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OARTIGO MOTIVAGCAO: MITOS, CRENGAS E MAL-ENTENDIDOS Cecilia W. Bergamini Professora do Departamento de Administragao Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV e da Faculdade de Economia e Administragao da USP. RESUMO: Se no ambito das especulagdes puramente intelectuais, 0 fendmeno da motioagio ndo parece apre- sentar maiores dificuldades, no domfnio concreto do conhecimento pritico, uma confusdo generalizada ins- falou-se hd muito, nao permitindo que progresso: nificativos sejam feitos por aqueles que buscam eficdcia no dia a dia de trabalho dentro das organizagées. ‘Trate-se da confusio entre aquilo que se deve chamar Fovista de Adminitrago de Empresas ‘So Paulo, 3072) 23-94 dde “pura reagio” (condicionamento) e o que deve ser reconhecido como “motioagao auténtica”, Este artigo tem como objetiow delimitar 0 dominio de cada um desses fendmenos do heterogéneos, mostrando, em particular, quais sio as formas de comportamento definidas pela psicologia como o resultado da acto das vuridveis extrinsecas ao individuo e que, pelo simples fato de 0 induzirem a agio, foram erronenmente con- sideradas como tipioas da verdadeira mativacao. PALAVRAS-CHAVE: Motivagdo, condicionamento, comportamento, varidveis extrinsecas, varidveis in- trinsecas, estilo motioacional. ‘AbriJun. 1990 OARTIGO O QUE EXISTE SOBRE A MOTIVACAO [A diversidade de interesses percebida entre 0 individuos. permite aceitar, de forma razoavel- mente clara, a crenga segundo a qual as pessoas nao fazem as mesmas coisas pelas mesmas razbes. E dentro dessa diversidade que se encon- tra a mais importante fonte de compreensio a res- peito de um fendmeno que apresenta aspectos aparentemente paradoxais: a motivagio humana. Dessa forma, parece inapropriado que uma sim- ples regra geral possa ser suficiente para explicar ‘esse fenémeno de maneira mais precisa Em realidade, como 0s individuos sto dife- rentes uns dos outros, ndo somente desde o nasci- mento sendo portadores de sua propria bagagem inata (cédigo genético, experiéncias da vida intra- tuterina edo momento do parto) como também porque eles acumularam experiéncias que Ihes so pessoais ao longo das suas diferentes etapas de vida (infancia, adolescéncia, maturidade e ve- Ihice), torna-se necessério, o mais urgentemente possivel, rever certos principias muito divulgados dentro do campo das crencas populares. Quando se fala de motivacio, parece indispensivel, logo de inicio, mudar um provérbio no qual muito se acredita, que €: “Face ans outros o que queres que te facans”, para um outro ainda desconhecido que diz: "Faca aos outros aquilo que eles querem que Tes seja feito”. ‘A sociedade esta rica de exemplos que ilustram até que ponto os individuos tém expectativas diferentes e, portanto, cada um deles esta voltado para a busca dos seus proprios organizadores de comportamentos motivacionais impares, Os in- contiveis objetivos motivacionais e as diferentes maneiras de persegui-los deixam isso claro, chegando mesmo a personificar as miiltiplas fa- cetas e variagdes tipicas do fendmeno da moti- vvacio humana. Nao € tio facil compreender o outro e valorizar de forma justa suas intengdes e seus motivos. Uma pessoa que demonstre entusiasmo frente aos de- safios oferecidos pelas oportunidades com as dquais se defronta, estando pronta a agir com rapi- dez na resolucao de problemas, teré muita facili dade em acreditar que todo mundo reage com a mesma rapidez. Isso, ndo ha diivida, pode provo- car nos outros mais prudentes que ela a de- sagradavel impressio de que se trata de alguém temerério e ifresponsével. Outros mais, que se deixam guiar pelo desejo de dar o melhor de si 24 mesmos para fazerem jus as responsabilidades que Ihes foram confiadas, ficardo facilmente de- siludidos ao perceberem que o resto do mundo no tio responsivel como eles, considerando, com certo pessimismo, que existe uma grande quantidade de pessoas que nao levam nunca nada suficientemente a sério, Muitos individuos que regem suas vidas de forma sistematicamente l6gi- ca, procurando usar de toda objetividade possivel nas decisdes que tomam, sentir-se-4o pouco a von- tade convivendo com decisores mais intuitivos € superficiais, que se apdiam em informagées pouco significativas. Por outro lado, existem ainda outras pessoas que prezam, sobretudo, o apreco dos de- ‘ais por elas e estao incondicionalmente preocu- padas em viver uma vida socialmente harmo- riiosa, Assim sendo, esses habeis diplomatas estio sempre prontos a rever stias posicoes e opinides pessoais e isso faz com que muitas vezes sejam jul- gados como alguém que néo pensa pela propria cabeca, perdendo um tempo precioso a se preocu- par com as opinides alheias. No geral, a grande maioria dos pressupostos bésicos que apdiam as teorias voltadas a expli- ‘cagéo da motivagio do ser humano foram sim- plesmente concebidos a partir de um conjunto de dados estatisticos e, por isso mesmo, abstratos, que retratam o perfil de uma amostra da popu- lagio, mas nao explicam, realmente, a maneira particular pela qual cada um dos componentes esse grupo leva a sua existéncia de ser humano motivado. Sob 0 ponto de vista da compreensio intelectual, essas informagoes podem ser bastante comhecidas e sua légica, na grande maioria dos casos, mostra-se racionalmente irrefutavel. E jus- tamente nesse tipo de abordagem que reside o grande engano gerador dos principais mal-enten- didos a respeito daquilo que se tem estudado co- mo motivacao. Essas tentativas teérico-racionais, que explicam apenas um ser humano abstraido de sua natureza existencial, tomaram possivel a emergencia © a ripida difusio de pontos de vista, opinides crengas pessoais tao abundantes quanto dfspares sobre a fenomenologia da motivacio, os quais tm evado mais & confusto do que ao esclarecimento. De fato, com tantas explicagies a respeito das caracteristicas especificas da motivacio, 05 teéricos contemporaneos tinham & mao tudo aquilo de que necessitavam para construir uma “nova torre de Babel”. Previsivelmente, todo esse acervo de mitos, Lentendidos, transforma em missio RAE impossivel qualquer esforgo de conciliar pontos de ta téo profundamente diferentes e, por que no, antagénicos. Cada tedrico, entdo, buscou ansiosa- mente atingir 0 pice do verdadeiro conhecimento, mas cada um deles serviu-se de uma linguagem pessoal, desprovida de qualquer sentido para os demais. Foi assim que se desenvolveu vasta quan- tidade de imprecisoes a respeito de um conceito que deveria ter sido proposto com maior fidedig- nidade em relagdo as pessoas concretas. Dentro de um clima de confusio generalizada, no se pode estranhar a aparicéo de grupos que adotaram enfoques tao diferentes sobre um mes- ‘mo tema de estudo. Para alguns deles, parecia im- possivel compreender esse verdadeiro mistério chamado motivacdo humana — portanto, melhor seria que o assunto fosse esquecido, Para outros, a confusdo instaurada representava um grande de- safio, que ndo poderia ser vencido sendo através da concentracdo de esforgos que Ievassem a um aprofundamento de investigacdes até que nova- ‘mente o tema central fosse redescoberto. Como ¢ facil perceber, uma quantidade enorme de teorias ¢ hipsteses foram se acumulando nas tiltimas trés décadas, gerando inferpretagies e modelos os mais variados quanto & compreensio do assunto em pauta. A decorréncia l6gica, nasci- da da dificuldade de escolher-se uma orientacio precisa, como ponto de apoio do estudo da moti- vaio, fica evidente quando se descobre uma es- pécie de decepgao frente a tantas teorias. A partir dai, cada um passa a adotar sua propria interpre- tagao a respeito do comportamento motivacional. ‘A multiplicidade de abordagens, no entanto, reflete, sem diivida alguma, a importancia capital desse aspecto tio eminentemente caracteristico do ser humano. Parece, pois, nao somente necessério como também oportuno, repensar a motivacdo, examinando mais uma vez, de maneira suficiente- mente critica, 0 acervo atual basico de conheci mentos sobre 0 assunto. Talvez seja este 0 mo- mento de tentar novamente “colocar em pé, 0 ovo de Colombo’, 0 QUE NAO £ MOTIVAGAO, Como se pode facilmente perceber, 0 termo motivacéo tem sido empregado com os mais diferentes significados. Tal fato tem se constituido no primeiro e mais importante passo para a ins- tauragio de uma grande confusio sobre o real contetido por ele abrangido. Algumas pessoas afirmam que € necessério aprender a motivar os outros, enquanto outras acreditam que ninguém pode jamais motivar ‘quem quer que seja. Essas duas maneiras de pen- sar so a ilustragio da crenca de que existem diferentes maneiras de justificar as agdes ‘hu- ‘manas. No primeiro caso, pressupde-se que a forga que conduz o comportamento motivado es- td fora da pessoa, quer dizer, nasce de fatores ex trinsecos que sao, de certa forma, soberanos e a- Iheios & sua vontade. No segundo caso, subjaz.a ‘renga de que as agdes humanas so espontaneas e gratuitas, uma vez que tém suas origens nas im- pulsoes interiores; assim sendo, o proprio ser hu ‘mano traz em si seu potencial e a fonte de origem do seu comportamento motivacional. Embora seja possivel reconhecer que as pessoas podem agir, seja movidas por agentes externos, se ja impulsionadas por suas forcas interiores, nfo se pode confundir esses dois tipos de comportamen- to, uma vez que eles sio qualitativamente distin- tos e por isso merecem explicagbes. diferentes. Quando os determinantes do comportamento se encontram no meio ambiente, aquilo que se obser- vva pode ser concebido como uma simples reacdo comportamental do individuo ao estimulo de tais fatores. Autores como Herzberg, por exemplo, chamam-no de movimento. Quando a agio tem como origem o potencial propulsor, interno & propria pessoa, aquilo que se observa em termos comportamentais € realmente identificado como ‘motivagao. No primeiro caso, a atividade compor- tamental cessa com o desaparecimento da variavel exterior, enquanto no segundo, a pessoa continua a agir por si mesma o tempo necessério para que sua necessidade interior soja satisfeita A caracteristica da reacao ou do simples movi- ‘mento é a de ter sua origem nas teorias comporta~ ‘mentalistas, também conhecidas em psicologia como behavioristas ou experimentalistas. Nesse «caso, especificamente, existe uma _ligacio necesséria entre 0 estimulo, considerado como uma modificagdo ambiental, ¢ a resposta compor- tamental, que concebicla como uma espécie de acomodagao do organismo vivo as modificagdes ‘operadas no meio ambiente. Milhollan & Forisha' assim se referem a esse respeito: “A orientagio comportamentalsta considera 0 hiomem como um or- 1. MILHOLAN, F & FORISHA, B. . From Skinner fo Rogers Contrasiing Approaches to Education. US.A., 1972 25 CARTIGO _ganismo passivo, governado pelos estimulos fornecidos pelo ambiente exterior. homem pode ser manipulado, © que significa que seu comportamento pode ser con- trolado através do planejamento adequado de wm con- junto espectfico de estimulos ambientais. Ainda mais, as leis que governam os homens sto furdamentalmente idéntcas ds leis universais que governam os fendmenos natura ‘As descobertas feitas por Pavlov a respeito do Reflexo Condicionado representam um impor- tante passo inicial para as teorias que tomaram por base a observacao de animais em laboratérios. Essa € a azo pela qual tais pesquisadores sio chamados de experimentalistas. Submetido a um estimulo extemno (som de uma campainha), 0 co de Pavlov adota um comportamento especifico, inédito até entdo, que 6 0 da salivacao. ‘Quando Edward Lee Thorndike propoe a Lei do efeito, a partir da observacio do comporta- mento de gatos famintos no interior de uma caixa especial, ele esta se referindo a estruturagio de comportamentos especificos e dependentes do oferecimento de recompensas exteriores. Thom- dike propée a teoria segundo a qual a personali- dade 6 concebida como sendo fruto da aprendiza~ gem, quer dizer, do processo através do qual as Tespostas comportamentais corretas passam a fa- zer parte daquilo que os experimentalistas cha- mam de repert6rio psiquico. Conseqitentemente, 0s comportamentos ligados as respostas incorre- tas e que, portanto, néo foram recompensadas pe- Io alimento, sofrem um processo de extingao, néo sendo mais passiveis de observacio no comporta- mento expresso do animal. Skinner, mundialmente conhecido por ter ela borado a Teoria do Reforgo, retoma o conceito de recompensa proposto por Thorndike. Ele pode ser considerado como 0 mais tipico repre- Sentante da escola behaviorista, elaborando os conceitos de Reforgo Positivo e Reforco Negati- vo como elementos decisivamente poderosos no processo de estruturagéo e extingao de compor- tamentos. ‘Trabalhando com ratos e pombos, Skinner des- cobre que, a cada ver que os animais recebem 0 alimento porque bicaram ou acionaram um certo dispositivo, eles passam a repetir o comporta- mento que foi recompensado. Ele chama, entao, de Reforco Positive esse acontecimento (oferta de alimento) que vem imediatamente aps a acio fe que aumenta a freqiiéncia da sua repeticio. De ‘maneira inversa, preparando 0 equipamento ex: 26 perimental de tal forma que ele oferega um choque elétrico a cada vez que o animal acione dispositivo, ele descobre aquilo que chama de Reforgo Negativo (choque elétrico) e que repre- senta um acontecimento punitivo que se segue imediatamente A agdo animal, diminuindo, por isso, a freqiiéncia desse comportamento, até que © suprima definitivamente do comportamento expresso. Segundo Skinner, & semelhanca daquilo que se passa com os animais estudados dentro do seu laborat6rio, a personalidade do homem é suscep- tivel de ser modelada de acordo com uma progra- macio previamente estabelecida e dentro da qual hha que se prever um rigoroso controle das va- riveis exteriores, Adotando esse enfoque, a moti- ‘vacio passa a ser compreendida como um esque- ma de ligaco Estimulo-Resposta. Dessa forma, escolhe-se com antecedéncia aqueles comporta- rmentos que deverdo ser estruturados através de reforcadores positives, da mesma forma que se pode programar com antecedéncia condutas a serem extintas por reforgadores negatives, com vistas & “programacio do tipo de Repert6rio Psi- Aquico que se estejapretendendo estruturar em cada in- diviiuo”. A teoria de Skinner é bem ilustrada através de sua obra Beyond Freedom and Dignity e que em portugués parece ter.sido traduzida com grande propriedade sob 0 titulo de O mito da liberdade. Essas teorias inspiradas no condicionamento conseguido através de variéveis extrinsecas as pessoas, ilustram, de maneira clara, 0 comporta- mento Feativo, que leva ao movimento endo aqui lo que se pode chamar de motivacdo. De acordo com tais pressupostos tebricos, a8 acoes das pes- 508, nas suas mais variadas circunstancias de vi- da, sio dirigidas por aqueles que manipulam as variaveis existentes no ambiente transformando- as em recompensas ou em punic6es. Para os com- portamentalistas, a reagéo é uma maneira de se comportar que foi adquirida ou estruturada em fangio das recompensas recebidas. Nesse caso, seria inexato admitir que as pessoas sejam “moti- vvadas” por outras — seria mais adequado admitir que elas podem ser colocadas em movimento por meio de uma seqiiéncia de habitos que sao 0 fruto de um condicionamento imposto pelo poder das forcas condicionantes do meio exterior. 2, SKINNER, BF O Mito da Libeniade, Rio de Janeiro, Bloch Editores, 1971 RAE Admite-se entio que aquilo que alguns autores como Herzberg, por exemplo, denominam movi- mento nada mais é do que a reacio que surge € que perdura enquanto um reforcamento positive esté presente e que semelhantemente, desaparece quando tal tipo de recompensa nao ¢ oferecida ou ‘em lugar dela se oferecem ao sujeito reforcadores negativos, isto é, punigoes. © fenémeno aqui descrito como reagéo ou movimento tem sido utilizado por um grande niimero de teorias ¢ escolas de administracéo com 0 objetivo de estudar o comportamento mo- tivacional em circunstancias de trabalho. Os peri 05 da adocdo desse tipo de crenga sdo muito nu- ‘meros0os. Tal posicdo tedrica pode ter conseqiién- cias indesejaveis e até certo ponto perigosas, na medida em que essas escolas valorizam certos as- pectos que, em realidade, no tém nada a ver com aquilo que pode ser considerado como o ‘mais importante quando se deseja contar com pessoas motivadas dentro do contexto organiza- ional. © perigo inicial e que merece particular atengao & 0 de se chegar a uma falsa compreen- sio da pessoa que esté verdadeiramente motiva- da. Nao € dificil concluir que quando se adota a otientagao behaviorista ao descrever o ser hu- ‘mano, esté-se implicitamente de acordo com a crenca de que as pessoas mudam seu comporta- mento e sua maneira de ser de acordo com os condicionadores aos quais elas se encontram sub- metidas. Talvez seja demasiado tarde quando se perceba que a realidade é bem diferente, na me- dida em que as mudangas comportamentais néo sio assim t40 radicais e profundas como aquilo que pretendem os psicblogos comportamentalis- tas. Conforme afirmam Davis & Newstrom, “Modificagto comportamental tem sido criticada sob ‘wirios aspectos, incluindo sua prépria filosofia, méto- dos e aplicabitidade. Devido a grande forga das conse- qilencias desejtveis, a modificagto comportamental pode efetivamente forcar as pessoas a mudarem seus comportamentos. Nesse sentido, ela manipula as pes- soas ¢ é inconsistente com os pressupostos do enfoque humanistico, discutidos anteriormente e segundo os quais as pessoas querem ser auténomas e auto-ren- lizadas. Alguns criticos também temem que a modifi- cagio de comportamento dé excessivo poder aos ad- tinistradores, leoando a seguinte questdo: quem ird controlar os controladores?” Existem também outros livros que tratam es- pecificamente da Administracdo de Pessoal nas ‘empresas e que abonam a crenga de que nao s6 se pode como também se deve fazer com que as pessoas mudem a partir de uma programacio controlada das variaveis extrinsecas a elas. Por exemplo, Connellan afirma: “As fénicas para a ‘mudanga do comportamento humano existem a0 56 en: teoria, mas também na prética;essas técnicas tem apresentado retorno financeiro muitas ¢ muitas vezes Hoje em dia, s6 existe um motivo para uma prolonge- dda baixa de produtividade devido a um comportamen- to humano inadequado: quando 0 custo do comporta- mento desejado € maior que os benefcios da ‘mudanga”’. Dessa forma, ele atribui a0 especia- lista do comportamento motivacional a classifi- cagio por ordem de prioridade, das varidveis que compiem o ambiente empresarial de maneira a conseguir obter, exclusivamente, certos compor- tamentos por parte daqueles que nela trabalham, Partindo dessa concepcao, supde-se, entao, que o lider mais eficaz seja aquele que consiga melhor dirigir 0 comportamento dos seus subordinados na diregio de objetivos fixados com antecedéncia pela empresa, independentemente da vontade desses mesmos individuos. ‘As numerosas pesquisas que foram feitas no campo das ciéncias do comportamento, con- seguiram mostrar que ninguém consegue mudar como popularmente se afirma: “Ele mudou da gua para o vinho’. Essas pesquisas demonstram unanimemente que aquilo que se consegue, na realidade, é promover modificagoes superficiais no comportamento, feitas a partir da propria von- tade de cada pessoa que vé beneficios em “que- brar certas arestas” para melhorar seu relaciona- mento interpessoal, mas porque ela assim o quer. Mesmo que as pessoas comecem a se mostrar diferentes daquilo que se esta habituado a obser- var, € extremamente perigoso pedir ou mesmo exigir que mudem para se encaixarem dentro de um’ modelo julgado ideal; isso ameaca o seu proprio sentido de identidade pessoal definido mantido ao longo de toda a vida. A corrente fenomenolégica em psicologia “considera 0 homem como fonte de todos 0s atos. O Ihomem & essencialmente livre de fazer escolhas em cada 3. DAVIS, K. & NEWSTROM, J.W. Human Behavior at Work — Organizational Behavior. New York, McGraw Hill Book Company, 1989, p.118 4, CONNELLAN, TK. Fator Hiamano ¢ Desempentio Empresarial. Sao. Paulo, Editora Harpper & Row do Brasil Ltda, 1984, p 27 CARTIGO situagio. O pont focal dessa liberdade é a consciéncia Inumana. Comportamento é, assim, apenas a expressdo cobserodvel ea conseqiéncia de wm mundo do ser inter- no, essencialmente privado. Portanto, so wma ciéncia do homem que comece com a experiéncia, tal como & imediatamente dada nesse mundo pode ser adequada ao corganismo humano”. A idéia subjacente a essa renga é que cada homem vive uma realidade subjetiva, propria a ele, privada e pessoal, cheia de sentimentos, emocées e percepgoes que nAo pertencem senao a si mesmo, e que somente a ele € dado orientar-se na diregdo que considere como a melhor. ‘A visio sistémica em administracao também oferece modelos destorcidos da compreensio da ‘motivagio humana. Ela parece ter aceitado como verdadeiros. os pressupostos dos teéricos beha- vioristas a partir dos quais um determinado esti- ‘mulo (input) seré o suficiente para disparar neces- sariamente uma resposta que Ihe corresponda (output). A visio sistémica concebe o ser humano como um sistema aberto, composto de partes que interagem entre si de maneira organizada e pre- visivel. E suficiente pensar nas experiéncias do dia-a-dia para que se veja claramente como é temerdrio apostar na previsibilidade sobre aquilo ue as pessoas fardio no futuro. A partir da visio sistémica, cada ser humano deveria funcionar de ‘maneira semelhante a um computador, sendo ali- ‘mentado de informacées e estimulos, para poste- riormente processélos devolvendo 0 produto desse processamento sob a forma de comporta- mentos desejiveis, ou que tenham, previamente, sido planejados como tais. © perigo maior de considerar os fatores ex- trinsecos ao individuo como a forca motriz da sua ‘motivagao € o de levar uma razoavel quantidade de empresas a cometerem erros grosseiros. Muito tempo e energia foram perdidos no planejamento de medidas fais como: horérios flexiveis, férias adicionais, condicdes ambientais de trabalho, con- cessio de prémios, planos de beneficios, aumen- tos de salirio por mérito, lugares especiais no estacionamento etc. porque acreditou-se que tais fatores teriam o condo de aumentar a motivacso daqueles que trabalham. Essas pessoas, a partir de entéo, passaram a supor que essas eram as tinicas fontes de satisfacao que suas organizagdes hes poderiam oferecer. ‘Quando se consideram fatores extrinsecos a0 individuo como elementos que condicionam a reagio, é importante ter em mente que quando a 28 recompensa ou a punigéo que estao ligadas a ela sio retiradas, 0 comportamento do individuo de- saparece, ou melhor, que tal comportamento nao se mantém Por si mesmo. Se todas as vezes que alguém falta ao trabalho ou se atrasa da-se uma punicao sob forma de perda salarial, a partir do momento em que essa conseqiténcia indesejavel desaparega, 0 comportamento nao desejavel rea- parecerd, isto é, ela voltard a faltar e atrasar-se. Por outro lado, se um aumento no nivel de ven- das ¢ recompensado por uma gratificacio espe- cial, a partir do momento em que esse prémio deixe de ser oferecido, 0 comprometimento dos vendedores diminuiré e as vendas cairo a um nivel provavelmente inferior aquele atingido antes do sistema de premiacio. E valido lembrar ¢ ressaltar, uma vez mais, que se torna impossivel deixar de utilizar fatores ex- temnos que foram anteriormente colocados em ago (prémios ou punigdes). Ainda que muitos dos empregados se queixem da qualidade das refeigées financiadas pela empresa, seré ainda mais dramético retirar-lhes esse beneficio. Talvez seja essa a razdo pela qual Herzberg" faz a dis- tingdo entre fatores de motivacdo e fatores ex- trinsecos que chama de higiénicos. Ele propée que os primeiros sejam espontaneamente escolhi- dos e perseguidos pelo individuo. Os fatores de manutengdo ou higiene oferecidos pela empresa, quando inexistem, fazem com que as pessoas adotem condutas passivas. Para que o movimento seja restabelecido, 6 necessério acenar com tais fa- tores — como se fosse constantemente necessario empurrar ou puxar as pessoas para que se movam, Raramente se faz. justica a D. McGregor que ja em 1954 mostra a diferenca entre a satisfacio de necessidades basicas atingida por meio do ofere- cimento de fatores exteriores 4s pessoas e as ne- cessidades que ele denomina de sociais e de Ego. Em seu livro, publicado antes dos trabalhos de Herzberg, que apareceram em 1959, McGregor jé levanta a suspeita de que devers haver uma certa disting’o entre fatores intrinsecos ¢ extrinsecos quando utiliza a metéfora da “cenoura na ponta da vara”. E ele que afirma: “O individuo cujas ne- 5, MILHOLAN, F. & FORISHA, B. Op. cit, p. 17. 6, HERZBERG, F; MAUSNER, B. & SNYDERMAN, B, The Motivation to Work, New’ York, John Wiley & ‘Sons, Inc, 1959. cessidades de nivel inferior foram satisfeitas nio esti motivado para satisfazé-las mais. Praticamente, elas deixam de existir (..) A administracto indaga fre- ailentemente por que 0 pessoal no prodicz mais. Pa- _gamos bons saldrios, damos dtimas condigées de tra- balko, proporcionamos estabiidade de emprego, além de excelentes beneficios adicionais. O pessoal, entre- tanto, parece no estar disposto a despender senda um esforco minimo. O pessoal reivindicard insistente- tmente maiores salarios. Torna-se mais importante do que nunca comprar bens © services materiais. que eventualmente satisfagam, até certo ponto, essas ne- cessidades frustradas. Embora 0 dinheiro represente apenas um valor limitado no preenchimento de muitas necessidades de alto nivel, talvez se torne o foco prin- cipal do interese se foro tinico meio disponfvel”. Parece indispensdvel levar em consideracio que 0 ser humano, diferentemente dos animais, ndo possui apenas comportamentos orientados por condigdes impostas pelo meio ambiente. Ou- tras variveis muito importantes esto em jogo e serd ingénuo nao as levar em conta. Caso seja aceito como verdade que tudo aquilo que se faz numa empresa seja apenas movimento, um grande ntimero de maneiras de agir, tipicamente hhumanas, ficardo sem explicacio. Qualquer pessoa que tenha sido treinada para bater a maquina, operar um computador ou manobrar uma ponte rolante, bem como utilizar- se das diferentes ferramentas de produgio que se encontram a sua volta, sofreu, em verdade, treina- mentos especificos através de condicionamentos. ‘Todavia, a partir do momento em que essas pes- soas se acham engajadas num proceso criativo, que sentem a alegria de ter contribuido para o de- senvolvimento da empresa a qual pertencem, ou ‘mesmo quando buscam desenvolver lagos afe- tivos, nao se podera mais compreendé-las sob o enfoque sistémico, nem as considerar como sim- ples objetos de condicionamento. Persistindo esse enfoque estar-se-4 bem longe de compreen- der 0 ser humano na sua maneira pessoal ¢ mais auténtica de ser. ©.QUEE MoTIVACAO Felizmente, alguns autores como Handy, por exemplo, procuraram refutar pontos de vista sim- plistas e alertar seus leitores sobre as dificuldades que podem encontrar quando procuram traba- Thar com pessoas realmente motivadas. A esse respeito, propde 0 autor: “Se pudéssemos com- RAE preender, e entdo prever os modos como os individuos silo motivados, poderiamos influencid-los,alterando os componentes desse processo de motivacto. Tal com- preensiio poderia certamente levar a obtencio de ‘granile poder, uma vez que permitiria 0 controle do comportamento sem as armadilhus vistoeis e impopu- lares do controle. Os primeiros trabalhos acerca da ‘motioacio demonstraram preecupagio em encontrar (08 modos pelos quais o indiotduo poderia ser motiva- do e aplicar mais do seu esforco ¢ talento a servico do sew empregador. E mera questdo de justica acrescen- tarmos que muitos desses tedricos também se preocu- pavam em encontrar uma resposta que fosse coerente com a dignidade e independéncia essenciais do indivi- duo. Talvez devéssemos sentir alfvio quanto ao fato de que nao foi encontrada qualquer férmula garantida de motivacao”. Por principio, na medida em que se aceite o caréter individual da motivagio, é imperioso que se abandone a maior parte das tentativas de expli- cacao e de tratamento estatistico, que conduzem a generalizagées grosseiras retratando 0 comporta- mento de uma populacéo estudada, ndo chegan- do a explicar nenhum daqueles elementos que caracterizam os componentes da amostra como seres humanos tinicos e autodeterminados. A sen- sibilidade para a percepgio das pessoas torna-se agora para o cientista o principal instrumento de pesquisa. Em primeiro lugar, essa sensibilidade deve estar voltada para o individuo que procura conhecer 0 outro, ou melhor, a condicao basica é que 0 proprio pesquisador possua uma clara au- topercepgao daquilo que o motiva, Em segundo lugar, & necessario que 0 observador use ade- quadamente tal sensibilidade, impedindo-se de projeté-la sobre os outros, ou atribuir ao ser obser- vado necessidades e orientagdes motivacionais que sejam suas. ‘Um exaie dos diferentes enfoques sobre moti- vaio, por superficial que seja, coloca em evidén- ia como é¢ facil as pessoas atribufrem aos outros objetivos que na realidade sio os seus. Cada pes- soa se caracteriza por um perfil motivacional Proprio, ou como se pode dizer com maior pre- cisdo, cada pessoa ¢ portadora de um estilo de comportamento motivacional. Embora ja se te- 7. McGREGOR, D. Motioagio ¢ Lideranga. S20 Paulo, Faitora Brasiliense, 1966, p. 11 8. HANDY, EB. Como compreender as organizasies. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p27. 29 OARTIGO nha recursos para determinar tal perfil, ha aque- les que, nao conhecendo as caracteristicas do seu proprio esquema de fatores motivacionais, usam- no como ponto de partida para explicar 0 com- portamento das pessoas com as quais convivem. Para comprovar essa tendéncia natural do ser hu- ‘mano, é suficiente que se peca aos supervisores que relacionem os objetivos que acreditam ser os ‘que mais freqiientemente perseguem 0s seus su- bordinados. Em seguida, solicita-se aos subordi nados de tais supervisores que citem aqueles objetivos motivacionais que mais desejariam ver atendidos em situagdo de trabalho, Na_m parte dos casos, as duas listas serio incom- pativeis, pois aquilo que os supervisores julgam ser esperado por seus subordinados nao é a mes- ‘ma coisa que estes tiltimos esperam da organiza- «@o na qual trabalham. Determinado aquilo que as pessoas buscam a partir das suas necessidades pessoais, a etapa seguinte consiste em tentar oferecer condigées que respondam adequadamente a tais expectati- vvas, com isso se esté tentando oferecer 0 que alk guns autores, como Archer’, por exemplo, chamam de fatores de satisfacao. Assim, se al- ‘guém busca oportunidades de utilizar seu poten- cial em atividades de maior complexidade, o tini- co meio para que essa pessoa permaneca motiva- da serd o de promover uma estratégia que permi- ta a ela livrar-se de tarefas repetitivas. Caso nio se consiga fazé-la sair da monotonia da qual se queixa, o melhor é néo tentar falsas solugdes. Ca- so contrario, ja se estaria iniciando um processo reconhecido como o caminho seguro para a desmotivaco. Na maior parte dos casos, no en- tanto, como o trabalho precisa ser feito e os obje- tivos atingidos, muitos supervisores adotam a solugio de colocar a caminho um procedimento tipico de movimento, servindo-se de prémios por produgio ou ameagando o subordinado com sangées, a fim de que tarefas rotineiras e aborreci das sejam feitas, Como as pessoas nao se deixam manipular, embora aparentemente continuem a reagir mostrando grande movimentagdo, sabe-se que a qualidade da energia pessoal investida em tais atividades condicionadas diminui gradualmente 0 empregado produz. cada vez menos. A medi- da que o tempo passa, baixam a satisfacio pessoal 0 sentimento de auto-estima que as pessoas ex- perimentam. Muito rapidamente, conforme mostram as pesquisas, serd possivel ter diante dos 30 ‘othos alguém completamente desmotivado. & dessa maneira que se nega as pessoas a possibi dade de colocarem em agao suas habilidades, ca- pacidades e expectativas pessoas, que sio indu- bitavelmente os aspectos mais relevantes dentro do processo motivacional. Ha grande diferenca entre 0 movimento, cau- sado pelas reagdes aos agentes condicionantes ex- trinsecos ao individuo, e a motivacio, que nasce das necessidades intrinsecas e que encontra sua fonte de energia nas emogdes — assim sendo, ela pode entio ser compreendida como algo interno a cada um. Apesar do seu caréter claramente in- trinseco, a motivacio pode servirse de fatores cexistentes no meio ambiente como meios de satis- fazer uma necessidade interna, mas isso ndo sig- nifica que sua compreensio possa ser reduzida a ‘busca desses fatores em si mesmos. E por isso ela ndo se confina aos limites de tais fatores. Por exemplo, a sede € uma caréncia interna que se serve do fator externo que é a agua para ser satis- feita, A necessidade nio satisfeita é a sede e nela reside a motivacio, nao no fator de satisfacéo que € a égua; nio se pode confundir o fator de satis- facio (gua) com a necessidade em si mesma Gede). Todo esse processo se origina nas caréncias internas que predispoem o individuo a um com- portamento de busca, que tem como finalidade satisfazé-las, Trata-se de um cielo intemo, na me- dida em que ele tem um inicio e um fim dentro do proprio mundo interior de cada pessoa e 86 pode ser entendido como algo interior a ela “Muitos dos pesquisadores que trabalharam so- bre o tema da motivacio também se esqueceram do caréter de continuidade que Ihe é inerente. Ja- ‘mais se conseguiré estar completamente satisfito, existiré sempre uma necessidade nio satisfeita que organizaré ou dirigiré novas condutas moti- vacionais. A satisfagio de necessidades humanas ppassadas nao toma o homem passivo e acomoda- doa vida; pelo contrario, ela 0 predispoe a iniciati ‘vas mais ousadas rumo a sua auto-realizagio e, as- sim, jamais se atinge um estado de plena saciacio, pois, como disse Fromm, “o homem sempre morre antes de ter nacido plenamente”®. Nao & possivel 9. ARCHER, E.R, “The myth of motivation”. In: The Personnel Administrator. US.A., dezembro, 1978. 10 FROMM, E. Man for himself inquiry into the sy chology of eis, US.A. Fawcett Publications, In, 197, pst RAE concretizar todas as necessidades e todas as po- tencialidades do homem, isso significa que ele teré sempre a sua frente uma nova etapa a ser atingida rumo ao desenvolvimento completo de si mesmo. E justamente esse enfoque sobre a motivacio, compreendido como uma predisposicéo interna e inerente ao ser humano, que inverte a ordem dos fatores. A grande preocupacio nao deve ser a de buscar o que deve ser feito para motivar as pes- sas, mas deve estar particularmente orientada no sentido da busca de estratégias que visam evitar desmotivar aqueles que chegaram motivados para o seu primeiro dia de trabalho. Uma vez que as impulses motivacionais, li gadas as caracteristicas de uma personalidade sem réplica no universo, sejam interiores a cada um, no se pode tentar compreender quem quer que seja a partir de generalizagdes. O entendi- mento das ages motivacionais de cada pessoa s6 se esboca na medida em que se particularize a ca- da momento e para cada um, em separado, a maneira de vé-las. Talvez seja bem por isso que tem sido tao dificil abandonar a crenca no condi- cionamento como uma potente fonte de recursos motivacionais no trabalho. Essa resistencia se prende ao fato de que diante da descoberta daquilo que seja verdadeiramente motivacional, muitos individuos entrevistados tiveram que se defrontar com o fato de reconhecerem que tudo aquilo que haviam conseguido, quando preten- diam influenciar a motivacdo dos demais, tenha sido simplesmente obtido através de uma estraté- gia de condicionamento por meio de recompen- sas e punicées. O emprego de estratégias condicionantes ofe- receu sempre uma maior simplicidade de apli- cagio na prética, trazendo também maior rapi- dez em termos das reagdes comportamentais das pessoas, que eram o principal objetivo daquilo que se considerou como “acéo motivadora”. As- sim, € muito mais dificil e complicado lancar-se a pesquisa de hipotéticas necessidades internas das pessoas, para finalmente construir um plane- jamento que thes ofereca fatores de satisfacio apropriados e compativeis com suas auténticas necessidades interiores. No entanto, é s6 assim que se consegue acompanhar o ser humano em seus niveis mais elevados de expectativas, aque- es que verdadeiramente levam as pessoas a caminharem do “menos” para o “mais” em seu ‘caminho pessoal ao longo de toda uma vida. Talvez, também seja assim que se consiga um verdadeiro renascimento a cada ato motiva- ional A PSICOLOGIA DA MOTIVACAO Seria praticamente impossivel saber no que re- side a motivagio humana se nao se levassem em conta as descobertas feitas pela psicandlise de Freud. Sem tal enfoque, nao se considera o ser hu- ‘mano no seu aspecto mais auténtico, uma vez que nao se dé a devida valorizagao a dimensio emo- cional presente em tudo o que ele faz Com Freud (1856-1939) os esquemas pura- mente fisiol6gicos e neurolégicos de estudo do ser humano ficam definitivamente abandonados para valorizar-se um fator mais especificamente hhumano e intrinseco da personalidade de cada tum: suas emogdes. Tais emogées, que dio 0 co- Jorido afetivo as necessidades e impulsdes instin- tivas passam a ser, a partir desse momento, estu- dadas como elementos dotados de energia propria e portanto, capazes de ser fontes de con- dutas especificas. Assim, fora dos laboratérios, de maneira mais viva e préxima da realidade existencial de cada pessoa, os estudos feitos pelos psicanalistas procuram compreender 0 homem a partir da pesquisa do desencadeamento Iigico das suas proprias experiéncias de vida, Uma grande preocupacio surge, entao, que é aquela de descobrir como os sintomas ¢ os comporta- mentos exibidos pelas pessoas, no momento a- tual, poderiam estar ligados a acontecimentos vividos por essas mesmas pessoas em épocas an- tetiores e que fazem parte das suas historias de vida. Na busca desse desencadeamento logico, descobre-se a importancia da infancia na deter- minacio, das caracteristicas da personalidad adulta, E assim que se comeca a compreender que 05 objetivos atualmente perseguidos pelas pessoas tem, todos eles, uma historia de vida e nao podem ser verdadeiramente conhecidos en- quanto nao se chegue a ligé-los, de maneira coe- rente, a toda uma sucessao de experiéncias ante- riores, registradas numa importante instincia ps{quica que é o inconsciente. E, portanto, dessa maneira que as bases t ricas oferecidas pela visio psicanalitica ofere- cem uma nova dimensio dos comportamentos humanos, propondo 0 carater inconsciente da ‘motivagio. As forcas instintivas, também co- nhecidas como impulsoes inconscientes, con- 31 32 OARTIGO frontadas com as restrigbes sociais eas escalas de valores, levam Freud a comparar o psiquismo do ser humano a um iceberg. Com essa metafora, 0 pai da psicanélise pretende demonstrar que aquilo que é realmente importante na determi- nagio de uma orientagio comportamental esté submerso e , portanto, inacessivel 3 observacio experimental, contrapondo-se a tudo aquilo que até entao havia sido demonstrado pelo estudo do comportamento humano dentro dos labo- ratorios experimentais. Sao, na verdade, os contetidos psicol6gicos, que haviam sido jogados para o inconsciente, que, estando dotados de forcas proprias (catexias), procuram liberagio ao levarem 0 homem a agir de maneira especial numa determinada directo, sob o comando do que passou a ser aceito como 0 principio do prazer. Essas impulsdes interiores orientam 0 compor- tamento das pessoas deixando marcas que podem ser reconhecidas nas medidas que tomam em. meio a0s varios contextos freqiientados por elas. Em situagdo organizacional, isso fica bastante claro ao se examinar o carter das medidas pro- ppostas, como salienta Lapierre: “Se, como suporos como a realidade das organizagdes nos fornece provas diariamente, existe uma ligagao entre a personalidade ddos administradores, dos iderese 0 direcionamento das suas empresas, todo o conhecimentoe toda a tomada de consciéncia da realidade humana, da realidade psiguica, em resumo, da personalidade dos dirigentes serd sitil a uma melhor compreensto dos fendmenos ligados @ administragdo ¢ lideranca”®, Para o autor, essas influéncias especiais decorrem dos desejos, das conviegies, dos gostos e dos interesses pes- soais de cada um. ‘Uma importante publicacio a esse respeito é a de Paul Diel que faz também uma ligacao entre a realidade interior e a realidade exterior: “Os obje- 40s do mundo interior, os desejos ndo existem sendo em relagdo sinérgica com os objetos do mundo exterior. Os abjetos exteriores sdo os excitantes e 0s desejos so as excitagées. Os desejos {@m uma tensdo energética, eles io as manifestagées mais primitions da energia psiguica; enquanto a tenséo de um desejo determinado nao seja eliminada pela possessdo do objeto exterior, a excitagio nlo encontrard sua reagio e o desejo persis- tird sob forma de tendo interior, isto 6, wma intencdo € todos 0s centros energéticos ai produzidos se interin- fluenciaro mutuamente. Os desejs se encontram em constante transformagdo constituindo 0 trabalho in- trapsiquico que prepara o trabalho extrapsiquico: as reagées”*. Dessa forma, mais uma vez, a moti- vagdo € considerada como alguma coisa tipica- mente interna a cada um; ela é vista como uma forca propulsora, cujas origens se encontram, na maior parte do tempo, escondidas no interior do individuo. ‘Ao se falar sobre o tema instinto, tomna-se im- possivel esquecer a escola psicolégica que tomou grande impulso na década de 60, representada pelos etologistas. Observando o comportamento de diferentes espécies de animais vivendo no seu ‘meio natural, esses pesquisadores, especialmente interessados na conduta instintiva dos animais, descobriram fatos inerentes a cada espécie em particular, fatos esses que passam a servir como ponto de partida para uma melhor caracterizacéo da conduta do homem em sua maneira também. particular de se comportar. Konrad Lorenz, recentemente desaparecido e mundialmente reconhecido pelo premio Nobel de medicina em 1973, é sem diivida, a maior ex- pressio dentre os ctologistas. Nos seus trabalhos, ublicados em 1969, esse grande observador do comportamento animal sugere ser a conduta ins- tintiva, nao somente nos animais como também no homem, aquela capacidade responsével pela busca de adaptacio ao meio ambiente. De acordo, com ele, esse proceso de adaptagio comporta necessariamente a utilizagao de um tipo de ener- gia interna, que gera uma espécie de tensio, que conduz a uma seqiiéncia predeterminacia de com- portamentos com vistas a busca de um esquema especifico que tem por fungéo diminuir ou fazer desaparecer essa tensdo"” Dentre as numerosas observacdes feitas por Lorenz sobre animais das mais diferentes espé- cies, destaca-se uma que parece particularmente significativa para se compreender como foi pos- sivel chegar-se aquilo que conceitualmente de- rnomina ato instintivo. Para chegar as suas des- cobertas, 0 autor observou que uma certa espécie de periquito exibia a conduta tipica de cio, como 11, LAPIERRE, L. “Imagindrio, Administracio e Li cderanga”. In: Revista de Administragdo de Empresas, FG) ‘vol. 29, n@ 4, out/dez,, 1989, p6. 12, DIEL, P. Peychologie de la motivation: Theorie et Aplication Thévapeutique, Paris, Petite Bibliotheque Pay- (1981, p. 21. 13, LORENZ, K. Lenoers du miroir — une histoire na turelle de la connaissance. Paris. Editions Flamarion, 1985. RAE se diante dele estivesse a fémea, quando Ihe era apresentada, dentro da gaiola, uma bola verde e suspensa por um fio. Isso, em tiltima ahalise, queria dizer que, possuindo um estado interno de caréncia, o animal evidenciava aquilo que foi chamado de conduta de busca, conduta essa que tinha por finalidade encontrar, no ambiente, um certo elemento que possuisse trés tragos especifi- os: ser uma bola, ter a cor verde e estar suspen- 50. Caso um desses trés tracos estivesse ausente, © animal deixaria de apresentar a conduta tipica do cio e 0 ato instintivo, considerado como 0 fruto do encontro entre o estado de caréncia in- temo e seu condizente esquema produtor, nio ocorreria. Com seus estudos, ao introduzir 0 conceito de atos instintivos, que sio caracteriza- dos por uma cadeia de condutas diferentes umas das outras, Lorenz retifica o enfoque que consi- dera 0 instinto em seu sentido mais amplo e Benérico. Um exame pormenorizado das proposigies co- locadas por Lorenz mostraré que o comportamen- to instintivo produzir-se- somente quando certos elementos sejam contingentes, ou estejam pre- sentes ao mesmo tempo. O ato instintivo ocorrers quando houver um estado de caréncia interna que produziré aquilo que pode ser reconhecido como estado animico, apaz de disparar um com- portamento tipico de busca de um certo objetivo encontradico no meio ambiente e que possua um conjunto espectfico de caracteristicas bem determinadas. Transportando tal entendimento para a situa- ‘slo motivacional, © conceito de atos instintivos estudado por Lorenz leva a abandonar a posigéo que considera a motivacio como um fenémeno em si, quer dizer, como se ela fosse um todo indi- visivel. Agora, portanto, o paradigma que susten- ta aquilo que pode ser chamado de atos motiv: cionais parece estar mais préximo do comporta- mento humano em si. A semelhanga dos atos instintivos, na conduta ‘motivacional,o individuo também vive um estado de caréncia que deve ser suprido, 0 que 86 ser possfvel por meio da busca de um fator de satis- fagio, que nada mais é do que aquilo que se chamou de esquema produtor. Dessa forma, no momento em que a necessidade encontra 0 seu correspondente fator de satisfacio, dé-se o ato mo- tivacional que, conseqiientemente, determina 0 aparecimento de um estado de satistagio criado pela satisfacio da necessidade em jogo. A satisfacdo de uma dada necessidade nao pa- ralisa a agéo humana, pelo contrério. O préprio fato de se saciar uma necessidade faz emergir ‘uma outra, que dispararé uma nova conduta de busca rumo a um novo esquema produtor, ou ‘melhor, rumo a um novo objetivo motivacional a ser atingido. Partindo desse ponto de vista, toda generalizagao feita a respeito dos tipos de obje- tivos motivacionais mais freqiientemente perse- guiidos pela maioria dos individuos € ingénua inadequada. Cada uma das pessoas que foram in- terrogadas por meio dessa sistemitica de pes- quisa, poderd ter diferentes estados de caréncias naquele momento e, conseqtientemente, elas esta- belecerao comportamentos de busca que possuem orientagdes especiais para esquemas produtores muito diferentes entre si. Qualquer tipo de pesquisa desse género deve examinar cuidadosamente a diferenca individual de cada uma das pessoas, caracterizar bem a si- ‘tuagdo na qual elas vivem, para que se possa en- to tirar conclusées mais realistas. Dessa forma fi- card claro que 0 objetivo motivacional é per- seguido a cada momento de forma diferente e a direséo dessa busca serd prioritariamente deter- minada por um fator interno, individual e, na ‘maioria das vezes, permanente E igualmente enriquecedor lembrar 0 que diz Claude Levy-Leboyer ao terminar seu livro sobre a crise da motivacao: “A motivagto no é nem uma qualidade individual, nem wma caracteristica do tra- balk: ndo existem individuos que estejam sempre mo- fivados nem tarefas igualmente motivadoras para to- dos. Na realidad, a motivagdo é bem mais que umn pro- cess0 estttico, Trata-se de um processo que é ao mesino tempo funcio dos individues e das atividades espectfi- cas que eles desenvolvem. E por isso que a forca, a di- rego ea prépria existencia da motfongdo estardo estre- itamente ligadas a maneira pessoa! pela qual cada um percebe, compreende e avalia sua prépria situagdo no trabalho e, certamente, nto a percepcio daqueles que «esto fora dela como os tecnocratas, os administradores £05 psicélogos”* ‘CONCLUSAO A compreensio mais ampla daquilo que foi definido como motivagio, s6 ser conseguida na medida em que se esteja atento a uma dimensio 14, LEVY-LEBOYER, C, La crise des motivations. Paris, Presses Universitaires de France, 1984, p. 134 33 34 TARTIGO mais intrinseca ¢ mais profunda da natureza hu- mana, Muitos dos trabalhos que nao se aprofun- daram no exame do nivel mais significative ofe- recido pelas necessidades e instintos humanos nao chegaram senao a uma visto parcial do as- sunto, E necessirio reconhecer, no entanto, a con- tribuigdo indispensivel feita pela psicologia a respeito da motivacao humana. A_ pesquisa wxaustiva desenvolvida pelos psicélogos revela aspectos que, durante muito tempo, haviam per- manecido como mis migicos do comportamento humano — tempo no qual flutuaram opinides pessoais, gerando confusdes perigosas a respeito da motivagio do ser humano. i jos insondaveis ou mesmo ABSTRACT: Motivution is one word sed in many different soays, with foo many differen men inngs, So, itis important to distingwist betiooen the be BERGAMINI, CW. Determinantes do Estilo de Comportamesrto Motiacional: planejamento e zai- tiagdo ie um instrumento de diagnstco ~ bases fedriens da contingéncin motiancional, Sao Paulo, | tese de livre docencia apresentada a Faculdade dle Economia e Administracio da USP, dezem- | bro de 1988. | | COFER, C.N. & APPLEY, MH. Motiontion: theory and research. New York, John Wiley and. | Sons, Inc, 1964. | DECI, E. & RYAN, RIN. Intrinsic motoation ad. seif determination in human belucior. New York, Plenum Press, 1985, HUTTEAU, M. Les conceptions cognitives de ta ersonnalité. Paris, Presses Universitaires de France, 1985 JORDAN, PC. “Effects of Intrinsic Reward in Intrinsic Motivation, a field experiment”. In: ‘Academy of Management Journal, New York, 1986. fi Javior that i known as conditionated and that one seen as the real motivated behavior, This article has the main purpose of dlinitating each one of these fo hel erogencous concepts. First: the conditioned behavior that comes out of the action of extrinsic onrinbles exist inng in the environment aut the motivated behavior titat emerges from intrinsic forces existing inside each person, It seems crucial fo distinguish these tvo differ~ tent aays of bekacvior if one wonts fo work with really iotioated people, These people seem to engage themt= seltes in svork for their oun sake, and not because these actioities might lead to external rewards. The motivated activities appear as having aims in them seloes rather than being means oan objective KEY TERMS: Motivution, conditioning, beluxior, extrinsic variables, intrinsic variables, motivational style BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR productivity improvement”, In: Supervisory Management, New York, vol. 13, n°4, abril, 1986. 'S. B, Motivation a biossocial approaches. New York, McGraw-Hill Book Company, 1982. MASLOW, A.H. Towards a psychology of being USA. Litton Educational Publishing, Inc., 1968 a. edigho). McGREGOR, D. The human side of enterprise. New York, McGraw-Hill Book Company Inc., 1954. MEIGNEZ, R. Pathologie sociale de lentreprise ai de sensibilisation. Paris, Gauthier-Villars, 1985. MINER, J.B. Theory of organizational motioa- tion in the functionning of complex organizations. US.A., Mass & Hain, 1981. SIEVERS, B. “Além do sucedaneo da moti- vagio”. In: Revista de Administragio de Empresas, FGY, vol. 30, n° 1, jan/mar. 1990,

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