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RESENHA BIBLIOGRAFICA Reinventando o governo, de David Osborne e Ted Glaeber* César Mattos** O livro Reinventando 0 governo aborda criticamente a forma tradicional de operacao do governo, sugerindo alternativas que se configuram como uma verda- deira revolugdo administrativa do setor pablico. A obra se diferencia de outras que discutem o papel do governo nas socieda- des modernas por causa da pergunta relevante a que se propée responder. En- quanto 0s outros livros se preocupam com 0 que os governos devem ou ndo fazer, este compara 0 modo pelo qual os governos funcionam com 0 modo pelo qual eles deveriam funcionar. A principal falha dos governos teria a ver com os meios. utilizados e nao com os objetivos. Basicamente as alternativas apresentadas visam a tomar 0 governo mais efi- ciente na prestagao direta dos servigos piblicos ou na indugo a prestagdo desses servigos pelo setor privado ou pelo chamado “terceiro setor” (ONG e associagdes comunitérias, por exemplo). Isso se faria a partir de uma adaptagdo de métodos de gestdo vigentes na administraco privada, especialmente os relacionados com as idéias de descentralizagao da autoridade, redugdo das hierarquias, énfase na qualidade e aproximago com os “clientes” na administrago publica. Ganha des- taque a utilizagdo de mecanismos de mercado para a consecugdo de objetivos pi- blicos. Essa tese encontra resisténcias, j4 que o objetivo principal do setor priva- do — a busca do lucro — é normalmente considerado pelos defensores do gover- no tradicional incompativel com a consecugao dos objetivos sociais. Nesse sentido, de acordo com os autores, é importante que o governo “estruture o mer- cado”, visando a alcancar 0 objetivo publico. Nesse contexto, a discussdo vigente sobre o papel do governo em termos de Estado minimo versus Estado interventor, travada, grosso modo, entre neolibe- rais e estatizantes, se torna simplista, Reinventando o governo assume uma posi- do intermediéria. Os autores deixam claro que acreditam profundamente no go- verno, nao compartilhando da tese do “Estado minimo”, e também que no acre- ditam nas atuais burocracias governamentais hipercentralizadas. Segundo eles, “ndio poderemos resolver nossos problemas gastando mais ou gastando menos, criando novas burocracias ou ‘privatizando’ as que j4 existem. Conforme o lugar ea ocasido, precisaremos gastar mais ou gastar menos; criar novos programas ou * Trabalho recebido em out. 1994 e aceito em fev. 1995. ‘** Mestre em economia/PUC-RJ. (Enderego: SQS 316-E — 405 — Brasflia, DF — 70.837.) RAP —_RIODE JANEIRO 29 2}: 193-200, ABRJJUN. 1995 privatizar fungées puiblicas”. A questo fundamental no se resume em ter mais, ou menos governo, mas sim em ter um governo melhor. Os autores reconhecem que tal Estado burocratico funcionou muito bem na era industrial. No entanto, esse modelo de governo se mostrou inepto em uma so- ciedade na qual as mudangas sdo répidas, exigindo instituigdes flexiveis que res- pondam as novas necessidades do puiblico. As burocracias governamentais em geral so muito lentas, preocupam-se excessivamente com normas e regulamen- tos, e possuem rigidas cadeias de comando hierérquico. O aciimulo desses controles ao longo do tempo foi tornando quase impossf- vel a prética da boa administracdo. A mania de introduzir controles, regras e pro- cedimentos tomou-se to obsessiva que ignorou o principal: os resultados da ago piiblica. A negligéncia com relagdo aos resultados gerou incentivos perversos nos mecanismos regulatérios da prestago de servigos ptiblicos. Um exemplo impor- tante 6 o sistema de saiide nos EUA. Paga-se de acordo com o nivel da assistén- cia prestada, Se o paciente internado necessita de mais cuidados, 0 governo paga mais; se o paciente necessita de menos assisténcia, paga-se menos, critério que parece, a primeira vista, absolutamente l6gico. No entanto, normalmente o resul- tado 6 um maior mimero de internos acamados. Isso porque, ao pagar mais por pacientes acamados, o Estado confere as clinicas um incentivo financeiro para que os mantenham acamados e ndo os curem. Ao patrocinar a injegao de recur- sos, ignorando os resultados, a frmula produz efeito exatamente oposto ao dese- jado. Da mesma forma, financiam-se as escolas com base no ntimero de alunos, a assisténcia social em fungdo do nimero de atendimentos e os departamentos de policia com base nas ocorréncias de crimes, sem prestar atengo nos resultados dessas atividades. Pouco importa como as criangas se saem na escola, ou quantas pessoas conseguem se empregar deixando de pedir auxilio a0 seguro-desempre- g0, ou em quanto tenham baixado os indices de criminalidade. Na realidade, com o sistema vigente de incentivos orgamentrios, escolas, instituigdes de assistén- cia social e policia ganham mais dinheiro quando fracassam, ou seja, quando as criangas vao mal, o desemprego aumenta e a taxa de criminalidade sobe, o que € um contra-senso. ‘A maior parte das despesas feitas com os pobres apresenta mecanismos que incentivam a perpetuagao do insucesso pessoal. “Punem-se” os que melhoram e se libertam da necessidade de assisténcia social, e nada se exige dos que se man- tém no programa, o que reduz a motivagio para as pessoas melhorarem suas vi- das. Nesse sentido, nos UA, os governos estiio estabelecendo requisitos bisicos de desempenho em seus programas de combate & pobreza e exigindo que os be- neficidrios participem de programas educacionais e de treinamentos profissiona- lizantes, além de manterem os filhos na escola. 194 RAP 295 Visando orientar a agao do governo para os resultados, os autores destacam a necessidade de desenvolver métodos de avaliagdo de desempenho préprios do setor piiblico O livro aprofunda a idéia de “governo empreendedor” em vez de “governo burocritico”. Nesse contexto, os autores enfatizam que a conduta burocritica no est intrinsecamente ligada ao setor piblico e nem a conduta empreendedora esta intrinsecamente ligada ao setor privado, 0 que contraria a visio normalmente aceita. As medidas destinadas a impulsionar 0 governo empreendedor enfatizam es- pecialmente o aumento da exposigao das préprias agéncias publicas de prestago de servigos & competigao com outras agéncias puiblicas e empresas do setor pri- vado; buscam, além disso, servir como catalisador deste dltimo para a consecu- G40 do objetivo piblico O papel de catalisador seria o mais importante, pois nao envolveria o gover- no na prestagdo direta do servigo. Nesse sentido, os autores argumentam que a fungdo principal do governo empreendedor se relaciona com o ato de “navegar”” e no de “remar™. A prestagdo direta de servigos é remar, e 0 governo no € um bom remador. © Estado se sairia melhor como a instincia que define os rumos, opera as sinalizagdes adequadas aos agentes econ6mico-sociais e estimula a ago das forgas da concorréncia para atingir as metas sociais desejadas, o que daria sentido a sua tarefa precfpua de “navegar”. Acima de tudo, o ato de remar vai contra a realidade atual de crise financeira do Estado. Ainda enfatizando a baixa capacidade do governo de “remar”, os autores ci- tam Peter Drucker: “qualquer tentativa de combinar a agdo governamental com o ‘fazer’, numa escala mais ampla, paralisa a capacidade de ‘decidir’. Qualquer tentativa de fazer com que os drgios decisérios ‘executem’ leva também a uma “execugdo’ muito deficiente, porque eles nao estdo focalizados no modo de exe- cutar, nem equipados para isso”. Mais que isso, os governos que prestam direta- mente os servigos muitas vezes abdicam da funco de “navegar”, Enfim, remar & uma atividade que exige concentragiio numa misso exclusiva, enquanto navegar requer que se veja todo 0 universo de temas e possibilidades, contrabalangando demandas diferentes que compete por recursos escassos. Nesse sentido, é pre- ciso mais orientagdo governamental (ou mais navegaciio) e no menos, trocando- se um governo que “faz” por um governo que “governa”. Os autores identificam as duas principais inflexibilidades dos governos atuais, que prejudicariam a sua capacidade de “navegar” bem: a camisa-de-for- a dos regulamentos de pessoal do servico puiblico, especialmente sua estabili- dade funcional, e 0 processo orgamentério. A legislagdo destinada a regular o regime de trabalho dos funciondrios pibli- cos cria fortes amarras que dificultam a velocidade de adaptaco do setor ptiblico as répidas mudangas das demandas sociais. Impede que os funciondrios ptiblicos transfiram-se de ocupagdes quando ocorrem essas mudangas, especialmente para RESENHA 195 organizagées ndo-governamentais, onde poderiam ter melhor desempenho ou mesmo serem despedidos por nio trabalharem bem. O sistema de promogdes no servico publico também é anacrdnico. E normal- mente controlado pelo departamento de pessoal e nio pelo chefe direto, guardan- do portanto muito pouca relagio com o desempenho do funciondrio e gerando pouco estimulo para que ele cumpra melhor suas fungdes. Nesse sentido, € im- portante conferir maior flexibilidade aos administradores do setor ptiblico, per- mitindo 0 pagamento de salérios de mercado, o que evita a perda de bons profis- sionais. O impulso de impor controles no setor publico também tende a desmotivar 0 funcionério; livre da prisdo dos regulamentos e normas, ele teria maior potencial criativo e maior satisfagao pessoal e profissional. E fundamental conferir ao fun- cionério um sentimento de propriedade das instituigdes pablicas, fazendo aumen- tar seu senso de responsabilidade. Um dos principais fatores que contribuem para viabilizar as mudangas nas regras do funcionalismo € uma politica de ndo-demissdo, Os governos no preci- sam garantir aos funciondrios o seu emprego especifico, mas garantir-Ihes um emprego com salirio correspondente. Quando os empregados sabem que tém se- guranga, sua atitude em relaco & inovagdo muda completamente, Em Phoenix, nos EUA, varios empregados j4 propuseram a eliminagdio de seus proprios car- gos, quando Ihes garantem que nio ficardo desempregados. Quanto as regras orgamentérias tradicionais, os autores enfatizam a sua inefi- cAcia intrinseca. Segundo eles, “os orgamentos controlam cada passo das agén- cias ptiblicas, sendo onerosos e onipresentes, sem utilidade e sem sentido”, além de consumirem uma quantidade absurda de tempo. Na raiz do problema est 0 fato de que muitos sistemas de or¢amento ptiblico separam o dinheiro das agén- cias em muitas contas diferentes (as dotagdes orgamentrias) com rubricas espe- cificadas; isso porque esses sistemas so concebidos como uma forma de contro- lar os burocratas. Nesse contexto, os ordenadores de despesa de cada unidade orgamentiria sio incentivados a desperdigar e nao a poupar recursos. Se tais ordenadores poupa- rem uma parcela das dotacdes orgamentérias de sua unidade orgamentéria, dentro da légica atual das regras do orgamento eles sofrerdo as seguintes conseqiiéncias: perderdo o dinheiro poupado, receberdo menos no ano seguinte e serio criticados por terem solicitado fundos excessivos. A cidade de Visdlia, na California, tomou duas medidas no campo orgamen- tGrio que so caracteristicas de um governo empreendedor. Primeiro, autorizou cada unidade orgamentéria a reter, a cada ano, os recursos no despendidos, o que gerou um importante estimulo & poupanga. Depois, eliminou a rigidez das dotagdes, que antes se vinculavam a apenas um elemento de despesa, permitindo a movimentagio de recursos entre os elementos de despesa de uma forma mais Agile flexivel em face das circunst€ncias mutantes 196 RAP 295 Em resumo, € fundamental introduzir mecanismos que mudem a mentalida- de do ordenador de despesa setorial: em vez de “gastar ou perder”, “economizar e investir”. Em alguns casos, pode-se fazer uso de um orgamento dirigido aos préprios usuarios dos servigos piblicos (ou seus “clientes”, 0 qual consiste em colocar 0 dinheiro nas maos do piblico. Exemplos disso so os vales-transporte, os crédi- tos educacionais que funcionam como vales etc. Tal mecanismo transfere a sele- go das prestadoras de servigo das licitagdes do governo para os préprios cida- dios. As vantagens de buscar sistemas voltados para o cliente so: forcar os pres- tadores de servicos a se responsabilizarem por estes; evitar a politizagio da escolha do prestador de servicos; aumentar a oportunidade de escolha do piibli- co; conferir poder de decisao e, portanto, maior responsabilidade ao cidadio. En- fim, tal mudanga & um passo importante para que as instituigdes piblicas passem a conferir efetivo poder aos cidadtios em vez de téo-somente servi-los. O governo empreendedor busca se orientar mais para a prevengdo de proble- mas do que para a sua solugio a posteriori. Houve época em que os governos se orientavam mais para a preven¢io dos problemas. Mas na medida em que os go- vernos aumentaram sua capacidade de prestar servigos diretamente, ou seja, “re- mar”, o foco de sua atencdo mudou, passando a dar maior prioridade a solucao de problemas do que & sua prevenco. Nesse aspecto, faz-se uma critica importante ao sistema de satide norte-americano, que € um exemplo tipico de programa mais voltado para a cura das doengas (solugdo do problema a posteriori) do que para a prevengiio. Raramente se promove a competicao entre os prestadores de servigos piblicos. Além disso, 0 governo norte-americano abdicou do papel de orientador do sistema de satide, deixando que as decisdes politicas tipicas do ato de “nave- gar” sejam tomadas pelo setor privado, o que é indesejavel. Mudar essa perspectiva, no entanto, é muito dificil num contexto politico em que os grupos de interesse pressionam constantemente as autoridades para que elas tomem decisdes no curto prazo e continuem “remando”. Resultados de curto prazo so mais transparentes para os eleitores, enquanto as tentativas de anteci- par problemas emergentes so pouco consideradas e, as vezes, tidas como preco- ces e onerosas. “A prevengio é silenciosa, mas os politicos, que promovem ata- ques dramAticos a meros sintomas, conseguem grande publicidade. Além disso, a prevengdo ameaca a indistria porque exige alteragdes diffceis no processo pro- dutivo.” Os autores enfatizam a importdncia do “terceiro setor”, que também se en- carregaria da funco de “remar”. Este setor apresenta uma forte propensio a exe- cutar tarefas que produzem pouco ou nenhum lucro; exigem compaixao e solida- riedade; implicam ampla confianga por parte dos clientes; necessitam de atengao direta e pessoal; ¢ envolvem regras de conduta moral e responsabilidade pessoal. As associagdes comunitérias so um importante exemplo de “terceiro setor”, € 0 seu papel em um contexto de governo reinventado é bastante proeminente. A necessidade de fortalecer os vinculos das comunidades com as politicas pablicas RESENHA 197 se baseia em um principio bastante simples. As pessoas agem de forma mais res- ponsdvel quando so elas mesmas que controlam parte dessas politicas e no quando so agentes meramente passivos. Além disso, esse esforgo aproxima 0 governo de seus cidadaos, o que por si sé aumenta a prdpria credibilidade do go- verno. Os autores citam Mcnight, que mostra uma série de vantagens que 0s siste- mas de servigos prestados por associages comunitirias tém sobre os servicos prestados por profissionais, sejam eles piblicos ou privados: a) as comunidades tém maiores obrigagdes para com seus membros do que os servigos profissionais, dado o aspecto sentimental envolvido; b) as comunidades compreendem melhor seus problemas do que os profissionais; c) as comunidades dio atengo e calor humano, o que é bastante positivo na solugo e/ou prevengao de problemas; d) as comunidades so mais flexiveis e criativas do que as grandes burocracias; e) os servigos prestados pelas comunidades so baratos para 0 governo; f) as comuni- dades aplicam padrdes de conduta mais eficazmente do que as burocracias ou os profissionais da prestagdo de servicos. Os profissionais hesitam em impor seus valores e sua conduta pois tratam os problemas como doencas. J4 os membros de uma familia, igreja ou comunidade nao tém a mesma relutincia, Nesse caso, os carentes acolhidos sao obrigados a deixar 4lcool e drogas, adotar hdbitos de hi- giene, coisa que os servicos profissionais relutam em fazer, pois concentram-se estritamente nos objetivos precipuos de determinado programa; g) as comunida- des enfatizam 0 que as pessoas so capazes de fazer, enquanto os sistemas de prestaciio de servigos enfatizam as deficiéncias das pessoas. Segundo Mcnight, a ago dos profissionais, por mais bem-intencionada que seja, apresenta o efeito indesej4vel de convencer as familias de que elas nao tém competéncia para co- nhecer, cuidar, ensinar, curar, fazer. O carente se convence de que apenas “pes- soas diplomadas esto capacitadas a fazer isso para os outros”, 0 que o exime de toda a responsabilidade. Por outro lado, a iniciativa de atribuir responsabilidades ao préprio ptiblico- alvo de politicas sociais através de suas associagdes comunitérias esbarra muitas vezes no fato de que pessoas que so dependentes h4 muitos anos apresentam na- tural dificuldade de assumir subitamente seus interesses, sem alguma forma de apoio de transig&o. Isso limita a delegacao de poder as comunidades, nos primér- dios da implantago de um novo modelo de politica social. Além disso, é impor- tante ter claro que a transferéncia do controle das politicas para as comunidades no tira a responsabilidade do governo. Um dos pontos basicos do livro é que a questo principal da busca da efi- ciéncia na prestagio de servigos piiblicos nao é se o prestador é puiblico ou priva- do. O que faz diferenga é se existe um ambiente competitivo ou de monopélio. Nos mercados em que empresas piiblicas e privadas de mesmo porte operam concomitantemente, os custos e a qualidade dos servigos se equiparam. Nos seto- res em que existe monopélio privado, os indices de ineficiéncia so os mesmos 198 RAP 295 do setor piblico. Observe-se que tal afirmagio dos autores contradiz, em certa medida, a afirmago de que o governo ndo € um bom remador. Relacionada a isso est a questo da privatizagdo. Segundo os autores, a pri- vatizagdio seria uma solugdo para uma série de problemas, mas nio a tinica, o que retira boa parte da conotaco ideolégica com que normalmente se encaminha 0 tema, Para eles, esse € 0 ponto de partida errado para discutir o papel do governo. Os fatores determinantes da eficiéncia estariam mais relacionados com os in- centivos que movimentam o sistema. Questdes como a motivagio das pessoas para a exceléncia, o sentido de responsabilidade pelos resultados, a flexibilidade das regras, a descentralizagao da autoridade, a ligagao entre recompensas e de- sempenho dentro da organizagao so mais relevantes que a propriedade (piblica ou privada) da organizagao. Outro ponto bem explorado pelos autores silo as desvantagens dos programas governamentais meramente administrativos em relagdo aos programas com in- centivos de mercado. Primeiro, h4 a tendéncia de se criarem feudos que depois sio defendidos a qualquer prego, independentemente do sucesso do programa. As burocracias tendem, naturalmente, a gastar seu tempo e aten: construindo e defendendo posigGes, em vez de administrar bem os programas sob sua responsa- bilidade. Os programas meramente administrativos nao se autocorrigem normalmente quando existem problemas estruturais a sanar; mesmo assim, raramente morrem. Os administradores desses programas nao costumam medir os resultados de suas atividades e usam os indicadores de desempenho mais para promover esses pro- gramas do que para melhor gerencié-los. Os programas ndo morrem porque tra- zem desgaste aos politicos e administradores que tentam eliminé-los. O acrésci mo de novos programas, ano apés ano, cada qual com uma justificativa l6gica, gera uma mistura entre 0 velho € o novo que est bem longe daquilo que seria de- sej4vel e racional, quando visto numa perspectiva de conjunto. Assim, nao existe incentivo para desativar o que est obsoleto, e vdo-se acumulando novos servigos até que uma crise fiscal exija um corte dramético. Os programas baseados em in- centivos de mercado, ao contrério, so autocorrigiveis. A estratégia de mecanismos meramente administrativos, baseados apenas em comandos e controles, apresenta ainda o inconveniente de nao alterar os incenti- vos econémicos subjacentes que motivam empresas e individuos. A tendéncia do setor privado é sempre tentar contornar as regras gastando tempo e dinheiro. Além disso, tende a focalizar os sintomas e no as causas dos problemas. Os mercados nao existem apenas no setor privado, mas também no setor pti- blico. Na verdade, a chave da reinvengio do governo é mudar os mercados que funcionam no setor piblico, aplicando a este a mesma anflise do funcionamento do mercado no setor privado. Outra questo fundamental € a descentralizagio. As vantagens das institu Ges descentralizadas e com hierarquias mais horizontalizadas so a maior flexi- bilidade, a maior capacidade de reagir rapidamente is mudangas de circunstin- RESENHA 199 cias, a maior eficiéncia derivada do fato de os funciondrios na linha de frente se~ rem 0s que tém maior contato com os problemas e as oportunidades existentes, 0 maior estimulo & inovago e 0 moral mais elevado das equipes de trabalho, que se tornam mais comprometidas e produtivas. O principal obstéculo & descentralizagzio no governo € a perda de controle dos processos pelos burocratas e pelos politicos. Os funciondrios pablicos de car- gos mais altos freqiientemente esto voltados para a obtengZo de poder, gerando resisténcia A descentralizagiio. A eliminagio de escaldes, tipica do processo de descentralizagio nas organizacdes, € bloqueada. Nesse contexto, os funciondrios, especialmente os menos graduados, perdem a perspectiva global da organizagao, © que dificulta a comunicagio entre as unidades e fortalece o corporativismo. Outro objetivo da descentralizacao no setor pubblico € a delegagao de poderes € competéncias aos estados e municipios. Assim, 0 governo federal permaneceria com as seguintes atribuigdes basicas: a) dreas de planejamento que fogem & com- peténcia de estados e municipios, tais como comércio internacional, politicas macroecondmicas e a maioria das politicas ambientais; b) politicas de combate & pobreza, que requerem investimento em regides com menos recursos financeiros; ) programas de seguridade social; d) investimentos de grande porte. Enfim, mudar o paradigma do governo tradicional ndo é uma tarefa trivial. Isso porque os politicos tomam decisdes visando & sua reeleicdo. Por serem re~ compensados quando entregam fatias do bolo aos grupos que o elegeram, no tém muito interesse em reinventar 0 bolo. Como atendem a interesses constitui- dos que se organizaram para proteger 0 seu status quo, ignoram os interesses da sociedade como um todo, especialmente os nZo-organizados. Além disso, existe uma ldgica perversa para os politicos: em geral eles so mais punidos por tenta- rem e falharem do que por conduzirem uma administragio mediocre e ineficien- te. Apesar desses problemas, o processo de reinvengdo do governo é considerado inevitével pelos autores, dada a urgéncia de solugGes para as demandas sociais frustradas. 200 RAP 295

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