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AQUISICAO LEXICAL E USO DO DICIONARIO ESCOLAR EM SALA DE AULA Patrica Vieira Nunes GOMES Inutcute Nacional de Extedor e Peguisar Educacionais Antio Teixeira —INEP Introdu¢ao io hi como falar de uso do diciondrio em sala de aula sem considerar que a aquisicio lexical esti em jogo. A leitura ¢ a aquisigio de conhecimentos so duas ati- vidades cognitivas interligadas e interativas. Por isso, é preciso que se observem procedimentos bisicos para 0 uso do dicio- nirio, de modo a motivar a consulta frequente, autnoma e voluntéria do dicionério pela crianga em fase escolar. Para tanto, estratégias para 0180 eficiente do dicionstio devem ser pensadas em termos de tipo de pritica (em oposigao & quantidade de pritica), de sequéncia de proce- dimentos e de propésito de aprendizagem. O dicionétio, constituido em seu cemne pela lingua em scus aspec~ tos lexicais e gramaticais, funciona como uma obra auxiliar a tarefa 181 DIcENAROS ESCOLARES semen, de leitura, porém é um género textual que requer muito mais do que decodificagio: requer aprendizado, experigncia, intimidade destreza, Reconhece-se 0 dicionirio como um instrumento de aquisigao lexical, mas é sabido que o uso restrito a eventuais consultas para sanar divi- das a respeito de grafia ou de um uso semantico em especial néo basta, pois seu campo de agao ¢ eficacia ¢ evidente no processo de aquisicio lexical em fase escolar, tendo em vista a riqueza de informagbes pro- Piamente lexicais oferecidas, alémn da variedade de informagées gra~ maticais evidenciadas em cada verbete 1. A aquisic¢ao lexical Sobre a aquisi¢ao lexical, Morgan & Rinvolucri (2004: 7) sessaltam alguns aspectos que devem ser levados em consideragio no momento de ensino ¢ de aprendizagem do léxico. Assim, a aquisigo lexical é: (a) um processo mais bifurcado do que linear, Nao se aprendem pala- vras de forma mecinica, como pequenos grupos de significa- dos, porém de forma associativa; (b) sum processo profundamente pessoal. As associagGes reflexdes dependem do nosso proprio passado e presente. Ampliamos a nossa compreensio dos significados mediante a interacdo ¢ as trocas com os outros; (©) mo & ums processo intelectual puro e simples, mas também um pro~ cesso baseado na experiéncia e no esforg pessoal. Uma abordagem muito intelectual leva a se ver a linguagem como objeto e nio como um processo a ser assimilado pelo sujeito — o aprendiz. © ensino do léxico, assim como do uso do dicionitrio, suscita inte- esse na medida em que as palavras sio pilares da interacio linguistica. Embora o trato com as palavras seja tio cortiqueiro e inerente a0 ser humano, ainda resta a sensago de que nao se sabe bem “de onde as Palavras vém’ e para “onde as palavras vio”. Daf a dificuldade de esta- belecer priticas de ensino de vocabulério que sejam realmente efetivas. Para Rey-Debove (1997: 368), “toda novidade na didética das linguas requer uma preparagio, tanto das criangas quanto dos professores. Sem isso, vale mais a pena retomar a tradigio no ponto em que esta’. Desse modo, a primeira pergunta a ser feita 20 se pensar no uso do dicionério é: 0 que se pode aprender sobre uma palavra? Entre as possiveis respostas, esto suas formas oral ¢ escrita, seu uso gramati~ cal, suas restrigdes léxicas, sua fungio € uso num contexto especifico, seus diferentes niveis de significasio, suas relagdes seménticas, suas diferengas formais, suas maneiras de geracao lexical etc. De qualquer forma, essa questo esté intimamente ligada aos momentos em que se faz uso do dicionario, que geralmente sio: {@) decodificacio escrita; (b) codificasio escritas (©) decodificacao oral; (@) codificagio oral ‘A cesses distintos momentos de uso linguistico correspondem dis- tintas necessidades do uso do dicionério, Assim, por exemplo, ao ler um texto (decodificagio escrita), o leitor pode recorrer a0 dicionério para descobrir o significado de uma palavra desconhecida. Numa redasio (co- dificagdo escrita) o dicionério é weil ao sanar a dhivida sobre a grafia de determinada palavra; 20 escutar uma miisica ou palestra (decodificaséo oral), pode-se ter diivida se a palavra foi devidamente pronunciada, no caso de fonemas que gerem ambiguidades. E, por fim, 20 fer uma apre- sentasio oral (codificagio oral), o auxilio de sindnimos mais ou menos conhecidos pode ser til no ausilio da compreenstio dos interlocutores. Nesse contexto, o uso da sinonimia é apenas um momento de uso do dicionario ¢ nio 0 objetivo principal, como se observa em algumas atividades propostas para a aquisi¢fio de léxico, Para Alvar Ezquerra (2003: 68): O enriquecimento do vocabulétio, com sinénimos,é sem duivida nevessétio. Mesmo assim, nao se deve insistir demais nesse sentido, pois se corre 0 risco Onn Lc DE SABO {pho WHeAL£U50 BO DICONARO ECOL 5 de que o aluno conhesa muitas dimensBes de um dominio ¢ no tenba o léxico necessatio em outzos ambitos, fazendo com que memorize unidades que nto vao ser dteis, um um vocabuliio diferente e ao conhecimento das relagbes que podem surgie entre significados. forgo que pode ser direcionado a aquisigio de E necessério que haja planejamento e progresstio nos contetidos lexicais a serem explorados no ensino escolar de lingua portuguesa, atentando para as necéssidades reais impostas tanto pelo contexto si- tuacional em que vivem os aprendizes como pelo material didatico a que esto expostos: Além do mais, como todo professor sabe, ndo basta cnsinar a palavra, é preciso fixi-la, mostrando-a pelo contexto, tanto grafico (as ilustragoes de que acabamos de falar) como linguisticos; os dicionérios didaticos, com a in- clusdo de imimeras amostras de uso (principalmente exemplos), funcionam bastante nesse sentido, mesmo assim nao devem ser a tinica ferramenta em sala de aula (Alvar Ezquerra, 2003: 64). Deve-se levar em consideragio que, em sala de aula, ha variadas experiéncias de vida, crencas, atitudes ¢ estilos de aprendizagem,o que inclui o Iéxico: O contexto em que uma palavra ou uma frase se encontram & importante no estabelecimente do significado preciso ¢ da conotagio desse contexto ¢ isso € devidamente observado. Porém, é importante também em relagdo & capa~ cidade de lembrar — um item encontrado em determinado contexto pode ser lembrado e, em outro contexto, esquecido, Isso se aplica ao “contexto da situasio” — o local (lugar, pessoa, modo etc.) em que o texto ¢ lido/ouvido ¢ discutido (Morgan e Rinvolucri, 2004: 28) ‘Morgan e Rinvolucri (2004: 81) chamam a atengo para o fato de que @ qualidade material dos recursos envolvidos na aquisigao lexical também tem papel importante, podendo produzir efeitos no proceso de aprendizagem do léxico. Assim, 0 quadro-negro, cartazes, ilustra~ ses € textos audiovisuais podem ser combinados para favorecer os meios que as criangas empregam de forma espontinea em sett apren- dizado, ou seja, os sentidos € suas percepsdes. Tendo em vista a necessidade de preparo de estudantes e professo- res, alguns principios so importantes para 0 uso didético do diciona- rio, como se vera em seguida. 2. Principios de uso do diciondrio escolar em sala de aula O primeiro ¢ talvez o mais importante passo para o trabalho com 0 dicionério em sala de aula é a escolha do dicionério a ser adotado. E comum ouvir frases repetidas sobre esse tema, por parte de alunos, pais e professores, tais como: “Por que comprar um dicionério escolar se em casa tenho um dicionario enorme?”; “Nao vou comprar dicio- nario, porque nfo encontro nele o que eu procuro”; “Posso comprar qualquer um, os dicionarios so todos iguais”. No entanto, a mais nitida certeza que se tem em termos lexicogrificos é a de que os di- cionarios nao sdo iguais e a de que um mesmo diciondrio no serve para toda a vida escolar, porque as distintas fases da vida escolar sio ‘marcadas por distintas necessidades de consulta lingufstica, Esta con- cepgio de necessidades diferenciadas para a obra lexicogréfica escolar izada pelo PNLD/Dicionérios 2006, que previu acervos diferentes de diciondrios para as fases de acesso a leitura e a escrita no ensino fundamental, como se pode constatar em Rangel & Bagno (2006) e em Rangel (neste livro). foi mate ‘Também muito importante é a convicgio de que 0 dicionatio é um livro escolar, nfo exatamente um livro diditico a ser usado de for- ma seguida, e deve estar presente diariamente no ambiente pedag6~ ico, estendendo-se as atividades de todas as disciplinas curriculares, da lingua portuguesa 4 matemética, passando por histéria, geografia, Giéncias etc. A partir dai, pode-se transferir o conhecimento adquiride: a outros contextos de consulta alfabética, como catilogo telefSnico, indice de espetéculos num jornal etc. Maldonado (1998: 28) enfatiz: 5 3 5 AeLNa GROEN LBL cnunesccnce son Pretende-se com ele [0 dicionatio] descobrir a existéncia de outro tipo de Frvros: 0s livres de consulta. Nao so livros de leituras nio sio tampouco livres Adidéticos, sto livros wtilizados como apoio, como fonte de informagoes. © dicionasio é o livro com 0 qual mostramos 20 aluno pela primeira vez que niio tem como ficar em chivida e que, sabendo consultar, semipre encontraré a resposta em um livro [grifos da autora). Por isso mesmo, ensinar como se emprega um dicionério, como se manuseia a obra requer um passo prévio: ensinar 0 que é € como € constituido um dicionério. Inicialmente, o estudante deve dominar a ordenagao alfabética, uma vez que o acesso mais comum é a dicio- nirios ordenados alfabeticamente. A par disso, é preciso promover a familiarizac3o com todo o aspecto tipogrifico do dicionério; com as marcagées,a formatacio, as indicagées grificas, a localizaso de infor- mages, enfim, fornecer os subsidios necessérios para que o estudante vislumbre a macroestrutura da obra. A importincia do dicionario em sala de aula encontra respaldo nas palavras de Hari (1985: 42) quando cle afirma que o professor rio tem condigées de prever quais palavras serio objeto das dividas do aluno no futuro, mas pode acostumé-lo a procurar metodicamente as solugdes para seus problemas de vocabulario, manuseando adequa- damente o dicionério e selecionando as informagées relevantes entre as intimeras que ele tr2z, pois se sabe que a consulta ao dicionario na fase escolar vai além das questoes de grafia, sinonimia ¢ significagio, uma vez que conduz a descobertas sobre a prépria linguagem, sobre os modos de dizer ou nfo dizer, sobre as relagdes que as palavras po- dem estabelecer entre si em determinados contextos, Nesse momento, estar presente o contato com a microestrutura do dicionério, ja que a consulta traz em si, por parte do leitor, 2 expectativa de respostas certas, sentidos exatos, prontincias corretas. No entanto, a despeito de todo potencial de conhecimentos que um dicionatio pode ofereces, subutilizacéo em sala de aula ainda é frequente, uma vez que 0s pré- prios professores nfo se sentem seguros para fazer uso sistemético do dicionétio, provavelmente porque nunca foram treinados para tal tare- fa, Este fato foi comprovado em pesquisa realizada por Gomes (2007), na qual professores declaravam sua falta de habilidade e conhecimento acerca do dicionéio, além da descrenga quanto ao efetivo valor do uso do diciondrio em sala de aula. ‘Uma metodologia eficaz para 0 uso do dicionario escolar em sala de aula precisa considerar trés mecanismos, pelo menos, que condu- zam ao sucesso da aquisigao lexical: (1) estratégias e atividades especificas para uso da obra; (2) criatividade na consulta e no emprego do conhecimento ad- quirido (3) ludicidade. 3. Estratégias para a aquisicdo lexical com 0 uso do dicionério escolar em sala de aula A aquisigao lexical nfo é uma passagem entre 0 nao conhecido € o conhecido, mas um continuum de conhecimentos ¢ competéncias, por meio do qual o aprendiz vai alimentando seu “dicionério interno”, seu “fundo lexical”. Porém, de forma pritica, a apreensio do léxico, com base na consulta ao dicionério, pode ser esquematizada assim: encontrar uma palavra > entender o significado da palavra > aprender ausarapalavra —> usara palavra Esse continuum abreviado oculta uma série de procedimentos cog- nitivos ¢ pedagégicos necessarios para que se dé, de fato, a aprendiza~ gem de itens lexicais. Segundo Tacca (2006: 49), uma aprendizagem s6 se realiza quando se compreende que um conceito implica relacionar outros conceitos ¢ que existem principios que podem ser generaliza- dos. Isso significa ganhar autonomia no processo de estabelecer rela ges e gerar conclusdes. Ainda em consonancia com Tacca (200647), “gs estratégias tém sido entendidas como o conjunto de atividades ou diferentes passos organizados para o desenvolvimento de determinado SAGOACARALO 3| aUIG4O LCALE U0 00 DKIONARO ESCOLAREM SALA j t g contetido curricular e dos quais se ocupam professor e aluno durante a aula”, Ou seja, estratégias pedagégicas pressupéem uma aco inicial do professor, que necessita da “re-agio” do aprendiz para testar a eficécia de sua proposta para a apreensio de determinado enfoque lexical. Assim sendo, enumeram-se passos que explicitam a maneira como palavras novas sto incorporadas ao vocabulério do estudante: (@) encontrar novos itens lexicais; (b) fixar a forma do item lexical; (©) comhecer os significados do item lexical; (d) associar forma e significados do item lexical; (e) usar adequadamente o item lexical em novos contextos. Esses procedimentos, aplicados no cotidiano escolar, podem ser valioso direcionamento para as atividades que se desenvolvem em tor- no do ensino e da aprendizagem do léxico. 3.1 Encontrar novos itens lexicais Encontrar novos itens lexicais tem relagio direta com o tipo de fontes textuais oferecidas no cotidiano escolar. O verbo aqui € diver sifcar. Diversificar as fontes textuais 20 méximo, incluindo af fontes orais como as oriundas de programas de televisio e rédio, além de re~ as, jornais, gibis, publicidade, textos instrucionais, textos religiosos, textos panfletirios, hipertextos etc. A diversidade de fontes textuais é not6ria e deve ser aproveitada de forma criativa, 3.2 Fixar a forma do item lexical Fixar a forma do item lexical tem a ver com sua grafia, primordial- mente. O verbo aqui ¢ relacionar. Relacionar as novas palavras a outras j& conhecidas, de grafia semelhante, em razdo de pertenceram as mesmas familias morfolégicas. Explora-se af 0 segundo elemento de fixagéo da forma do item lexical, a morfologia. Devem ser {eitas associagdes entre fonemas ¢ grafemas,a fim de explorar a prontincia de grafemas que per- item multiplos sons ou de estrangeirismos, por exemplo. 3.3 Conhecer os significados do item lexical Conhecer os significados do item lexical reflete-se, em termos concretos, no nimero de acepgdes apresentadas pelo dicionétio, mas também nas locucies, fraseologismos, colocagées ¢ sentidos figurados que compiem 0 verbete. O verbo aqui é confextualizar. Para além da sinonimia, encontra-se aqui a oportunidade de explorar os contextos de uso do item lexical e suas nuances valorativas, desde o chulo até 0 literério, Naturalmente, 0 trabalho com o dicionario deve estar aqui diretamente ligado & produgao discursiva, com o item lexical inserido num contexto pragmatico de ocorréncia real na enunciacao. 3.4 Associar forma e significados do item lexical. ‘Associar forma ¢ significados do item lexical relaciona-se direta: mente a processos cognitivos e mneménicos. O verbo aqui ¢ jogar. E © momento de explorar a memdéria, a associagio entre forma lexical © significado, entre entrada do verbete e acepedes. Esta é a oportunidade ideal para a aplicagao de jogos educativos, tais como jogo da meméria, bingo, quebra-cabeca, palavra cruzada e varios outros que contemplem a relacio entre o item lexical e suas acepsies. 3.5 Usar adequadamente o item lexical Usar adequadamente o item lexical € 0 passo final, desejado por todo professor que, de alguma forma, introduz novos itens lexicais no cotidiano escolar. O verbo aqui € produzir. E a oportunidade de observar em que medida o aprendiz. de fato adquiriu um novo item lexical ou, pelo menos, o aprendiz reconhece que no consegue empre- gar adequadamente um item lexical, seja quanto a forma, seja quanto a0 3 5 @ 2 pousigio L>HCAL £80 00.0 DIIONAROS ESCOLARES anes ons i 5 5 a significado. Aqui sio vilidos todos os tipos de produgiio e recep20 oral « eserita: debate, redasio, entrevista, jogo, adivinha, parifrase, parédia, Poems, prosa, tantos quanto possivel. O que vale aqui é 0 olhar atento do professor no sentido de detectar em que estigios de aprendizagem Se encontram seus alunos, quais sto suas deficiéncias e seu potencial, atentando para uma perspectiva mais qualitativa do que quantitativa. 4. A criatividade em acdo A criatividade na relacto entre ensino e aprendizagem é elemen- to fundamental para propostas de atividades a serem desenvolvidas no cotidiano escolar; a criatividade no processo de aprendizagem tem estreitas relagdes com a criatividade no trabalho pedagégico; porém, essas relagbes ndo so causais nem lineares (Mitjins Martinez, 2006, 90). A aprendizagem lexical, por sua vez, tem dois prismas para vis lumbrar a criatividade: (i) a criatividade do ponto de vista da aprendizagem; (ii) a criatividade do ponto de vista do ensino. Na perspectiva da aprendizagem, a criatividade é central na cons- trugao do saber lexical, pois o estudante, ao conhecer ¢ reconhecer itens lexicais, organiza-os em sua mente de forma categorizada, mas também dé ensejo a criagdes neolégicas tanto formais como semanti- cas. Esse movimento linguistico € inegével e desejavel Jano processo de ensino, convém lembrar que novidade nem sem- pre implica criatividade. O desafio de contribuir para 0 desenvolvi- mento da criatividade na aprendizagem dos alunos niio pode ser as- sumido com receitas ¢ estratégias universais, o que negaria a propria criatividade, A utilizagio criativa de principios e estratégias gerais na realidade pedagégica concreta constitui o melhor caminho para cum- Prir esse objetivo (Mitjns Martinez, 2006: 92). Assim como a apren- dizagem, a criatividade deve ser entendida como um processo, no qual algo de novo (pelo menos para 0 aprendiz) vem a tona, é produzi- do, Desse modo, a tarefa do professor & propor estratégias que sejam criativas e, a0 mesmo tempo, reconhecer e legitimar a criatividade do estudante, que por si s6 é um falante fluente de sua lingua, podendo experienciar usos lexicais inéditos. 5. O ludico em agao FE inquestiondvel que atividades de ensino tém resultados positivos quando se introduz o elemento liidico. Esta demonstrado cientifica e pe- dagogicamente que a presenga de elementos lidicos e criativos no ensino é benéfica para o desenvolvimento do processo de aprendizagem, pois, © jogo, sobretudo 0 jogo linguistico, desempenha um importante papel no desenvolvimento cognitivo e social humano (Prado Aragonés, 1996: 39). O jogo educativo € defendido por Kishimoto (2003: 19) por suas das fungoes: a fimgéo hidica, que propicia diversio, o prazer; ¢ a fungio educativa, que enriquece o individuo em seu saber e em sua apreensio do mundo. O equilibrio entre as duas fung6es ¢ 0 objetivo do jogo educative. Em sentido amplo, o jogo com o dicionétio deve proporcionar & ctianga a livre exploragio do livro, por meio de atividades que lhe permi- tam a percepcio geral sobre a constitui¢ao do dicionétio, seu tamanho, cores, cheiro, oxganizasio, ilustragées etc, Em sentido restrito, o jogo com 0 dicionério deve propor ages orientadas com vistas & aquisiglo ou trei- no de contetidos ¢ habilidades especificos. Nos dois sentidos expostos, a gama de possibilidades de jogos com o dicionério é vasta ¢ produtiva: ‘Ainda quanto ao jogo, Bruner considera seu aspecto dial6gico, resaltando a ligagio entre inffincia (humana ou animal) ¢ espago de jogo, enquanto lugar de sentido. Esse aspecto dialégico atribuido 20 jogo pode também se verificar na relagio entre o adulto e a crlanga, mais especificamente no didlogo que se estabelece entre os dois ¢ no qual o adulto assume o papel de tutor da crianga no processo de aprendizagem. Nessa relacio de tutela, que na espécie huma- na é a tinica 2 aparecer sob a forma de interacao, oferecem-se ® crianca todas 151 {QUSICAO LEICA E WO BO DIONARO ESCOLAREN SALADE AULA —_| ‘oniewe cide seBdte caRMCAARCOS HxcHte as formas possiveis de ajuda quando esta nfo for capaz por si s6 de realizar uma tarefa,e., compreender ¢ produzir enunciados (Del Ré, 2006: 24) De acordo com Del Ré (2006: 25), nfo ha construgio unilateral, separadamente, da crianca e do outro. Trata-se de um processo que en- volve as duas partes, concomitantemente. E a partir de esquemas inte- racionais que as criangas incorporam, durante a trajetéria da aquisicéo da linguagem, segmentos da fala adulta. Observando uma situagio de interagio, pode-se mesmo notar uma certa dependéncia da crianga em relagio a0 enunciado anterior do adulto para que ela contribua com a sintaxe dialégica. A medida que a crianca desenvolve a capacidade de representar as intengdes,a atengao ¢ o conhecimento daquele com quem ela interage, é que ela vai tomando-se independente do enunciado do outro, combinando por si sé itens lexicais ¢ fragmentos de discurso. Algumas sugestées de atividades Nidicas com 0 dicionétio sto apresentadas por Rangel & Bagno (2006) e tém por mérito maior, no dizer dos préprios autores, “funcionar como um roteiro, como su- gestdes” do que se pode fazer em sala de aula, a partir de uma reali- dade concreta em termos de letramento, quantidade ¢ qualidade de dicionirios disponiveis. © primeiro grupo de atividades destina-se a estabelecer a nogio do dicionario como livzo e como género, com ati- vidades que privilegiam a explorago do formato, das caracteristicas do dicionéio, além da ordem alfabética. © segundo grupo de atividades trata de diferentes aspectos do léxico, como o estrangeirismo, expres~ sdes idiomaticas, sinonimia etc. Para essas ¢ outras atividades propostas, hd que se pensar num contexto de interagio, no qual a crianca € beneficiada pelo con- tato com o dicionério, em um primeiro momento, mediado pelo professor; em um segundo momento, é importante que a crianca interaja com os colegas, por meio do jogo, mas também que interaja diretamente com os textos que a cercam no cotidiano escolar, pro- piciando a interlocugao com os contetidos das disciplinas, de modo espontaneo ¢ gradativo, em sua pesquisa lexicogritfica. Cumpre-se | j i 1 i | afum circulo de interagées que sio amadurecidas conforme a maior ou menor independéncia do leitor do dicionario. Aos poucos, e tripla interago — dicionério, locutores ¢ texto —, com a mediagio inicial do professor, vai ser tornando madura e prazerosa, desde que & motivagio seja também prazerosa e sedutora. O resultado desse processo € a formagio de um leitor-consulente proficiente no uso do dicionétio, leitor que sabe por que usar 0 diciondrio e como usar © dicionario para sanar suas diividas ¢ curiosidades sobre a lingua portuguesa ¢ as demais disciplinas curriculares. 6. Consideracées finais O dicionario é um instrumento de aquisigio lexical de inestimével valor. Seu uso pode ser traduzido por meio de uma metifora, a do uso em “doses homeopaticas”, tanto para o professor quanto para o alu- no. No entanto, constata-se que a formagao profissional do professor prescinde desse uso sistemiitico e gradual da pesquisa lexicogrifica ¢, consequentemente, esse fato se reflete nas priticas de uso do dicionsirio escolar no ensino fundamental brasileiro. O habito, a persisténcia, o de- scjo de investigagio e de descoberta linguisticas deverio ser elementos propulsores para o desenvolvimento de habililades de uso do diciona- rio e de aquisigio lexical baseadas em passos metodoldgicos seguros, que contemplem a interagio criativa e lidica no ambiente escolar. O século XXI inaugura uma etapa de pesquisa e labor lexicogré- fico inéditos na tradigao brasileira; comeca-se a delinear critérios ¢ paradigmas para a construgo de propostas lexicogrificas adequadas a0 piiblico e realidade brasileiros, oferecendo como produto final di- cionarios, de fato, escolares ¢ ndo meros recortes de obras mais amplas da lingua portuguesa. Instaura-se 2 necessidade de estabelecimento de principios metalexicogrificos pertinentes, adequados aos objetivos do uso escolar do diciondrio, que abarcam as atividades de leitura ¢ de escrita em suas mais distintas modalidades. a 3 ; a $ Referéncias ‘Auvan Ezqueans, M. La ensetanza de ivi y el me del dicionaria, Madtid: Arcos, 2003. (Can, E. Vs The Lesiton in Acquistion. Cambridge: Cambridge Univesity Press, 1993. Det Re, A.A pesquisa em agulsigto de inguagem, in Dat R&, A. (org) dguisde da fngua- gem: una abordagem priclinguatica, S40 Palo: Contexto, 2006, Gos, B.V.N. O procate de aguisizte levicel na infincia ea metalescagrafiadodiconarioetox tar. Doutorado, Brass: UnB, 2007, hans, R.A dinguttca eo ensine da lengua portuguesa, Sto Palo: Mactins Fontes, 1985, Maxponavo, C. El uso de dicionaria en aula. Maid: Arco, 1998, Mrrsins Marines, A. Criatvidade no tabalho pedagégico © criatividade na aprendiza: {gem uma relagao necesscia?, in TaccAa, M. C. 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