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CAPITULO IV Os Incas 1, ORIGENS ‘Também aqui alguns estudiosos fizeram conjectu ras sobre a origem asiftica desse povo, o que no deve ser confundido com o Império que ele construiu. Tal vez tetiam sido os sobreviventes de uma civilizagdo que naufragou no Oceano Pacifico, da qual a Ilha da Pés- oa seria um mudo € misterioso sobrevivente € teste- munha. Existem intimeras provas da existéncia de contac- tos entre os indigenas americanos da costa do Pacifico € 0 habitantes da Polinésia, Os idiomas quechua maori (este Giltimo falado pelos polinésios) apresentam semelhangas novaveis. A barata-doce, que se presume ser de origem americana, também € encontrada naque- las remotas areas do Pacifico. O algodao do nosso con- tinente seria 0 resultado do cruzamento de uma fibra asiatica e o algodio selvagem do Peru. No Império Inca (aplicando, agora, adequada- mente a palavra Império), constatamos as seguintes ci- vilizagbes que precederam: * CHAVIN. Localizada na serra ¢ na costa central do Peru. Mutos enormes construfdos sem argamassa € fantasticas esculvuras geométricas so testemunhas de {que algo importante se desenvolveu nesta fegio, pro- vavelmente entte o século IV ¢ VII da nossa eta. ‘* MANABI. No litoral do Equador encontramos ainda as pequenas escavagdes ¢ assentos de cadeita em forma de U talhados em pedra © CHIMU. Teria dominado o litoral norte do Peru ¢ talvez parte do Equador. Resistiram’tenazmente 20s, INCAS. Conheciam a escritura e, ao seem dominados pelos INCAS, estes a teriam eliminado. Ainda hi ves- tigios de seu idioma. Desta civlizagio, os INCAS te: riam copiado o sistema de transmissio de mensagens feitas a pé, com’ homens que levavam, correndo, as mensagens ou ofdens para outtos hierarcas subalter- nos, distances da capital. As imagens; muito bem pin- tadas nas olatias onde faziam seus utensilios de barro, provam que conkieciamo sistema de contar, aumerica ‘Arle Chavin mente, 28 coisas, através de nds em cordas, o que ceria sido utilizado pelos INCAS para organizar um sistema estatistico que surpreende por sua perfeicio. * CARAS, Civilizacio que existiu no Equador, ce- ve Quito como capital, € que teria chegado por mar Adoravam 0 sol ¢ a lua. Conheciam uma variante dos bacos (um contador com pequenas esferas de madeira que faz varias operagoes aritméticas), Foram excelentes tecelves, curtidores € talhadores de esmeraldas. Mos- travam a tendéncia de expansio em diregao a atual Co- lémbia. Foram absorvidos pelos INCAS. ‘© CUISMANCU. Chamado “‘reino’'; nos séculos Xl e XIV controlou os vales litorineos do Peru, hoje denominados Lurin ¢ Rimac (neste diltimo se encontra Lima, eapital do Peru). Ergueram santuarios ao deus PACHACAMAG; construiram cidades, ¢ seus ordculos tiveram muita reputagio O Impétio Inca tt época de seu apogew Venezuela 2 1 t unas ! y ARGENTINA < ’ ' 1 # Acerca de vinte quilémetros de Lima, em CA- JAMARQUILLA, havia um povo de agrculrores, si. vores ¢ pescadores. Na mesma regido, em Ancén (hoje praia para curistas), foram encontrados mais de 39,900 Ppjetos que provan a existencia de uma civilizagao 2 fesor 208 INCAS, que realizava intercimbios com civ lizagdes de outras tegides «Ao sul dos eeritérios CUISMANCL, povos agri ‘cultores fertilizavam a terra com cabesas de peixe (sat- inhas) enterradas conjuntamente com os grios de mi- tho. O inca Garcilaso de la Vega, grande escritor mest: Go (lho de india ¢ espanhol) ficou impressionado com> se conhecimentos de construcio de canais de irigasio destes povos, * No vale de Huarcu (hoje Cafiete) encontramos ‘uma importante fortaleza que, durante um certo tem: fon deteve a matcha conquistadora dos INCAS. Esxé Po fisada no litoral sul do Pera. Mais a0 sul,'nascida ede ICA c NAZCA, encontrava-se um dos mais im portantes centros de fabricagio de cerimica da Ames Pré-colombiana. Os INCAS tiveram que lutar suo Pra cominat aos CHINCHAS (que era 0 nome dos Prmnistas) que, além de trabalhar com. a cerdmica, s2 Tran Monsaruir excelentes canais de irrigagio. Para de- ero inimigo, fio'vacilaram em destruit os canals, s TIAHUANACO. E um dos mais admirivels monumentos do passado americano, localizando-se 2 pongo km da cidade de La Paz, em urna vasta planicie Gque se eleva a 4,000 metros de altura. A civilizagio ave ane Sf csenvolveu corresponde aproximadamente 20 sé- ate X de nossa era. Uma lenda Aimari diz: antes que cil jrolas brilbassem no firmamento, Tiabuanaco 8 a frie, Rainas de remplos, palicios, casas, cemitérios, cre nos falam de um momento crucial no procesio cv inworio da América. Grande parte da simbologia que taaheramos em outras civilizagbes do continente esti coors nos monumencos desta cidade, que os indios spoiach set anterior 20 dia em que o-deus VIRACO- CHA criou as estrelas, livrando o mundo das crevas. Nip esgotamos 2 lista de povos. Mas, 0 dito aré agora nos mostra que 0 povo INCA consttuiu sy Inv perio dominando vitas civilizagdes preexistentes. © aervaa com sua particularidade, com suas conquistas eras ¢ espirituais, seus deuses ¢ idiomas, A domi fnagio incaica ta do sul da Colmbia aé o rio Maule. 1 aie nea egigo em que hoje se localiza a cidade de Cancepeién. Para 0 Teste, as fronteiras do Império ConcePraresta amazGnica, ¢ incluiram as altas teas da Bolivia, norte € centio-oeste da Argentina, a. parle ola asiderdvel do Peru ¢ quase toda repdblica do Equador. Os INCAS se apoderaram dos melhores Pro Hikes das civilizagbes que os precederam, ¢ os coloca eva serviga do mais impressionante sistema de domi fiapio construido na América que anteceden 4 con: quista 'k Porta do Sol, Tishuanaco, {0 Império INCA tinha, aproximadamente, 15 milhdes de pessoas ¢ quatro grupos de povos: CHIMU, sobre 0s quis jé falamos; ‘indos, presumivelmente, da regido amazbnica ¢ que viviam nas proximidades do Lago Titicaca; ECHUAS. formando a maior massa do Império; RAS, provavéis fundadores de Tiahuanaco, viviam nas egies sul c leste do lago Titicaca ‘© padre Acosta afirma que falava-se mais de 700 idiomas ¢ dialetos no Impétio. Alguns ainda sobrevivem > da conquista cram dominantes 6 quechua, aimaré ¢ uru. Este Gltimo jf se extinguiu, diferentemente dos Mamada Qquechhua. eobcen the de M-lgar natural detfla Ciudad Pedant Lengua DELA LENGVA Santa Iglefa Metropolitana ,y siaador Synodal de cla cm As VesMahoRcA.. ofr Argobsfpade, PRIMERA PARTE, DONDE POF ABE concer 12 fone ingt in Sige Bett rnese FRANCISCO DE ae Cauallero del Orden deSantia- | comPugsto TOR RL 7 Le Destco Sentador Juez Oficial Real del Te Menge fas ondary Np nls er oele mayor de Cuentas,y digniffimo mimes byordomo del Hofpital de mi Sefiora Santa Anna tie ste Aim cn te se aoe "CON LICENCIA, < lo en Lima, en la Cslle de las Mantas 5 © ee Diegode Lyra Abw de 14 ef fee le en a | 5 © xaav sa gr i opts ote sb Tan terete ale rea 0h he Toten \ocabuiio da lingua aymard. Autor Pade Ludovico Berteneo, 1633, OS QUIPOS J Bram corddes aos quais se amarravam cord6ezi- 5. paralelamente, ott partindo de um ponto co- Stouum. Os nds feito significavam nimeros, ¢ as cores ti- | ham significados determinados. No exttemo inferior e cada cordiozinho faziam o né que equivalia 3 uni- ‘dade; depois vinham os nds equivalentes 4 dezenas, centenas, milhares e dezenas de milhares. Os QUIPOS continham o zero, que eta identificado por um inter- valo de corda sem nenhum né. Existiam QUIPOS ‘‘demogrficos”’, como Baudin os denomina: para fazer o censo da populacio. As in- formag6es cram ttansmitidas da mais baixa escala do corpo de funcionarios até chegar & mais alta hierarquia do Império e vinham de todas partes. O poder central conhecia a quantidade de homens, mulheres, criancas ¢ velhos existentes em cada regio; quantos individuos estavam aptos para o exército € quantos podiam traba- Ihar em obras pGblicas; quais eram as necessidades em atmas, alimentos e roupas, ou o que, eventualmente estaria sobrando nestes ramos ‘Através dos QUIPOS os INCAS elaboraram um admiravel sistema estatistico relativo & populagio, pro- dugao ¢ questdes bélicas. Quem fazia a leitura dos nés eram os funcionatios chamados QUIPUCAMAYUCS. Com os dados em suas mios, o Estado Imperial criou 0 que hoje chamariamos planejamento central da socie- dade. Para isso precisou, € claro, de uma gigantesca, burocracia que levasse, regularmente, as informagdes para a capula do poder, ¢ transmitisse 20 povo as de {erminagdes que emanavam dessa cGipula Os QUIPOS eram utilizados também para regis- trar fatos hist6ricos ¢ rituais magicos. Eles eram a me- méria escrita do Império Inca, Sua perfeigio foi ta0 grande que, talvez com certo exagero, um cronista dis- se que era impossivel ocultar da autoridade a posse de um par de sandilias, pois tudo era minuciosamente in- gt fecfe soit) S Cords colorideschamadas “qupos” mangas por um ato funcionério nes. ventariado, registrado ¢ controlado, tanto os bens co: ‘mo as pessoas. Além disso, o funcionario que comets se um erro no registro ou na leitura de um QUIPO pa gava com a vida. Os INCAS nao facilitavam em certa a Animais e Vegetais ‘A thama, © guanaco, a vicunha e a alpaca servitam para cransporte e forneceram Ia ¢ couro. Cachorros ¢ pe- quenos porcos foram criados mas sua importancia era bastante secundaria ‘O principal cereal, i 0 dissemos, era 0 milho; depois temos 2 barata-doce, 0 manco (um cereal hoje desapa- tecido), a quinua (um legume ainda bastante consumido, cujasfolhas se come como o espinafte e cuja semente, muito abundante © midda, como o aro, €usada na sopa,sendo chamada pelos espanhis de arroz pequeno), 0 tomate, a goia ba, a anona (futuro parecido com a maga), 0 abacatc, o amendoim. a yuca (espécie de mandioca), 0 anands, tc Algumas plantas eram uilizadas como forragem pata a ihamas, As casas eram cobertas com plantas entrela- adas na fabricagao do material para as paredes, usavam também componentes vegetas, Com a torora (uma planta, ¢s- pécie de espadana que sc cia em fertenos pantanosos) fabricavam — ainda fabricam — embarcag@es uilizadas no lago Titicaca para navegasbese pescatia, Plantas, ervas€ralzes medicinas merecem um capiculo especial 3. O AYLLU Numerosos estudioios consideram 0 AYLLU (co- munidade agritia) como a céldla fundamental da so- ciedade incaica. A propriedade privada da terra teria inexistido no AYLLU; esta seria propriedade comunal ¢ cada familia-membro teria o direito 20 usufruto de uma parte para sua manutengio. Também se atribuiv 20 AYLLU 0 cardeer de um sistema de organizasio do trabalho cooperativo. Todos se ajudariam entre si provavel que essa imagem do AYLLU fosse cor~ reta para as sociedades’pré-incaicas, onde ainda ado existiam sistemas de dominagio solidamente estrutura dos. De fato, para o incaico, a verdade parece set outra muito diferente. As cerras eram do Inca, 0 Imperador, ‘este, através de uma ampla ¢ complexa rede de fun- Cionarios, as distribuia entre os membros de cada AYL- LU, fazendo 0 mesmo com a agua de itrigacio. A dis- ttibuigdo nio era por AYLLU, mas por familia, de mo: do que o referido coletivismo agrario se resolvia de ma- nneira que cada familia — como jé foi dito — trabalha- vva sua parte de terra e recolhia o que ela produria. Ao ‘mesmo tempo, os membros do AYLLU tinham a ol gacio de trabalhar gratuitamente em terras especiais, Cuja totalidade do produto eta tributada a0 Inca © 20 deus-sol. £ até provavel que um tributo adicional esti- vvesse representado para manutengio dos burocratas que represcntavam o poder central, cuja funcdo era vi giar rigorosamente pelo cumprimento de suas determi nagoes Esta estrutura do AYLLU — por outro lado, mais heterogénea que o esquema que apresentamos — asse gurava a submissao da massa camponesa ¢ stia domina- ‘Gio por aqueles que representavam 0 poder: 0 clero ¢ a burocracia (nem sempre bem diferenciados) em todos 1s seus niveis hicrarquicos, até culminar no préptio In- ca, 0 Imperador. O camponés que no se mostrasse suibmisso ou que se rebelasse, negando-se, por exem- plo, a transferir-se a outras regides (MITMAC) para tra- balhar gratuitamente nas terras do Inca ¢ do deus-sol, a mantet 0s funciondrios ou participar com seu esforso, também gratuito, na construgio de obras pablicas, en- frentava uma coacio imperativa: ficava privado da tet- rac da Agua, ou recebia uma dotagio que impossibili- tava a subsisténcia de sua familia Cada indio que se casava recebia um pedago de feque aumentava com cada filho que nascia. Mas ‘s€ nascesse mulher — e isto demonstra um menor valor ‘atribuido 2 mulher na sociedade incaica — o pai s6 te- ‘ebia 2 metade do tamanho da terra que seria dada se 0 faxcido fosse homem. A terra atribufda em usufruto, ‘chamada chicara, palavra que se incorporou ao idioma ‘eipanhol. cra cultivada por outras pessoas do AYLLU 4e00 usufturustio estivesse prestando servigos fora dela, (gfassem civis ou militares. As terras cujo produto era in- tciramente apropriado pelo Inca nao ti s6es pré-fixadas ¢ tendiam a seriaside possivel. Daf o fato das dotagies dentro do tem as minimas indispensdveis para 2 sub ‘camponeses. Por outro lado, como diz um notavel ‘udioso: ‘Um sistema econémico individualista és lar, dificilmente pode engendrar um alto espf munitario™. Disto podemos concluir que o socials ‘ou 0 comunismo incaico foi um mito, uma mistficagao¥ daqueles que o interpretaram de manecira erro tealidade, 0 AYLLU, sob o controle do Ele ee se constituiu em um instramento de dominacio desp6-s tica. Manteve a populacéo camponesa aglomerada ei® uma comunidade ¢, portanco facilitou sua vigilancia € sua exploragio, inclusive seu recturamento para fins militares e para construgdo de obras de todos os tipos. 4, PRESTACOES DE SERVICOS GRATUITOS FORA DO AYLLU ‘Camponeses ¢ artesios estavam obrigados Ihar gratuitamente na construgio de palacios, cent cerimoniais, caminhos, canais de itrigagao, tetragds pa ‘a0 cultivo da agriculeura nas encostas das montatihas ¢ muitos mais trabalhos que a complexa estrutt Impéria requeria, tais como a manutengao de pontess guarda dos tambos (alojamentos ¢ depésitos de ai ‘mentos escalonados a0 longo dos caminhos), exttago), de minérios, correios, servigos religiosos, militage © sistema de exploragdo das minas era feito por um processo de rotatividade da mdo-de-obra — conduzida compulsivamente, tendo como remuneragio apenas 0 alimento — chamado MITA. Os conquistadores espa. nhéis continuaram usando o mesmo processo € mani yeram o mesmo nome. A MITA, instituigdo incaica passou integralmente a0 servigo de dominacio hispani- Um aspecto interessante a ser destacado € a racio- nalidade com que a forca de trabalho era utilizada’ partiase do principio de que cada grupo de ind: devia realizar aquilo para 0 qual tinha maior habilida- de.ou melhores conhecimentos prévios. Os bailarinos enviados a Cuzco pata distragio ¢ diversio do Inca sua corte pertenciam A tribo dos Chumbivileas; 0s cu: randeitos eram recrutados entre os Colahuayas; os que cartegavam a liceira imperial entre os Rucanas, ¢ asim sucessivamente Para os chefes do Império, o trabalho permanente para as pessoas do poyo também tinha outro significa- do. O Inca Huayna Capac, disse, sem hipoctisia: ‘Se faltar trabalho, que 0 povo mude uma montanha de um lugar para outso. Desta maneira, a paz reinaré no chamarar 5. OS QUE MANDAM © cariter despético da dominagio esti bastante claro nas seguintes palavras que o Inca Atahualpa diti- gi a0 conquistador Pizarro: '‘No meu teino, nenhum pissaro voa, nem folha alguma se move, se esta nfo for minha vontade’” Nos postos mais elevados da hierarquia social ¢ politica encontramos uma autocracia teocratica heredi taria. O Inca, soberano supremo, € 20 mesmo tempo uma divindade, ¢ wansmite 0 poder a seus fillos. Na presenga do Inca se humilham até os mais altos ¢ no: bres dignatirios, obrigados a se apresentarem ante cle descalgos, curvados ¢ carregando um peso nas costas S40 absolutos os direitos de vida ¢ morte sobre seus s6- ditos, qualquer que seja 0 nivel social destes. O miro —$—— Deslocamentos Populacionais Planejados Quando houve necessidade de povoar terrasvitgens,reforcar regides onde a mio-de-obra andava escassa, ai viat excessivas densidades populacionais colocas gente de absoluta confianga no meio de povos de fidelidade duvidosa, 0 Estado Imperial deslocava compactos grupos humanos. Es 10 de MITIMAES), era o resultado da leitura analitica dos QUIPOS. endmeno, que tinha o nome de MITMAC (0s espanhis, de sua divindade foi habilmente construido € melhor ainda difundido entre 0 povo. Historiadores oficiais, ‘escolhidos pelo Inca, escreviam duas historias diferen- tes: uma para a nobreza € a hierarquia, outra para 0 povo, Esta tiltima, cuidadosamente elaborada, excluia tudo que pudesse diminuir 0 respeito ¢a fidelidade 20 soberano. Contadores de hist6rias e cantores populares (hoje 0s chamariamos de meios de comunicagio de ‘massas), eram instruidos convenientemente sobre os temas de suas historias ¢ cangGes, € sobre o tratamento que’devia ser dado. A derrota do Inca Urco frente avs Chancas foi totalmente ignorada pela historia oficial Assim, religio, mitos, lendas ¢ hist6ria foram de. liberadamente fabricados por especialistas, visando a divinizar o Inca, fazendo com que sua vontade — e seus cexcessos — aparecessem como a yontade de um deus. ‘Abaixo do soberan, vinha uma complexa buro- -acia administrativa ¢ militar que chegou a constituir, de fato, uma casta, por seu carter hereditétio. Os fi thos desta casta recebiam uma educagio adequada para andar ¢ administrar. Bra uma educagio complexa ¢ bastante rigorosa, que compreendia o estudo intensivo dda versio oficial da hist6ria, tal qual havia sido escrita para esses nobres. Dado o carter guerreiro dos Incas, 0 reparo fisico para a milicia era privilegiado, assim co- fo 0 que hoje chamariamos ciéncia militar: a arte da ddefesa ¢ do ataque, das fortificagdes ¢ cercos, a espio- tnagem ea diplomacia, a correta disposigdo ¢ utilizagio os soldados, etc. Os escolhidos para mandar adora- yam deuses que nao eram 05 do povo ou povos domi rnados; estes conservavam a liberdade de adorar suas antigas e originais divindades, ainda que tivessem que (meeceitar como divindade suprema ao sol, o deus dos que mandam, ¢ a0 Inca, representante do sol na terra Houve, pois, uma teligiio dos dominadores milk plas religides dos dominados. Existem, ademais, boas faz6es para crer que além do deus sol, 0 Inca ¢ seus no bres adoravam a uma divindade mais transcendental ¢ definitiva chamada Viracocha ou Pachacamac, senhor supremo da criagi0 ¢ ctiador do proprio sol se, A fausiosa corte do Inca, com seus milhares de $ervidores, ea hierarquia civil e religiosa viviam dos tri~ butos que milhées de seres humanos de todo 0 Império entregavam ao Inca. Este recompensava seus dignaté- Tios de acordo com os méritos militares, religiosos ¢ ad- rministrativos, sendo que as recompensas consistiam em terras, rebanhos de thamas, objetos de arte, mulheres, roupas de luxo ¢ o dircito a viajar em liteiras conduzi- das por cartegadores, a exibir certos ornamentos ¢ ocu- Os Incas #33. par lugares privilegiados nas grandes ceriménias pS) propriedade privada dos dignatérios podia ser transmi- tida por heranca mas ndo a herdeiros determinados ; pelo proprietério antes de sua morte, mas a todo 0 con= junto de seus descendentes. Considerava-se assim que 65 méritos acumulados em vida pelo morto no erat monopolizados € sim socializados. Desta mancita tox dos seus parentes estavam intetessados que, enquanto © dignatario fosse vivo, seus servigos 20 Inca fossem © ‘melhor possivel, porque deles dependiam a riqueza € as honras de todos. Prescindimos da enumeragio das categotias dos hierarcas civis ¢ passamos agora a examinar brevemente 6 papel do clero. Jé vimos a grande importincia da reli- gio no mecanisino de dominagio. Digamos que o cle- ro, da mesma maneira que a burocracia civil, estava di- tetamente subordinado ao Inca. Mais ainda: o supre- mo sacerdote costumava ser 0 irmao ou primo do pr6~ prio soberano, designado em assembléia de notaveis. Esta espécie de Papa era chamado VILLAC UMU e, lo- go abaixo dele, na hierarquia, havia dez prelados que poderiamos comparar aos bispos. O VILLAC UMU de- signava estes dez personagens estes, por sua vez, exo- Ihiam o clero em seus escaldes mais inferiores. Faziam parte do aparato sacerdotalfeiticeros, oriculos, adivi thos, sactficadores, intérpretes de sonhos, curand tos, etc, Era uma imensa e intrincada rede que assegu- tava 0 culto ao sol ¢ a seu representante vivo, 0 Inca, Para o sistema de dominagdo, todo esse conjunto que ‘mantinha ¢ transmitia mitos, lendas, tabus, normas, tegulamentos ¢ determinagdes, era absoluramente es- sencial, como era o sistema de funcionamento do AYL- LU que jé explicamos. Pontes e Caminhos Esse imenso Impétio precisou de uma infra-estrututa que the permitisse circular, permanentemente, exér tos, MITMAC, funcionatios, mensageiros, sacerdotes, alguns mercadores e, sobretudo, tributos. Apesar da dificil geo zafia, 0 que foi realizado em matéria de pontes e caminhos s6 pode ser qualificado de admiravel. O cronista Cieza de Te6n declara, perplexo, que 0 caminho que unia Quito a Cuzco, a capital do Império (milhares de quil6mettos), jamais podetia ter sido construido na Espanha, ‘Os caminhos zinguezagueavam as montanhas gigantescas e deviam ter pontes suspensas cuja qualidade ¢ se- jguranca os conquistadores puderam yerificar. Alguns caminhos separavam-se dos campos por um pequeno muro, para tvitar que os exercitos em marcha depredassem ou prejudicassem a producto de alimentos. Em tegides onde a arcia podia. + Cobrir os caminhos, existiam alguns sinais petfeitamence identificdveis. Quando possivel, plantavam pequenos bosques que serviam de descanso para os caminhantes ¢ faziam depssitos dégua para aliviara sede. Ao longo dos caminhos exis. tam casas chamadas TAMBOS, que continham alimentos, gua ¢ serviam de alojamento De que eram feitos esses caminhos ainda hoje utilizados, lf, onde a negligéncia do homem branco nao desi ‘ruiu? De uma espécie de laje fabricada com uma miscura de argila, pedras ¢ folhas de milho 6. OS DOMINADOS Na parte dedicada a0 AYLLU falamos do campo: fnés comum, aguele que no Império era chamado LLACTA RUNA. Falames de suas obrigagoes, de seus ppoucos direitos ¢ de seus muitos deveres. Abaixo dele, existe uma categoria social chamada de Yanaconas, cu- ja origem era da sublevagio da cidade de Yanacu, quando foram derrotados pelas tropas do Inca ¢ conde nados a servidio ou, num principio, a escravidao que se tornava extensiva a seus descendentes. De certa ma- neira, poderiamos dizer que viviam fora dos quadros sociais; que nao dependiam, como os LLACTA RUNA,, dos funcionérios ou clérigos, e que eram simplesmente propriedade de determinadas pessoas. Nao cram escra- vos ou servidores para a produgio, mas servidores do- mésticos. Nao durou muito tempo para que, nao pou- cos, perdessem esta condiglo © passassem a fazer parte das familias as quais serviam. Excepcionalmente, al guns alcangaram méritos ou mostraram condigées que clevaram-nos a altas posigSes. Nao faziam parte dos censos, talvez por consideri-los menos humanos. No ‘entanto, 20 que tudo indica, seu destino foi menos ar- duo que 0 dos escravos nos impérios espanhol ¢ portu: gues. Comercio Em uma sociedade na Qual todos seus membros — pelo, menos teoricamente Entre os artesios especializados — que eram mi- Ihares — havia um elevado timero que hoje seriam considerados como grandes artistas. Gragas ao talento para esculpir, pintar, gravar, construir, fazer cerdmicas maravilhosas, trabalhar metas ¢ fazer jéias finissimas, adquiriram certo status privilegiado, como provavel- ‘mente também o tiveram as pessoas do povo considera- das dotadas para curar, fazer milagres, etc. Ciéncia, re- ligido ¢ magia ndo se diferenciavam, mas os possuido- res de um conhecimento esotérico — ¢ no estamos fa Jando daqueles diretamente ligados a corte em Cuzco — pozavam de muitas consideragdes ¢ respeito, que chegavam, 3s vezes, as raias da reveréncia. E ficil ima. gginar a imporcincia que tinham para 0 povo, homens ‘que conheciam as propriedades medicinais das plantas, (ou 0s cirurgides habeis em operagSes tais como a trepa- nagio'de erineos, a amputacio de membros feridos ¢ a sutura de feridas utilizando.... formigas. © povo admi: rava e fespeitava aqueles que sabiam acalmar as dores usando a cocaina. AA primeira vista, a imensa massa constituida pelos LLACTA RUNA pode dar a impressio de uma mon6- tona ¢ fantéstica uniformizagio. Um conhecimento mais detalhado indica consideraveis matizes ¢ diferen- ciagSes que, se no modificam no essencial a condiga0 social, assinalam consideraveis diferenas. tinham assegurado sua sub: sisténcia, a possibilidade de existéncia de um comércio (de uma economia mercantile de um sistema monetario) era pra tieamence nla. NQ entanto, existia um certo comércio de bens de luxo, destinados a saisfazer as exigencias da corce ‘Além diso, nos dominios do Inca foram encontrados objetos fabricados nas mais distantes regides do concinente, ¢ isto também aconteceu no sentido inverso. A falta de animais para cransporte ¢ de veiculos de rodas foi, sem daivida, um frande obsticulo, mas a navegacto foi praticada por populagBes que viviam pr6ximas aos tios. Como natrao cronista Sar fhienco de Gamboa — «isto € tido como certo —, 0 Inca Tupac Yupanqui, no século XV. teria feito uma viagem pelo Gceano Pacifico at as ihas da Polinésia. A ernica, com bastante exagero, menciona que 20.000 pessoas acompanharam ‘© soberano, formando uma imensa frota de pequenas embarcasbes que zarparam do porto de Tumbes. esta maneira, ainda que o comércio fosse insignificante, 0 pouco existente serviu para colocar em contato diferentes civiizagbes ¢ transmitir conhecimentos A Gidade de Cuxco ‘A atual cidade deste nome foi a capital do Império Inca, ¢ calcula-se que no seu momento de maximo es: plendor chegou a ter 200.000 habitantes. Cuzco possuia intimeros palicios (cada Inca construis um novo para morar), Eentros de ceriménias, casas de alts dignacérios, ruas perfeitamente tracadas, admirdveis aqueducos,locais pr6prios para ‘etimbnias celigiosise lugares abertos para mercados, Sicuada a 3.500 mets de altura, a tradisao incaica atribui ao Inca Pachacutee a consttusao racional de uma cidade — sobre um Cuzco preexistente|— ordenada urbanisticamente ao tedor dde uma praca centtal. Falar da construcio maravilhosa ¢ artstica que encontramos em Cuzco ¢ em tudo 0 que pertenceu A civilizagio incaica, equereria um espaco que do temos. Fazemos uma omissio lamencavel, mas necessiria.O leitor su prird essa falha se recorter a bibliografia que fornecemos, 7. QUAL PODERIA TER SIDO O FUTURO Da mesma maneira que fizemos com as civiliza bes Asteca ¢ Maia, a pergunta surge inevitavelmente: © que teria acontecido se os espanh6is no tivessem destruido este Império? E Sbvio também que esta per fgunta no admite respostas, Em todo caso, ha indicios de que no momento da conquista comecam a surgit elementos de privatizacio de propriedade da terra. Ji vimos que a casta dirigente comeca a possuf-la, como também apropria-se de outras riquezas que jé enume ramos. Mas, 20 mesmo tempo vimos que, pelas leis de heranga, a propriedade era dividida entre todos os des cendentes, 0 que faz perder seu significado, Os sobera nos Incas estavam, com iss, interessados em evitar acumulagéo de riquezas d¢ bens ¢ iméveis em ma dos seus dignatirios? E provavel. © monopélio da ou torga de dadivas pelos Incis representava um grande poder e uma pressio para que esse poder fosse, de fato, acatado, servindo também de incentivo para que os Os Incas 35 dignatérios se esforsassem, o maximo posstvel, eff Sets vir aos Incas ¢ obter suas dadivas. A propriedade pri da da terra implicava subtrait a0 dominio diteto do Tn aa mfo-de-obra que devia trabalhi-la e a aproptiagao privada do produto i Bla podia, pois romper 0 monopélio do Inca da distribuigo de dadivas ¢ arrecadar tributos distributt® ddo-os a seu bel prazer. Em sintese: um determinado grau de independéncia econdmica dos dignatérios mix fnorava o poder autocratico e despotico do soberano. A sua total dependéncia a vontade do representante do sol na terra contribuia para fortalecer esse poder. "A pergunta inicial fica aberta sem resposta. O que sabemos € 0 que efetivamente aconteceu. Os atuais descendentes incaicos, da mesma maneira que 0s descendentes MAIAS ¢ ASTECAS, vivem na miséria eralvez tenham saudades de um passado que, na visto atual, torna-se idilico. Milhdes deles falam seus antigos idiomas ¢ reverenciam seus deuses, ainda que frequen- temente misturados com o cristianismo que thes foi imposto, Talvez a Gnica pergunta pertinente seja esta qual sera seu futuro?

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