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A Partisan Review amavelmente propôs-me dar minha opinião sobre o estado atual da
arte. Não o faço sem hesitação. Desde meu livro Literatura e Revolução (1923), nunca
voltei às questões da criação artística e só pude acompanhar sem continuidade as
manifestações recentes nesse domínio. Longe de mim a pretensão de dar uma resposta
exaustiva. O objeto desta carta é colocar corretamente o problema.
É impossível achar uma saída para esse impasse com os meios próprios à arte. Trata-se
da crise de conjunto da cultura, dos seus fundamentos econômicos até às mais altas
esferas da ideologia. A arte não pode escapar à crise, nem evoluir à parte. Não pode
assegurar por si mesma a sua salvação. Perecerá inevitavelmente, assim como a arte
grega pereceu sob as ruínas da sociedade escravagista, se a sociedade contemporânea
não chegar a reconstruir-se. Essa tarefa reveste-se de um caráter totalmente
revolucionário. Por isso a função da arte, em nossa época, define-se por sua relação com
a revolução.
Mas sob esse aspecto, justamente, a História armou aos artistas uma grandiosa cilada.
Toda uma geração de intelectuais "de esquerda", no decurso dos dez ou quinze últimos
anos, voltou-se para o Leste, e em graus diversos, ligou seu destino, senão ao do
proletariado revolucionário, pelo menos à revolução triunfante. Mas não é a mesma
coisa. Na revolução triunfante, não há somente a revolução, mas também a nova camada
privilegiada que subiu às suas custas. Na realidade, os intelectuais "de esquerda"
mudaram de senhor. Ganharam muito com isso?
Com uma docilidade notável, o que se chama a arte soviética fez desse mito um dos
temas favoritos da representação artística. Sverdlov, Dzerjínski, Ourítski e Boubnov são
representados em cores e em relevo, sentados ou em pé, rodeando Stálin e prestando
muita atenção às suas palavras. O local onde se realiza a reunião tem um caráter
intencionalmente mal definido, a fim de evitar toda questão embaraçosa sobre o seu
endereço. Que se pode esperar de artistas obrigados a pintar a representação grosseira de
uma falsificação histórica evidente para eles mesmos?
Só um país historicamente jovem, não tendo ainda ultrapassado o estágio da luta pela
independência nacional, permitiu que o pincel socialista revolucionário de Rivera
decorasse as paredes dos estabelecimentos públicos do México.
Pior foi nos Estados Unidos, onde as coisas correram mal, chegando finalmente a se
deteriorar. Assim como os monges da Idade Média, por ignorância, apagavam os
pergaminhos, as obras da cultura antiga, para recobri-los em seguida com seu delírio
escolástico, assim também os herdeiros de Rockefeller, agora por malevolência
deliberada, recobriram os afrescos do grande mexicano com suas banalidades
decorativas. Esse novo palimpsesto só serve para imortalizar o destino da arte
humilhada na sociedade burguesa em plena decomposição.
A ditadura totalitária vai ainda por muito tempo abafar, pisotear, encobrir tudo aquilo de
que depende o futuro da humanidade? Índices seguros dizem-nos que não. O
vergonhoso, o lamentável desmoronamento da política covarde e reacionária das frentes
populares na Espanha e na França, de um lado, as farsas judiciárias produzidas por
Moscou, de outro lado, são o sinal de que uma grande transformação se aproxima, não
só no domínio político, mas também no domínio mais vasto da ideologia revolucionária.
Mesmo os "amigos" mal inspirados - não com certeza as numerosas pessoas de grande
inteligência e moral elevada de New Republic e Nation - começam a cansar-se do jugo e
do chute . A arte, a cultura, a política precisam de novas perspectivas. Sem o que, a
humanidade não poderá ir para frente. Porém, nunca mais do que hoje, as perspectivas
foram tão ameaçadoras e catastróficas. Por isso o pânico é atualmente o sentido
dominante dos intelectuais desorientados. Aqueles que opõem ao jugo de Moscou um
ceticismo irresponsável não pesam muito na balança da História. O ceticismo é só uma
outra forma, e não melhor, da desmoralização. Por trás da atitude, hoje em moda, que
consiste em afastar-se ao mesmo tempo da burocracia stanilista e dos seus adversários
revolucionários, esconde-se, na maioria das vezes, um triste estado de prostração diante
das dificuldades e perigos da História. No entanto, os subterfúgios verbais e os
pequenos artifícios de nada servirão. Ninguém obterá sursis ou prêmio de consolação.
Diante da ameaça de um período de guerra e revolução, é preciso dar uma resposta a
todos: aos filósofos, aos poetas, aos artistas, assim como aos simples mortais.
De outro modo, assim como o disse, o movimento progressista da arte não teria
realizado muita coisa. Quando o movimento artístico dominante esgota seus recursos
criadores, desprendem-se dele "resíduos" criadores, capazes de ver o mundo com novos
olhos. Quanto mais os iniciadores são audaciosos no seu pensamento e nos seus
procedimentos, tanto mais sua oposição às autoridades estabelecidas, apoiadas no
conservadorismo da "base de massa", é radical e tanto mais os rotineiros, os céticos e os
esnobes têm tendência a ver nos inovadores doidos impotentes ou "resíduos anêmicos".
Mas, finalmente, os rotineiros, os céticos e os esnobes se desonram - a vida os leva de
arrastão.
A burocracia do Termidor, à qual não se pode negar uma intuição quase animal do
perigo e um poderoso instinto de conservação, certamente não será capaz de considerar
os seus adversários revolucionários com o desprezo arrogante que freqüentemente é
acompanhado de leviandade e inconsistência. Nos processos de MOSCOU, Stálin, que
não é adepto dos jogos de azar, joga, com a carta da luta contra o "trotskismo", o destino
da oligarquia do Kremlin e o seu destino pessoal. Como explicar esse fato? A
desvairada campanha internacional contra o "trotskismo", para a qual se procuraria em
vão, na História, um paralelo, seria totalmente inexplicável se os "resíduos" não
tivessem adquirido uma poderosa força vital. Os dias vindouros abrirão os olhos dos
que ainda não vêem hoje.
Desejo que a Partisan Review ocupe um lugar no exército vitorioso do socialismo e não
em um campo de concentração.