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“De fato, pelo viés direcionado a estudos de ambientes prístinos, muitos ecólogos sentem-se
desconfortáveis com a noção de que seres humanos fazem parte da natureza. Assim, mesmo com uma
generalizada crise ambiental, a ecologia acadêmica tem pouco a dizer sobre a ecologia do Homo sapiens
ou sobre as cidades como fenômeno ecológico.”
(Willian E. Rees, 1997)
Ecologia designa uma ciência que investiga as relações entre organismos e seu
ambiente. Em contraste com a ecologia geral, a ecologia humana se refere ao estudo das
relações dinâmicas entre populações humanas e as características físicas, biológicas,
culturais, sociais e econômicas do ambiente (Lawrence, 2003).
Rees (1997) classifica a ecologia urbana como um ramo da ecologia humana. Ecologia
urbana é pesquisa ecológica feita em cidades. Há muitas definições para o termo
“cidade”, a mais generalista é aquela que define uma cidade como uma área densamente
povoada e caracterizada por áreas habitacionais, de comércio, e industriais (Niemela,
1999). São quatro os campos principais de pesquisa no âmbito da ecologia urbana (tabela
1).
2) Estudo das populações biológicas: populações humanas podem ser estudadas sob pontos
de vista diversos: demografia, etologia, saúde pública. O estudo de outras populações pode ser
interessante para fins de controle de animais vetores de enfermidades. Comunidades vegetais
podem ser estudadas para fornecer subsídios ao planejamento da arborização.
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como um mosaico, e as partes do mosaico urbano diferem de muitas maneiras: morfologicamente,
socialmente, metabolicamente. A evolução da estrutura do ecossistema pode ser estudada sob
diferentes escalas. Por exemplo, o grau de impermeabilização de um bairro pode repercutir em
escalas superiores (causando inundações).
Odum (1988) define ecossistema ou sistema ecológico como qualquer unidade de área
que abranja todos os organismos interagindo com o ambiente físico de tal forma que um
fluxo de energia produza: 1) estruturas bióticas claramente discerníveis (os organismos);
e 2) uma ciclagem de materiais entre as partes vivas e não vivas do sistema. De acordo
com as fontes e o nível do fluxo de energia que perpassa os sistemas ecológicos,
podemos dividi-los em quatro categorias (tabela 2).
Cidades são geralmente definidas como centros de comércio, como centros de sistemas
de transporte e comunicação, como fontes de cultura e artes e sede de governos.
Algumas vezes, pode se fazer menção à poluição, congestionamentos e outras mazelas
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urbanas. Entretanto, muito raramente se reconhece as cidades como ecossistemas, ou,
em outras palavras, poucos reconhecem a urbanização e a as cidades como
manifestações da ecologia humana (Rees, 1997).
Em suma, cidades são ecossistemas que possuem ambientes de entrada (áreas de onde
se retiram matérias primas diversas) e de saída (pontos da biosfera que recebem os
resíduos do metabolismo urbano) muito maiores do que outros ecossistemas
heterotróficos (Odum, 1988, Wackernagel e Rees, 1996).
A Humanidade não afeta apenas ambientes locais. Muito além disso, ela cooptou a
biosfera para seus propósitos. Compreender as implicações deste conjunto de eventos
para a sustentabilidade requer um foco nos seres humanos como os maiores organismos
consumidores em todos os ecossistemas do planeta (Rees, 1997).
Vários dados atestam a enorme amplitude dos ambientes de entrada e de saída dos
ecossistemas urbanos. Mais nitrato artificial é aplicado nas plantações de grãos do
mundo, do que a quantidade fixada por atividade bacteriana e outros processos naturais
(Rees, 1997). Talvez ainda mais significativa, de uma perspectiva ecossistêmica, é a
evidência de que seres humanos, uma espécie entre milhões, consuma, diretamente ou
indiretamente, 40% da produção fotossintética primária líquida terrestre, e 35% da
produção fotossintética líquida de zonas costeiras e ressurgências (Vitousek, 1994).
Isto significa que embora as cidades sejam descritas como entidades geográficas
isoladas, elas dependem dos recursos naturais de vastas regiões muito além de suas
fronteiras. Para quantificar o volume de recursos consumidos pelas cidades, Rees e
Wackernagel (1996) criaram um conceito, a pegada ecológica (ou ecological footprints)
para medir a dependência entre as cidades e seus hinterlands.
A pegada ecológica é definida como o total da área de terra produtiva e água requeridos
permanentemente para produzir todos os recursos consumidos e absorver todos os
dejetos produzidos por uma determinada população. Desde o começo deste século, a
pegada ecológica cresceu 5 vezes nos países industrializados (Alberti, 1997).
A pegada ecológica de cidades como Los Angeles ou Londres provavelmente possui área
entre 100 e 300 vezes maior do que a área ocupada pelos próprios assentamentos. A
pegada ecológica de Londres, com 12% da população britânica, estende-se por cerca de
20 milhões de hectares, o que equivale ao total de terras produtivas da Grã-Bretanha
(Girardet, 1999).
O arquiteto italiano Giulio Carlo Argan (1993), conseguiu, de maneira poética, explicitar
como as cidades, com a globalização econômica, espalham suas ramificações por sobre
toda a biosfera ao afirmar que
a natureza não esta mais além dos muros da cidade; as cidades não têm mais muros, mas
estendem-se em desesperadores labirintos de cimento, desfiam-se nas sórdidas periferias de
barracos e, para lá da cidade, ainda é cidade, a cidade das auto-estradas e dos campos cultivados
industrialmente.
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1.1 - Crescimento populacional e consumo
Nossos padrões de consumo em muito excedem a energia alimentar necessária a
manutenção da vida humana, que é de aproximadamente 1 milhão de kcal/ano/indivíduo.
Nos Estados Unidos da América, cada cidadão consome em média 87 milhões de
kcal/ano (Odum, 1988).
A Terra pode suportar mais “corpos quentes” sustentados como muitos animais domésticos num
comedouro poluído, do que pode sustentar seres humanos desfrutando do direito a um ambiente
livre de poluição, com uma razoável oportunidade de liberdade pessoal e uma variedade de
opções para a busca da felicidade. Não é a energia que em si mesma é limitante, mas sim as
conseqüências da poluição resultante da exploração da energia. A poluição é agora o fator
limitante mais importante para o homem (...) À escala mundial, o crescimento da população
apresenta uma correlação positiva com a densidade, num pronunciado contraste com as
populações da maioria dos organismos, nas quais a taxa de crescimento decresce com o aumento
da densidade (...) Uma vez que para o homem sempre haverá um longo atraso temporal nos
efeitos da „auto-aglomeração‟ e também nos efeitos do uso em excesso de um recurso, a
densidade da população tenderá a „transbordar‟ a menos que haja fatores que reduzam
rapidamente a taxa de crescimento.
O declínio da natalidade é uma boa nova, mas que deve ser comemorada com cautela.
Há três projeções para o estacionamento do crescimento populacional humano em 2150:
a menor, com 8,5 bilhões de pessoas, e a maior, com 13,5 bilhões. Uma população com
mais de 10 bilhões de pessoas fatalmente reduziria a qualidade da existência humana,
dados os recursos e a capacidade de suporte atuais do globo (Odum, 1988).
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Com a população se aproximando de 7 bilhões de humanos, dificilmente atingiremos a
projeção mais baixa para 2150, a menos que lancemos mão de estratégias amplas de
planejamento familiar, incluindo aí o direito universal ao aborto. Odum (2001) sugere
também restrições ao uso do solo e água, e forte incentivo à reciclagem.
De acordo com Alan Weisman (2007) no final do século XIX éramos 1,6 bilhão de
pessoas. O autor especula que, se por um consenso mundial conseguíssemos implantar
a política do filho único existente na China, em todos os países, ao final do século XXI
teríamos retornado á população do século XIX. Uma redução de mais de 5 bilhões de
pessoas, sem guerras, nem atitudes brutais.
Uma utopia, sem dúvida. Mas, como afirmou Mahatma Ghandi, o planeta pode sustentar
as necessidades de todos, mas não as ambições de todos. Através de mecanismos
culturais, ou por restrições ambientais, haveremos de reduzir a população humana.
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Do ponto de vista ecológico, é melhor que as pessoas concentrem-se em cidades, pois
suas necessidades são atendidas mais facilmente. O uso de energia é mais eficaz nas
cidades do que em assentamentos dispersos (Alberti, 1997; Spirn, 1995).
Também é mais fácil corrigir eventuais impactos ambientais, bem como melhorar a
qualidade de vida dos urbanitas (Lugo, 1991). Do ponto de vista da sociedade, as cidades
produzem uma grande quantidade de informações, conhecimento, cultura e tecnologia,
exportando-os para outros sistemas (Celecia, 1994; Celecia, 1997).
Nossa fabulosa capacidade cultural de criar artefatos, não altera nossa fisiologia:
continuamos a ser animais homeotérmicos. Temos profundas habilidades para modificar
ambientes, criando, porém, frequentemente, impactos nocivos à nossa biologia (como as
ilhas de calor). Somos muito hábeis para criar novos ambientes, mas muito menos
capazes de lidar com as conseqüências adversas desses câmbios.
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As temperaturas elevadas, comuns nas cidades brasileiras e acentuadas pelas ilhas de
calor, também se constituem em um fator de estresse para a vegetação urbana. Sob forte
calor e pouca água disponível no solo, algumas espécies fecham seus estômatos
(diminutos orifícios existentes nas folhas para captação de CO 2 para fotossíntese), e, por
conseqüência, param de liberar vapor d´água para a atmosfera.
O caráter de mosaico dos ecossistemas urbanos torna a dispersão, uma tarefa difícil e
arriscada, ao menos para espécies com menos habilidades locomotoras.
Consequentemente, a extensão de áreas verdes e sua conectividade é um importante
fator a influenciar a ocorrência de espécies animais em paisagens urbanas (Niemela,
1999).
Por possuírem uma nuvem de partículas em suspensão, cidades muitas vezes têm
chuvas com mais freqüência que os arredores, já que as partículas funcionam como
pontos de condensação de vapor d´água. Em alguns centros urbanos a percentagem de
precipitações é de até 10% maior do que no entorno (Baker, 2002). Ao mesmo tempo,
cidades usualmente são excessivamente pavimentadas, e portanto impermeáveis à
infiltração de água. Em outros ecossistemas, evaporação de água do solo é um
importante fator de refrigeração. A excessiva pavimentação pode ocasionar enchentes,
como as que ocorrem anualmente durante o verão na cidade de São Paulo.
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1.3 Influências humanas sobre sistemas ecológicos urbanos
Os efeitos da influência humana sobre os ecossistemas urbanos podem ser bons
(produção de conhecimento e difusão de práticas ambientais positivas), ruins (poluição e
outros impactos) e sutis (por exemplo câmbios na competição entre espécies pela
introdução de espécies exóticas).
Essas influências são de caráter econômico, social, político, e cultural (dando ao termo
“cultural” significação latu sensu). São dinâmicas correlatas, interconectadas: dinâmicas
ambientais e humanas. A religião, por exemplo, pode desempenhar uma dessas
conexões.
O Candomblé ilustra como as relações entre seres humanos e vegetação não se dão
apenas sob influência de fatores socioeconômicos. Em Salvador um fato acontecido nos
anos 80 ilustra com vivas cores uma dinâmica cultural mediando um relacionamento
ambiental entre pessoas e um bosque. O então prefeito da cidade, Renan Baleeiro,
propôs que o Parque Metropolitano de Pirajá (com área de 1500 hectares e uma bacia
hidrográfica) fosse parcialmente desmatado e seu solo convertido em moradias para
cidadãos pobres da proximidade.
A presença de vegetação nas cidades deve ser analisada também através de outros
prismas. Árvores frutíferas atraem morcegos e outros animais dispersores de sementes.
Poderíamos construir elos entre fragmentos florestais separados por cidades, para esses
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vetores ambientais? Sabemos que a fragmentação de ecossistemas é um dos mais
importantes causadores de perda de biodiversidade. Poderíamos planejar a arborização
de uma cidade não apenas para nossos propósitos, mas também para alicerçar dinâmicas
ambientais? Essas perguntas ainda estão por serem respondidas.
As relações entre pessoas e ambiente não são apenas espaciais, mas também biológicas
e culturais (Boyden, 1987 in Lawrence, 2003). Cenários humanos e seus processos
ecológicos não estão circunscritos a limites administrativos, geográficos ou políticos.
Cidades estão abertas a influências ecológicas (poluição emitida por outras cidades);
biológicas e antropológicas (fluxos migratórios, por exemplo) (Lawrence, 2003; Odum,
1988).
Mas também é verdade que somos um amálgama de biologia e cultura: com temperatura
média de 25° C, os brasileiros consomem 114 milhões de latas de cerveja por dia. Se a
temperatura se eleva para 30° C, o consumo cresce para 120 milhões de latas/dia. A cada
1% de aumento na temperatura atmosférica, o consumo de cerveja cresce 0,28%. As
indústrias cervejeiras do Brasil investem pesadamente em serviços de previsão
meteorológica com o fito de aumentar a produção para suprir a demanda de dias mais
quentes (Mores, 2008).
Os dados acima exemplificam bem nossas complexas relações com o ambiente: dias
mais quentes demandam mais água, o que se explica pela biologia dos humanos, mas
dias de mais calor também demandam mais cerveja, um produto cultural, cujo consumo
obviamente está atrelado a uma cadeia de impactos ambientais negativos muito maior do
que aquela ligada ao mero consumo de água potável.
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argumentação, somos como páginas em branco ao nascer, e vamos adquirindo
comportamentos de acordo com os ambientes que freqüentamos.
Seguindo esse raciocínio, poderíamos, por exemplo, concluir que quanto mais renda e
educação tivessem acesso um grupo de consumidores, menor uso fariam eles de seus
carros, dada a maior consciência a respeito da gravidade dos problemas causados pelo
uso dessas máquinas.
O geógrafo Paul Robbins (2001) testou uma hipótese similar à formulada no parágrafo
anterior. Investigando o uso de fertilizantes químicos e pesticidas em gramados de
residências da cidade de Columbus, estado de Ohio, EUA, Robbins descobriu que: 67,2%
dos proprietários com renda anual acima de US$ 75.000,00 usam fertilizantes químicos,
ao passo que apenas 28,6% daqueles cuja renda anual é de US$ 20.000,00 o fazem.
Em relação à escolaridade, 53,3% dos que aplicam fertilizantes químicos possuem nível
superior, enquanto que apenas 24,1% possuem apenas o ensino médio ou sequer. 73,3%
dos usuários de fertilizantes e pesticidas declararam conhecer que esta prática causa
impactos ambientais negativos.
A área ocupada por gramados nos Estados Unidos foi calculada em 16 milhões de
hectares, ultrapassando largamente cultivos de exportação como cevada (5 milhões de
hectares), algodão (4,5 milhões) e arroz (1,1 milhão). Obviamente, o aumento da área dos
gramados, e do uso de produtos químicos relacionado, provoca sérios problemas de
qualidade da água para consumo humano. Aproximadamente 74% dos lares americanos
usam fertilizantes e pesticidas em seus gramados. São cerca de 70 milhões de moradias
injetando esses produtos na biosfera (Robbins, 2001).
O antropólogo Donald Brown listou mais de 200 comportamentos universais (tabela 3), o
que aponta claramente para uma base genética comum para as diversas culturas
humanas. A expressão “base genética” usualmente atrai a ira de setores acadêmicos e da
sociedade civil. Para esses segmentos, é indefensável que nossos comportamentos
sejam relacionados ao genoma, pois isso poderia municiar idéias e teorias racistas.
Intelectuais de esquerda, sobretudo marxistas, têm ojeriza ao fato de que não somos
apenas produtos de nossas influências culturais, mas, ao revés, um amálgama intricado
de biologia e cultura. Por possuirmos genomas distintos e vivências ambientais únicas,
jamais seremos iguais, como almejam os marxistas. Cada ser humano, um amálgama,
cada um com capacidades distintas.
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De fato, desigualdades econômicas são universais nas culturas humanas, como aponta
Brown. Mas a consciência dessas desigualdades, e a ânsia por equidade também o são.
Por isso desenvolvemos leis, e se somos desiguais em habilidades, deveríamos em tese
ser iguais perante a lei.
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De acordo com evidências corroboradas por estudos psicológicos, o bem estar de uma
pessoa decorre das diferenças entre o que uma pessoa tem, e o que ela quer
(aspirações), o que as outras pessoas possuem (comparação social), o que a pessoa
tinha no passado (história), o que ela esperava ter no passado (desapontamentos), o que
ela espera obter no futuro (esperança), o que ela merece (equidade), e o que ela precisa.
Quanto maiores forem as lacunas entre aspirações, comparações sociais, equidade e
necessidades, menor será a sensação de bem estar (Dodds, 1997).
A humanidade sempre viveu, nas palavras do ecólogo espanhol Juan Pedro Ruiz Sanz,
uma fuga em direção ao adiante. Nossa história evolutiva nos impulsionou à cooperação.
Através da cooperação, desenvolvemos um comportamento gregário (ao contrário de
outras espécies de primatas, como os orangotangos, que são essencialmente solitários),
o que nos permitiu seguir adiante, e cooptar a biosfera para nossos propósitos.
Em larga medida, os impactos ambientais gerados nos ecossistemas urbanos têm sua
origem em nossas opções de consumo. E consumir é a forma mais direta de obtermos
prestígio. Um automóvel não é apenas uma máquina que nos desloca entre distâncias. Se
assim fosse, não haveria tanta diversidade de modelos e preços. É também um objeto e
símbolo que conferem prestígio ao seu possuidor. Surveys realizados na Holanda, um
país com excelentes sistemas de transporte público e redes de ciclovias, indicam que o
status é o principal motivo para a aquisição de automóveis (Mcclintock, 2000).
Roupas, adornos, viagens, mobília com um design exclusivo (que a distingue, portanto,
dos móveis mais baratos) uma biblioteca repleta de títulos importados, se você é um
intelectual. As opções são ilimitadas.
Contudo, essas análises econômicas são de tal modo dissociadas da realidade física, que
não revelam nada sobre fatores estruturais, espaciais, e temporais que influenciam os
ecossistemas urbanos. O foco dominante na riqueza gerada por cidades “bem sucedidas”
é absolutamente omisso no que diz respeito às condições dos ecossistemas dos quais se
retiram os recursos para a geração de riquezas (Rees, 1997).
Para alguns autores, como Rees (1997-b), a expressão “cidades sustentáveis” é apenas
um oxímoro. Outros, como Chambers (2001) defendem o planejamento como forma de
torná-las mais sustentáveis.
Por seu caráter heterotrófico, nenhuma cidade pode ser sustentável em um sentido
absoluto. As cidades não empregam apenas recursos próprios. Logo, para um maior nível
de sustentabilidade é necessário incluir nas análises do ecossistema urbano os sistemas
mais amplos, onde se geram os recursos e onde se depositam os resíduos. Em outras
palavras, em qualquer estratégia de sustentabilidade urbana há que incluir um diagnóstico
do metabolismo urbano, de suas dependências e dos impactos provocados (Terradas,
2001).
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A expressão metabolismo urbano ou tecnometabolismo evidentemente é uma metáfora
(máquinas não respiram ou fotossintetizam). Todavia, é uma metáfora bastante
adequada: de modo análogo ao que ocorre com seres vivos, temos nas cidades um
aparato tecnológico vasto (de liquidificadores a máquinas que produzem aviões, bombas
atômicas, livros, automóveis...). Essas máquinas, essenciais para a manutenção de nosso
estilo de vida, “consomem” matérias primas e energia, produzindo assim bens de
consumo e resíduos.
A crescente disparidade entre processos biológicos e ecológicos, e entre produtos está relacionado
ao rápido crescimento de populações urbanas, à criação de muitos produtos sintéticos que não
podem ser reciclados por processos naturais e pelo aumento do uso de energia não renovável, ou
renovável em taxas mais altas do que a capacidade de reposição dessas fontes. As conseqüências
negativas dessas tendências incluem a depleção da camada de ozônio, acúmulo de resíduos,
aquecimento global e incidência de catástrofes ambientais como enchentes, deslizamentos de
terra e fome.
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Se, por exemplo, é permitida a criação de bairros residenciais em planícies sujeitas a
inundações (mau uso do solo), fatalmente haverá perdas econômicas (e de vidas
humanas, como tão frequentemente ocorre nas cidades brasileiras durante a estação
chuvosa). Se, ao revés, tais planícies forem usadas para agricultura, silvicultura e lazer,
aos impostos será acrescentado valor, e não subtraído (bom uso do solo). Odum lamenta
o declínio do interesse público pelo planejamento da cidade, resultante da
sobrevalorização atribuída aos valores econômicos.
Tabela 4 Projeção de aumento da mancha urbana com e sem planificação do uso do solo
População de 20.000 110.000 habitantes, 110.000 habitantes,
habitantes urbanização urbanização não
planificada planificada
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acrescentar também que contribui para a falta de conhecimento ecológico na planificação
a insuficiência teórica da ecologia urbana (Terradas, 2001).
As práticas do urbanismo (...) não fazem uso do conjunto de características naturais e sociais
de um lugar - da natureza desse lugar - para avaliar, selecionar, emitir juízo ou implantar
concepções de organização urbana, mas parecem procurar perpetuar, numa atitude temerária,
a reprodução de modelos parciais, generalizantes e dogmáticos, que apesar de reduzir a
natureza ao urbano, não têm a capacidade de integrar o natural e o construído (...)
A criação de parques, como propõe o secretário, têm pouca efetividade, primeiro porque é
impossível protege-los de impactos humanos como o aquecimento global, ou poluição
atmosférica. Não se pode murar a atmosfera, estarão cientes as autoridades ambientais
brasileiras desse fato?
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O desenvolvimento das cidades deve abarcar também um planejamento paisagístico
conseqüente, que vá além da maquiagem cosmética de florezinhas coloridas isoladas no
mar de concreto das edificações. Um planejamento que permita aos moradores o acesso
aos benefícios da arborização, ao mesmo tempo que as facilidades de cidades mais
compactas, incluindo aí uma oferta de equipamentos e produtos culturais (teatro,
cinemas, música nos bairros, possibilidades de entretenimento paras as diferentes faixas
etárias) igualmente sejam oferecidas.
Também é importante discutir, novas formas de taxação do uso dos espaços públicos,
muito embora no Brasil esse seja um tema espinhoso e impopular, dado o fato de que
nossa carga tributária é uma das mais elevadas do mundo, e os serviços públicos em
geral são de baixa qualidade. Não obstante, a questão é: quais são os custos ambientais
embutidos na opção de moradia descentralizada e altamente dependente do automóvel?
Nos últimos anos têm crescido nas cidades brasileiras o número de condomínios
residências fechados em áreas anteriormente rurais.
Aqueles que preferem as periferias verdes das cidades brasileiras, representadas por
condomínios de classe média e alta, que buscam qualidade de vida e a proteção dos
muros de suas cidadelas, e que pagam por isso, não deveriam também arcar com os
impactos ambientais de sua opção? Numa situação ideal, a taxação desse modelo
urbanístico poderia ser utilizada para obras de infra-estrutura básicas nas periferias
habitadas por aqueles que não estão fugindo da cidade, ao revés, anseiam poder usufruir
de serviços urbanos que sempre lhes foram negados.
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dados cobrem um intervalo de tempo de 50 anos e revelam inequivocamente uma
tendência de desenvolvimento de bairros residenciais menos densos (Kasanko, et al,
2006). Em Palermo, por exemplo, enquanto que a população cresceu 38,1%, a área
construída cresceu 220%. Deste percentual, 79% destinou-se a áreas residenciais, e 55%
da urbanização ocorreu sobre áreas agrícolas (tabela 5).
Embora o planejamento de cidades mais compactas seja uma meta da agenda política da
União Européia, os esforços governamentais não se traduziram em resultados palpáveis.
Com exceção de Helsinque e Talinn, nas cidades estudadas, há uma evidente da
urbanização sobre áreas agrícolas.
O fenômeno ocorre principalmente por três fatores: 1) a maior parte do solo disponível
para o aumento da área construída é agrícola; 2) em geral solo agrícola é tecnicamente
mais desejável para construções do que florestas, em termos econômicos e topográficos
e, 3) áreas naturais são usualmente consideradas pelo valor recreativo, e assim
protegidas da conversão em solo urbano. Duas tendências explicam a diminuição da
compactação urbana nas cidades européias estudadas: uma maior preferência por
residências individuais do que por blocos de apartamentos, a qual por sua vez redunda e
mais espaço por habitante (Kasanko, et al, 2006).
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respectivamente. Pessoas residindo em bairros densos tendem a usar mais espaços
públicos como praças e parques (Cooper, 2001).
Cidades compactas podem conter menos natureza, uma vez que o solo é alocado mais
parcimoniosamente para a urbanização, mas possivelmente cidades assim gerarão menos
impactos ambientais externos, ao menos, se reduzirá a tomada de solo agrícola para o
desenvolvimento urbano.
Com a nova legislação inglesa sobre uso do solo, cresceu a urbanização dos chamados
“brownfield sites”, antigas áreas industriais abandonadas. Mas essa usualmente é uma
tarefa complicada, pois muitas vezes o nível de poluição do solo local é alto, e esses
espaços estão localizados em pontos pouco atrativos, e reurbanizá-los demanda um
volume bastante elevado de investimentos públicos (Breheny, 1997).
Seres humanos não possuem apenas uma história social, mas também uma história
natural. A maior parte de nossa evolução aconteceu em espaços abertos, próximos a
recursos como fontes de água, árvores frutíferas, sítios de caça. Elementos naturais em
paisagens urbanas são obviamente apreciados, inclusive porque trazem diversidade
visual, quebrando a monotonia do concreto. Para 64% dos entrevistados nos surveys
ingleses, uma casa com quintal é considerada muito importante, percentual que sobe para
80% no caso de famílias com crianças.
Por outro lado, embora “flats” de um quarto em bairros compactos sejam extremamente
impopulares entre os jovens, eles têm a preferência de 55% de moradores idosos e que
vivam sós (Breheny, 1997). A preferência dos idosos por esse tipo de moradia é
facilmente explicável. Espaços menores requerem menos manutenção, os flats são mais
seguros do que casas e facilidades como farmácias e mercados estão mais próximos.
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evidentes, mas a urbanização nesses termos deve ser submetida previamente a uma
discussão desapaixonada de prós e contras.
Não é possível, sem estudos similares, apontar que a preferência dos ingleses por
residências em bairros menos adensados seja universal. Mas sem dúvida é uma hipótese
interessante e bastante plausível. Quanto aos brasileiros, o que preferem? O que levam
em conta as famílias ao decidir entre uma moradia adensada (apartamento) e uma que
requer mais solo (casas com quintais)? São perguntas que cabem aos ecólogos urbanos
responder. No Brasil, provavelmente a violência urbana generalizada seja um fator
correlacionado positivamente à escolha por apartamentos.
Na cidade de Sarandi, por exemplo, com a conivência dos poderes públicos, muitos
bairros surgiram nos extremos do município, com escassez de infra-estrutura e serviços
(poucas opções de transporte coletivo, por exemplo), a despeito de uma abundância de
solo disponível (vazios urbanos) em áreas mais estruturadas (figura 1).
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Figura 1. Vazios urbanos da cidade de Sarandi (em vermelho)
No Brasil, as cidades difusas são e serão tendência predominante. Logo, urge que a
voracidade do mercado seja regulada pelo planejamento e pela oposição organizada da
sociedade civil contra abusos. Ao seu talante, o mercado optará por um urbanismo
padronizado, menos custoso, ambientalmente pobre, visualmente desinteressante,
sempre aliado a desperdícios de solo. Como acertadamente se referiu Terradas (2001), a
essas questões, algum planejamento, mesmo sujeito a equívocos, é melhor que nenhum.
Revistas científicas conceituadas como a Cities, Landscape and Urban Planning e Urban
Ecology costumeiramente publicam artigos de autores favoráveis à compactação urbana.
Para seus defensores, a expressão “cidade compacta” é praticamente um sinônimo de
cidade sustentável. Mas esse ideário de planificação também tem críticos bastante
incisivos.
Para Michael Neuman (2005), a literatura sobre cidades compactas é deficiente de dois
modos. Primeiro porque não há uma definição consensual sobre a expressão “cidades
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compactas”, a despeito do seu emprego corriqueiro. Ademais, segundo este autor, pouca
evidencia suporta a hipótese que as cidades compactas sejam mais sustentáveis.
Outro aspecto problemático das análises sobre cidades compactas é que elas usualmente
estão focadas em um único aspecto: densidade populacional. Uma única variável
norteando estudos de uma entidade tão complexa quanto uma cidade, o que empobrece
as investigações.
As viagens intra-urbanas têm crescido velozmente nas últimas décadas. No Reino Unido,
por exemplo, o aumento, entre 1952 e 1996 foi de 227%, sendo a maior parte desse
crescimento atribuído a deslocamentos feitos por automóveis particulares. As distâncias
percorridas por automóveis em 1996 eram em média 10 vezes maiores do que aquelas
percorridas em 1952 (Cooper, 2001).
Entretanto, estudos realizados por Breheny, Burton e Jenks (2000, in Neuman, 2005)
apontam que cidades mais densas podem reduzir deslocamentos curtos para atividades
locais, mas que deslocamentos mais longos visando empregos especializados, consumo
sofisticado ou formas de lazer não encontradas nos núcleos urbanos são independentes
da densidade urbana. Os autores concluem que o crescimento do número de proprietários
de automóveis, viagens aéreas de fim de semana, viagens a negócios e padrões de vida
crescentemente dispersos tornam inúteis os esforços de racionalizar os deslocamentos
através do design urbano.
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Bouwman (2000, in Neuman, 2005) em investigação de cidades holandesas concluiu que
a média de uso individual de energia para transporte diferiu apenas 5% em diferentes
cenários urbanos (tabela 7).
De acordo com Hall (2001, in Neuman, 2005), que fez uma apurada revisão de estudos
relacionando compactação à diminuição do consumo de petróleo, em âmbito mundial,
deslocamentos urbanos estão muito mais ligados aos preços de combustíveis e a renda
do que a densidade populacional.
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Mesmo a literatura técnica trata a ecologia urbana sobretudo como a ecologia de espécies
não humanas habitando as cidades. Certamente há muito interesse científico no estudo
das espécies que conseguiram se adaptar às cidades. Entretanto, é chegado o momento
para que os ecólogos submetam sua própria espécie às mesmas análises que foram
reservadas a outros organismos com os quais dividimos o planeta. Humanos criam
cidades, logo, são a espécie-chave em ecossistemas urbanos, dominantes em termos de
fluxo de energia e biomassa animal (Rees, 1997).
Ecossistemas urbanos podem ser estudados sob dois enfoques. Por um viés
ecossistêmico, se estudam fluxos de matéria e energia, priorizando-se a magnitude e
controle de fluxos de nutrientes, toxinas, resíduos e energia nos sistemas.
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No que tange à ecologia urbana, algumas questões têm emergido e precisam ser
respondidas. Entre elas: “qual é a ligação entre câmbios sociais (mudanças na renda ou
porcentagem de pessoas empregadas em um bairro) e características ambientais desse
espaço (estrutura da vegetação, erosão do solo, qualidade do ar, etc)”. E ainda: quais são
as relações entre os diferentes tipos de uso do solo (agrícola, residencial) e a extensão,
distribuição, estrutura, diversidade de espécies, e taxas de regeneração, crescimento e
mortalidade da vegetação em dado período de tempo? (Grove e Burch, 1997).
Também Grimm (et al, 2004) destaca a escassez de estudos sobre ecossistemas
urbanos, todavia evidenciando que esses sistemas possuem uma “vantagem” em relação
aos demais. Geralmente, em áreas urbanas, há uma abundância de dados coletados por
numerosas agências, embora não sob um paradigma ecológico.
Por exemplo, Klausnitzer (in Niemela, 1999) descreve vários exemplos de uma correlação
positiva entre a riqueza de espécies e a área da parcela urbana estudada, como prevê a
teoria biogeográfica de ilhas, isto é, aumento do número de espécies proporcional ao
aumento das áreas estudadas.
Para estudos ecológicos nas cidades as teorias citadas por Niemela certamente são de
grande validade. Mas se o foco é a ecologia das cidades, ecossistemas dominados por
primatas complexos, onde dinâmicas ambientais estão inexoravelmente inter-relacionadas
a dinâmicas socioeconômicas, políticas e culturais, os resultados das investigações nem
sempre estarão em consonância com as teorias.
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Por exemplo, em nossa pesquisa sobre a vegetação de quintais da cidade de Sarandi
(relatada no capítulo 2), encontramos uma maior riqueza de espécies em um bairro cuja
área média dos quintais era de pouco mais de 100 m 2, e a menor riqueza, no bairro cujos
quintais tinham área de 264 m2 em média.
Dada a presença e impactos dos humanos não apenas em ecossistemas urbanos, mas
em toda a biosfera, necessitamos de uma mudança de mentalidades. E os ecossistemas
urbanos, devido às evidentes influências de pessoas, instituições e ambiente construído,
são os melhores laboratórios para se examinar possíveis refinamentos da teoria ecológica
(Grimm et al, 2004).
Todas as espécies sociais são caracterizadas por possuírem vários níveis de padrões e
processos de diferenciação social (Wilson, 1980). O conceito de diferenciação social é
importante para compor abordagens metodológicas de estudos de ecossistemas urbanos
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porque esse fator afeta a alocação de recursos críticos (naturais, socioeconômicos e
culturais). Deste modo, não se pode compreender a composição de fauna ou flora de
uma área urbana sem se conhecer a composição social desse espaço (Grove e Burch,
1997).
Entretanto, uma confusão comum entre pesquisadores das ciências naturais que não
estudam pessoas ou outras espécies sociais é a afirmação de que mensurações de
comunidades humanas são muito difíceis ou mesmo impossíveis. Na verdade as
dificuldades estão ligadas mais à complexidade das questões levantadas do que aos
fenômenos mensurados. Muitos estudos de ecossistemas não humanos possuem
questões teóricas que requerem apenas medições simples, elementares, e nos
ecossistemas humanos, frequentemente dados diversos possuem acurácia elevada, e
revelam facetas importantes desses ecossistemas. (Grove e Burch, 1997).
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