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Arte e Revolução

Leon Trotsky, 17 de junho de 1938

“Na realidade, os intelectuais "de esquerda" mudaram de senhor. Ganharam muito


com isso?”, com tal indagação Trotsky comentava os artistas que apoiavam
incondicionalmente a burocracia dirigida por Stálin, suas falsificações e mentiras.
Hoje, com o completo desaparecimento do stalinismo, muitos artistas e jovens
intelectuais “de esquerda” não têm mais aquele senhor, mas se submetem à condição
de servos da cultura burguesa decandente, outros tantos proclamam serem senhores de
si, e alguns, por outro lado, empenham-se em superar as contradições de nosso tempo.
Exatamente para refletirmos sobre a superação desse estado de uma arte vinculada a
idealizações pequeno-burguesas de liberdade ou diretamente entregue ao movimento
bárbaro do mercado, publicamos o texto a seguir de Trotsky escrito à época da
fundação da IV Internacional.

A Partisan Review amavelmente propôs-me dar minha opinião sobre o estado atual da
arte. Não o faço sem hesitação. Desde meu livro Literatura e Revolução (1923), nunca
voltei às questões da criação artística e só pude acompanhar sem continuidade as
manifestações recentes nesse domínio. Longe de mim a pretensão de dar uma resposta
exaustiva. O objeto desta carta é colocar corretamente o problema.

De modo geral, o homem expressa na arte a sua exigência da harmonia e da plenitude


da existência - quer dizer, do bem supremo do qual é justamente a sociedade de classes
que o priva. Por isso a criação artística é sempre um ato de protesto contra a realidade,
consciente ou inconsciente, ativo ou passivo, otimista ou pessimista. Toda nova corrente
em arte começa pela revolta. A força da sociedade burguesa foi, durante longos
períodos históricos, mostrar-se capaz de disciplinar e assimilar todo movimento
"subversivo" em arte e levá-Io até o "reconhecimento" oficial, combinando pressões e
exortações, boicotes e adulações. Mas, tal reconhecimento significava no fim das contas
a chegada da agonia. Então, da ala esquerda da escola legalizada ou da base, das fileiras
da nova geração da boêmia artística, levantavam-se novas correntes subversivas que,
após algum tempo, subiam por sua vez os degraus da academia.

Por tais etapas passaram o classicismo, o romantismo, o realismo, o simbolismo, o


expressionismo, o movimento decadente... Mas o casamento entre a arte e a burguesia
permaneceu, senão feliz, pelo menos estável, somente enquanto durou a ascensão da
sociedade burguesa, somente enquanto se mostrou capaz de manter política e
moralmente o regime da "democracia", não só soltando as rédeas aos artistas, mimando-
os de todos os modos possíveis, mas também dando algumas esmolas às camadas
superiores da classe operária, domesticando os sindicatos e os partidos operários. Todos
esses fenômenos devem ser colocados no mesmo plano.

O declínio atual da sociedade burguesa provoca uma exacerbação insuportável das


contradições sociais que se traduzem inevitavelmente em contradições individuais,
dando origem a uma exigência ainda mais exaltada de uma arte liberadora. Mas o
capitalismo decadente já é incapaz de oferecer condições mínimas de desenvolvimento
às correntes artísticas que respondam, por menos que seja, à exigência da nossa época.
Há um medo supersticioso de toda novidade, pois, não se trata para ele de corrigir-se ou
reformar-se, mas é uma questão de vida ou morte. As massas oprimidas vivem sua
própria vida e a boêmia é uma base demasiado estreita. Donde o caráter mais ou menos
convulsivo das novas correntes, indo sem cessar da esperança ao desespero.

As escolas artísticas das últimas décadas, o cubismo, o futurismo, o dadaísmo, o


surrealismo, sucedem-se sem atingir seu pleno desenvolvimento. A arte, elemento mais
complexo, mais sensível e ao mesmo tempo mais vulnerável da cultura, é a primeira a
sofrer pela decadência e degradação da sociedade burguesa.

É impossível achar uma saída para esse impasse com os meios próprios à arte. Trata-se
da crise de conjunto da cultura, dos seus fundamentos econômicos até às mais altas
esferas da ideologia. A arte não pode escapar à crise, nem evoluir à parte. Não pode
assegurar por si mesma a sua salvação. Perecerá inevitavelmente, assim como a arte
grega pereceu sob as ruínas da sociedade escravagista, se a sociedade contemporânea
não chegar a reconstruir-se. Essa tarefa reveste-se de um caráter totalmente
revolucionário. Por isso a função da arte, em nossa época, define-se por sua relação com
a revolução.

Mas sob esse aspecto, justamente, a História armou aos artistas uma grandiosa cilada.
Toda uma geração de intelectuais "de esquerda", no decurso dos dez ou quinze últimos
anos, voltou-se para o Leste, e em graus diversos, ligou seu destino, senão ao do
proletariado revolucionário, pelo menos à revolução triunfante. Mas não é a mesma
coisa. Na revolução triunfante, não há somente a revolução, mas também a nova camada
privilegiada que subiu às suas custas. Na realidade, os intelectuais "de esquerda"
mudaram de senhor. Ganharam muito com isso?

A Revolução de Outubro deu um impulso magnífico à arte em todos os domínios. A


reação burocrática, muito pelo contrário, sufocou a criação artística com sua mão
totalitária. Era de se esperar! A arte é fundamentalmente emoção, exige sinceridade
total. Mesmo a arte cortesã da monarquia absoluta fundamentava-se na idealização e
não na falsificação. Ao passo que a arte oficial na União Soviética - e ali não existe
outra - compartilha o destino da justiça totalitária, isto é, a mentira e a fraude. Ali, o
objetivo da justiça, assim como o da arte, é a exaltação do "chefe", a fabricação artificial
de um mito heróico. Na história humana nunca se viu algo de semelhante, tanto no
exagero quanto na impudência. Exemplifiquemos.

O escritor soviético muito conhecido Vsiévolod Ivánov rompeu recentemente o seu


silêncio para proclamar a sua ardente solidariedade com a justiça de Vichinski. O
extermínio maciço dos veteranos bolchevistas, essas "emanações pútridas do
capitalismo", suscita, nos artistas, conforme os termos' de Ivánov, um "ódio criador",
Escritor de um romantismo prudente, por natureza lírico e secreto, Ivánov parece-se em
muitos aspectos com Gorki, mas tem menos fama. Não sendo um cortesão nato, preferiu
calar-se tanto quanto possível, mas chegou um momento em que o silêncio podia
significar a morte cívica, até mesmo física. Não é o "ódio criador" mas um terror
paralisante que guia a pena de tais escritores.

Alexis Tolstói, em quem o cortesão suplantou definitivamente o artista, escreveu um


romance especialmente destinado à exaltação dos heróicos feitos militares de Stá1in e
Vorochílov em Tsaritsine. Na realidade, como o testemunham documentos imparciais, o
exército de Tsaritsine (havia mais de vinte exércitos da revolução) desempenhou um
papel bastante lamentável. Ambos os "heróis" perderam os seus postos. Se a lembrança
do extraordinário Tchapaiev, um dos verdadeiros heróis da guerra civil, perpetuou-se
em um filme, foi unicamente porque não viveu até a época de Stálin, em que, com
certeza, teria sido fuzilado como agente fascista. O mesmo Alexis Tolstói escreveu uma
peça cujo tema é o ano de 1919: "A Campanha das Quatorze Potências". Os heróis
principais, segundo o autor, são Lênin, Stálin e Vorochílov. "Suas figuras (trata-se de
Stálin e Vorochílov) cobertas de glória e heroísmo iluminam toda a peça". Assim, um
escritor de talento, que tem o nome do maior e mais sincero dos realistas russos, tornou-
se um fabricante de "mitos" sob encomenda!

Há pouco, em 27 de abril último, o órgão governamental oficioso, o Izvéstia, publicou


um clichê de um novo quadro representando Stálin como o organizador da greve de
Tíflis, em março de 1902. Mas, como se depreende de documentos publicados há muito
tempo, Stálin estava então preso, e, além disso, não em Tíflis mas em Batum. Desta vez,
a mentira era demasiado incontestável! O Izvéstía, no dia seguinte, teve que apresentar
desculpas por esse qüi-proquó lamentável. O que aconteceu com esse malfadado
quadro, realizado às custas do Estado, ninguém sabe.

Dezenas, centenas, milhares de livros, filmes, telas, esculturas reconstituem e exaltam


semelhantes episódios "históricos". Assim, em numerosos quadros referentes à
Revolução de Outubro, é representado, dirigido por Stálin, um "centro" revolucionário
que nunca existiu. A elaboração, por etapas, dessa falsificação, merece comentário.
Leonid Serebríakov, mais tarde fuzilado por ocasião do processo Piatakov-Radek,
chamou-me a atenção em 1924 para a publicação no Pravda, sem ,nenhum comentário,
de extratos do protocolo do comitê central relativo ao fim do ano de 1917. Na qualidade
de ex-secretário do comitê central, Serebríakov tinha numerosas ligações, nos
bastidores, com o aparelho do partido e sabia muito bem com que finalidade tinha sido
feita essa publicação inesperada: era o primeiro passo, ainda prudente, na via da criação
do mito stalinista, que ocupa hoje na arte soviética um lugar de destaque.

Com o recuo da história, a Insurreição de Outubro aparece muito mais planificada e


monolítica do que o foi na realidade. Não se deve ver, realmente, uma falha nas
hesitações, na busca de vias paralelas, nem nas iniciativas fortuitas que não tiveram
desenvolvimento ulterior. Assim, na reunião improvisada do comitê central em 16 de
outubro, tornou-se a decisão de substituir o conselho constitutivo do estado-maior da
insurreição pelo "centro" auxiliar do partido, composto por Sverdlov, Stálin, Boubnov,
Ourítski e Dzerjínski. Ao mesmo tempo, na sessão do conselho de Petrogrado, foi
criado o comitê militar revolucionário; este desenvolveu, desde o início de sua
existência, uma atividade tão decisiva no preparo da insurreição que o "centro" cujo
projeto tinha sido formado na véspera foi completamente esquecido, inclusive por seus
próprios membros. Numerosas improvisações semelhantes desapareceram no turbilhão
daquele tempo! Stálin jamais entrou no comitê militar revolucionário, não apareceu em
Smolni, isto é, no estado-maior da revolução, não teve nenhuma ligação com os
preparativos da insurreição, mas ficou na redação do Pravda, escrevendo artigos sem
brilho, que poucos liam. No decurso dos anos seguintes, ninguém evocou o "centro
prático". Nas memórias redigidas por atores da insurreição - e não há esquecimentos
nesse gênero de textos - o nome de Stálin nunca é citado. O próprio Stálin, em um artigo
publicado no Pravda de 7 de novembro de 1918, por ocasião do aniversário da
Revolução de Outubro, enumerando todos os organismos e todas as pessoas que
tomaram parte na revolução, não fala uma palavra sobre o "centro prático ". E, no
entanto, uma velha ata de protocolo, descoberta por acaso em 1924 e provida de um
comentário mentiroso, serviu de base à lenda burocrática. Em todas as obras de
referência, nas notícias biográficas e mesmo na última edição dos manuais escolares,
aparece o "centro" revolucionário, Stálin à frente. Ninguém, nessa ocorrência, se
preocupou, pelo menos por decência, em explicar-nos onde e quando se encontrava esse
centro, que ordens dava, e a quem, se estabelecera protocolos, e onde se encontram.
Com isso temos todos os elementos dos processos de Moscou.

Com uma docilidade notável, o que se chama a arte soviética fez desse mito um dos
temas favoritos da representação artística. Sverdlov, Dzerjínski, Ourítski e Boubnov são
representados em cores e em relevo, sentados ou em pé, rodeando Stálin e prestando
muita atenção às suas palavras. O local onde se realiza a reunião tem um caráter
intencionalmente mal definido, a fim de evitar toda questão embaraçosa sobre o seu
endereço. Que se pode esperar de artistas obrigados a pintar a representação grosseira de
uma falsificação histórica evidente para eles mesmos?

O estilo atual da pintura oficial soviética leva o nome de "realismo socialista".


Certamente, esse nome foi dado por algum chefe de escritório dos negócios artísticos. O
realismo consiste em imitar os daguerreótipos feitos nas províncias durante o último
quartel do século XIX; o caráter "socialista", com certeza, na maneira de mostrar os
acontecimentos, com os efeitos das fotografias afetadas - isto é, nunca se sabe onde
acontecem. Não se pode deixar de sentir uma repugnância física - é ao mesmo tempo
cômico e terrível - à leitura dos poemas e novelas, à vista das fotos de quadros ou de
esculturas nos quais funcionários armados com penas, pincéis ou burris sob a vigilância
de outros funcionários armados com máusers, louvam chefes "de prestígio" e "geniais"
que na realidade não têm a menor centelha de gênio ou grandeza. A arte da época
stalinista permanecerá como a expressão mais crua da profunda decadência da
revolução proletária.

Mas isso não se limita às fronteiras da U.R.S.S. A pretexto de reconhecimento tardio da


Revolução de Outubro, a ala esquerda dos intelectuais ocidentais ajoelhou-se diante da
burocracia soviética. Os artistas dotados de caráter e talento são, em geral,
marginalizados. E foi assim que, com o maior descaramento, fracassados, carreiristas e
desprovidos de dons guindaram-se à primeira fila. Inaugurou-se a era dos centros e
escritórios de toda espécie, dos secretários de ambos os sexos, das inevitáveis cartas de
Romain Rolland, das edições subvencionadas, dos banquetes e dos congressos, em que
é difícil descobrir a linha divisória entre a arte e a G.P.U. Apesar de sua vasta extensão,
esse movimento militarizante não deu origem a nenhuma obra que possa imortalizar o
seu autor ou aqueles que, do kremlin, a inspiraram.

No domínio da pintura, a Revolução de Outubro achou o seu melhor intérprete, não na


U.R.S.S., mas no México longínquo, não entre os "amigos" oficiais, mas na pessoa de
um notório "inimigo do povo" com quem a IV Internacional conta orgulhosamente.
Impregnado da cultura artística de todos os povos e todas as épocas, Diego Rivera
conseguiu permanecer mexicano nas fibras mais profundas de seu gênio. O que o
inspirou nos seus afrescos grandiosos, o que o transportou acima da tradição artística,
acima da arte contemporânea e, de certo modo, acima dele próprio, foi a inspiração
poderosa da revolução proletária. Sem Outubro, sua capacidade criadora de
compreender a epopéia do trabalho, a sua servidão e a sua revolta nunca teriam podido
atingir semelhante força e semelhante profundidade. Querem ver com seus próprios
olhos os motivos secretos da revolução social? Olhem os afrescos de Rivera! Querem
saber o que é uma arte revolucionária? Olhem os afrescos de Rivera!

Aproximem-se um pouco desses afrescos e verão em alguns deles arranhões e manchas


feitos por vândalos cheios de ódio, católicos e outros reacionários entre os quais,
evidentemente, stalinistas. Essas agressões e essas feridas dão aos afrescos uma vida
ainda mais intensa. Não é somente um "quadro", objeto de consumo estético passivo,
que está diante dos nossos olhos, mas um fragmento vivo da luta social. E, ao mesmo
tempo, uma obra-prima da arte.

Só um país historicamente jovem, não tendo ainda ultrapassado o estágio da luta pela
independência nacional, permitiu que o pincel socialista revolucionário de Rivera
decorasse as paredes dos estabelecimentos públicos do México.

Pior foi nos Estados Unidos, onde as coisas correram mal, chegando finalmente a se
deteriorar. Assim como os monges da Idade Média, por ignorância, apagavam os
pergaminhos, as obras da cultura antiga, para recobri-los em seguida com seu delírio
escolástico, assim também os herdeiros de Rockefeller, agora por malevolência
deliberada, recobriram os afrescos do grande mexicano com suas banalidades
decorativas. Esse novo palimpsesto só serve para imortalizar o destino da arte
humilhada na sociedade burguesa em plena decomposição.

A situação não é melhor no país da Revolução de Outubro. Embora à primeira vista


pareça incrível, não há lugar para a arte de Diego Rivera em Moscou, em Leningrado,
nem em qualquer lugar da U.R,S.S. onde a burocracia constrói para si palácios e
monumentos grandiosos. Como a corja do Kremlin admitiria nos seus palácios um
artista que não desenha ícones com a efígie do "chefe", nem retratos em tamanho
natural do cavalo de Vorochílov? O fechamento das portas soviéticas diante de Diego
Rivera marca com estigma indelével a ditadura totalitária.

A ditadura totalitária vai ainda por muito tempo abafar, pisotear, encobrir tudo aquilo de
que depende o futuro da humanidade? Índices seguros dizem-nos que não. O
vergonhoso, o lamentável desmoronamento da política covarde e reacionária das frentes
populares na Espanha e na França, de um lado, as farsas judiciárias produzidas por
Moscou, de outro lado, são o sinal de que uma grande transformação se aproxima, não
só no domínio político, mas também no domínio mais vasto da ideologia revolucionária.
Mesmo os "amigos" mal inspirados - não com certeza as numerosas pessoas de grande
inteligência e moral elevada de New Republic e Nation - começam a cansar-se do jugo e
do chute . A arte, a cultura, a política precisam de novas perspectivas. Sem o que, a
humanidade não poderá ir para frente. Porém, nunca mais do que hoje, as perspectivas
foram tão ameaçadoras e catastróficas. Por isso o pânico é atualmente o sentido
dominante dos intelectuais desorientados. Aqueles que opõem ao jugo de Moscou um
ceticismo irresponsável não pesam muito na balança da História. O ceticismo é só uma
outra forma, e não melhor, da desmoralização. Por trás da atitude, hoje em moda, que
consiste em afastar-se ao mesmo tempo da burocracia stanilista e dos seus adversários
revolucionários, esconde-se, na maioria das vezes, um triste estado de prostração diante
das dificuldades e perigos da História. No entanto, os subterfúgios verbais e os
pequenos artifícios de nada servirão. Ninguém obterá sursis ou prêmio de consolação.
Diante da ameaça de um período de guerra e revolução, é preciso dar uma resposta a
todos: aos filósofos, aos poetas, aos artistas, assim como aos simples mortais.

Mergulhei na leitura de uma carta curiosa, publicada em um número de Partisan


Review, escrita por um redator, que não conheço, correspondente dessa revista em
Chicago. Dando sua opinião sobre uma das publicações (em conseqüência, espero-o, de
um mal-entendido), escreve: "Não nutro, no entanto (?) nenhuma esperança -com
relação aos "trotskistas", nem a outros resíduos anêmicos que não têm uma base de
massa". Esses termos arrogantes fazem conhecer o próprio autor mais do que ele
desejaria. Primeiramente mostram que as leis da História só são para ele um livro de
sucesso. Nenhuma idéia progressista partiu de uma "base de massa". É no fim das
contas que uma idéia encontra as massas, se, evidentemente, ela própria responde às
exigências do movimento da História. Todos os grandes movimentos começaram como
"resíduos" de movimentos anteriores. O cristianismo foi primeiramente um "resíduo" do
judaísmo. O protestantismo um resíduo do catolicismo abastardado. O grupo Marx-
Engels constituiu-se como "resíduo" da esquerda hegeliana. A Internacional Comunista
formou-se durante a guerra a partir dos "resíduos" da social-democracia internacional.
Se esses precursores revelaram-se aptos a constituir para si uma base de massa, foi
somente porque não tiveram medo de ficar isolados. Sabiam de antemão que a
qualidade de suas idéias transformar-se-ia em quantidade. Esses "resíduos" não
sofreram de anemia; ao contrário, assimilaram a quintessência dos grandes movimentos
históricos do passado.

De outro modo, assim como o disse, o movimento progressista da arte não teria
realizado muita coisa. Quando o movimento artístico dominante esgota seus recursos
criadores, desprendem-se dele "resíduos" criadores, capazes de ver o mundo com novos
olhos. Quanto mais os iniciadores são audaciosos no seu pensamento e nos seus
procedimentos, tanto mais sua oposição às autoridades estabelecidas, apoiadas no
conservadorismo da "base de massa", é radical e tanto mais os rotineiros, os céticos e os
esnobes têm tendência a ver nos inovadores doidos impotentes ou "resíduos anêmicos".
Mas, finalmente, os rotineiros, os céticos e os esnobes se desonram - a vida os leva de
arrastão.

A burocracia do Termidor, à qual não se pode negar uma intuição quase animal do
perigo e um poderoso instinto de conservação, certamente não será capaz de considerar
os seus adversários revolucionários com o desprezo arrogante que freqüentemente é
acompanhado de leviandade e inconsistência. Nos processos de MOSCOU, Stálin, que
não é adepto dos jogos de azar, joga, com a carta da luta contra o "trotskismo", o destino
da oligarquia do Kremlin e o seu destino pessoal. Como explicar esse fato? A
desvairada campanha internacional contra o "trotskismo", para a qual se procuraria em
vão, na História, um paralelo, seria totalmente inexplicável se os "resíduos" não
tivessem adquirido uma poderosa força vital. Os dias vindouros abrirão os olhos dos
que ainda não vêem hoje.

E de alguma forma, para concluir seu auto-retrato com um traço brilhante, o


correspondente de Chicago de Partisan Review promete - que coragem! - que irá com os
senhores para um futuro campo de concentração fascista ou "comunista". Que
programa! Tremer com a idéia do campo de concentração evidentemente não é bom.
Mas será melhor destinar de antemão, para si mesmo e suas idéias, um refúgio tão
pouco acolhedor? Com o amoralismo próprio dos bolchevistas, estamos prontos a
reconhecer que os gentlemen anêmicos que capitulam antes do combate e sem combate
só merecem efetivamente o campo de concentração.

Seria completamente diferente se o correspondente de Partisan Review tivesse dito


apenas: em literatura e em arte, não queremos a tutela dos "trotskistas", nem a dos
stalinistas. Essa reivindicação é, na sua essência, perfeitamente justa. Pode-se
simplesmente objetar que, dirigi-Ia àqueles que chama de "trotskistas", seria abrir um
caminho já traçado. O fundamento ideológico da luta entre a IV Internacional e a III
consiste em uma profunda contradição na concepção, não só das tarefas do partido, mas
de toda a vida em geral, material e moral, da humanidade. A crise atual da cultura é
antes de tudo a crise da direção revolucionária. O stalinismo é, nessa crise, a principal
força reacionária. Sem uma nova bandeira e um novo programa, é impossível criar uma
base de massa revolucionária; é impossível, portanto, fazer com que a sociedade saia do
impasse. Mas um partido autenticamente revolucionário não pode nem quer ter como
tarefa "dirigir" e ainda menos colocar a arte sob suas ordens, nem antes nem depois da
tomada do poder. Semelhante pretensão só pode surgir na cabeça da burocracia
ignorante e impudente, ébria com seu poder absoluto, e que se tornou a antítese da
revolução proletária. A arte, como a ciência, não só não precisam de ordens, mas não
podem, por sua própria natureza, suportá-las. A criação artística tem suas leis, mesmo
quando está conscientemente a serviço do movimento social. A criação intelectual é
incompatível com a mentira, a falsificação e o oportunismo. A arte pode ser uma grande
aliada da revolução, enquanto permanecer fiel a si mesma. Os poetas, os artistas, os
escultores, os músicos, eles próprios acharão os seus caminhos e métodos, se os
movimentos liberadores das classes e povos oprimidos dispersarem as nuvens do
ceticismo e pessimismo que escurecem neste momento o horizonte da humanidade. A
primeira condição de tal renascimento é fazer cair a tutela sufocante da burocracia do
Kremlin.

Desejo que a Partisan Review ocupe um lugar no exército vitorioso do socialismo e não
em um campo de concentração.

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