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AGRUPAMENTO VERTICAL DE ESCOLAS OESTE DA COLINA

ESCOLA EB23 FREI CAETANO BRANDÃO – ANO LECTIVO 2009/2010


EFA ESCOLAR B3 – LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA E AS SUAS PERSONALIDADES

NOME _____________________________________ DATA __/__/__

GUERRA JUNQUEIRO (POETA: 1850 –


1923)
Um espaço na Modernidade
Um dia, disse Guerra Junqueiro para o seu amigo Luís de Oliveira Guimarães:
"Os políticos consideram-me um poeta; os poetas, um político; os católicos julgam-
me um ímpio; os ateus, um crente". Mais tarde, Helena Rocha Pereira, diria: "Entre
os grandes poetas que brilharam na segunda metade do nosso século XIX, nenhum
provocou mais desencontradas críticas à volta da sua obra do que Guerra
Junqueiro".

No muito que se escreveu sobre Junqueiro, podemos verificar que estes


desencontros foram constantes. Quer do ponto de vista literário, quer do ponto de
vista das ideias. Nestas linhas críticas divergentes, encontramos uma convergência,
de recorrência histórica, à qual, em termos de objectividade, não nos podemos
abstrair. Junqueiro, na diversidade, nas flutuações, que estão na base de críticas
antagónicas, acrescidas de outras razões de ordem pessoal, é a expressão mais
próxima do devir histórico da sua época na nossa literatura. A obra e o homem
testemunhado pelos seus amigos constituem um todo existencial, onde o
nacionalismo e o europeísmo se reflectem nas suas complexidades, em que
passado, presente e futuro estão sob os efeitos de uma inexorável mutação
dialéctica. Junqueiro não pode ser encarado por parcelas, se estas perderem de
vista a obra na sua globalidade e a sua inserção na história, entendendo-se por
globalidade a lírica, a prosa e as próprias conversas particulares com os seus
amigos. Só por esta via se poderá compreender a glória de Junqueiro, no país e fora
dele, e equacionar os excessos das críticas antagónicas. Só por esta via se poderá
procurar o seu lugar na modernidade. E diga-se, desde já, que, sem Junqueiro, falta
um elo dos mais importantes na cadeia da história da nossa literatura.

Começando pelas três obras mais polémicas de Junqueiro, diremos que: Em


A Morte de D. João, o protagonista funciona como um símbolo de todos os
corruptos, que desenvolvem as suas performances a partir de 1830, como refere o
autor, no "Prefácio" da segunda edição desta obra: "Quantos adultérios,
prostituições, nevroses, tísicas, enfim, quantos escândalos e quantas doenças não
têm sido produzidas desde 1830 pela sentimentalidade doentia do romantismo
desgrenhado e piegas?”
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LC3B – Interpretar textos de carácter informativo-reflexivo, argumentativo e literário.
LC3D – Interpretar e produzir linguagem não verbal adequada a contextos diversificados, de
carácter restrito ou universal.
Em A Velhice do Padre Eterno, no "Prefácio" à segunda edição, declara: "O
Deus de Jerusalém, castrado, feroz, porco, cheirando a alho, um Deus cujo reino, na
geografia celeste, tinha as dimensões do principado de Mónaco, encontra-se
subitamente no trono de Júpiter, César todo dominador de tudo quanto existia –
porque tudo fora feito por ele!". Mas também diz, em "Nota", no final da obra: "E
depois de morto D. João e morto Jeová, resta-me ressuscitar Jesus e desagrilhoar
Prometeu". E, mais adiante: "[...] rogo a Deus do fluido da minha alma que me
deixe terminar com um hino de esperança e de harmonia uma batalha de cóleras e
de sarcasmo". Não chegou a terminar, seria Prometeu Libertado.

Se fizermos um levantamento de todas as descrições, apanhadas nesta obra


por todos os seus ângulos de focagem, mesmo sem tomar em linha de conta
atitudes posteriores, ser-nos-á difícil encontrar Junqueiro desenraizado do solo
religioso em que foi plantado. Os ímpetos sarcásticos contra a Igreja, saem-lhe de
um fundo de sentimentos, onde a essência da Igreja se depositou, sem o corpo das
suas práticas. Subjacente aos seus ataques, está um coração em prece. Ao lado do
léxico e das imagens mais baixas, com as cores das lotas de peixe, há um léxico e
imagens que brotam límpidas das fontes cristãs. Junqueiro ataca em defesa de.

Esta fusão em Junqueiro, cujo lado mais visível é o de ímpio, pela violência e
pelo relevo dos traços caricaturais, encontrará a sua explicação em dois braseiros
históricos: um, nacional, outro, europeu. A Europa atravessa um período
iconoclasta, a que Portugal não escapa. Mas essa influência estranha é traduzida
para uma realidade outra, que é a nossa, e, como tal, com os seus problemas
específicos, com a sua cor local. Junqueiro, enamorado por uma Europa de
transformação radical, que acena com novas verdades e novas esperanças,
embarca no comboio da moda, com todo o histerismo de um forasteiro. Mas este
forasteiro não consegue disfarçar as suas raízes. Numa geografia europeia,
Junqueiro bate com um coração português. No fundo, Junqueiro revolta-se mais
contra o rosto social da Igreja, do que propriamente contra a essência doutrinal da
Igreja. Porquê?

Não há dúvida de que o autor de A Velhice do Padre Eterno,


declaradamente, ataca Deus, conforme foi interpretado e encenado através da
história. Mas também não há dúvida de que Junqueiro não foi ao fundo da questão,
levando em conta a lenta evolução da humanidade, para chegar à linguagem da
transcendência. Assim como não levou em conta a inalienável relação da Igreja com
a história, já que, os operadores da Instituição são pessoas, produtos dessa história.

Este Junqueiro, com olhos de superfícies, encontra no panteísmo e no


evolucionismo, (lê sabor europeu, unia abertura para a iluminação de um fundo,
onde estava um Deus primeiro, escurecido por um púlpito desactualizado e por uma
prática clerical comprometida e corruptível. O discurso de Junqueiro é de charneira,
de árvore que se sustenta porque tem as suas raízes de formação católica. Embora
revele consciência, em muitas páginas, do panteísmo e do evolucionismo, e os
respire, nunca se emancipará neles como pensador, pois Deus e Cristo estão
sempre presentes, como reflexos e como linguagem, o que viabilizará a sua
reconversão final. Guerra Junqueiro, inteiro, é fundamentalmente um crítico social,
por amor a tudo que é pátrio. Esta vertente, quaisquer que sejam os caminhos por
onde passa, é a única que se mantém inalterável em toda a sua obra e a sua vida.
Um humanismo simples, de sentimentos transbordantes, através dos quais não só
vê Portugal, como também vê a Europa, com páginas de uma sensibilidade e de
uma argúcia invulgares, da qual está informado e a qual sabe analisar, como o que
escreveu sobre a Primeira Grande Guerra Mundial.

A esta segunda obra polémica surgiu Pátria, em 1896, onze anos depois e
vinte e dois após a primeira. Surge na sequência do Ultimatum inglês. É um ataque
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LC3B – Interpretar textos de carácter informativo-reflexivo, argumentativo e literário.
LC3D – Interpretar e produzir linguagem não verbal adequada a contextos diversificados, de
carácter restrito ou universal.
à dinastia de Bragança, na figura de D. Carlos: "O estado é o rei. Cidadão há um
único: D. Carlos. Os deveres são nossos, os direitos, dele. Estrangula-me as ideias,
arromba-me a gaveta, ou corta-me o pescoço, conforme o queira. A justiça é um
relógio que ele atrasa, adianta ou faz parar, segundo lhe dá na vontade. Decreta a
lei e nomeia o juiz. O parlamento é o seu capricho".

Estas três obras não devem ser encaradas como três temáticas diferentes,
mas uma só, a Nação, escalpelizada em suas gradações sociais, ou, se se quiser, o
rosto de um povo historicamente degradado por forças políticas e religiosas,
consentidas e aceites por uma população conformada, e passiva. A análise de cada
uma das três obras obriga a encontrar nelas uma unidade. O que inequivocamente
é reforçado em "Anotações", anexas à Pátria, em jeito de balanço. Embora
extensas, não podemos, pela sua pertinência, deixar de transcrever parte dessas
anotações:

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e


sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de
vergonha, feixes de miséria, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de
um coice, pois que já nem com as orelhas é capaz de sacudir as moscas. [...]";

"Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo


Vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a
tradução em eclesiástico do fura-vidas que governa o distrito ou do fura-vidas que
administra o concelho [...]";

"Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não


discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo
homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em
pantomineiros, capazes de toda a a infâmia, da mentira à falsificação, da violência
ao roubo [...]";

"Um exército que importa em 6.000 contos, não valendo 60 réis [...]";

"Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo [...]";

"A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela


um saca-rolhas";

"Dois partidos monárquicos, sem ideias, sem planos, sem convicções [...]";

"Um partido republicano, quase circunscrito a Lisboa, avolumando ou


diminuindo segundo os erros da monarquia, hoje aparentemente forte e numeroso,
amanhã exaurido e letárgico [...]";

"Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura


rudimentar",

"Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e


de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si
próprio";

"Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante, o direito


garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de
batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho
nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos
bandos partidários";
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LC3B – Interpretar textos de carácter informativo-reflexivo, argumentativo e literário.
LC3D – Interpretar e produzir linguagem não verbal adequada a contextos diversificados, de
carácter restrito ou universal.
"Uma literatura iconoclasta, – meia dúzia de homens que, no verso e no
romance, no panfleto e na história, haviam desmoronado a cambaleante cenografia
azul e branca da burguesia de 52 [...]";

"E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as


almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares [...] teremos em sintético
esboço a fisionomia da nacionalidade portuguesa no tempo da morte de D. Luís,
cujo reinado de paz podre vem dia a dia supurando em gangrenamentos terciários."

Estes excertos, retrato do País, são, de seguida, cobertos por um bálsamo de


esperança, que reforça a unidade a que nos referimos, a indissolubilidade da
diversidade temática: "Humanizar o ensino, nacionalizar a indústria, um clero
português e cristão, a justiça fora da política, o exército fora de S. Bento, os
burocratas para a burocracia, o professor para as escolas, o poder legislativo
entregue às forças independentes e vivas do país [...]".

Esta a obra polémica. Consideremos agora a obra de intenção lírica. Ao lado


do franco-atirador caminha o Poeta, com a mais fina sensibilidade e docilidade.
Duas personalidades aparentemente irredutíveis, mas que não passam de uma só,
Junqueiro. A obra de combate está cerzida com recortes de lirismo do mais sublime.
A obra lírica animada por uma base humanista que é a razão primeira da obra de
combate. E, se juntarmos a estas duas faces toda a sua prosa, descobrimos o
verdadeiro rosto, um só, de um dos maiores homens de toda a nossa literatura, a
saber, Guerra Junqueiro. "Homem de um só rosto, de uma só fé", como diria Sá de
Miranda. O carácter, a coragem, o amor, a justiça, o patriotismo projectivo, e não
anquilosado, tudo, em Junqueiro, se superlativiza.

Sob o ponto de vista formal, Junqueiro é de uma rebeldia gritante. Nele


encontramos propostas do Antes, do Durante, do Depois. Uma libertinagem, que
terá a ver com o seu temperamento impetuoso, mas que parece explicar-se melhor
com uma intenção estética, em que a expressão é pertinência, pedida pela
flutuação do conteúdo. Esta diversidade, que atinge toda a sua obra poética, acaba
por ser uma característica de Junqueiro, e, como tal, convertida em unidade.

Outra questão, que não podemos deixar de referir, na perspectiva que vimos
construindo, é a das influências. Pondo de lado o problema do epigonismo,
geralmente ingenuamente ou abusivamente desfocado na aplicação do seu
conceito, encaremos Junqueiro historicamente. A sua obra, de matrizes estéticas
diversas, nacionais e estrangeiras, já estudadas, e algumas por ele declaradas,
constitui um espelho da encruzilhada finissecular que viveu. Andar à cata de
influências, em Junqueiro, com o objectivo de saber o que sobra para o Mestre, é
desvirtuar totalmente o Junqueiro histórico, o verdadeiro Junqueiro que deve ser
procurado, se quisermos ter uma perspectiva axiológica.

O problema das influências é um problema de sempre. O que se passa com


Junqueiro, em Portugal, passa-se em toda a Europa. O problema não está nas
influências em si, mas se estas têm a ver, ou não, com a época histórica, geradora
de uma atmosfera que atinge obrigatoriamente os melhores, mesmo quando entre
si se ignoram.

Na Europa modelava-se uma nova civilização, cujo ponto de partida, mais


próximo, encontramos no Iluminismo setecentista. É nessa nova civilização, onde
temos toda a espécie de cortes com o passado, que se enquadra a chamada
modernidade, que se caracteriza, fundamentalmente, pela criação de novas
estruturas, pela problematização de todos os conceitos, por um ritmo vertiginoso
nunca alcançado, que acaba por provocar a angústia, a insegurança, a ruptura do
tecido existencial.
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carácter restrito ou universal.
Literariamente, à primeira manifestação da modernidade chamou-se
romantismo. A sua razão mais profunda permite-nos afirmar que, neste fim de
século, continuamos em pleno romantismo.

Toda a actividade integral humana, na modernidade, passa pelo


individualismo e pela liberdade, com as suas consequências mais sublimes e com
as suas consequências mais nefastas e mais destruidoras, em ritmos progressivos
vertiginosos. Com o melhor sentimento cresce a ambição mais desmedida. Não há
norma que se estabilize numa página, ao contrário de civilizações passadas. Há
normas, de começo, ainda que pouco rígidas, mas rapidamente são ultrapassadas
por outras que se lhes seguem. Até se chegar à actualidade, em que cada um
procura a sua norma. Já não só o seu estilo, mas a sua estética, cuja dimensão é
colectiva e histórica. O único factor que une a modernidade é a diversidade, filha do
individualismo e da liberdade, grandes conquistas da humanidade, mas uma faca
de dois gumes. Em todas as artes, os ismos que se seguiram ao Romantismo são
disso um espelho. Ismos, que, ao fim e ao cabo, traduzem uma preocupação
tradicional, de pôr um carimbo às coisas, necessidade de agarrar um fluido, que é o
corpo da modernidade.

É neste contexto que enquadramos o exposto sobre Junqueiro. A nível de


conteúdo, histórico, e a nível estético, diversificado. É o testemunho mais completo
da modernidade. Sem ele, fica nina enorme lacuna na história da modernidade
literária portuguesa. Junqueiro é herdeiro, é obreiro da sua época, é doador. Apesar
de homem do seu tempo, de civilização em convulsão, como europeu ou como
português, não deixou de imprimir à sua obra algo de seu, um estilo, onde podemos
encontrar elementos, ainda que avulsos, de franca actualidade. Estude-se, por
exemplo, as imagens de Junqueiro, a combinação lexical de estratos sociais
diferentes.

Na obra multifacetada de Junqueiro, diversificada, fruto do individualismo e


da liberdade históricas, encontramos nós a sua modernidade, que é coadjuvada
pelos seus pensamentos, de boa informação epocal, denunciada nas suas prosas,
como analista, quer da literatura, quer da história, quer da ciência, quer da filosofia,
quer da política.

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LC3D – Interpretar e produzir linguagem não verbal adequada a contextos diversificados, de
carácter restrito ou universal.

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