagem a outra pode ser nao outra réplica, mas um siléncio, uma acdo (um ges- to) ou uma auséncia de reagao. 0 tabuleiro ¢ as pecas 103 Para SWAIN;o dilogo deve ser emocional, endo racional; ser entabulado com um objetivo (as perso- ‘agens ndo deveriam falar apenas por falat); compor~ tar hesitagées e interrupgées — como as que Hawks introduzia durante a rodagem de Uma aventura na Martinica, para tornar mais draméticos os didlogos de Furthman e Faulkner. ‘Ha, segundo HERMAN, certo ntimero de proce: dimentos para encadear e ligar as réplicas numa di- namica: mitepetigio de uma simples palavra ("Vou embora, adeus —Adeus?"); SM repetigao de um membro da frase, onde se conti- sua 9 ue 9 outro dz ia sistema de perguntas € respostas; ae pergunta replicada com outra (“Por que vocé no fez tal coisa? — Deveria ter feito?" —acumulagao; progresséo; interrup6es. + 0 dilogo deve refletir a personagem Arist6teles, retomado por Hordcio, depois por Boileau, ja recomendava que se fizesse “o jovem fa ar como jovem eo velho como velho”, portanto ndo cometer 0 erro de emprestar as personagens um vo- abulario, uma linguagem que nao Ihes convém — 0 que equivale a caracterizé-las por meio dos didlogos. Sean Aurenche, que por outro lado diz preferir 0 “termo paroles (palavras, mas também letra), como as das cangoes, a0 termo dialogues, afirma: "Considero os didlogos tuma expresso da personage, do mes- mo modo que sua maneira de vestirse” (SALE, 18). E FIELD Gl) "0 dilogo 6 Fungo da personagem, que 6 definida por uma certa agio.” Estranhamente, Jean- Loup Dabadie declara que, em sua opiniao, “o didlo- goé como uma maquiagem, nfo deve mascarar os tra- G08 das personagens” (SALE, 85). 108 0 roteiro de cinema “ As personagens nfo tém de dizer ttido SWAIN aconselha, com pertinéneia, que se con- serve nos dislogos um “fator de reticéneia normal” (@ factor of normal reticence). Bm outras palavras, as personagens nfo devem dizer-se tudo, nem toda a ver dade — por que o fariam? Podem s6 revelar parte de- la, sem com isso serem mentirosas, A complacéncia das personagens em contar umas as outras tudo 0 que so e 0 que petisam é uma ingenuidade tipica do ro- teiro de iniciante, © 0 ‘realismo" do dislogo é sempre estilizado * Segundo autores de manuais e roteiristas, os did- Jogos nao devem ser reproduedes servis da realida- de. Os didlogos reais s4o, na vida, sempre cheios de tropecdes, de redundancias e de disparates. O dialo- go de cinema deveria ser “muito, mais breve, muito mais concentrado” (Jean-Claude Carriere, in SALE, 58), ‘Um bom didlogo tampouco deveria ser redigido em estilo “escrito ou literdrio”. Como dizem NASH. OAKEY (76), “as palavras que so feitas para serem lidas ¢ as que sao feitas para serem ditas nao devem ser escolhidas da mesma maneira”, VALE (27) confirma que o texto do dislogo nao de- ve tera densidade de um texto escrito: “A palavra fa- ada nao é absorvida to facilmente [quanto o texta escrito] (..) © poder de concentrac&o do espectador cai depress,” 0 equilibrio do didlogo deveria ser encontrado, portanto, entre a concentracao excessiva do texto es crito eo cardter demasiado diluido da verdadeira con- versa “realista”. O roteirista principiante tende a subestimar a di- mensao de seus didlogos: a leitura, eles parecem ter uma duragdo adequada, mas, pronunciados, tornam- O tabuleiro e as pegas z 105 sb muitas vezes intermindveis ¢ chelos de redun- dancias. ‘Ao mesmo témpo, tem-se uma idéia falsa da quan- tidade de didlogos nos filmes que se véem. O cinema de ago americano, por exemplo, tende a ser falador, ‘mas seus didlogos intermindveis passam facilmente, porque séo redigidos e interpretados em estilo de con- versa familiar. Em compensacéo, o cinema francés -uitas vezes tem didlogos menos abundantes, mas que slo menos digestos, devido ao peso decisivo das pa- Iavras pronunciadas, que sempre pretendem ser car- regadas de sentido. © Didlogo e situagio Certos roteiristas ¢ autores acham que ndo se de- ‘yem tratar os diflogos 4 parte, como um exercicio ver-, bal, mas concebé-los inteiramente em fungéo das personagens e, sobretudo, das situacdes. Nao haveria aidlogos bons’” em si, pelo brilhantismo das réplicas, mas dialogos mais adequados ou menos adequados & situacdo. Assim, o roteirista e diretor americano Paul Schrader, em sua entrevista para a revista Cinémato- graphe (n° 53), mostra-se contra o ato de se privile- giarem os dilogos, especialmente no cinema frances, ‘onde a funedo de dialoguista foi, durante muito tem- po, separada daquela de roteirisia: “Uma vez. que vo- 8 pos as personagens devidas numa situacdo interes ., sante, tudo 0 que elas dizem torna-se interessante.” Em outras palavras, o bom didlogo poder ser uma tro- cade frases banalissimas ("Tem café? Que dia lindo!"), que situa carreparé de sentido, emogdoesuben tendidos. ara Francies Veber (SALE, 123) essa tradigéo fran- esa — de Guitry, Pagnol, Carné-Prévert — de consi- derar o diglogo como um elemento & parte do filme, 106 0 roteiro de cinema quando néo como seu elemento predominante, princi Dal tonde a desaparccen nn oman Pl Norman Kramna, aa obra de Richard Cocis, alk ing Pesures, Ga umn depoimento: “Eu tinha reputaeto de esorever hon ddiogos de comédias, mas alee ss isso deviase ao fato de meus didlogos correspondesem 8 sieuapao. Nao se pode eserever un eialogo sul ce elento corresponder stuagao." (268) Na mesma obra Howard Kock outro renomado roteitista, autor de Ca sablaca, declare: "Nena magi do disogo poe sa varas defciénlas de construgao do roti, se bem que Serio produtores teimem em acreditar 0 contrib. OO chcock aha itchcock tina a preocupagio de nfo recorrer & faclidade do dislogo para fazer com que ele sozinho criasse.0 sentido € ovmovimento de una cena, mas adequélo &situagfo: "Ovando se esereve um filme, € indispeasével separerniidamente os elementos de di logo ¢os elementos visuals e, sempre que posiv!, dar referencia ao visual. (.) Quando se-conta una his: teria no cinema, s6 20 deveria recorter ao dilogs quando. fosse'impossivel fazer de outro. mod, chook Frat Bations Ramsay, #7 [sso ndo impede que os filmes de Hitchcock sejam tho falndores. quanta Sinema anucanstesnaen wsiizem abundantemente os steoursos peoprice do dogo (pindas, comentérios hipderitas, trade, subentenidos) oF + Didlogo-contraponto O didlogo pode nao ser um comentétio da situa- fo vida as sobre outa coisa um eeto de con raponto. Este é 0 procedimento do didlogo indireto, cuja forga € dade pela indiferenes A eens em curse (@iélogo banal e tranqiilo numa cena dramatica). Um caso particular desse procedimento, baseado no st. 0 tabuleiro € as pepas 107 bentendido, €0 das cenas de amor, em que as perso- nagens, enquanto se afagam, falam de diversas coisas {Notorious linterklio}, de Hitchcock), Numa seaiién- tia conlecida de The Silver Streak (0 expresso de Chi- ago), de Arthur Hiller, citada por FIELD, os heréis fazem amor num compartimento do carroleito con- « versando sobre horticultura, e suas replicas sf0 es: tritas de modo a terem dupio sentido em relacdo & sua situagao. Subentendido, cumplicidade, alusio, “understatement” Uma arte no cinema : { subentendido é a arte de dizer as coisas indire tamente ¢ por aluséo, portanto com mais leveza eele- glnicia, Esse procedimento, que consiste em “dar a entender mais dizendo menos’, feriinngiodpportan.- temps dostiles umeritans come U ina ¥ yejse cafacteriza por ui estilo de s30, que apela para a rapidez de espi ito das personagens. "edo publico, ‘Sbserve'se, por exemplo, no filme de Hawks: — como Harty faz Marie, chumenta, compreender que nfo Geis nterensado em Helene. Em vet de Ihe dizer Isso lite ‘Slmente, ele pede: “Vamos, dé uma volta em torno de «alin! coneretamente, claro. Primeiro, espantaday la aba objdlecendo: depois compreende 0 subentendido: Zmvend nao hi enka fio te amarrando.” rEOucntdo como Marie, presa com Harry na batida,cita Tieplcafetiche de Eddy sobre a abelha morta para falar Acigemneiasplaras apy om verde simplesmente the perguntar: “Onde esta Eddy?" ane Fegan de. réplicas como; MARIE: “Quem @ a mu inher STHARRY: “Oue malher?”/MARIE: “A mulher que lhe dds essa opinido sobre as roulheres?”, ete 108 O roteiro de cinema © subentendido pode se situar néo s6:nos didlo- gos, mas também nas situacées. Ernst Lubich foi um mestre nesse dominio, 10, Mentiras + Mentese 0 dficiente no einem? Citemos um trecho de Erie Rohrer, conhecido ¢ importante: “A seqiéncia de Le orime de Monsieur Lange de Renoir] em que René Lefevre conta a Mat rice Baguet como empregot sua tarde de domingo & excelente, pela dupla razio de que faz aluséo a ume cena precisa dofilme e porque esse rélato é uma men- tira, Nao se mente o suficiente no cinema, salvo nas comédias (.) Para enfraquecer ou controlar a terre vel forga da palavra [no cinema), nfo se deve, como Se pensou, tomar seu significado indiferente, mas en- ganador,” ("Le goat de I beaute", Editions deV'Btolle Cahiers du cinéma, 32.) De fato, os roteiristas de cinema as vezes pare- cem esquecer que suas personagens podem ment, Stivamente o& por omissio, mesmo que nfo sejam 2 personagens mis da historia, eqye essas mentiras po- dem serum elemento ativo do roteiro, Segundo as in- formagoes dadas a0 espectador, este pode identificar a mentira como tal (ge assist A cena contada menti- rosamente), ou suspeitar dela, ou ainda defxar-se en- ganar até ficar sabendo de verdade... ou de outra ‘Quando se tem um flashback trazido pela narra- tiva de alguém, o problema é\saber se ele € verdad rooumentiroso, ou até deformato de bos. 0 mesmo corre com relagao 8s "imagens mentais” ow-a vo2 off emprestadas a uma personegem. 0 tabuleiro e as pecas 109 Hitchcock reprovou-se por ter colocado em Stage Fright (Pavor nos bastidores) um flash-back menti- 1080, destinado aenganar no s6 personagem a quem se relacionava a narrativa, no filme, mas também | espectador, confiante na realidade das “imagens” que evocam o passado. * A nentira no filme policial Para completar o que diz Rohmer, notaremos que auutilizacéo da mentira, entretanto, é Corrente em cer- {os géneros de filmes — nao s6 nas comédias,mas tam- bbémn, por principio, nos filmes policiais. STEMPEL, critica inclusive em Chinatown (Idem), de Roman Po- lanski (roteiro de Robert Towne}, um emprego dema- siado sistemético ¢ repetitivo da mentira da heroina, representada por Faye Dunaway. De fato, ela se re- trata varias vezes, para fazer 20 heréi novas confi s6es diferentes, de que ela volta a se retratar mais tarde: “Finalmente vou The dizer a verdade..." A per- sonagem da mulher fatal, da traidora impenetravel do- tada de uma insondavel propenséo a mentira, € um, elemento capital no filme policial Eric Rohmer pés em pritica a sua observacfo, jé que em seu filme Pauline & la plage reina a mentira: mentem Marion, ¢ ela mente a si mesma, Em Uma aventura na Martinica, « mentira esté do lado de Harry e dos resisten- tes, que precisam blefar, diante das chantagens, ameagas ce pressdes de Renard, 11. Nomes’ © Importinela de saber o nome freqilente seguirmos um filme inteiro enos lem- brarmos dele com preciso, sem termos memorizado a 110 0 roteiro de cinema, os nomes das personagens, sobretudo sem guardé-los depois. Mas o importante é que esses nomes represen- tem corretamente sua fungao durante o filme. Conforme os casos, ofato de o nome da persona- gem nio ser fornecido ro filme, ou nao ser guardado, pode ser um erro, uma negligéncia prejudicial a boa compreenséo da historia, ou, a0 contrério, uma ne: cessidade para que a narrativa possa funciona, 'No inicio de North by Northwest (Intriga interna- ional, ¢ importante que o espectador guarde bem 0 nome da personagem representada por Cary Grant (ele se chama Thornhil), para poder apreciar o mal entendido de que Thornhill serévitima quando for to mado por outro. Assim, utilizam-se principalmente as replicas de um ascensorista (que Ihe diz "Bom dia, Mr, Thom”) ede sua secretéra, que repete se nome Pode ocorrer outro género de mal-entendido, mas por parte do espectador, se ele ignorar o nome ol att buir outro nome & personage. Portanto, o problema da atribuigéo do nome & per. sonagem e do momento em que esse nome é revelado do espectador néo deve ser desprezado. > Quando ficamos sabendo dos nomes das personagens? Em Pauline @ la plage, ficamos sabendo os nomes de ‘Pauline e de Marion apenas na segunda cena, na praia, Por tanto, durante alguns minutos, subsiste um pequeno mis- {rio que néo deixa de ter importancia: como ha uma Pauling no titulo, o espectador se pergunta qual das duas ‘mocas serd ela, Em compensacio, ficamos sabendo 0 no- ‘me de Henri e de Pierre quando os dois entram em cena, co de Sylvain em sua segunda aparicio, quando ele volta A praia para se encontrar com Pauline. ‘Neste caso, trata-se dos nomes de batismo: ficaremos sem saber 0 sobrenome das personagens —¢ uma historia, de fétias, privada, em que 6 social ndo entra em jogo. ; | 0 tabuleivo ¢ as pecas aun ang sirens Renee, {Tanto de Paulo} $6 so dadon os somes des dois jovens S'inome sserso de uma divindads. Holmeister, terror! cdo codificada. Quanto aos membros da quadrilha de Ma- “tre si dizem "o Chefe” ou “o Doutor’) + Escolha dos nomes ‘Nos filmes americanos, os nomes de batismo so utilizados com freqiiéncia para indicar que a perso- rnagem pertence a certa comunidade de imigrantes (ita liana, polonesa, judia, irlandesa, sueca, etc), constituindo um traco de caracterizacao. Als, 08 ro- teiros americanos muitas vezes so construidos com 12 0 roteiro de cinema base na confrontacdo de tragos “étnicos”, j acusa- gos pelo nome: o italiano serdapegado 3 fsa ee. ligioso, o irlandés seré teimoso, beberrao e briguento, ete, Dada a origem particular do povo americano, orfundo de diversas comunidades de imigrados rela- tivamente rebentes, os EUA sfo, inclusive, 0 tinico pafs, em que o nome pode servir para assinalar a origem Judit de uma personagem ecaracterizar os tagos de sua personalidade, sem que isso signifique antisemi- tismo (nos filmes americanos, os judeus com freqién- cia sao intelectuais, psiquiatras) Nos filmes franceses, constata-se com freqiiéncia ‘uma dificuldade em dar nome as personagens,seja por aio se ousar empregar nomes de origem estrangeira para pessoas de nécionalidade francesa (quando mui- tos franceses sdo descendentes de imigrantes italia. nos, poloneses, etc, mais on menos recente), dando-se a elas nomes caricaturalmente franceses (Martinau, Michalon), seja porque, no cinema francés de autor (Nouvelle Vague e outros) os herois muitas vezes tém nome de batismo e nao tém sobrenome — o que é coe- rente com uma dramaturgia baseada em historias sen- timentais e galanies, em que a comunidade social, 0 trabalho, costumam ter menos importancia que em outros tipos de historia. A célebre réplica repetida de Pierrot le fou (O demdnio das onze horas), de Godard, fem que Marianne teima em chamar seu pareeiro de "Pierrot", e este repete incansavelmente: "Meu nome € Ferdinand’, sem ctivida nao teria o mesmo sentido -amesma forca num filme americano, por exemplo, onde © sobrenome tem maior importiacia. oe 12. Personagem Para Sidney FIELD 25), uma personagem de filme se define em trés niveis: profissional (‘o ponto de par- tida da caracterizagio”, diz ele, o que talvez seja uma abservagio tipicamenté americana pessoal (sia fant Tia, seus amigos) e intimo. Ele acrescenta: “A persona- ‘gem £0 fundamenio do roteiro (..)-E preciso conhec®la antes de escrever uma s6 palavra no pay Sera precise dr &pesinage como laze aun ‘uma biografia imaginaria, iceberg de que s6 uma par- te emergira no fiime?Tean-Loup Debacle (GALE, 89) ro lata que procede assim, enquanto Gérard Brach, na ‘mesma obra, mostra-se cético quanto a utilidade des- ‘sa pratica bastante difundid: FIELD jamb dstingue 23) por um lado, o gue caracteriaa & personagem desde seui nascimento até 0 inicio da ago e o que ele chama de set interior, e, por outro lado, o que é revelado sobre ela durante o desen- Tolar da ago, desde o inicio do filme até a sua conchu- ‘so, eque ele chama de exterior A formulagéo pode ser iscutivel, mas essa distingao ndo deixa de ter interesse ‘Os autores de tratados concordam em dizer que a personagem, sobretudo a personagem secundaria, de- Ye dar uma impressto dominante, resumivel numa pa lavra: frieza, insoléncia, esperteza, cinismo, competén- cia, autoridade, etc, Podem-se dar também & perso hagem tragos e tiques caracteristicos (ver: Caracteriza- G80) e, em cerios casos, um segredo. NASH-OAKEY (46) afirmam que a personagem principal do roteiro deve ser interessante, escapar dos Elche (@o gneroprostiuta ds coragdo grands) ss citar reagées fortes, ter um caréter que permita confli- to intenso com antagonistas (logo, ter cardter}, ter certa coeréncia e consisténcia 114 O roteiro de cinema As personagens deve, enim, ser conratntes teal Soe i cr hor sou comportanento, nto pelo gee ee dina su epelo aut do fonknce gues ee agen de cinema se evelan, O cease heen, mente falando, seria comportamentalista, * Quontas personagens principals sio necessérias? Segundo FIELD (22) e NASH-OAKEY, deve haver uma e no duas, o que significa que, nos filmes que ontam a histéria de um casal, um dos sets membros leveria ser privilegiado. SWAIN nota que nao deve ha, yet muitas e Jorge Semprun in SALE, 114) afirma com bom senso que devemos pér menos personagens num Filme do que num romance. Quanto 48 personagens Secundérias, nfo sevem ser “sacrificadas” (HERMAN ), isto é, definidas de maneira demasiado sumaria, eon VALE aconselha (274: desejavel que ag con: frontagdes das personagens principals sejam distr buldas (;) Na medida do possivel, cada personage cipal deveria ter pelo menos uma cena com uma das outzas personagensss soma «ges yn de prc ens 2S pace rst eat gens. Haveria duas espécies de filmes: os filmes ba- Seados essencialmente na acéo, com personagens rica e matizada e a acdo mais reduzida, Outros ne; scistmelca fim dase sry stom Alte cei Elacbaciicinininoueieaane Aristételes dizia, em sua Poética: “E a 0 tabuleiro e as pegas 43 9s homens sfo deste ou daquele modo; mas eles sio felizes, ou o contrario, em razdo de suas agées. Por- tanto, as personagens ndo agem para imitar 0s carac- tetes, mas recebem os earacteres em acréscimo e em razao de suas agdes (dia tas praxels).” Em sua "Intto- duction a l'analyse structurale des récits” (Comnaun- feations n? 8), Roland Barthes faz 0 seguinte co- mentario: "Na Postica aristotélica, a nogao dle per~ Sonagem é secundaei, inteiramente submetida a no- Gao de acko: pode haver fabulas sem earacteres, diz Aristételes, mas nfo pode haver caracteres sem fabula (..) Mais tarde, a personagem que, até entdo, nao era mais que um nome, o agente da aco, assumiu uma consisténcia psicolégica, tornou-se um individyo, uma ‘pessoa, em stima, um ser plenamente constitufdo, mes- mo que néo fizesse nada c, € claro, antes mesmo de agit,” Tenderiamos a pensar, apesar disso, que a de- finigdo da personagem, expressa como "tipo", “esse cia” (0 "Ulisses deanil ardis”, de Homero), jé existia na Antighidade. ‘Wladimir Propp, em seu estudo sobre os contos maravilhosos, revela que a personagem do conto n fem consisténcia psicol6gica, s6 existe em relaczo 8 sua esfera de ago: ela & aquele que busca, ou aquele auc combate, ou aquele gue infra, Diderot, em suas Conversagbes sobre o filho na- tural (96), defende uum teatro de agées, de situacdes, ém relacéo a comédia de carater do teatro cléssico (O avarento, O distratdo, etc). "Na comédia, era do ca- rater que se tirava toda a intriga. Buscavam-se, em geral, circunstncias” (96). Ao contrério, diz ele (47), ‘info se deve dar espivito as personagens, mas saber colocé-las em circunstincias que dem espiritoa elas.” HERMAN (30) formula assim esse dilema clissi- co: plot vs character, a intriga contra a personagem, ‘Segundo ele, 0s filmes americanos so mais filmes de 116 0 roteiro de cinema lot, ¢ 0s filmes europeus so mais filmes de charac. ter. Ao contrério de VALE, ele acha que é esse "0 dilema com que o roteirista se defronta constan. temente”. Com muita ago, as personagens tendem ase tornar marionetes; com grande sutileza psicolé- gica (dizem alguns) a acdo fica mais lenta e perde sua importdncia, O ideal seria combinar e ligar estreita- mente carater e aco; 0 que é mais fécil postular no- abstrato do qiie realizar de fato. Hitchcock garante, em seus didlogos com Truf- faut, ter-se defrontado muitas vezes com esse pro- blema: ““Tento corrigir a grande fraqueza do’ meu trabalho, que reside na pouca consisténcia das per- gonagens dentro do suspense (.) Iso me € malta di ficil, porque, quando trabalho com personagens fortes, las me levam para onde querem ir. Entao, sou como a velhinha que s jovens escoteiros querem forcar a atravessar a rua: no quero obedecer."; (Hitchcock Truffaut,271) Quando, em 1972, Truffaut voltava a lhe fazer a pergunta: “O senhor prefere filmar um rote ro com situagGes fortes ¢ caracteres ndo muito apro- fundados, ou’0 contrério?, ele respondia: “Prefiro as situagdes fortes, E mais fécil visualizé-las. Para estu- dar um cardter, sdo necessarias palavras demais.” (H- T, 288) A alternativa para Hitchcock, portanto, pare- ce Ser inevitavel e pedir que se faca a escolha. VALE (141), por sua vez, acha que ni existe a al- temnativa “caracterizagao ou acio. As‘duas estao li gadas de maneira indissolivel”. Ble diz ainda (114): ="E preciso manter presente a correlagio e a interte- lacdo entre a personagem e a ago.) 0 roteirista ndo deve imaginar, separadamente, por tum lado os acon- ‘ecimentos que formam a histéris, por outro lado os caracteres das personagens.” Isso é verdade para os ‘dramas eas comédias psicol6gicas, mas néo tanto pa- as filmes que se baseiam na multiplicagdo das pe- O tabuleiro e as pecas 7 ripécias ¢ em que a eficacia dramética obriga a con- ferir as personagens reacées simples e suméri proteger-se de um perigo, alegrar-se com um suces- + $0, ete FIELD sugere, a partir desse mesmo problema, duas maneiras de proceder: ou se eria primeito aidéi do roteiro e se definem as personagens depois, para animar e encarnar essas idéias; ou se cria primeiro unfa personagem e, a partir dela, inventa-se a agao que a revelaré, Permanece a altenativa roteiro de situa- sioiroteiro de cardter. E ainda de FIELD o axioma; sedutor enguanto abstrato, ation is character, agfo &a personagem. Em outras palavras, éa agio que faz, que define a perso- nagem. Para FIELD, € preciso definir o objetivo, o de- sejo, o need da personagem, e criar obstaculos entre ela ea obtencao desse need. Mas, na pritica do rotel- ro, essa identidade acaolpersonagem costuma ser di- ficil de se realizar, + Conversio da personagem A regra no teatro classico era que, uma vez defi nida a personagem, esta ndo devia mudar de cardter Para Aristoteles, por exemplo, os caracteres empres- tados as personagens devem ser conformes (a sua ida. de, seu sexo, etc,), semelhanies (20 modelo histérico ou mitolégico utilizado) e constante (omalén). Boileau cenuinciava essa mesma lei a propésito da personagem de teatro: “Que, em tudo, consigo mesma se mostre de acordo.” ‘Admite-se, porém, que’a personagem possa se mo- dificar, contanto que isso no ocorra de maneira in- coerente c stibita. Considera-se até como um bom prineipio que a personagem se revele na aco, desperte ese alirmeno acontecimento, adquirindo uma dimen- 118 0 roteiro de cinema sio insuspeita no inicio: € a clissica situacdo do co- tarde que se tora corajos, do egoista que se torna generoso (Harry Morgan, em Uma aventura na Mar Hinica), ou do heréi que se forja no sofrimento ¢ no desafio de um perigo que no procurou no inicto, As tinicas conversées desaconselhadas sto as que sobrevém arbitrariamente, imprevisivelmente, por simples questo de comodidade para o roteivista (HERMAN, 73), Em certos casos, a auséncia de uma conversio, de uma modificagdo numa personagem que vive cer. ta experiéneia pode até aparecer, legitimamente, co- mo erro e displicéncia, Citaremos as criticas perth: Rentes formuladas em Starfix (n? 20) por Frédéric. Albert Lévy a propésito do filme de Yves Robert, Le Jumeau, com Pierre Richard: "Le Jumeau pode ga: bar-se de contar a historia de uma personagem que, de um dia para o outro, inventa um gemeo pars sf fem de viver com esse gémeo ficticio durante varias semanas, mas sem que essa experiéncia tena a me. nor conseqiiéncia para ele. Uma vez posto de lado © gemeo, ele volta a ser o que sempre foi, nada cobrit sobre ele nem sobre os outros.” Essa crit ca soaria falsa se o filme se situasse numa ética com. Pletamente burlesca (personagens-tipos, impividos ¢ iguais a si mesmos, como Buster Keaton) ou se essa auséncia de reacdo da personagem A sua expe, rigncia fosse designacla e assumida como um dado dla historia. Nesse caso, parece que nao ocorre nem uma coisa, nem outra: nem o filme atinge a estiliza Gao dos tipos, nem a identidade da personagem con sigo mesmo, & wm dado ativo da narrativa Lessing, 0 autor da Dramaturgia de Hamburgo, cita a opinifo de um critico francés que condenava ‘uma peca pela “siibita conversa” de uma persona. em, conversio que, por isso, no era verossimil © O tabuleiro e as pecas ing mae areca coma doar (utr eon SpE ne parle? ae lr ee ae Pasta eee et eee el be ie aan oan es catia Ree eer tornou-se um modelo de altruismo; ela amava, agora Shan Eee desintencas a versio rgis ou ipenos radeal do pootagonsta masse sohaiichlima cache Gate Sy feet ease Sebretudo cit Tange Mizoguet, € mulher como sepre Se Nee ney Peace ee en ihn MOP ns alert as Suen ores Greaves de camer Sera conversio, colocando-o numa situacio instavel, tirando-o ae oa sp en aah sees een eres conten Wie aed Ee ca ae Go roe altace ee de cone Gin eit Saeed eee See ts on epee ana SS fai eased janis Shee ehbak er ehdnane 120 0 roteiro de cinema Da mesma mancirs, Harry permanece, nas tapes st: cessivas da sua conversio, umm homem chusticoeevesso 8s cfs, No ert com dene ono mostado cox to um homem lee! e eapaz de se ligar profundamente (co to nao BG), sn "onersto" parece oie ¢ ‘De certo ponto de vista, qualquer historia digna des- se nome seria uma historia de formacao, de iniciagao, de conversacao, “O problema do rote”, diz Pascal Bo, nitzer, “talvez Seja: de que maneira o saber, o envelhe” cimento, chega a um certo numero de personagens? (..) Um roteiro é sempre a histéria de um envelhecimento, ou de um rejuvenescimento, néo sei. Seja como for, é tum ‘tornar-se alguma coisa’ .” (Léanjeu sofnario, 74) De fato, uma histéria cativante, mas ao longo da qual nfo hé ninguém que aprenda alguma coisa e se transforme com cla, deixa um sabor de vazio ou de amargura, : * Como e em que momento colocar as personagens ‘Uma personagem pode e deve ser definida quan- to.a seu cardter ot sua fungdo o mais cedo possivel, desde sua primeira cena. Por outro lado, as persona. zens se definem umas em relagio as outras, forman- do constelagses de caracteres ‘Assim, o pal de Zushlo, Masai, define-se como a an- ‘Utes absoluta de Sansho um é totalmente bom, 0 outro {otalmente mau, mas. oposi¢do funciona sind melhor por seremt os dois homens compardvels sob outros asp Ter, por terem a mesma aura patema e o mesmo prestigio hietdrauieo. : aie ‘Aime, Tamaki, defines sobretudo por sua fidelida- de e sua adesto itrestrita A memoria do narido ©. lem. tranga dos flhos, Sua filha, Anju, 6 uma personagem igualmente integra, toda dogira, compalxao.e sacrifci. Enire as petsonagens imutdves, temos dois earacte- res de rapazes mals dvididos, moves, indecisos, cuja ro- 0 tabuleiro ¢ as pecas 121 {ria Mutugto afirmase melhor por contrasts com asclidex Tees pavers trates de Tare io de Sancho, ede Seahte noc aseul Bes representa dass attades, dias opeoe em resto so Mal fare revotade com ain: tsisdbleecal ss ngnseosdade de soups tolala& frac demalt pare copbatb le drctament! ope por fr fire vrarmoige Seu lado velhdiovaloriza por centres ES comportatncat vlunuariso,transgressare resolute de Daan dante do Maura vx que eke feta sun con Notaremos, também, que o carder ea fungi de cada persongent de Sere bay suo etnies tncctemen TSrguando da sua primeira apaigt. Ninguem & ql saa eS mal ou heoato® abstatamen, pelo Slscurto dow ostrow cadopervonegem demonstra aie tmeas em geu papel desde sun pri ‘anki a me, aparee de ni oth que comets inipradencan"Zushis ¢ penpoes a Viushio, independent, logo mostrado eventurando se paralonge do grupodas mulberes oan guroto sin da, jana cena 1, anda num tronco de érvore sobre um rio. Maso fas bak do nc, opaece ine te pondo em agi a justiga ¢ a compaixao (cena 2}, enquan- Ie beprnsiad pints do itendante Sendo cosbeecem ‘sua dureza: "E preciso fazer essas criancas trabalharem Sno os ouron Nada de raquesaly replicas quedo sto Spe profes def mas Srden epee & xceusie "As Goes ienpes intense de tes anita se ma team didnt, quando naps cerm lepds pai ara poupar a crtngas mas nsoinssve quando pac Tan Readordons anteriores 13, Mulheres Por que abrir um item especial para as persona- gens femininas, j4 que no fazemos 0 mesmo para os 122 O roteiro de cinema homens? £ que os autores cos manuais de roteiro ¢ os, proprios roteitistas reservam 8s mulheres uma sorte A parte, tratando sua integragdo nos raters como um problema especifico, quando ngo se trata, em princi- Pio, de “histérias de casais”. A displicéncia do rotetis fa seria utilizar a mulher como objeto de recompense do vencedor, prémio do guerreiro, ow suplemento de- coratvo de tuna historia em que ela no Fosse essen- Sidney Pollack, em Cinématographe (a? 53) conta: “Os roteiistas costumam dizer que as personagens fe- ‘mininas sio fontes de chatcagbes, e muitas veres isso € verdade porque elas estdo presentes apenas para se. xo paquera e nao pertencem de fato a espinha dorsal do filme.” Quantos filmes modernos, de fato (basta vet 08 cartazes, em que a personagem feminina ou esta atx sente, ou € reduzida a um tamanho mindsculo em rela ‘40 ao heréi,ilustram essa observagaol Vejamos como séo tratadas as personagens femi- ninas em nossos quatro filmes. Em Uma aventura na Martinice, Marie Browning, e- presentada por Lauren Bacal, lustra um tipo feminino amine hawklang” ~ com sua ales, um cot lado masculino eo gosto de se Integrar em grupos de homens ‘Noutra mulher, Helene, represents o contri, una act dda que, depois de se mostrar tolae desastrada, baixa a cris tag se submete, Quanto a Mave nora tena coragem, inteligenciae todas as qualidades de" competénela que os fines de Hswianto Sala, nfo a Vemes manifertr ex liitamente opinizo politica. Parece sbragar naturalimen- {era eauna do seu honem e, para entrar no la dos amigos de Harry, tem de passar pot uma espécie de "inciagio™ re. pez ela prgunt enigmatin de Eddy sores abe ‘Sansho Daya € um melodrama “familia”, onde as mae Jheres (2 mie Famaki a filha Anju e as duas escravas, Nev mij Kayano) desempenham um papel importante eativo, © tabuleiro ¢ as pecas 123 tmas slo quase todas vitimas, manifestando humanidade compalxao.O filme, centrado nos sentimentos familiares {toh intrige amorose), desenola-se numa sociedade em que a8 mulheres no tem otra stoma ale da sua resistén- Gia passiva ede seu sacrfcio. "Pauline la plage € usa comédia sentimental com tr, casais,em que as mulheres tem a mesma importaneta e i clativa que-os homens, ou até mais. As ues peveonagens femininas, Marion, Pauline, Lousete,sfo bastante die renciadas pela dade o carder en conto social. Duasde- Js — as que tem kdace para trabalhar legalmente — tem independéncia familia efinancera trabelham — Marion como estlista,Louisette como vendedora ‘Em Mabuse, a heroina Lily, em comparagao 20 hers Xent, de quem € amante, nfo persegue genhum interesse pessoal, Hla representa a salvapdo e. redengfo para 9 ho- fem que acompanha em suas provagdes, Aoutra sulher, ‘Anna, colocs-se 20 lado dos mas, sendo a amante do ban- did toais"afeminado,o veceptador Grigori. "Asmulheres de Mabuse ede Unta aventura na Martini ce habia im niet deliomens, one scot ax 1 como compankciras de um dels, caja causa desposam. ffi tem un teabato (numa agenia de emprego, como 0 flashback nos informa), mas € um trabalho que nto eset. penta nenhum papel ativo na historia. No entano, nesses {ois files, assim como em Sansho, as mulheres represen tam um papel humanizante: 6 em contato com cas, of grayas a Seu exemplo, que o homem desperta para inals umanidade, compreensio e generosidade 14. Grupo Muitos filmes si construides com base na histé- ria de um grupo, de sua constituigso, de sua missio e de seus agentes de destruiggo internos ou externos...0s roteiros de Charles Spaak (La belle équipe [Camaradas, 124 O roteiro de cinema La kermesse héroigue [A quermesse herbica), por exem- plo, muitas vezes so construidos com base no tema de tum “grupo reunido por um objetivo comum e que pre- cisa lutar contra os perigos da fragmentagao, da des- truigdo, que o ameagam de dentro on de fora.” ‘Oagente de destruigao do grupo, quando este shi- mo é composto apenas de homens —o que é freqtien- te também pode ser 0 tempo que passa (The Big Chill [0 reencontrol, de Lawrence Kasdan), a perseguigio de ob- jetivos inconciliaveis ou, 20 contrério, de um mesmo em indivisivel, a reaparigdo da condigéo de classe ou da diferenca social, o makentendido. Em Mabuse, sfo duas mulheres, uma mulher “pura” (Lily) ¢ uma moca “leviana” (Anna) gue contribuer, cada tuma a seu modo, para desfazer o grupo masculino consti tuido por Mabuse — a primeira gragas a sua bondadee seu amor devotado por Kent (que ela acompania a0 esconderi- jo do bandio), a segunda exibindo as jéias roubadas.. ima penetrou no lugar em que no devia, a outra expos o que devia permanecer escondido. * Constituiséo ou liguidagio de um grupo ‘Quando 0 roteiro comeca contarido a constitui¢éo de um grupo (Schichinin no Samurai [Os Sete Samu ais], de Akira Kurosawa e seu remake americano, The Magnificent Seven (Sete homens e um destino}, de John Sturges, Dirty Dozen (Os doze condenados], de Robert Aldrich, Le saiaire de la peur {0 salario do medo}, de enri-Georges Clouzot ¢ seu remake amerjcano, Sor cerer (0 comboio do medo}, de William Friedkin, Es cape to Victory [Fuga para a vitérial, de John Huston, etc), a astiicia empregada consiste em quebrar a re- gularidade do ritmo de recrutamento: um dos homens previstos é substituido no dltimo instante por outro, inesperado; dois ou trés entram juntos, etc. é, classicamente, uma mulher (Camaradas), mas, O tabuleiro ¢ as pecas 25 mesmo ocorre para a situagaio inversa, isto é, © exterminio (Alien (Alien, o oitavo passageiro}, de Ri ley Scott, Southern Comfront {Confronto Final), de Walter Hill, Die Briicke {A ponte da desilusio, de Bemhard Wicki, Kanal, de Andrzej Wajda). Ou um dos membros do grupo se revela um traidor, talvez ‘mesmo um ndo-humano (Alien), ou a eriatura que ‘5 suprime, trabalhando rapido, leva dois ou trés de tama ver $6 ‘Na histdrie de um grupo que se amplia ou que é dizimado, €aconselhavel, pois, surpreender a anteci- pagdo do espectador quanto a0 modo como esse gru- po vai ser feito ou, a0 cantrario, desfeito. Num filme de Pierre Kast, Les soleils de Vile de Paques (Os s6is Ga ha da Pascoa) a constituigao de um grupo de ele tos, que veremos destinados a “salvar o mundo”, desenrolase de uma maneira demasiado regular ¢ mo: notona * Tensées no grupo Os roteiristas podem jogar com as tensées psico- logicas no seio de um gripo para torné-lo mais vivo € animar seu material dramético. Todavia, jogar de- ‘mais com essas tenses internas pode acaba quebran- do a identificagto do grupo (quando é nela que repousa o filme), tendo como resultado o pablico nao tomar partido de nenhuma das personagens e se de- sinteressar de sua sorte. ‘As historias familiares baseiam-se muitas vezes na auséncia ou na defeccdo de um dos membros e do papel que ele desempenha. + Grupos foveados ‘Um caso particular é constituido por grupos for- sados de pessoas separadas por sua idade, suas idéias, 126 O roteiro de cinema sua condigio, sea cardter, eque se resinem subitamen- te, obrigadas a coexistir por causa de um drama: um bombardeio, um crime, uma catdstrofe natural, a guerra (os pristoneiros de La grande illusion (A gran de iusto}, de Renoir), uma situagéo “entre quatro pa- redes”,elc, Esse género de roteiro baseia-se muitas vezes no prinetpio da amostragem do microcosmo so: cial, misturando pessoas bastante diferentes que avi da cotidiana nao poe lado a lado. 15. Acessério ‘Um roteiro pode por em jogo nio s6 personagens, mas também certo mimero de acess6rios importantes ‘ut significativos: pecas de vestuario, cigarros, objetos pessoais, armas, veiculos, espelhos, agendas, ete. Esses acessérios podem ter, num roteiro, dois pa- péis independentes ou simulténeos: — papel funcional, de instrumento: uma arma para ma- tar, uma bengala para se apoiar ao carinhar, um des- pertador para marcar a hora; — papel revelador, ou mesmo simbético, de uma per sonagem ou de uma situagdo. O acessério pode revelar {a personagem por seu aspecto ou pela maneira como € utilizado (jogos de cena, tiques), ou entio exprimir sim Dolicamente as fung6es, as situacdes, o que esté em jo- go. E 0 caso de objetos cuja posse é disputada e que Fepregentam 9 poder rigueza,o saber ou anda ain. felicidade, a lembranca, a infancia (0 trend do Citizen. Kane (Cidadéo Kane], que representa "o objeto perdi- do"). No mesmo filme, 0 quebra-cabeca que o her idoso, monta é uma expressio simbolica transparenite do seu destino e da estrutura do filme. 0 tabuleira e as pegas 127 VALE (23-24) diferencia o prop (acessério inerte), que é passivo e manejével, do object, que é mais ativo: tum veiculo, por exemplo. + Clichés no emprego dos acessérios cs Autilizacdo dos acessorios obedece com freqién- ciaa certos clichés, a certas tradigses: os espelhos sto iutilizados quando se trata de duplo, de busca ou per- da de identidade... Ha no cenério uma gaiola de pas- Ssarinho quando uma personagem € prisioneira (What Happened to Baby Jane? (0 que aconteceu com Baby Jane7], de Robert Aldrich). Um aquatio muitas vezes exprime a presenca de pulsoes inconscientes ou ador- mecidas. Sem contar, como recorda HERMAN (240), Oletreiro de néon cuja luz intermitente lumina as per- Sonagens num quarto. Mas cada um desses clichés pode se revelar inde- finidamente rengvavel, nas maos de bons roteiristas e de grandes diretores. lato podemes imitar-gos pr nas mf as peso nagens cigarros, copos de bebida ou tacos de gofe, apenas Dota ocape las "aver cinema”. Mas é sempre possivel dar {im sentido novo e forte, uma funcio dramatica original & Inaneira como esses gestos banais slo executados ou co- tno repereutem no contexto da cena e do filme. Em Uma ventura na Martinica, po exemplo, quando Matie acen- __ deo cigarro dé Harry diante de Johnson (cena 7), nfo € s6 ra prevacsera cons: o geo de Marie ornae um sinal ErSelidariedadec quae de “sbmisaao" a mes tem po,amancica comocla scende ocignrro parece signfiear Miunery ue be acaling, Sip eagutames que o prmetro Senta ettre Harty © Mare tere como pretesto a busea doum palit de Sstoroc que, desde ent, pedir um cigar ro acendélo, fornouse un joge de cena iio de sentido, Enive Harry & Marie. Quando flay faz com a mfo umn fal pars cl se sory, sgnfien que ele sedate e quando, ard levr Marc a abtiragaveen onde eat rvélver, le 128 0 roteiro de cinema the pede um fosforo, € uma alusfo 20 primeiro encontro dos dois. e ™ Hoe rtanos ass es indttie com nezsaorios que 36 estlo presentes para gua. Inge com crs eo nena das “prlisssde Sem que cad un ds gontropersanagens pip teen ua eoncepgzo do amor, que em Pauline = de- Siete depots ques personagenstevmainaram de comer sear vePoas hada a fazer, ado ser conversor, teria si sane da por outro rotelrsta no decorrer do jantat, ou do coloei Faguanto lavam a lua (ver, esse gener, O a ey do kawrence Kasdan) Quando Pauline ¢ Pie. encore anum yestaurante eens 26, ou quando as dss econ erumg cafe da manb, Rohmer evita recorrer aos Figo decent peru pat camer, ofrece oreo aprecitlo, passat mantciga no pio, pr alguma ‘coisa no fogio, passar o sal ou o bule. . or venagio, Pauline ala plage poe em ago cer to meng de acessrios que sho, todos, indspensévels & Jtiga, Observes: He oes de mindsurf de Pierre, que Ihe serve de pre- wen fare manier 0-‘contato” com Marion, dando lhe JeCENE também dé oportunidade & primeira conversa enize Sylvain ¢ Pauline. eae Sy nse dashes com que Hen stra Pas Tn Bohn para a sua casa equ he recorda o baile da primeira note com Marion. Pre na casa de Hens, que justfic a presenga pas Fgh ean om sua eas, enguentoo primelzo sabe pe Syfazer amor com Louisette Sr se on acessbrios importantes si0objet0s sie nificantes de comunicacio e ndo-comunicacdo: telefone cant ae corona defirio de Hotmeister ede que as per sant mR Tervem mito —ecortina ~ que permite wn sonagens Se ronorae impede a visto — tern um papel Im coe ablio. Mas tarbtm encontrainos em Mabie Scan go bom filme policia, 0 objelo enquanto Secor o vir em que Hofmeister gravou ca 3 pista ou fesvels e que Lohmann manda a policia evar 0 tabuleiro eas pegas 129 ora pera balas de revéver jnsea ncontadas es pare pri a ye Kamm, enfim o colar que Anne Us crinios de Mfrs na pata dos bands, Eo coat e que eno Loran gue pernite a poica etabeleer 2 co ES rns consterados, ini, indepen. selago entre es rg de Kram, o roubo das os, 0c. dees 0 Seti roc fan an agbes do filme, ave ontfo so ofmeiste ina, seligarem eserem tin deselses ane even Marne ge aces cata a efeitos pata passar de mo em 6 cativos pares ginson, contendoo dieiro de sue Ni Fearne usm papel importante no filme da com Hay. fom moss de Johnaon a Maric, ques rou, tal origina eed Hamy, que a cons, Bepos, Harry depos de Mi ara qucca a evel’ ohson, Depots tr Me so cliente, Harry revsia ocaGiver e pegs de nove Se acaba seu cieuito nas mos da pol almentereppitio Renerd, que # confisca! ia et 6 Bea trem cumpre um pegueno cil Fee ae acum mariaheio, leva a Har. ve 2 Mare etoras Crsonagens, em seu gantelo sTMOTOSO, devo ce por intermedi dessa. garrafa ni unico objeto importante au = en sanihe Od erculagdo, € a estatuta do deus de bem é um bles Speorte intacta os cerca de inte anos Soa quais 2 historia se desenrols durante 06 quits 3 ho Zushio, como objeto familiar © Foes rsantuae, para que meni conserves PFS CONSID, Zushi, que se torngu eseravo,ons-t ipso praesent aca De 1 Ge gaardis” da mensagem,pesna emats arden dé 7a Cemaee onizant, Nami para ajudla 8 mor ay Denascer numa vida telbor. Te Teal cuir aolevara vein, Zashio pe aa de novo estate de noo eet gaa falar com o Primeiroinistro ¢& 130 O roteiro de cinema omg a mt 4 Feconhece através dela, reconhece em Zushioo hike fora colada. Siboliarnente ee ori de se desfoee de oe abe um repent papel ingen a 16. Tempo +a ge cata nc cence cates pe Ee npn, rene ou to Fran ‘Apesar de tudo, no cinema mudo utilizavam-se letreiros, como nas histérias em quadrinhos, para esclarecer se um acontecimento era anterior ou Bo eet eee cee zal Sone Setreps eee cpr Eee recdinete quase totalmente abandonado pelo cinema falado, on- 0 tabuleiro e as pegas 131 periodos (em Sansho, por exemplo,o letieiro que abre a cena 10: "Dez anos depois") ‘Mas uma coisa é indicar a anterioridade ow pos- terioridade de um acontecimento em relagao a outro, e outra é contar uma ago no presente out no passs- do. Portanto, podemos dizer que, embora o cinema ut lize certos procedimentos para indicat as “voltas no tempo" (ver: flash-back), eada segmento da narrativa, uma vez situado na série cronolégica, sempre € con- tado no presente. O cinema elaborou eédigos e con- vengées préprias para indicar: a) que uma cena se de- senrola antes da que a precede na narragdo (flash: back), sendo eventualmente simultdnea a ela; 6) tem po transcorrido entre as cenas (time lapses). «+ Antes ¢ depois ‘VALE relembra oportunamente (70): “a ndo ser que uum flashback seig expressamente indicado, tendemos f pensar que uma cena que vem depois da cutra, num filme, situa-se depois, do ponto de vista do tempo". Isso significa que, neste caso, nao é necessério cédi {go ou! convensao para estabelecer a sucessio, mas ape- nnas para estabelecer o tempo transcorrido entre as E por isso que certos filmes podem jogar com 0 espectador, levando-the flash-backs nao assinalados ~como tais, Até compreender que se voltou atras, ele se sente confuso, surpreso, porque automaticamente J se situava num "depois" + 0s lapsos de tempo ‘Um problema que € especifico do cinema, em re ago ao teatro, ¢ estabelecer 0 tempo transcorrido entre as 12, 20, 30, 60 cenas ou mais que um filme po- de comporiar (time lapses). Como, em outras palavras, 132 0 roteiro de cinema indicar o lapso de “‘n” segundos, minutos, horas, dias, ‘meses, anos, que as separa na “diegese”. Entre as convengées que o cinema propés para resolver essa questéo, alguns autores assinalam al guns clichés conhecidos, cujo emprego desaconse- ham: 0s ponteiros do reldgio que giram, o calendério que se desfolha, o cinzeiro que se enche ou a garrafa que se esvazia, etc. No entanto, so convengdes bas. tante praticas, que seria um erro dispensar. ” De fato, como diz VALE (71) “O tempo, por es stncia absttato e invistvel, s6 pode ser representado por suas manifestagdes concretas.” F preciso, portan- to, inventar ou manipular concretizagdes do tempo. ‘Também podemos empregar o que HERMAN chama de “didlogos time lapses” (137), em que uma réplica discreta estabelece, antes ou depois, o tempo trans. corrido. “Hoje a noite a gente sev, diz uma das per. sonagens de Pauline & outra; assim, quando vimos as personagens se encontrarem, saberemos que € 0 mes- mo dia que continua — salvo se, evidentemente, qui- seram com essa réplica enganar a previsio do es- pectador. ‘A avaliacao do time lapse assim suscitada no es- pectador se faz implicta einconsclentemente. Pelo tempo e pelo ritmo das cenas, por um lado, ¢ pelos time lapses entre as cenas, por outro, cria-se um rit ‘mo subjacente, que contribui para proporcionar o rit ‘mo eo andamento de um filme tanto quanto a divisao em cenas e a montagem. + Chegar a tempo para. Principalmente nos suspenses (que sio modos de Jogar com o tempo}, o cinema joga com freqiiéncia com a idéia de chegar a tempo para... talvez porque, a0 contrério do texto de uma peca de teatro, sujeito a in- terpretages e encenacdes sempre diferentes, o filme 0 tabuleiro ¢ as pecas 133 se apresenta de infeio com o tempo materiatizado, fi xad0, coneretizado na tela. "Assimn como, podendo nos transportar a qualquer Jugar, o cinema fem fascinio pela limitagao teatral do ugar dnico, que poderia parecer contrério a seu es- pirito, ele também tem fascinio pelo jogo como tem- po real — as vezes nos mesmos filmes —, embora um Filme seja feito da reuniao de pequenos pedagos de tempo filmados. Por exemplo, Rope (Festim diabéli- 0), de Hitchcock, dura exatamente o tempo da aco, terca de duas horas, e se desenrola no finico ambien- fe de um apartamento nova-iorquino, A idéia do fil. ‘me em tempo real também se enicontra em Cléo de 5 27 (Cléo das 5 as 7), de Agnés Varda (duas horas da vida de uma mulher em duas horas de filme), ou em Ce soir ou jamais (Agora ou nunca), de Michel Deville, roteiro de Nina Companeez. ‘Sem chegar a esses extremos (que, nos filmes cita- dos, nao impedem certa estilizagao do tempo — uma refeiggo que normalmente levaria vinte minutos se re- solve, pelo jogo da montagem ou pelas elipses da decu- ppagem, em cinco minutos, embora pareca desenrolar-se em tempo real”), & freqiiente 0 cinema concentrar uma ‘agdo nuim s6 dia (igh Noon [Matar ou morrer), de Fred jnnemann), dois dias (Rebel Without a Cause (Juven- de transviada}, de Nicholas Ray) trés dias (Una aver. ttura na Martinica), quatro dias (O testamento do Douwtor ‘Mabuse), etc. Isso se faz como que para evitar a sense- ‘lo de dispersioe de perda de tenséo que podria nas- cer da facilidade em nos transportar para qualquer Tugar em qualquer momento. A luta contra 0 tempo (fight against time), a "corrida contra o rel6gio”, € um dos temas tratados com maior freqiiéncia no cinema — endo sem razao. 134 0 roteiro de cinema © Estabelecimento dos “lapsos de tempo” no primeiro ato de Sansho Dayu 0 inicio do filme compreente tres flash-backs, que se ‘supée surgirem na lembranga do pequeno Zushio e de sua mde Tamaki, Cada recuo no tempo & precedido e seguido por uma fusdo. Nesses flash-backs, a mie, Tamaki, é repre Ssentada pela mesma atriz, mas as criangas so muito me ores, sinal de um intervalo de varios anos. £ possivel, alids, que a fuséo néo seja suficiente para fazer o especta dor compreender de imediato que hé um flash-back, sendo ecesiria 2 ajuda dos dilogos, a stusfo, das also {ue pouco a poueoo levaim a perceber que se voltou ao pas- sado. Quando a narrativa retorna definitivamente ao pre- sente, Tamaki evoca o fim do dia: "Precisamos encontrar tum abrigo para a noite.” Mais tarde, quando os viafantes constroem um abrigo, sabemos, gragas a esse dialogue t- ‘me lapse, que estamos na noite do mesmo dia. As cenas se guintes, ‘em que as criangas colhem galhos e a falsa Sacerdotisa chega, so dadas como sucedendo-se natural- ‘mente. Vemos a "sacerdatisa” prometer uma refeicio aos viajantes; na cena seguinte, encontramo-nos numa casa © arnulher diz a Tamaki, Falando das duas criancas que dor- ‘mem: "Comeram bem,” Novo dialogue tinte lapse, destina- do aestabelecer o lapso de tempo (estamos na mesma noite) ‘eno mesmo tempo descrever a agao omitida, isto 6,0 a: tar No decorrer da mesma cena "sacerdois” evoca 0 juturo: "Peguem um barco... Conlheso barqueiros.” Como fa cena seguinte se desenrola de manh, na bruma, a beira o lago, ea primeira réplica da sacerdotisa é para dizer Tamaki: “Enquanto dormiam, acertel tudo”, deduzimos Que se passou apenas uma noite. Depois, o tempo corre de fhodo continuo, atéo rapto de Tamaki e de seus filhos, ce- na terrivel que termina por um escurecimento da imagem, mareando 0 decorrer de um lapso de tempo mais longo. ‘A.cena seguinte se desenrola numa aldeia, onde reco- snhecemos um dos barqueiros tentando vender as eriancas ‘como escravas. 0 homem anuncia-lhes que sua mie jf foi vendida, o que nos informa também que jé transeorreu al- gum tempo (varios dias?}. Pouco depois, um homem acon- 0 tabuleiro e as pecas 138 sclhao barqueiro air provincia de Tango, para oferecer 35 eriangas a0 Intendente Sansho ‘Querido deseobrimos em segulda, apés uma répida fu fo (sgnifeando um lapso de tempo mais breve do que an- tes) usm grande dominio, supomos implicitamente que se {rata Go omninio dota fatendente. Este, a aparecer faz Mlusto Leompra da crlangas como j tendo ocorrido (pox tanto, venda das ctangas fo ite no inervalo) emanda us sejam pootns "imediatamente" para trabalhar. uam iS tehtativa de evasdo da velha Nami, mostrada em se guide fica claro que se Gexenrola mais tarde, no mesmo Sia glass a esta relic: "Durante dia, vendo estas crian- a, pense nas minhas.” Ss Geperem depois, em continuidade: a marcagio aferro em brava de Namijro nterogatorio das crianeas por Ts for que urn homem Yom chamar para que partcipe da re cpio dada pelo paisa receped oferecida por Sansho 20 Stvlado do instr. Depots, Tato parte furivamente ‘quando vai & cabana ver as criangasjé adormecidas (no treat mosica da ecepedo, que se cntizua ouvindo 20 Tonge, estabelece a ontinuidade tanto de lugar como de emp. FSnfim, Taro manda abrir oportZo do dominio para sair rum a um destino desconhieido, e vemos um letreire que indies um salto de der anos ‘Salmitemos como, apenas no dia da chegada 20 do mnialo de Sansho (eenas 8 ¢ 9), uma sucessto densa de Siuagées fortes significativas soube concentrar uma Guantidade consideravel de impresses, informagdes ‘MGnteeimentos, fundamentis para seqdencia da arr tive. Entre outras cola, maream-se intensamente nessas hts eon oo GNP istaneia que separa as criangas da me, de quem fo Fam separadas (pela replice de Taro" ila de Sade fonde 2 me fol vendial é longs") 2 Memueldade de Sanaho © boa vontade receosa de seu ftko Tore: ts basespoiticas do poder de Sansho (que satisfazo mi- Tisito pel sua eftcdla na colata dos impostos); 136 roteiro de cinema ~ adyreada vida dos eernvos no dominio adel ac aciig Cine Stes marca eso, aperendo hoa cot deta dt spor dopoiy pel de Nam oubetatn dnd de quem a5 cn- gs Fat een ate Ne i cstegando aa cosas 6 patent, la & ser um ho PM judangs de homem propos as erlangas et do isco mpsandadeamento contin aparentmente natural SSE Sane de rts, ua grande ate Bre ods oe eabuecer tuo af part da aod 0 Tage de uch oda oe fog + Tasco J tempo pss rea retest de tansearso de tenpo,qvan- Fe a ee ee der a cada pagina lida uma determinada duracdo na lorcet apn tn minuto e meio por pagina), para que o leitor j4 tenha uma sensagao da duragao de cada cena, assim como do ritmo do filme. Isso obriga a limitar as descricdes oe Sruusso mats conceas ossiel, aim Jeno pro Tongar a leitura nem fixé-la num momento que, no fil- tm och ien sau pow de guns = gundoe, 17. Dias e noites + Uma contagem inconseiente ‘Um roteiro conta uma histéria que se desenrola num certo tempo, que as vezes se estende por meses, ou até anos, mas que também {reqiientemente, se con- Centra em alguns dias. Por exemplo, Mabuse se desen- ola em apenas trés ou quatro dias; Unta aventura na 0 tabuleiro ¢ as pecas 437 Martinica, em trés; Pauline @ la plage, em exatamen- te uma semana. TE taro que o espectador faca conscientemente es sacontagem dos dias que passam, sobretudo quando Sroteiro pula’ as noites, como acontece com freqilén Gia. Mas essa contagem sempre é feita de maneira in- consciente, «+ Proporgées entre cenas noturnas e cenas diurnas ‘Outro aspecto do problema dos dias ¢ das noites é aproporeao de cenas noturnas em relagio as cenas Gauss, eo ritmo criado por sua eventual alteran- Gia, Ha filmes que se desenrolam durante toda uma Suse. B mais comum que a ago de um filme acabe Ae manha (e no fim da noite) do que ao anoitecer, no fim do dia, + Mudanga de dia ‘Quando o roteirista cria saltos no tempo, fazen- do por exemplo a elipse das noites, cle é levado a es: Jaublecer diseretamente, para o espectador, se a cena ‘he vem acontece em continuidade & anterior, no mes: $e Yin ou ge ocorre no dia seguinte (ou dois ou trés Ties depois) € 0 problema dos lapsos de tempo entre fas cenas, dos time lapses (ver: Tempo). ‘Ein Pauline, as informagoes sobre as mudangas de dias nog Sf dads for eguenos foguescsereto rot cine ao segundo dia: as personagens passam juntas Seeger ra antes devote, ate d& aaa it carro para case. Vemos Pauline se deitar, depots nol deca quarto quando jéest4 dia claro —e concluimes Aeimediate que esta comecando o segundo dia. oe Sando ao terceiro dia: o segundo dia da hist6ria acs ie cedn uma cena diurna. A mudanga seguinte de dis ¢ in cada pelo fato de que, na cena 8, Pauline e Marion esto dicads Po cafe da mana, conforme o dislogo deixa claro "GP tomou cafe?™, pergunta Marion a Pierre. 138 0 roteiro de cinema = Tereiro ao quart di: tere dia também fo com- Porta cenas noturnas. Portanto, a passagem para o quarto din ¢indicada pelos rapidos planos do passelo de atoms. ‘el a9 Mont Saint fiche! —passeio anunctado por Marion 2a vespera, quando pergunts a ffenr: “Quer vi amanhi ato Mont Saint Michel>" A palavra“amanha™ bastou pat Fa precisar o time laps. = Guarto ag quinto dias também nao ha cena noturna no quarto dia Portanto, a passagem ao quinio dia Sestabele Gida pela observagao de Pierte a Marion: “Passo aqui de mang, pois alo posto te encontrar a noite ‘Quinto a0 sexto dias como no tereciro da, vemos Paulie ‘nee Marion tomar e café da manha no jardim. Allis, Mac rion dia, quando recebe um telegrama: “Tenho de estar em Paris esta tarde. Volto aman," O sexto dia termina, ‘oo primero, nots tambem se coneelcom a imagers Ge Pattine indo se deitar. = Sexto ao sétimo dia: quando Henri acorda, estamos por: tanto, io sétimoe timo dia de ago. que nto serd nos. trade por inteiro, Notese uma certasimetria, que reforga o aspecto ck

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