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Copyright © 1936, 1947, 1955 by Sérgio Buarve de Holanda Copyright © 1995 by Espoo de Sérgio Buarque de Holand (Copyright de "0 significado de Raizes do Brazil" © 1967 by Antonio Candido Copyright “Post sriptum” © 1986 by Antonio Candido Copyright de “Raizes do Brasil e depois” © 1985 by Bvaldo Cabral de Mello Capa: Victor Barton she Abgporu, Glo sobre tela de Tarsila do Amaral, 1928, 85x 73 ar, colegio Raul de Souza Dantas Forbes, Sto Paulo Prepares: Marcos Luiz Fermaries Revisic: Ouacitio Nunes inion Carlos Alberto Inada Agradecimentas a Rew! Forbes 1a gentlcessdo dos direias de reprodugto da iustragéo da capa Dado inten Calo na bea or) (Cisne do Lae oh ony, Sep Burpee. 192198 ale ral Sep rye edn, — 26 0. — Sin Py Compt Lo 1905 1. rahi 1 a, lade ecto sie 1. Bea: Caan Cig Hit 8 Frag Todos os direitos desta edi reserados & EDITORA SCHTVARCZ LID. Ruz Bandera Paulista, 702, 32 (04532-002— So Paulo — se ‘elefone: (11) 3707-3500 Fax: (11) 3707-3501 ‘ory: companhiadasletras.com be 4 O SEMEADOR E O LADRILHADOR © A Jundagdo de cidades como instrumento de dominagao * Zelo urbanistico dos castethanos: o triunfo completo da linha rela © Merinka e interior © A rotina contra a razéo abstrata. O espirito do expansdo portuguesa. A nobreza nova do Quinhentos © Orealismo dusitano * Papel da Igreja * Notas ao capitulo 4: 1, Vida intelectual na América espanhola e no Brasil 2. A lingua-geral em Séo Paulo 3. Averstio és virtudes econémicas 4. Natureca ¢ arte Essa primazia acentuada da vida rural concorda bem com o ¢s- 'da dominaao portuguesa, que renunciou a trazer normas im- ‘¢ absolutas, que cedeu todas as vezes em que as convenién- ediatas aconselharam a ceder, que cuidou menos em construir, ar Ou plantar alicerces, do que em feitorizar uma riqueza facil ao alcance da mao, Com efeito, a habitacio em cidades é essencialmente antinatu- » associa-se a manifestagées do espirito ¢ da vontade, na medida Se opdem & natureza. Para muitas nagdes conquistadoras, io de cidades foi o mais decisivo instrumento de domi ‘que conheceram. Max Weber mostra admiravelmente como a wlio de cidades representou, para o Oriente Préximo ¢ particu- ara o mundo helenistico e para a Roma imperial, o meio pecitico de criacdo de drgios locais de poder, acrescentando que fendmeno se encontra na China, onde, ainda durante 0 sé- subjugacdo das tribos miaotse pade ser identificada izaedo de suas terras. E nic foi sem boas razdes que esses }usaram de semelhante recurso, pois a experiéncia tem demons- 'que ele é, entre todos, o mais duradouro ¢ eficiente. As fron- ‘no tempo e no espaco pelas fundagdes des no Império Romano tornaram-se também as fronteiras minios rurais ganhavam tanto mais em importincia, quanto ivres se achassem da influéncia das fundagdes de centros ur- ou seja, quanto mais distassem das fronteiras. ‘io é preciso ir tdo longe na historia e na geografia. Em Proprio continente a colonizagao espanhola caracterizou-se lar- elo que faltou & portuguesa: por uma aplicagao insistente © predominio militar, econdmico e politico da metré- ‘5 terras conquistadas, mediante a criagao de grandes nii- 95 cleos de povoacio estdveis ¢ bem ordenados, Um zelo minucioso ¢ previdente dirigiu @ fundaglo das cidades espanholas na América. Se, no primeiro momento, ficou ampla liberdade ao esforco indivi- dual, a fim de que, por facanhas memoraveis, tratasse de incorporar novas plorias e novas terras & Corea de Castela, logo depois, porém, ‘a mdo forte do Estado fez sentir seu peso, impondo uma diseiplina entre 0s novos e velhos habitadores dos pafses americanos, apari- guando suas rivalidades © dissens6es ¢ canalirando a rude enersia dos colonos para maior proveito da metrépole. Concluida a povos- ‘fo € terminada a construglo dos edificios, “nfo antes” — reco- endam-no expressamente as Ordenanzas de descubrimiento nuevo ‘y poblacién, de 1563 —, € que governadores e povoadores, com muita diligdncia e sagrada dedicacdo, devem tratar de trazer, pacificamen- te, ao grémio da Santa Igreja e & obedincia das autoridades civis, todos os naturais da terra ‘6.4 primeira vista, 0 proprio tragado dos centros urbanos na ‘América espanhola denuncia o esforgo determinado de veneer e re- ‘ificar a fantasia eaprichosa da paisagem agreste: € um ato definido dda vontade humana, Asruas ndo se deixam modelar pela sinuosida- dee pelas asperezas do solo; imptem-lhes antes 0 acento voluntério da linha reta. © plano regular no nasce, aqui, nem ao menos de ‘uma idéia religiosa, como a que inspirou a construgdo das cidades Go Lécio e mais tarde a das coldrias romanas, de acordo com o rito etrusco; foi simplesmente um triunfo da aspirago de ordenar ¢ do- ‘miner 0 mundo conquistado. © traco retilineo, em que se exprime 8 direcdo da vontade a um fim previsto e eleito, manifesta bem essa deliberagdo, E nfo é por acaso que ele impera decididamente em to- ddas essas cidades espanholas, as primeiras cidades “‘abstratas” que edificaram europeus em nosso continente. ‘Uma legislagdo abundante previne de anteméo, entre os descen- dentes dos conguistadores castelnanos, qualquer fantasia e capricho za edifieagao dos nicleos urbanos. Os dispositivos das Leis das n- dias, que devem reger 2 fundagdo das cidades na América, exibern aguele mesmo senso burocritico das mimicias, que orientava os ca- shistas do tempo, ocupados em enumerar, defini e apreciar 0s com- plicados casos de consciéneia, pare edificagdo e governo dos padres confessores. Na procura do luger que se fosse povoar cumpria, an- tes de tudo, verificar com cuidado as regides mais saudaveis, pela abundancia de homens velhos e mocos, de boa compleigao, disposi- 96 40 € cor, e sem enfermidades; de animais sios e de competenteta- ano, de ats mantimenossados onde nko houvese cosas ‘pevonhentas e nocivas; de boa e fai é Beronheas noid ou ee conta o ty lar be Se fosse na marinha, era preciso ter em consideragao o abri pen ee rose eect que 0 mar ndo batesse da parte do sul ou do poente. Para as de terra dentro, nao se excolhessem lugares demasiado al. nem muito bai osumam ser enfermigos, mas sim os ques chasm aaa - descobertos para os ventos de norte sl. Se houvesse serras fosse pela banda do levante e poente. Caso recaisse a escolha localidade & beira de um ro, ficasse ela de modo que, ao sai ® sol, desse primeiro na povoagdo e s6 depois nas 4guas. _ A construgio da cidade comesaria sempre pela chamada praga jor. Quando em costa de mar, ess pragaficaria no lugar de desem- arque do porto; quando em zona mediterranea, ao centro da po. ‘A forma da praca seria a de un quadrilétero, cujalargura respondesse pelo menos a dois tergos do comprimento, de modo ue, em dias de festa, nelas pudessem corre cavalos. Em tamanho, proporcional ao numero de vizinhos e, tendo-se em conta que povoacdes podem aumenta,ndomedisia menos de dusentoe res de argura por trezentos de comprimento, nem mais de itoventos pés seomprido por 532 de largo: a mediana e boa proporgio seria a de ntos pés de comprido por quatrocentos de largo. A pragaservia hase para otracado das ruas: as quatro principas suiiam do centro al face da praga. De cada dngalo sarin mais dus, havendo euidado de que os quatro Angulos olhassem para os quatro v shares os, sans deveram er large nis noe ars mies No ena onde houvescavaos,omelor seria qu fos ‘Assim, 2 povoacéo nartia nitidamente de um centro; a praca OF representa aqui o mesmo papd do cardo e do decumanus nas Fomanas — as duas linhas tradas pelo Uteus do fundador, a sul e de leste a oeste, que serviam como referencia para futuro da rede urbana, Mas, ao passo que nestas 0 agrup, 0 Ordenado pretende apenas reproduzir na terra a propria or. fesmica, no plano das eidades hispano-americanas,o que sex. #2 idéia de que o homem pode intervir arbitrariamente, ¢ com oF sucesso, no curso das coisas ¢ de que a hist6ria nfo somente ““aconte- ce”, mas também pode ser dirigida e até fabricada.’ E esse pensa- ‘mento que alcanga a sua melhor expresso e 0 seu apogeu na organi- zacdo dos jesuitas em suas redurdes. Estes ndo s6 o introduziram nna cultura material das misses guaranis, “*fabricando” cidades geo- ‘métricas, de pedira lavrada e adobe, numa regido rica em lenho ¢ pau pérrima em pedreiras, como o estenderam até as instituigdes. Tudo ‘estava to regulado, refere um depoimento, que, nas redugdes situa- ‘das em territério hoje boliviano, ‘‘conjuges Indiani media nocte so- rno tintinabuli ad exercendum coitum excitarentur’.* ‘Na América portuguesa, entretanto, a obra dos jesuitas foi uma ‘ara e milagrosa excepo. Ao lado do prodigio verdadeiraimente mons- ‘truoso de vontade e de inteligncia que constituiu essa obra, ¢ do {que também aspirou a ser a colonizagdo espanhola, o empreendimen- to de Portugal parece timido e mal aparelhado para vencer. Compara- do ao dos castelhanos em suas conquistas, o esforgo dos portugueses distingue-se principalmente pela predominancia de seu carater de ex- ploragdo comercial, repetindo assim o exemplo da colonizagéo na ‘Antiglidade, sobretudo da fenicia e da grega; 0s castelhanos, a0 con- trério, querem fazer do pais ocapado um prolongamento orginico do seu. Se niio é t8o verdadeiro dizer-se que Castela seguiu até a0 fim semelhante rota, o indiscutive! que ao menos a intengdo ¢ a diregdo inicial foram essas. O aff de fazer das novas terras mais do ‘que simples feitorias comercias levou os castelhanos, algumas vezes, ‘a.comecar pela cipula a construpao do edificio colonial. J4 em 1538, cria-se a Universidade de Sao Domingos. A de Sao Marcos, em Li- ‘ma, com 0s privilégios, isenedes e limitacdes da de Salamanca, é fun- dada por eédule real de 1551, vinte anos apenas depois de iniciada ‘a conquista do Peru por Francisco Pizarro. Também de 1551 € a da Cidade do México, que em 1553 inaugura seus cursos. Outros i tutos de ensino superior nascem ainda no século XVI € nos dois se- ‘auintes, de modo que, ao encerrar-se 0 periodo colonial, tinham si- do instaladas tas diversas possesses de Castela nada menos de 23 universidades, seis das quais de primeira categoria (sem incluir as do México e Lima). Por esses estabelecimentos passaram, ainda du- rante a dominagdo espanhola, dezenas de milhares de filhos da Amé- rica que puderam, assim, completar seus estudos sem precisar trans- por 0 oceano,’ Esse exemplo no oferece sendo uma das faces da colonizasio cespanhola, mas que serve bem para ilustrar a vontade criadora que 98 4 anima. Nao se quer dizer que essa vontade criadora distinguisse sempre 0 esforeo castelhano © que nele as boas inteng6es tenham Ariunfado persistentemente sobre todos os esforgos e prevalecido so- bre a inércia dos homens. Mas éindscutivelmente por isso que seu trabalho se distingue do trabalho portugués no Brasil. Dir-seia que, Aqui, a coldnia ¢ simples lugar de pessagem, para o governo como al os sios. Ey ais, a impresse qu levard Koster, én sé de nossa terra. Os castelhanos, por sua ve : io Novo Mundo a lua secular conta os nis, a coleidenci de ter chegado Colombo a América justamente no ano em que cia, Peninsula, oiltimo baluarte sarraceno parece providencialmente cal- eulada para indicar que nfo deveria eistir descontinuidade entre um esforco e outro, Na colonizagéo americana reproduziram eles natu- Talmente, e apenas apurados pela experiéncia, 0s mesmos processox Ja empregados na colonizagao de suas terras da metr6pole, depois de expulsos 0s discipulos de Mafoma, E acresce o fato signticativo dde que, nas regides de nosso continente que Ihes couberam, o clima fifo oferecia, em geral, grandes incdmodos. Parte consideravel des- ‘a8 regiesestava situada fora da zona tropical e pare a grandes al- “itudes. Mesmo na cidade de Quito ‘sto é, em plena linha equino- ‘ial, o imigrante andaluz vai encontrar uma temperatura sempre igual que no excede em rigor & de sua terra de orien. * ; srandes centros de povoasio que edi : {Ho Novo Mundo esi siuaospecamente nee gare onde 2 altitude permite aos europeus, mesmo na zona térida, desfrutar um “clima semethante ao que thes & habitual em seu pais. Ao contrério "da colonizacio portuguesa, que foi antes de tudo litordnea e tropical, “4 castethana parece fugir deliberadamente da marinha, preferindo terras do interior e os planaltos. Existem, alids, nas ordenancas descobrimento e povoasdo, recomendagtesexpliias nessesen- Nao se escolham, diz o lesislador, sitios para povoacao em lu. maritimos, devido ao perigo que ha neles de corsérios ¢ por serem tio sadios, ¢ porque a gente desses lugares ado se aplica lavrar ¢ em cultivar a terra, nem se formam t8o bem os costu- 5. $6 em caso de haver bons portes é que se poderiam instalar novas ao longo da orla maritima e ainda assim apenas due fossem verdadeiramenteindispensdvels para que se fa. a entrada, o comércio e a defesa da terra 99 Os portugueses, esses criavam todas as dificuldades as entradas terra adentro, receosos de que com isso se despovoasse a marinha. No regimento do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sou- sa, estipula-se, expressamente, que pela terra firme adentro ndo va tratar pessoa alguma sem licenga especial do governador ou do provedor-mor da fazenda real, acrescentando-se ainda que tal licen- ‘ga ndo se dara, seno a pessoa que possa ir “a bom recado e que de sua ida e tratos se no seguird prejuizo algum, nem isso mesmo irdo de huas capitanias para outias por terra sem licenga dos ditos capitdes ou provedores posto que seja por terras que estim de paz para evitar alguns enconvenientes que se disso seguem sob pena de ser agoutado sendo pido e sendo de moor calidade pagard vinte cru- zados a metade para os cautivos ¢ a outra metade para quem o accu- sar”? ‘Outra medida que parece destinada a conter a povoagio no li- toral a que estipulam as cartas de doacdo das capitanias, segundo as quais poderio os donatarios edificar junto do mar e dos rios na- vegdveis quantas vilas quiserem, “por que por dentro da terra fyrme pelo sertam as nam poderam fazer menos espaco de seys legoas de hhua a outra pera que se posam ficar a0 menos tres legoas de terra de termo a cada hua das ditas villas ¢ ao tempo que se fizerem as tais villas ou cada hua dellas the lymetaram ¢ asynaram logo termo pera ellas e depois nam poderam da terra que asy tiverem dado por termo fazer mays outra villa”, sem licenga prévia de Sua Majestade.* Em Sao Vicente, a noticia de derrogacéo, em 1554, pela esposa do donatario, dona Ana Pimentel, da proibigao feita pelo seu mari- do aos moradores do litoral, de irem tratar nos campos de Pirati- rninga, provocou tal perplexidade entre os camaristas, que estes exi- sgiram Ihes fosse exibido o alvari em que figurava a nova resolugo. ‘Tao impradente deve ter parecido a medida, que ainda durante os ‘timos anos do século Xvitt era ela acerbamente eriticada, ¢ homens como frei Gaspar da Madre de Deus ou 0 ouvidor Cleto chegaram a lamentar o prejuizo que, por semelhante revogaeao, vieram a s0- frer as terras litordineas da capitania. ‘Com a criago na Borda de Campo da vila de Santo André € depois com a fundagio de So Paulo, decaiu S4o Vicente e mesmo Santos fez menores progressos do que seria de esperar a principio, assim como continuaram sem morador algum as terras de beira-mar 100 ficam ao norte da Bertioga ¢ ao sul de Itanhaém; ndo trabalha ‘mais os engenhos da costa e, por falta de generos que se trans- assem, cessou a navegacdo da capitania tanto para Angola co- ara Portugal. A providéncia de Martim Afonso parecia a frei Gaspar, mesmo ‘que 0s paulistas, gragas & sua energia e ambicdo, tinham cor- © por conta propria o tracado de Tordesilhas, estendendo a co- sertdo adentro, como a mais ajustada ao bem comum do Rei ye a mais propicia a0 desenvolvimento da capitania. O primeiro io penetrara melhor do que muitos dos futuros governado- Os verdadeiros interesses do Estado: seu fim fora no somente tar as guerras, mas também formentar a povoacdo da costa; que da livre entrada dos brancos nas aldeias dos indios seguir- n contendas sem fim, alterando a paz tio necesséria ao desen- mento da terra; ndo ignorava que d. Jodo 111 tinha mandado dar coldnias em pais tdo remoto com o intuito de retirar provei- fo Estado, mediante a exportacdo de generos de procedén- brasileira: sabia que os géneros produzidos junto ao mar podiam zir-se facilmente & Europa e que os do sertdo, pelo contrério, oravam a chegar aos portos onde fossem embarcados e, se che- em, seria com tais despesas, que a0s lavradores “nao faria con- -los pelo prego por que se vendessem os da marinha” Assim dizia frei Gaspar da Madre de Deus ha século e meio, E eentava: “Estes foram os motivosde antepor a povoagao da costa sertdo; ¢ porque também previu que nunca, ou muito tarde, se Via de povoar bem amarinha, repartindo-se os colonos, dificultou trada do campo, reservando-a para tempo futuro, quando esti- ccheia e bem cultivada a terra mais vizinha aos portos”.? _Aiinfluéncia dessa colonizacao litordnea, que praticavam, de pre- ncia, os portugueses, ainda persiste até a0s nossos dias. Quando se fala em “interior”, pensa-se, como no século XVI, em regio te povoada e apenas atingida pela cultura urbana. A obra iras paulistas nao pode ser bem compreendida em toda a so, Se a ndo destacarmos um pouco do esforco portugues, 0 um empreendimento que encortra em si mesmo sua explica- -embora ainda no ouse desfazer-se de seus vinculos com a me- ‘europtia, e que, desafiando tcdas as leis e todos 0s perigos, ar a0 Brasil sua atual silhueta geogréfica. Nao é mero acaso faz com que © primeito gesto de autonomia ocorrido na col6- 01 nia, a aclamagao de Amador Bueno, se verificasse justamente em ‘Sao Paulo, terra de pouco contaio com Portugal e de muita mes ‘gagem com forasteiros ¢ indigenas, onde ainda no século XVill as criangas iam aprender 0 portugués nos colégios como as de hoje aprendem o latim.'? ‘No planalto de Piratininga nasce em verdade um momento no- vo de nossa histéria nacional. Ali, pela primeira vez, a inércia difu- sa da populayao colonial adguire forma prépria e encontra vor arti- cculada. A expans&o dos pioneers paulistas nao tinha suas raizes do ‘outro lado do oceano, podia dispensar o estimulo da metrépole € fazia-se freqiientemente contra a vontade e contra os interesses ime- diatos desta. Mas ainda esses audaciosos cacadores de indios, fare- jadores ¢ exploradores de riqueza, foram, antes do mais, puros aven- tureiros — s6 quando as circunstancias 0 forcavam é que se faziam colonos. Acabadas as expediedes, quando ndo acabavam mal, tor- navam eles geralmente a sua vila © aos seus sitios da roca. E assim, antes do descobrimento das minas, nao realizaram obra coloniza- dora, salvo esporadicamente, No terceiro século do dominio portugués é que temos um aflu: xo maior de emigrantes para além da faixa litordnea, com 0 desco- ‘brimento do ouro das Gerais, ouro que, no dizer de um cronista do tempo, ‘passa em p6 e em moeda para os reinos estranhos; ¢ a me- nor parte he a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil, salvo ‘o que se gasta em corddes, arrecadas e outros brincos, dos quaes se ‘vem hoje carregadas as mulatas de m4o viver, muito mais que as se- nhoras”.!1 E mesmo essa emigragdo faz-se largamente a despeito de {ferozes obstrugdes artificialmente instituidas pelo governo; os estran- ‘geiros, entdo, estavam decididamente excluidos delas (apenas eram tolerados — mal tolerados — os siiditos de nagdes amigas: ingleses ‘¢holandeses), bem assim como os monges, considerados dos piores contraventores das determinagdes régias, os padres sem emprego, 0s negociantes, estalajadeiros, Ludos 0s individuos, enfim, que pudessem do ir exclusivamente a servigo da insacidvel avidez da metr6pole. Em 1720 pretendeu-se mesmo fazer uso de um derradeiro recurso, (0 da proibicdo de passagens para o Brasil, S6 as pessoas investidas de cargo pliblico poderiam embarcar com destino coldnia. Nao ‘acompanhariam esses funcionérios mais do que 0s criados indispen- séveis. Dentre 0s eclesidsticos podiam vir os bispos e missiondrios, ‘bem como os religiosos que ja tivessem professado no Brasil ¢ preci- 402 m regressar aos seus conventos. Finalmente seria dada li prionalmente a partculares que conseuisem jusifier a ale, 0 de terem negocios importantes, e comprometendo-se a voltar tro de prazo certo. Entdo, s6 enti, é que Portugal delibera intervir mais enersi- nte nos negécios de sua possesso ultramarina, mas para usar energia puramente repressiva, policial, e menos dirigida @ i tlguma coisa de permanente do que a absorver tudo quanto i fosse de imediato proveito. Eo que se verifica em particular na nada Demarcacdo Diamantina, espécie de Estado dentro do Es- ‘com seus limites rigidamentedefinidos, e que ninguém pode por sem licenca expressa das autoridades. Os moradores, rea Por leis especiais, formavam como uma s6 familia, governada poticamente pelo intendente-geral. ‘Unica na historia”, obser- rus, en ia de esol um tersitro, onde todas as con- Bes civs ficavam sut es ve eavam suborinaas&eporato de um bem exas AA pattir de 1771, 08 moradores do distrito ficaram suj srt Gscalizaco. Quem ni pudese exe prov de ident de ¢idoneidade julgadas satisfatrias devia abandonar imediata- ente a regido. Se regressasse, ficava sujito & multa de cinglenta eis anos de degredo em Angola. E ninguém poderia, por sua vez, residir no distrito, sem ans justficar minuciosamente tal pretensdo. Mesmo nas terras préximas & demarcacdo, $6 se estabe- ‘quem tivesse obtido consentimento prévio do intendente. “A ons ‘geral, que se conservava sempre aberta’’, diz um historia- “era como uma teia imensa, infernal, sustentada pelas delagdes ‘vezes faziam a caltinia, a ving ic in rescence das minas, sobretudo das minas de diamantes, foi, pois, 0 que erminou finalmente Portugal a por um pouco mais de ordem em rcoldnia, ordem mantida com artificio pela tirania dos que se in- Seoseenconenascnnmcea mene Ihe desfrutarem, sem maior trabalho, os beneficios. Nao fosse também essa circunstéincia, veriamos, sem duivida, pre- cer até ao fim o recurso facil colonizagao litoranea, gragas & tais beneficios ficariam relativamente acessiveis. Nada se ima- 103 gina mais dificilmente, em um capitiio portugués, do que um gesto como 0 que se atribui a Cortez, de ter mandado desarmar as naus {que o conduziram & Nova Espanha, para aproveitar 0 lenho nas cons- trugdes de terra firme. Nada, no entanto, mais legitimamente caste- Ihano de que esse ato verdadeiramente simbdlico do novo sistema de colonizagao, que se ia inaugurar. Pizarro repetiria mais tarde a faganha quando, em 1535, assediado por um exército de $0 mil in- dios no Peru, ordenou que os navios se afastassem do porto, # fim de retirar aos seus homens toda veleidade ou tentagao de fuga, en- quanto prosseguia triunfante a conquista do grande império de Tta- huantinsuyu Para esses honiens, o mar certamente nao existia, salvo como “obsticulo a vencer. Nem existiam as terras do litoral, a no ser co- ‘mo acesso para o interior e para as tierras templadas ou frias.'* No territério da América Central, 0s centros mais progressivos ¢ mais densamente povoados situam-se perto do oceano, é certo, mas do oceano Pacifico, ndo do Atlantic, estrada natural da conquista € do comércio. Atraidos pela maior amenidade do clima nos altipla- nos das proximidades da costa ocidental, foi neles que fizeram os castelhanos seus primeiros estabelecimentos. E ainda em nossos dias motivo de surpresa para historiadores e gedgrafos 0 fato de os des- ‘cendentes de antigos colonos ndo terem realizado nenhuma tentati- va séria para ocupar o litoral do mar das Antilhas entre o Yucatan © Panama. Embora esse litoral ficasse quase a vista das possessdes insulates da Coroa espankola, eembora seu povoamento devesse en- ccurtar apreciavelmente a distancia entre a mée-patria e os estabele- ccimentos da costa do Pacifico, preferiram eles abandoné-lo aos mos- ‘quitos, 20s indios bravos ¢ aos entrelopos ingleses. Em mais de um pono, os maiores micleos de populacdo centro-americanos acham- se até hoje isolados da costa oriental por uma barreira de florestas vvirgens quase impenetrave ‘A facilidade das comunicagdes por via maritima e, & falta des- ta, por via fluvial, to menosprezada pelos castelhanos, constituiu pode-se dizer que o fundamento do esforco colonizador de Portu- ‘gal, Os regimentos e forais concedidos pela Coroa portuguesa, quar- do sucedia tratarem de regides fora da beira-mar, insistiam sempre em que se povoassem somente as partes que ficavam & margem das grandes correntes navegiveis, como o rio Sao Francisco. A legisla- (do espanhola, a0 contrério, mal se refere & navegacao fluvial como 108 comunicacdo; o transporte dos homens ¢ mantimentos po- feito por terra. 0 Brasil, a exploragdo litordnea praticada pelos portugueses mais uma facilidade no fato de se achar a costa habitada tinica familia de indigenas, que de norte a sul falava um mes- E esse idioma, prontamente aprendido, domesticado € tado em alguns lugares, pelos jesuitas, as leis da sintaxe class hha de servir para o intercurso com os demais povos do pais, smo 0s de casta diversa. Tudo faz crer que, em sua expansdo ao 9 do litoral, os portugueses tivessem sido sempre antecedidos, uco tempo, das extensas migragdes de povos tupis e 0 fato é , durante todo o periodo colonial, descansaram eles na area pre- ente circunscrita por essas migracdes. 0 estabelecimento dos tupis-guaranis pelo litoral parecia. ter rido em data relativamente recente, quando aportaram as nos- ‘0s primeiros portugueses. Um americanista moderno fixa fato como se tendo verificado, provavelmente, a partir do sécu- . B, com efeito, a0 tempo de Gabriel Soares, isto €, aos fins século XVI, ainda era téo viva na Bahia a lembranga da expulsio Povos nio tupis para o sertdo, que o cronista nos pode transmitir 0s nomes das nagdes “tapuias” das terras conquistadas depois tupinaés e tupinambés. Ainda depois de iniciada a coloniza- 9 portuguesa, vamos assistir a uma nova extensio dos tupis, esta igando o Maranhio e as margens do Amazonas. O capuchinho Slaude d’ Abbeville, que viveu no Maranhao em 1612, chegou a co- eer pessoalmente algumas testemunhas da primeira migragdo tu- ibd para aquelas regides. Métraux acredita, fundado em pode- ‘motivos, que essa migracdo se teria produzido entre os anos 1560 ¢ 1580.'6 A opinido de que a conquista da ola litoranea pelas tribos tu- se verificou pouco tempo antes da chegada dos portugueses pa- ainda confirmada pela perfeita identidade na cultura de todos is habitantes da costa, pois estes, conforme disse Gandavo, “ainda ¢ esicjam divisos e haja entre eles diversos nomes de nagdes, 10- via na semelhanga, condigdo, costumes eritos gentilicas todos sam ‘Confundindo-se com o gentio principal da costa, cujas terras 105 os “tapuias’, continuaram largamente ignorados durante todo pe- ‘iodo colonial e sobre eles corriam as lendas e versdes mais fantasticas. F é significativo que a colonizao portuguesa ndo se tenha firmado ‘ou prosperado muito fora das regiées antes povoadas pelos indigenas ida lingua-geral. Estes, dir-se-ia que apenas prepararam terreno para a conquista Iusitana. Onde a expansio dos tupis sofria um hiato, interrompia-se também a colonizacao branca, salvo em casos excep- cionais, como o dos goiands de Piratininga, que ao tempo de Jodo ‘Ramalho jé estariam a caminho de ser absorvides pelos tupiniquins, ‘ou entdo como 0 dos cariris do sertdo ao norte do Séo Francisco. ‘0 litoral do Espitito Santo, o '‘vildo farto’” de Vasco Fernan- des Coutinho, assim como a zone sul-baiana, as antigas capitanias de IIhéus ¢ Porto Seguro, permaneceram quase esquecidos dos portu- rueses, 6 porque, justamente nessis regides, logo se abriram grandes Slaros na dispersio dos tupis, desalojados pelos primeiros habitantes do lugar. Handelmann chegou a dizer, em sua Histdria do Brasil, que, excetuado 0 alto Amazonas, era essa a zona mais escassamente povoada de todo o Império, ¢ espantava-se de que, apés trezentos ‘anos de colonizagio, ainda houvesse uma tegido tao selvagem, to pobremente cultivada, entre a aia de Todos os Santos ¢a bata do Rio de Janeiro. No Espirito Santo, para manterem 0s raros centros povoados, promoveram os portugueses migragdes artificiais de in- Gigs da costa que 0s defendessem contra as razias dos outros gen- tios. E's6 no século XIX, gragas 20 zelo beneditino de Gitido Tomés Marliére, foi iniciada a eatequese dos que se presume serem os ulti- ‘mos descendentes dos ferozes aimorés das margens do rio Doce, em ‘outros tempos, 0 ‘lagelo dos eclonos. ‘Assim, acampando nos lugares antes habitados dos indigenas que falavam 0 abanheenga, mal tinham os portugueses outra not! da do gentio do sertéo, dos que falavam “outra lingua’, como se exprime a respeito deles o padre Cardim, além do que thes referia a gente costeira. Como j4 fot dito, nao importava muito aos coloni- adores povoar ¢ conhecer mais do que as terras da marinha, por ‘onde a comunicagdo com o Reino fosse mais facil. Assim, o fato “de acharem essas terras habitadas de uma sé raca de homens, falan- ido a mesma Kngua, no podia deixar de representar para eles inest- smivel vantage. "A fisionomia mercantil, quase semita, dessa colonizagao exprly me-se tdo sensivelmente no sistema de povoacdo litordinea ao alcance 106 ester ‘embarque, quanto no fendmeno, j4 aqui abordado, Sas ct ‘entre o esplendor rural e a miséria urbana. Justa a foe manifestagdes so de particular significacao pela . on m sobre as fases ulteriores de nosso desenvolvimento. re Manuel da Nébrega, em carta de 1552, excl e jf) de quanios i vieram, nenhum tem amor a eaters ft ue O$ querem fazer em seu proveito, ainda que seja a custa da terra, esperam de se ir’®, Em outra carta, do mesmo ano, repisa nto, queixando-s dos que preferem vr sair do Brasil muitos yaar le ouro do que muitas almas para 0 Céu. E acres. uerem bem a terra, pois tém sua afeicdo em Portugal; mm trabalham tanto para a favorecet, como por se aproveitarem ee @ due puderem: isto ¢ geal, posto que entre eles moe Suns fora desta reara’. E frel Vicente do Salvador, es- ores Seuinte, ainda poderéqueixar-se de rem vv Sarkedet ‘arranhando as costas como carangue- cart ue 0s povoadores, por mais araigados que dter- a tudo pretendam levar a Portugal, e “se as peter cus poten souberam falar, também Ihes houve- ‘como papagaios, aos quais a primeira cousa -ensinam i € papagaio real para Portugal, porque tudo querem no em seus melhores momentas, a obra realizada no Brasil cali ‘cardter mais ecentuado de feitorizagéo ‘do os ah — que aqui se fizessem grandes obras, me luzissem imediatos benefici¢ e alors depen ou rouse empresa fa \e- O preceito mercantilista, adotado alids poténcias até eo século XIX, segundo o qual metr6pol ene hao es ajustava-se bem a esse ponto de vis- mora rigorosamenteproibida, nis possesses ultramarinas, uo de artigos que pudessem con ptr com os do Reno. Em XVI, como da capitania de Sao Pedro do Rio Gran. ig & xportaeio de trigo para outras partes do Brasil, a Ned as nt Sumarameate 0 ealtva desi ce ee = 85, que mandava extinguir — le Ouro, prata, seda, algodao, linho e lf por- saa cs em territorio brasileiro, alegava-se que, tendo os (dni, por meio da lavoura e da cultura, tudo quanto 107 thes era necessitio, se a isso ajuntassem as vantagens da indiistria das artes para vestuario, ‘ficario os ditos habitantes totalmente independentes da sua capital dominante”’. ‘Com tudo isso, a administra portuguesa parece, em alguns pontos, relativamente mais liberal do que a das possessdes espanho- las, Assim & que, ao contrério do que sucedia nessas, foi admitida aqui a livre entrada de estrangeiros que se dispusessem a vir traba- thar. Intimeros foram os espanhois, italianos, flamengoy, ingleses, irlandeses, alemies que para c4 vieram, aproveitando-se dessa tole- rdncia, Aos estrangeiros era permitido, além disso, percorrerem as costas brasileiras na qualidade de mercadores, desde que se obrigas- sem a pagar 10% do valor das svas mercadorias, como imposto de importagdo, e desde que no traficassem com os indigenas. Essa situa- ‘cdo prevaleceu ao menos durante os primeiros tempos da col6nia. $6 mudou em 1600, durante o dominio espanhol, quando Filipe tt ordenou fossem terminantemente excluidos todos os estrangeiros do Brasil. Proibiu-se entdo seu emprego como administradores de pro- priedades agricolas, determinou-se fosse realizado 0 recenseamento de seu nimero, domicilio ¢ cabedais, ¢ em certos lugares — como ‘em Pernambuco — deu-se-Ihes ordem de embarque para os seus pal- ses de origem. Vintee sete anos mais tarde renova-se essa proibicao, {que $6 depois da Restaurago seria parcialmente revogada, em fa- vor de ingleses ¢ holandeses. Na realidade o exclusivisme dos castelhanos, em contraste com a relativa liberalidade dos portugueses, constitui parte obrigatoria, inaliendvel de seu sistema, Compreende-se que, para a legislagdo cas- telhana, deva ter parecido indesejavel, como prejudicial & boa disc plina dos siditos, 0 trato ¢ convivio de estrangeiros em terras de to recente conquista e de dominio tao mal assente. Essa liberalidade dos portugueses pode parecer, em comparacdo, uma atitude negati- ‘va, mal definida, e que proviri, em parte, de sua moral interessa- ‘da, moral de negociantes, embora de negociantes ainda sujeitos, por ‘muitos ¢ poderosos lacos, a tradiggo medieval. Pouco importa aos n0ss0s eolonizadores que seja frouxa e inse- ‘aura a disciplina fora daquilo em que os freios podem melhor aprovei- tar, eimediatamente, aos seus interesses terrenos. Para isso também contribuicia uma averso congéaita a qualquer ordenacdo impessoal 108 da existéncia, aversdo que, ¢ entre Fete na capri gue entre os portuguese, do encontrava cor- minio, sujeita aos meios relativamente ¢s- nem em qualquer tendéncia ‘¢assos de que dispunham como nasdo, er 2, palectoacto para subordinar esta vida a normas regula- macs ees de tais circanstancias, Na propria Bahia, 0 cor enacts eens Ben Tao scp grameme cine noe eh Vice-Reis, parecia estar s6 por acaso s eee hee Primeiro século da colonizagao, em Sao Vi a ea ps - casas em tal desalinho, que o primeiro re ere eee S€ queixava de no poder murar as duas pPols retaria grandes trabalhos e muito dano aos mo- laces, comparadas as da Amé- vezes as ruas ou habitacdes é, Eve % oe no deixava de manifestar- geri renbpenbchere | om ilies Seria ilusdrio, contudo, ‘supor que Sine tote re cae oes ee Descent, que o Renascimento instaurou, ayictneose ae Fe ee Seja como for, 0 tragado ‘geométrico ja- oS alcangar, entre nds, a importdncia que veio a ter em ae ‘oroa de Castela: nao raro 0 desenvol imento ulterior dos tros ‘urbanos repeliu aqui esse esquema inicial Para obed im ‘Sugestdes topograficas. abr Totina e ndo a razdo abstrata foi 0 Principio que norteou os eee rich em tantas Outras expresses de sua atividade Se eer es ilo até ao fim. Raros os estabelecimentos fundados a peacenetnce eee m colonial é persistente bes testemunho dessa atitude tateante 109 Asi, oadmirvel observer qu fo Vien pia amenta- se, em comeyo do séulo pasado, de que, ao edifiarem a cidade do Salvador, tivessem os portguess esclhido uma colina esarpa da “chia detantas quebrs adel, quando al pouca distin sia, tinham um sit “talver dos mores que aja no mundo pra fundar uma cidade mais fort, armas delicos clive di Imodos a gue ext suet esta no stio em que seach"? ‘cide ue os portugues consriram na América no nro duo mental, lo chega a sonvaato quaro da naturera, sia sllita se elag nln da pasagm. Nenhur rig, nehum me todo, nenbama preidecis, sempre ese sinifieatvoabandono gue expe a pasa dessin” — plea qu o err Aubrey Ball i e portuguesa como Je” que, coe ra menos Tala de energia do que uma intima con- viedo de que “nao vale a pena...”.?> Pode-se acrescentar que tal convicedo, longe de exprimir oe pogo ou desprezo por esta vida, se prende antes a um ee as damental, que renuncia a transfigurar srealonde ox perce, sinagdesdelirantes ou cédigos de posture reras formas Hs casos onde estas regras jd st tenkam estereoipado em convenes edispensem, assim, qualquer esforco ou artificio). Ges ei da, em suma, como a vida ¢, sem cerimOnias, sem ilusdes, pacigncias, sem malicia e, muitas vezes, sem alegria. ve "A esse chao € t0seo realism cabe talvez atribuir a pouca s ao que, ainda em nossos dias, exereem sobre 0 gosto um tanto ro- a nsco de alguns historiadores muitas faganhas memoraveis dos saa egueses na era dos Gescobrimentos. Comparada ao delirantear- aor am Colombo, por exemplo, néo ha diivida que mesmo a Sora do grande Vasco da Gama apresenta, como fundo de tela, um bom senso atento a mimudencias © wm raxdo catsloss © ane Sua jornada fez-se quase toda por mares ja conheci enn borage em grande cto, disse Sophus Ruse — com destino 3 2 aheido,«, quando foi neoesdri eran indico, pode dispor aoe sho dos poruuess no mondo represeniu sobretido obra de prudénca, de juan dsceto, de entendimento “que expe- riBncias fazem repousado”. E parece certo que assim foi desde o pri i10 ‘meiro ato, apesar de todas as galas poéticas em que se tem procura- do envolver, por exemplo, a conquista de Ceuta.» Uma coragem ‘sem diivida obstinada, mas raramente descomedida, constitui trago ‘comum de todos os grandes marinheiros lusitanos, excegdo feita de Magalhaes. ‘A grandeza herdica de seus cometimentos e a importancia uni- ‘versal e duradoura do alto pensamento que os presidia ¢ claro que foram vivamente sentidas, e desde cedo, pelos portugueses. A id ‘de que superavam mesmo as lendérias faganhas de gregos ¢ roma- ‘nos impde-se como verdadeiro lugar-comum de toda a sua literatu- ‘ra quinhentista. Mas ¢ significativo, ao mesmo tempo, que essa exal- ‘agdo literdria caminhe em escala ascendente na medida em que se ‘vai tornando tangivel o descrédito e o declinio do poderio portugues. E uma espécie de engrandecimento retrocessivo e de intengao quase pedagésica, o que vamos encontrar, por exemplo, nas paginas do hhistoriador Joao de Barros. E a “‘firia grande e sonorosa”” de Luis ‘de Camdes s6 ha de ser bem compreendida se, ao lado dos Lusia- ‘das, \ermos 0 Soldado pratico, de Diogo do Couto, que fornece, se ‘ndo um quadro perfeitamente fiel, ao menos 0 reverso necessario daquela grandiosa idealizagao poética. De nenhuma das maiores empresas ultramarinas dos portugue- _ Ses parece licito dizer, alids, que foi verdadeiramente popular no rei- ‘no. © proprio descobrimento do caminho da India, é notério que 0 ‘decidiu el-rei contra vontade expressa dos seus conselheiros. A estes ‘Parecia imprudente largar-se o certo pelo vago ou problematico. E ‘9 certo, nas palavras de Damido de Géis, eram o pacifico trato da "Guinée a honrosa conquista dos lugares de Africa, para ganho dos ‘mercadores, proveito das rendas do Reino e exercicio de sua nobreza. Mais tarde, quando o cheiro da canela indiana comeca a despo- “Voar o Reino, outras razdes se juntam aquelas para condenar a em- do Oriente. E que o cabedal rapidamente acumulado ou a es- ranca dele costuma cegar os individuos a todos 0s beneficios do forco produtivo, naturalmente modesto e mondtono, de modo que confiam verdadeiramente no acaso e na boa fortuna. ‘A funesta influéncia que sobre o Animo dos portugueses teriam ido as conquistas ultramarinas ¢, como se sabe, tema constan- dos poetas e cronistas do Quinhentos. E nao deve ser inteiramen- fortuito 0 fato de essa influéncia ter coincidido, em geral, com /Processo de ascensio da burguesia mercantil, que se impusera ja ut coma casa de Avis, mas rerudesceusensivelmente desde que d. Jo20 conse ia dos homens de solar. tr consepuiu abater a arrogncia dos homens , ‘live infiide es ass sofia om au a se sto nto eaconzase, em Portugal, fore etorvo, a0 opsto do que suc etinartamentem eras onde a rag feudal raat wienca di tiicagao mais mle, em conseqincia disso, era a estra “ont Como fem sempre fone veiado a neos de mecinios aetenr sea situagao dos nobres de linhagem e misturaren-s aces, iravam a condigao de fidalgos- se ads fo que x alors sxc pis raion é ig jomariam apandgio nelados a essa condi, também se tornariam apandgio dorurprs om scent, oro edo, no fo pose cons : : cos muito diferentes dos que "se ou cristalizarem-e padres éicos muito : ja preeitinm para a athe, eno se pe omplearatranseio eet sompanks de ordinario as evolues burguesas para 0 predo- Ge valores novos. : ‘mi edida que subiam na escala socal, as camadas populares deixavam de ser portadoras de sua primitiva mentalidade de classe ra aerirem a dos antigos grupos dominantes. Nenhuma das “vi- tes sonémisstadconsimenteligadas &bureusia pe, po é itico dessa circunstancia isso, conquistar bom crédito, e €caracteritico is o senticodeprectivo que se associ em portuguesa palanas ss emma tract e sobre rate, que a principio, ainda ha salhano, designam simplesmente,¢ sem qualquer labéa, 0 ho- srs te nedeion. Boos pra gnoveses,aquelas virtues —diligncia srinaz, parciménia, exatidao, pontvalidade,solidariedade social. prrhunca se acomodariam perfeitamente ao gosto da. gente Tusita- 5 ‘SY atnobrera nova” do Quinketos rade partiuarmente a evocarem, tal ’ indignas de seu estado como por evocares tshavalgnde de aigum moso ela gem, nto peo rel Done sevall eonstante em rmper os as como passado, na medi co passe Ie represetavaaquela ogee, 20 mesmo tempo, ‘de rotustecer ern si mesma, com todo 0 ardor dos neéfites, 0 au parseqwe sib inseprdel da gobrezagenuna, © sts hipertofia dos ideais auténticos ou supostos da classe bre responderia, no caso, a necessidade de compensa interiormente para os demais uma integragao imperfeita na mesma class. A in ua | Nengio ¢ a imitagdo tomaram o lugar da tradicao como principio orientador, sobretudo no século Xvi, quando se tinham alargado as bbrechas nas barreiras jé de si pouco s6lidas que, em Portugal, sepa- ravam as diferentes camadas da sociedade, Através das palavras do Soldado pritico pode-se assistir a0 desfile daqueles capitdes que se ‘lo, aos poucos, desapegando dos velhos e austeros costumes e dando ‘moldura vistosa a nova consciéncia de classe. E assim que desapare- ‘cei de cena os famosos veteranos de barbas pelos joelhos, calgoes ‘curtos, chuca ferrugenta na mao ou besta as costas. Os que agora _Surgem s6 querem andar de capa debruada de veludo, gibiio ¢ calcas do mesmo estofo, meias de retrds, chapéus com fitas de ouro, espa- +da ¢ adaga douradas, topete muito alto e barba tosada ou inteira- “Mente rapada. Com isso se vai perdendo 0 antigo brio e valor dos Tusitanos, pois, conforme ponderou um deles, “a guerra ndo se faz “Com invengdes, sendo com fortes coragdes; e nehiia coisa deita mais “# perder os grandes imperios, que a mudanga de trajos ¢ de leis”.2 Diogo do Couto desejaria os seus portugueses menos perm: “veis as inovacdes, mais figis ao ideal de imobilidade que fizera, no ‘seu entender, a grandeza duradoura de outros povos, como o vene- ‘Fiano ou o chinés. A nova nobreza parece-Ihe, e com razio, uma sim- ‘ples caricatura da nobreza auténtica, que é, em esséncia, conserva- “dora. © que prezam acima de tudo os fidalgos quinhentistas sao as encias ou exterioridades por onde se possam distinguir da gente le. Pondo todo o garbo nos enfeites que sobre si trazem, o primei- ‘euidado deles € tratar de garantir bem aquilo de que fazem tama- cabedal. E como 6 querem andar em palanquins, ja ndo usam ‘¢assim desaprendem a arte da equitacao, téo necesséria aos es da guerra.?” Os proprios jogos ¢ torneios, que pertencem ‘melhor tradi¢ao da aristocracia e que os antigos tinham criado pa- que ‘“o uso das armas nam se perdesse", segunda jé dissera el-rei Jodo 1, comecavam a fazer-se mais cheios de aparato do que de 08. E se muitos ainda ndo ousavam trocar a milicia pela metcan- s que é profissio baixa, trocavam-na pela toga e também pelos dda administracdo civil e empregos literérios, de modo que con- resguardar a propria dignidade, resguardando, ao mesmo , & propria comodidade. O resultado era que, até em terras de inimigos, como a India, onde cumpre andar sempre de i3 espada em punho, se metiam “'varas em lugar de lancas, leis em Iu- ‘gar de arneses, escrivéies em lugar de soldados"’, e tornavam-se cor- rentes, mesmo entre iletrados, expresses antes desusadas, como li- belo, contrariedade, réplica, tréplica, dilacdes, suspeicdes outras do mesmo gosto e qualidade.” Sobre essa paisagem de decadéncia, deve situar-se como sobre lum eendrio que, ae mesmo tempo, a completa e aviva pelo contras- te, ndo s6 a exasperacio nativista de um Ant6nio Ferreira, mas até, principalmente, o ‘“som alto e sublimado” dos Luséadas. Em Ca- mes, a tinta épica de que se esmaltavam os altos feitos lusitanos no corresponde tanto a uma aspiragao generosa e ascendente, co- ‘mo a uma retrospeccao melancdlica de gl6rias extintas. Nesse senti- do cabe dizer que 0 poeta contribuiu antes para desfigurar do que para fixar eternamente a verdadeira fisionomia moral dos herdis da expansio ultramarina, ‘A tradigéo portuguesa, longe de manifestar-se no puro afa de slérias ¢ na exaltagdo grandiloqua das virtudes herdicas, parece exprimir-se, a0 contrario, no disereto uso das mesmas virtudes. E se Camées encontrou alguma vez o timbre adequado para formular essa tradigo, foi justamente nas oitavas finais de sua epopéia, em ‘que aconselha d. Sebastido a favorecer ¢ levantar os mais experimen- tados que sabem “0 como, o quando ¢ onde as coisas cabem’”, © enaltece @ diseiplina militar que se aprende pela prética assidua — “vendo, tratando, pelejando”” — ¢ nao pela fantasia — “‘sonhan- do, imaginando ou estudando! ara esse modo de entender ou de sentir, nao sio os artificios, nem € a imaginagdo pura ¢ sem proveito, ou a cigncia, que podem sublimar os homens. © erédito hé de vir pela mio da natureza, co- ‘mo um dom de Deus, ou pelo exercicio daquele bom senso amadu- recido na experigncia, que faz com que as obras humanas tenham mais de natureza do que de arte. Ji observara o velho Sé de Mira da que Pouco por forea pademos, isso que é, por saber veo, todo 0 mei jor nos exiremos, (© bem todo jaz no meio. 1 E um século antes, el-rei d. Duarte tinha colocado acima da de espiritual” a ‘‘vontade perfeita’’, sobre a qual “faz fun- mento a real prudéncia’’, dizendo preferir os que seguem o “‘jui- razom e do entender’, “‘caminho da discric&o, que em nossa gem chamamos verdadeiro siso", aos que andam em feitos de ia, “1pondo-se a todos os perigos e trabalhios que se thes ofe- nom avendo resguardo aos que, segundo seu estado e poder som razoados”. que tudo quanto Ihes apraz seguem “destempe- ite, que nom teem cuidado de comer, dormir, nem de fol- a ordenada que 0 corpo naturalmente requer””.” ‘Acessas regras de tranqiiila moderacdo, isentas de rigor ej dis- em muitos pontos dos ideais aristocraticos e feudais, ain- fda se mostra fiel 0 filho do Mestre de Avis, quando aconselha 0 lei- ‘de seu tratado, para bom regimento da consciéncia, a que “nom }mova sem certo fundamento, nem cure de sinais, sonhos, nem to- 2 Nisso mostra-se representante exemplar des- mo que! repele abstragdes ou delirios misticos, que na propria igido se inclina para as devogdes mais pessoais, para as manifesta- es mais tangiveis da divindade. E se é certo que na literatura me- Portuguesa surge com insisténcia caracteristica o tema da dis- Mdncia entre o individuo ¢ 0 mundo, e até o comprazer-se nela, ilo é evidente que essa mesma dissondinciajé implica uma imagem iva, um gosto pelo mundo e pela vida? Longe de correspon- era uma atitude de perfeito desdém pela sociedade dos homens, -se um anacoreta genuino no etmo da Penha Pobre, porque lem a acompanhar todos os seus pensamentos e obras a lembranca de Oriana. Na lirica dos antigos cancioneiros, onde vamos encontrar essa dle em estado bruto. as efusdes do coragdo, as evocaciies ternas sombrias, as malogradas aspiracées, as imprecagdes, os desenga- 0s jamais se submetertio aquelas construgbes impessoais que admi- m mais tarde os artistas do Renascimento ¢ do classicismo, mas mpdem um ristico jardim de emogdes {ntimas. Todo arranjo te6- sera insolito aqui, pois os acidentes da experiéneia individual valor tinico ¢ terminante. Muitos males se escusariam, dird uma gem da Diana de Jorge de Montemor, e muitas desditas nlio is aconteceriam, ‘se nosotros dexassemos de dar crédito a palabras bien “ordenadas y razones bien compuestas de corazones libres, porque ‘en ninguna cosa ellos muestran tanto serlo como en saber dezir por ‘orden un mal que, quando es verdadero, no ay cosa mas fuera del- a’. Reflexdo que representa como um eco desta outra da Menina fe Moga ‘[,.] de tristezas nam se pode contar nada ordenadamente, porque desordenadamente acdtecem ellas”.”? "Atribuindo embora cardter positive e intransferivel a tais estados, fa poesia portuguesa nunca os levard, nem depois do romantismo, ‘a0 ponto de uma total desintegracdo da personalidade, ¢ nisso mostra bem que ainda pertence ao galho latino e ibérico. Também nao se perde nos transes ou desvarios metafisicos, que possam constituir solugdo para todos os inconformismos. Canta desilusdes, mas sem pretender atrair tempestades, invocar o deménio ou fabricar 0 ouro. ‘Aordem que aceita nfo é a que compdem os homens com trabalho, mas a que fazem com desleixo ¢ certa liberdade; a ordem do semea- dor, nao a do ladrilhador. E também a ordem em que esto postas ‘as coisas divinas ¢ naturais pois que, ja o dizia AntOnio Vieira, se as estrelas esto em ordem, “the ordem que faz influéncia, nio he fordem que faga lavor, Nao fez Deus 0 Céu em xadrez de estrelas La ‘A visto do mundo que assim se manifesta, de modo cabal, na literatura, sobretudo na poesia, deixou seu cunho impresso nas mais diversas esferas da atividade dos portugueses, mormente no domi- inio que em particular nos interessa: 0 da expansao colonizadora. Cabe observar, alids, que nenhum estimulo vindo de fora os incitaria a tentar dominar seriamente 0 curso dos acontecimentos, a torcer a ordem da naiureza. E ainda nesse caso serd instrutivo 0 confronto ‘que se pode tragar entre eles ¢ outros povos hispanicos. A firia cen- ralizadora, codificadora, uniformizadora de Castela, que tem sua ‘expresso mais nitida no gosto dos regulamentos meticulosos — ca- paz de exercer.se, conforme ja se acentuou, até sobre 0 tracado das Gidades coloniais —, vem de um povo internamente desunido ¢ sob permanente ameaga de desagregacdo. Povo que precisou lutar, den- tro de suas préprias fronteiras peninsulares, com o problema dos ara- goneses, 0 dos catalies, 0 dos euscaros e, nao s6 até 1492, mas até 1611, 0 dos mouriscos. ‘Nao é assim de admirar se, na medida em que a vocacao impe- ial dos castethanos vai langando sua sombra sobre flamengos ¢ ale- 116 ies, borguinhdes¢ milaness,napoltanos e sicianos, mugulma- os da Berber nds da Amica eo Oriente, apo da mo ia do Escorial para além das fronteiras ¢ d como acompanhamentoobriatsro o propdsto de tudo epular, so ce ropésito de tudo r nos em eri, quando nlp a prea, por una cael some Pulsto mene, Es ona norman, produto de uma aren 0 artficiosa e ainda mal segura, ou melhor, de a Unidad departs io dsconess, ocr. Olivares, quando exon Flip i ide Portal, de Aras, de Walencia conde de Barcelona, a “reduzie todos 0s teinos de que se compoe a Esanka ao eros les de Castel, pot dese mad ‘ide ser o sober mals poderoso do mundo 0 amor campo. ioa 8 simetria surge, pois, como u carci de verdaeiraunidade bene erp ortugal, por esse aspecto, é um amen prope UHR, ete aspect, € um pals comparatvamente sem politica, ealizara-a desde o sécul bes. Su lo xi, quale outro Estado europeu moder, e=m viewde da colon. as eridionais, libertas enfim do sar jor Dovel alana aprecivelhomogeneiade ic, A ena pesos fe um impulso capaz de cong : 2 am regar todas as energias em Vista. de um objetivo que transcend a realiade presente ee ‘que certas regides mais elevadas da abstragdo e da formalizagao edestem o primeio plano as situs concreta invidais — 88 “irvores que ni dixam vera Morea, segundo ovelho ft Papas iavetelacionaro“reaismo”,o “saturalismo” de que de- {amanhas provas os portugues no curso de sua hs dene BA Come, Por outro lado, o natural sonserantsme, 0 at — 0 “desleixo”” — pudessem sobrepor-se tantas veses que acusava 0s portugueses d seri ' : fe gandncia e falta de escri ngico das spesian,podiao humana Daminode Goto 108 da mercancia eram necesséri aes ios para se aten- as despesas com guerasimprevistas na propagagdo da féa- Ese abuso howese cabeia oda culpa aos mereadores, bu ros e regatdes, para os quais ne i nque rose eates, para ox gus nenhuma let ei ale da que u7 Mas essa escusa piedosa nao impede que, ao menos nas depen- déncias ultramarinas de Portugal, quando nao na propria metropo- le, 0 catolicismo tenha acompanhado quase sempre o relaxamento usual, Estreitamente sujeita a0 poder civil, a Tgreja catdlica, no Brasil em particular, seguiu-Ihe também estreitamente as vicissitudes e cit- unstncias, Em conseqiiéncia do grdo-mestrado da Ordem de Cris- to, sobretudo depois de confirmada em 1551 por sua santidade o papa ‘Kilio 1, na bula Praeclara carissimi, sua transferéncia aos monar- ‘cas portugueses com o paironato tas terras descobertas, exerceram estes, entre nds, um poder praticamente discricionario sobre os as- suntos eclesiésticos. Propunham candidatos ao bispado e nomeavam- nos com cldusula de ratificacdo pontificia, cobravam dizimos para dotagio do culto e estabeleciam toda sorte de fundagdes religiosas, por conta propria ¢ segundo suas conveniéncias momentaneas. A Igreja transformara-se, por esse modo, em simples braco do poder secular, em um departamento da administragio leiga ou, conforme dizia o padre Jilio Maria, em um instrumentum regni (0 fato de os nossos clérigos se terem distinguido frequentemente ‘como avessos & disciplina social e mesmo ao respeito pela autoridade legal, 0 célebre “liberalismo'” dos eclesiésticos brasileiros de outro- +a parece relacionar-se largamente com semelhante situagao. Como corporacdo, a Igreja podia ser aliada e até cimplice fiel do poder civil, onde se tratasse de refrear certas paixdes populares; como in- dividuos, porém, os religiosos Ihe foram constantemente contratios. Nao s6 no periodo colonial, mas também durante o Império, que manteve a tradigao do padroado, as constantes intromissbes das au toridades nas coisas da Igreja tendiam a provocar no clero uma ati- tude de latente revolta contra as administragbes. Essa revolta reflete-se na propria pastoral coletiva do episcopa- do brasileiro de margo de 1890, cue surge quase como um aplauso franco ao regime republicano, implantado quatro meses antes, nao ‘obstante Ihe seja impossivel aprovar, em principio, as idéias de sepa- ago entre a lareja e 0 Estado. Nesse documento sto ridicularizados ‘0s ministras de Estado que ordenavam aos bispos o cumprimento dos cinones do Concilio de Trento nos provimentos das pardquias; ‘que hes proibiam a saida da diocese sem licenca do governo, sob ‘pena de ser declarada a sé vacante ¢ de procederem as autoridades civis & nomeaglo do sucessor; que exigiam fossem sujeitos & apro- 18 9 dos administradores leigos os compéndios de teologia em que ‘estudar 0s alunos dos semindrios; que vedavam as ordens § © receberem novicos; que negavam aos vigarios o direito Jamarem velas da banqueta; que fixavam a quem competia a 10 do porteiro da maga nas catedrais. Referindo-se, por fim, ‘efeitos do padroado, em que se firmava essa posigdo de incon- supremacia do poder temporal, conclui a pastoral: ““Era uma que nos abafava’', Pode-se acrescentar que, subordinando indiscriminadamente elé- ¢ Ieigos ao mesmo poder por vezes caprichoso e despético, es- situacio estava longe de ser propicia & influéncia da Igreja e, até onto, das virtudes cristas na formagao da sociedade brasilei- ‘Os maus padres, isto é, negligentes, gananciosos e dissolutos, nun- Fepresentaram excegdes em nosso meio colonial. E os que preten- ‘eagir contra o relaxamento geral dificilmente encontrariam para tanto. Destes, a maior parte pensaria como 0 nosso pri- To bispo, que em terra to nova "“muitas mais coisas se ao de imular que castigar"** Notas ao capitulo 4 1. VIDA INTELECTUAL NA AMERICA ESPANHOLA E NO BRASIL © desaparecimento de vérios arquivos universitaios, como os Lima e Chuquisaca,¢ uma das razdes da falta de dados presisos bre o nimero de estudantes diplomados por esses estabelecimen- |. Contudo ndo seria exagerada a estimativa feta por um historia- que avalia em cerca de 180 mil o total para toda a América es- a. $6 da Universidade do México sabe-s com seguranca que Periodo entre 1775 e a independércia, sairam 7850 bacharéis € 8 dotoreselicenciador.™ E interessante confrontar calc ndmero Im O dos naturais do Brasil graduados durante o mesmo, periodo 775-1821) em Coimbra, que foi dez vezes menor, ou exatamente Igualmente surpreendente é o contraste entre as Américas espa- jola € portuguesa no que respeita a irtrodugao de outro importan- ‘nstrumento de cultura: a imprensa. Sabe-se que, ja em 1535, se iprimiam livros na Cidade do México e que quatro anos mais tar- U9

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