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¥. 23, TOMAS DE AQUINO: PENSAR A METAFISICA NA AURORA DE UM NOVO SECULO Henrique C. de Lima Vaz CES — BH Resumo: Tomds de Aquino: pensar a Metajisica na aurora de wn novo século. O artigo considera inicialmente a situagio da Filosofia e, particularmente, da Metafisica na cultura contemporanea, tendo em vista a significagio do pensamento metaffsico de Tomas de Aquino para os problemas culturais do préximo século. Depois de uma breve andtise histérica e tedrica da situago de Tomas de Aquino na filosofia medi- eval, o artigo se ocuipa mais longamente com a teoria tomasica do juizo e com a id¢ia de existéncia como fundamento das concepsbes metafisicas do Aquinatense. A Con- lusio busca refletir sobre as relagdes entre a Metafisica e a Técnica, consideradas wm dos mais importantes problemas culturais do préximo século. Palavras-chave: Filosofia, Metafisica, Tomis de Aquino, Existéncia, Técnica. Abstract: Thomas Aquinas: thinking the Metapiiysics at the dawn of a new century. ‘The atticte first deats with the place of Philosophy and particularly Metaphysics in the contemporary culture, and with the significance of the metaphysical thought of Thomas Aquinas for the cultural problems of the coming century. After short analysis of Aquina’s historical and doctrinal place in medieval philosophy, the atticle deals at lenght with the thomistic theory of judgement and with the idea of existence as the very core of the metaphysical conceptions of Aquinas. Finally, the relationship between. Metaphysics and Technics is dealt with, as presumably one of the most inportant problems in cultural life of the next century. Key words: Philosophy, Metaphysics, Thomas Aquinas, Existence, Technics. Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73,1996 [159 1. Situagao historica de Tomas de Aquino 1.1 — A filosofia e sua histéria © aproximar-se o fim do século XX a filosofia, uma das mais surpreendentes criagées do génio grego, completa seus glori 0808 2600 anos de existéncia ¢ pode, desta sorte, reafirmar seu direito 4 vida com um titulo de ancianidade que poucas obras de cultura so capazes de ostentar. Nao obstante, a filosofia vive hoje uma situacdo paradoxal. Por um lado, é alvo de reiteradas tentativas dirigidas a demonstrar que seu ciclo histérico chegou ao fim e que seus titulos de legitimidade cientffica perderam toda a validez. Por outro lado, porém, o pensamento filosdfico conhece hoje um perfodo de extraordindrio florescimento, e a produciio filoséfica cresce num ritmo provavelmente nunca alcancado em épocas anteriores. Se olhar- mos apenas para as criticas de que a filosofia é objeto seremos levados a concordar com A. de Muralt: “A filosofia parece fazer lamentavel figura nesse fim do século XX (...). Ciéncias exatas e ciéncias chamadas “humanas" aliaram-se para roubar-Ihe pouco a pouco todos os abjetos do seu universo”', Se, ao invés, nos dispusermos a folhear periodica- mente o The Philosopher's bidex ou o Repértoire International de Philosophie, iremos nos perguntar intrigados sobre o que se ocupam entdo os mi- Ihares de titulos ali registrados. No entanto, sera esse crescimento quantitativo do escrito tido como filossfico prova suficiente da vitalidade qualitativa e intrinseca da fi- losofia? O mestre Etienne Gilson parecia ter dtividas a respeito quan- do escreveu, numa hora de rude franqueza: “A formidavel inflagdo filossfica atual € literalmente insensata”?, Se essa era a situacdo aos olhos de Gilson em 1965, que dizer de 1995? Resta uma explicagao: se a filosofia nfo 6 mais reconhecida na sua Pretensdo de “discurso verdadeiro”(aiethes logos) tal como Platao a celebrara, tera ela, nesse seu desmesurado crescimento, consentido por fim em reconhecer-se, assim como © pretendera Isécrates, 0 adversdrio de Platio, apenas como uma “retdrica do provavel” (doxestikos logos) que percorre em todos os sentidos 0 campo intérmino do opindvel?? Af estdé, sem da- vida, uma explicagio plausivel para essa inflacdo filoséfica que assus- tava Gilson. Mas nao serd esse 0 caminho que iremos seguir nessas consideracdes introdutérias a um reencontro com a mensagem filos6fica de Tomas de Aquino. Se analisarmos, ainda que rapidamente, os repertérios bibliogréficos de Filosofia 4 nossa disposigao, haveremos de verificar que neles a [160] Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 Hist6ria da Filosofia ocupa a parte maior e a que mais rapidamente cresce. E como se 0 fildsofo buscasse no testemunho incontestavel de um passado ilustre os titulos, de facio, da sua legitimidade cientifica que as cigncias parecem querer negar-lhe de jure. Mas hd, talvez, uma razio mais profunda para explicar e justificar esse grandioso esforco de recuperagio do passado da filosofia. E sabido que a Histéria da Filosofia, entendida segundo os requisitos da metodologia cientifica com que hoje é praticada, data apenas de dois séculos, nao obstante o fato de que a pratica doxogrdfica, ou o elenco das opiniées dos fildso- fos do passado e a sua presenga no exercicio da reflexao filossfica remontem pelo menos a Platao. Ao nascer, a Histéria da Filosofia recebe 0 patrocinio ilustre de Hegel nas suas Ligées sobre a Histéria da Filosofia’. Ora, ao reconstituir a sucessio cronoligica das épocas e dos sistemas, utilizando os recursos filolégicos ¢ histérico-criticos que a ciéncia do seu tempo Ihe oferecia, Hegel articula essa sucessiio segur- do uma matriz dialética, integrando-a ao devir do Espirito na histori Ele legava assim ao projeto de constituigéo da Histéria da Filosofia como ciéncia e ao préprio exercicio do pensamento filoséfico, um desafio tedrico incontorndvel, qual seja o desafio de uma filosofia da histéria da filosofia’. Na verdade, esse tornou-se um tema cada vez mais presente, na medida mesma em que a Histéria da Filosofia pas- sava a ser praticada segundo os cdnones metodoldgicos das ciéncias histéricas. A filosofia como histéria é chamada a tornar-se componente estrutural da filosofia como teoria ou como sistema e o historiador da filosofia encontra-se com 0 fildsofo sistematico na tarefa de elaborar uma leitura filosdfica da histéria dos conceitos’. O reconhecimento, portanto, dessa dimensio prapriamente filoséfica da Histéria da Filosofia deve incidir diretamente sobre a pratica historiografica, tornando-a constitutiva do ato de filosofar. Desta sorte a filosofia encontra na “rememoracio”(no sentido da Erinnerung) hegeliana do seu passado, uma forma de legitimacao tedrica do seu presente. A historiografia filosdfica deixa de ser tarefa puramente arqueoldgica ou apenas reconstituigao de sistemas de idéias que um dia floresceram no solo de um mundo de cultura jé tramontado", Ela se torna um empenhativo ato de filosofar, e a filosofia passa a ter seu irrefutdvel testemunho de vida na vida das idéias que, mesmo do passado mais longinquo, confluem para o presente da atividade filo- sOfica’. Essa forma de apologia pro vita sua da filosofia em face das tentativas para tetirar-Ihe a prerrogativa de saber teoricamente valido e social- mente significativo manifesta ainda um outro e, talvez, mais decisivo alcance ao contribuir para a resposta 4 pergunta tantas vezes repeti- das: para que filosofia? Com efeito, ela mostra que a reflexao filos6fica tem lugar no terreno de uma rememoragio, de um tornar presente na ‘Sintese Nova Fase. Belo Horizonte, v. 23.n. 73, 1996 161 atualidade do filosofar de um longa seqiiéncia de problemas, de temas e de sistemas que n&o foram mais do que a inscri¢&o, no espaco do conceito, das vicissitudes culturais de um fempo. Ela leva a cabo, por- tanto, essa decisiva operagio hermenéutica que é a leitura conceptual do presente histérico a partir de toda a substancia inteligivel do pas- sado, nela recolhida sob a forma de historia das idéias filoséficas, da qual recebe contetido a prépria tradicao do ato de filosofar. Eis ai uma comprovacao indiscutivel da atualidade da filosofia e da perenidade da sua vida. Desde esse ponto de vista a pesquisa historiogréfica em filosofia ad- quire uma significagéo que vai muito além da identificacio ¢ reconstituigio critica das fontes e da proposigio de paradigmas interpretativos. A histéria da filosofia passa a oferecer-se como um caminho e, talvez, como um caminho privilegiado pata atingirmos as raz6es e motivagées profundas que subjazem as grandes questdes do nosso tempo, Sem recairmos no idealismo vulgar do lugar-comum “as idéias governam 0 mundo”, podemos admitit que a historia passada, sein as idéias que nela foram vividas e pensadas, tornar-se-ia para n6s obscura e incompreensivel, e essa obscuridade acabaria envolvendo nossa propria histéria presente. Ora, ao encontrarem uma expresso mais universal e ao alimentarem uma intengdo de fundamentagio critica mais rigorosa essas idéias receberam, ao menos na tradi¢ao ocidental, um estatuto candnico que foi, justamente, o saber filoséfico. A filosofia na sua histétia pode, pois, reivindicar com todo 0 direito o exercicio pleno daquela fungao testemunhal que M. T. Cicero atribufa ao conhe- cimento histérico: testis temporunt®, E nessa perspectiva que convém entender o enorme trabalho historiografico que, iniciado no século XIX, estendeu-se e aprofundou- se no nosso século, prosseguindo em nossos dias com redobrado vigor no sentido de oferecer-nos, quando estd por cumprir-se o terceiro milenario da nossa civilizagao, umta leitura rigorosamente documenta da, exegética, interpretativa e critica do pensamento filoséfico, consi- derado uma das obras de cultura mais significativas entre as que acom- panham esses longos séculos, E como se, numa hora em que muitas interrogagSes sao langadas ao futuro, torne-se presente a imperiosa necessidade de invocar, no seu teor auténtico, o testemunho do pas- sado naquele dominio que ¢, afinal, o mais importante para a vida humana: o dominio em que a vida mesma é pensada, e a descoberta do seu seitido impde-se como a mais vital de todas as tarefas. Ora, se atendermos ao testemunho do seu passado, a filosofia se apresenta justamente como 0 desempenho por exceléncia, ao mesmo tempo apaixonado ¢ metédico, dessa tarefa. Considerado sob esse ponto de vista, 0 intenso labor historiogréfico ao qual se dedica hoje a pesquisa filosdfica pode e deve ser interpretado como uma componente essen- 162] Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v, 23, n. 73, 1996 a cial do necessatio retorno critico da civilizagao ocidental sobre si mesma as vésperas de um novo século. Essas consideracdes parecem adquirir uma pertinéncia maior se apli- cadas & histdria da filosofia antigo-medieval. O atual e vigoroso florescimento da pesquisa nesse dominio, que se verifica em todos os centros tradicionais da cultura filosdfica, poderia ser interpretando a primeira vista como fuga na erudigio de fildsofos cansados e desilu- didos com 0 trabalho tesrico. Tal interpretacao teria a sustenté-la 0 fato de que a filosofia moderna, seguindo o gesto inaugural de Des- cartes, caracterizou-se pela ruptura decidida com os paradigmas da filosofia antigo-medieval. Ora, o prdprio progresso da pesquisa mos- tra que tal interpretacao nao é aceitavel. A medida em que avancamos no conhecimento dos grandes sistemas, das correntes profundas, das matrizes conceptuais determinantes do pensamento antigo-medieval vemos, no sem surpresa, que a pretendida ruptura dos modernos operou-se em nivel bem mais superficial do que inicialmente se pre- tendera. Uma extraordinaria reiteracio de temas, problemas e catego- rias atravessa toda a histéria da filosofia ocidental e Ihe confere uma unidade e continuidade sem diivida dindmicas ¢ polimorfas mas in- contestdveis, e que permitem dar ao estudo da sua histéria uma sig- nificacao eminentemente atual de investigagio de raizes e de mergu- Tho em fontes cujas aguas continuam fluindo até nds. Provindos da filosofia grega ha mesmo certos arquétipos de pensamento que pare- cem indicar limites estruturais da atividade tedrica e tem resistido a todas as tentativas, antigas e recentes, de “desconstrugao”. A diversa utilizagio desses arquétipos define, por exemplo, o perfil filosdfico do platonismo ¢ do aristotelismo, dando origem a duas inconfundiveis famflias espirituais na histéria da cultura ocidental"'. Poderia, no entanto, permanecer uma diivida com respeito ao pensa- mento medieval cujo teor filoséfico, segundo um critério interpretativo adotado pelo proprio Hegel seguido por ilustres historiadores como Emile Bréhier, teria sido irremediavelmente desfigurado pelo dogma cristio”, Nao obstante, essa objegdo parece hoje ter perdido sua pertinéncia depois que ficou demonstrado, na esteira dos estudos pi- oneiros de E. Gilson” ¢ dos seus discipulos, e em contraposigio 4 leitura hegeliana sobre o cardter inaugural da filosofia moderna por obra de Descartes, a presenga determinante de categorias e problemas do pensamento medieval em pleno processo de elaboracao e na evo- lug&o ulterior da filosofia pés-medieval. Essa evidéncia histérica se estende hoje, como mostrou recentemente A. de Muralt, a diversos campos como a Légica, a Teoria do Conhecimento, a Antropologia Filosdfica, a Etica e a Metafisica. Ao comprovar a presenca viva da filosofia na Idade Média, ela permite que se fale da unidade de um pensamento antigo-medieval, uma vez reconhecida como sendo igual- Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73,1996 [163 mente uma evidéncia histérica a vital continuidade que une essas duas grandes épocas do pensamento ocidental. Suprimido, assim, o enorme hiato pressuposto pelo esquema historiogréfico vulgarizado por Hegel que separaria o fim da filosofia antiga (séc. VI) e o comeco da filosofia moderna (séc. XVII), vemos desenrolar-se diante de nés o fluir ininterrupto do pensamento filoséfico desde a sua quase impercepti- vel nascente jnica até a larga corrente que se espraia hoje por todos os centros de cultura superior do mundo civilizado. A esse fluir de idéias aplica-se, em todo 0 seu curso, a “rememoragio” (Erinnerung) que nos permite descobrir no nosso universo espiritual a presenga de grandes temas, de intuigdes, de categorias e estruturas légicas que a investigacao histérica reconstitui no passado e so trazidos até nés pela tradigio viva da filosofia. E na perspectiva dessa “rememoragao” que pretendemos refletir, nes- sas paginas, sobre Tomds de Aquino e a Metafisica na aurora de um novo século. Se refizermos o caminho histérico do milénio que esté para terminar veremos que ele conheceu, nos seus primeiros séculos, uma hora meridiana de intensa e extraordindria atividade de pensa- mento, que deixou uma marca profunda na histdria espiritual do Ocidente, Essa hora foi o século XIII, 0 século de Paris e de Oxford, de Sao Luis e de Tomas de Aquino’, Retornar a essa hora privilegiada poderd oferecer acaso alguma perspectiva sobre o milénio que esta para comegar? Talvez essa questio parega ociosa e impertinente aos olhos dos tem a sua disposigao poderosos instrumentos tedricos para analisar nossa sociedade nos campos econémico, social, politico, e cultural, e formular prospectivas sobre o seu futuro cientificamente mais confidveis. Sem pér em questao a validez desses exercicios de s6bria e prudente futurologia, acreditamos que hd ainda um lugar, no horizonte desse olhar para o futuro, no qual seja possivel investigar 0 que nele estard presente das ligées do pasado, sobretudo daquelas que nos falam sobre questes a que nenhuma ciéncia pode responder, acerca do ser e do ndo-ser, do bem e do mal, do sentido da vida e do destino da aventura humana. Vale dizer que é licito, sem abandonar as preocupagées do nosso tempo, tentar receber alguma coisa da mensagem filosdfica que nos vem do século XIIL, através da voz maior que se eleva daquele distante passado, a voz de Tomés de Aquino. No ambito dessa “rememoragao” iremos nos fixar de preferéncia na mais controvertida, hoje, dentre as herancas da tradig&o filoséfica: a tradig&o metafisica. Antes, no entanto, é conveniente delinear a situ- agao histériea e tedrica de Tomas de Aquino como prolegémeno a melhor compreensao do seu legado especulativo. Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 1. 2 Tomas de Aquino e a histéria A relagao de Toméas de Aquino com a histéria apresenta, A primeira vista, um aspecto paradoxal. De um lado, 0 conhecimento das vicissi- tudes da sua existéncia e, mesmo, da cronologia das suas obras per- manecia até recentemente envolto em diividas e obscuridades; e ainda seus métodos de trabalho e de ensinamento, seus instrumentos, sew Sitz im Leben no universo mental do século XII, nfo apareciam sufici- entemente integrados &s suas grandes opcées doutrinais. A isto soma- va-se 0 fato de que a edigao critica das suas obras, iniciada em 1882 pela Comissio Leonina sob o patrocinio de Ledo XIII, avangava muito lentamente. De outro lado, a partir da sua canonizagéo em 1323 e da sua proclamagaio como Doctor Ecclesiae em 1567, Tomas de Aquino é algado a uma espécie de duragdo ahistérica, traduzindo-se na codificagao ne varietur de um corpo de teses e doutrinas que recebew © nome de tomismo, e que foi tido pelos mais fieis adeptos como o reflexo imével, no tempo que incessantemente flui, da eternidade da verdade. Essa cternidade, porem, nio produziu outro reflexo no tem- po sen&o uma literatura de comentadores e manuais ad mentem Sancti Thomae, que parecia querer subtrair a heranga viva do grande pensa- dor medieval ao confronto criador com a histéria e @ prova dessa hermenéutica rememorativa que assegura a uma grande obra filoséfi- ca do passado sua permanente atualidade. Foi justamente o trabalho pionciro de grandes historiadores como P. Mandonnet, M. Grabmann, E. Gilson ¢ outros que tornou possivel 0 reencontro com wm Toss de Aquino que, surgindo da historia, vinha a0 nosso encontro em sua auténtica estatura humana, intelectual e espiritual. Esse labor historiografico confluiu para uma sintese de excepcional qualidade que inaugurou uma nova época e um novo estilo nos estudos tomasianos: a Introduction @ l'étude de Saint Thomas d’Aquin de M. D. Chenu’, Depois de Chenu e, é permitido dizer, em grande parte sob a influéncia ou, pelo menos, o estimulo da sua obra magistral, os estudos tomasianos conheceram um extraordindrio florescimento, nesmo nos anos dificeis da crise pés-conciliar. Enquan- to a literatura manualistica fenecia e praticamente desaparecia, a reconstituigio do pensamento de Tomas de Aquino, do seu hist6rico e da sua efetiva Wirkungsgeschichte fazia pro- vos, de sorte que o tépico “Tomas de Aquino e a histé- ria” passou a ser o prolegSmeno obrigatdtio para o estudo do pensa- mento tomésico, Uma contribuig&o inestimavel para o conhecimento do Tomas de Aquino histérico foi proporcionado pelo avango relati- vamente répido da Edigo Leonina no pés-guerra (cerca de 21 volu- mes publicados) com introdugdes, complementos e texto critico da mais alta qualidade e pelas edicdes criticas das traducées latinas medievais de Aristételes (Aristoteles Latinus) e dos filésofos arabes” Sintoce Nana Free Rola Harizanta » 99 72 1998 [TAR © primeiro resultado de todo esse trabalho histérico-critico foi 0 co- nhecimento renovado e solidamente documentado da vida de Tomas de Aquino e da cronologia das suas obras, bem como das circunstan- cias que acompanharam a redagao de cada uma delas. Para esse co- nhecimento 0 estudioso dispde atualmente de dois guias seguros: as biografias escritas por James A. Weisheipl O. P.*’e Jean-Pierre Torrell, O. P.”. Através delas e das preciosas introdugdes e complementos aos volumes recentes da Edigdo Leonina é possivel acompanhar a génese e o desenvolvimento de uma obra excepcional no seu contexto histé- rico, nas suas motivagdes profundas e nas peculiaridades que cerca- vam 0 trabalho intelectual na Idade Média. Esta encarnagio na vida faz descer 0 corpus doutrinal tomasico do céu ahistérico onde se pre- tendeu fixd-lo; e é do seio da histéria vivida que se elevam a sua verdadeira grandeza e a sua significagao para os séculos que hio de vi O século XIE da Cristandade aparece cada vez mais aos olhos do historiador como um século de encruzilhadas decisivas na historia do Ocidente e, particularmente na sua evolucao espiritual. Entre outros aspectos, 0 século XII apresenta a confluéncia de ricas e complexas idéias filoséficas vindas do mundo antigo mas trazendo a marca da sua passagem pelos mundos de cultura arabe e judia®, Como se situa no seu século Tomds de Aquino? Qual a sua presenca no tumultuado mundo filoséfico da época? Eis af perguntas cuja resposta admite varias facetas. Em primeiso lugar, 0 que significa filesofar na Idade Média latina? Nesse exercicio do filosofar, uma vez admitido que possamos caracterizé-lo suficientemente, cabe algum lugar a Tomds de Aquino? Filosofar na Idade Média nao € certamente entregar-se ao bios theoretikos dos filésofos da Antigitidade, que implicava existenciabmente uma simbiose de iheoria e de vida espiritual’'. Com efeito, toda a dimensaio espiritual desse filosofar antigo e mesmo elementos importantes da sua tieoria haviam migrado para a espiritualidade e para a teologia cristés. Nem é, muito menos, a pratica auténoma e independente da reflexao e da pesquisa filoséficas inaugurada pelos filésofos modernos ¢ institucionalizada mais tarde na Universidade. Historicamente o fix losofar na Idade Média latina, a partir da segunda metade do século XIII € no século XIV conhece duas formas distintas: a) a filosofia or- ganicamente articulada a teologia e, de alguma maneira, sob a sua regéncia normativa (“subalternada” & teologia, como diré Tomas de Aquino}: tal é a filosofia oficialmente praticada nas Facuidades de Artes das Universidades, degrau necessdrio para se atingir a Faculda- de de Teologia; b) e a filosofia que retoma, pela mediagio do ideal de vida filoséfica renascido em terras do Isla, a tradig&o antiga do ex cicio do filosofar como fonte do mais alto prazer e da felicidade”, E 166 | Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n, 73, 1996 nessa segunda forma que podemos ver a origem longingua do estilo de filosofar que prevaleceu na modernidade, O lugar de Tomas de Aquino esta situado, evidentemente, no interior da primeira forma do filosofar. Mas, nesse caso, de que filosofia se trata? Eis af uma pergunta fonte de novas dificuldades. Com efeito, a filosofia assim concebida, sem renunciar 4 sua especificidade de saber racional, reconhece, afastando-se desta sorte da tradigao do pensamen- to antigo, a primazia de um outro saber cuja fonte é trans-racional ¢ no qual a razao aceita exercer-se no interior da f&. Desde logo é neces- sario admitir que o exercicio dessa forma de filosofar é um fato histé- rico indiscutivel. Trata-se mesmo da forma dominante do saber filosé- fico na Idade Média latina. E a luz desse fato que deve ser definida a situagio histérica de Tomas de Aquino como filésofo®. Outra questo a que se refere a legitimidade dessa pritica da filosofia, negada pelos modernos em virtude da absoluta autonomia reivindicada para o sa- ber filosdfico. Trata-se, em suma da célebre querela em torno da “filo- sofia cristi” sobre a qual aqui nao pretendemos nos pronunciar. Como quer que seja, a situasto histérica de Tomas de Aquino no universo filosdfico da Idade Média apresenta dois aspectos que é importante distinguir: a) um aspecto institucional, ou seja, 0 exercicio de um pen- sar filoséfico por um Mestre em Teologia ¢ no seio da Faculdade de Teologia: um filosofar, portanto, que se contrapée ao ideal da vida filosdfica auténoma que comecava a ser preconizado por alguns mes- tres da Faculdade de Artes; b) um aspecto ledrico, que diz respeito a propria possibilidade e & natureza dessa “metafisica de um tedlogo” na expressio de A. Hayen®. O primeira aspecto pée em evidéncia a presenga indiscutivel de um rico e denso contetido filoséfico que permeia a obra do tedlogo Tomas de Aquino*. O segundo nos convida a uma avaliagao critica desse contetido, ao ensaio de uma Erinnerung tendo em vista as virtualidades teéricas desse contettdo na perspectiva dos problemas de um novo tempo. 2, Situacao teérica de Tomas de Aquino 2.1 Tomas de Aquino e a filosofia crista O problema da situagao tedrica do filésofo Tomds de Aquino, colocado na perspectiva de uma possivel significacéio néo apenas puramente histérica do seu pensamento para a nossa época, formula-se no hori- zonte de outro problema mais vasto e complexo, ao qual acima j4 nos referimos: 0 problema da persisténcia de um pensamento filosdfico ao Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 [167 longo da tradisdo cristi, em vital interagdio com ela ou mesmo a ela integrando-se como um dos seus elementos constitutivos. A singula~ ridade ¢ originalidade desse problema vem do fato de que ele nio pode ser simplesmente equiparado ao problema da origem religiosa de outras grandes tradicdes filos6ficas. Esse é um problema que se situa predominantemente no plano da verificagio histérica, nio obstante o fato de que a solugao que recebe nesse plano passe a influir decisivamente no tipo de hermenéutica que o historiador venha a adotar na sua leitura dos textos propriamente filos6ficos. Para ficarmos em exemplo cldssico nessa matéria, dois sio os modelos de interpretacio que se oferecem ao historiador das origens e da constituicgdo do pen- samento filoséfico grego. Ora se pressupSe uma ruptura total entre o discurso mitico e o incipiente discurso racional, e tal foi 0 modelo seguido pela historiografia positivista no inicio do século. Ora se ad- mite uma homologia entre ambos no que diz respeito 4 origem, ao enunciado e A transmissio dos grandes problemas, segundo o modelo proposto recentemente por W. Jaeger, P, M. Schuhl, F. M. Conford é outros. Em ambos os modelos, porém, admite-se que a evoluciio his- térica do discurso filoséfico leva-o a distanciar-se do discurso mitico ou religioso e a situar-se em plena autonomia em relacdo a ele*. No caso da tradicao crista a evolugao segue um caminho diferente e his- toricamente inédito. Nele, a partir de Justino no II século e dos Alexandrinos Clemente e Origenes no Ill século, tem lugar um esforgo constante para se integrar organicamente a filosofia no discurso reli- gioso. Mas a presenga da filosofia nao absorve a tradigao religiosa, antes torna possivel a constituigiio de um discurso teoldgico especifi- camente cristio que, de resto, freqiientemente reivindicou para si o nome venerdvel de philosophia®”. Mas foi, afinal, o termo theologia, tam- bém herdado da nomenclatura filoséfica grega, que acabou designan- do 0 discurso cristio ¢ estabelecendo com a philosopitia uma relagao a0 mesmo tempo organica (no sentido de tornd-la o orgarion ou o instru mento da theologia) e problematica, que atravessou os séculos e chegou até nés™. Para esse singular encontro entre filosofia grega e mensagem religiosa cristi, do qual resultou a tradi¢ao filosdlico-teoldgica, que marcou téo profundamente a cultura ocidental, muitas explicagdes foram propostas. E conhecida a que foi brilhantemente desenvolvida por W. Jaeger, e que parte do conceito genuinamente grego de paideia ou formacio cultural”. Jaeger foi um dos historiadores que apontaram a origem religiosa da filosofia grega®, de sorte que a sua obra permite uma comparagio entre os dois casos paradigmaticos da nossa tradigio cultural, A essa explicagdo, e a outras de natureza histérica®, convém acrescentar as de cardter mais tedrico, que procuram descobrir algu- mas razées estruturais para esse extraordindrio evento histérico- especulativo que foi o encontro entre a sabedoria filosdfica grega eo kerygma cristao primitivo. Entre essas razdes destaca-se a que conside- Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 1a. a homologia notével entre a dimensio tealdgica da filosofia grega e 9 essencial feocentrismo da visio crist&, fundado na tradigéo bibli Essa homologia convive, no entanto, com uma radical heterologia na medida em que, ao movimento de constituicao da tleologia grega, que é um movimento de andbasis, de ascensio do sensivel ao inteligivel e, finalmente, a0 Primeiro Principio, segundo uma matriz. conceptual inaugurada por Platio, contrapde-se 0 movimento de constituigzo da theologia cristé que acompanha o movimento da katdbasis, da descida do Absoluto 4 contingéncia do mundo e da historia. No primeiro caso © Absoluto é pensado ou atingido extaticamente como dpice de um movimento de ascensio intelectual. No segundo, o Absoluto & dado como termo de um gesto de revelagio e de graga®. Essa a tensio fundamental que atravessa toda a tradigio filoséfico-teolégica crista. Nao obstante a notével evolugdo que levou o médio eo neoplatonismo a um monoteismo protolégico em cuja expressao se aliaram intuicgdo mistica e razio™, um abismo conceptual! separa a nogao plotiniana de processfe e a nogo biblico-cristi de criagio®. E em torno dessa nogdo que se forma justamente a matriz de inteligibilidade capaz de alimen- tar um pensamento genuinamente filosdfico no interior da tradigaéo religiosa do Cristianismo. Dos Padres gregos a Santo Agostinho e deste as grandes sinteses medievais, é em torno do problema da criagio, ou dessa original e tinica relagio de dependéncia no existir dos seres a0 seu Principio ou do mtltiplo ao Uno, para usar as categorias funda- mentais da tradigao metafisica grega, que se adensa o nticleo mais resistente da sintese filosfico-teolégica que se formou ao longo de toda a hist6ria do Cristianismo. E igualmente a partir desse nticleo que se pode estabelecer uma topografia dos lugares tedricos dos gran- des pensadores cristéos, entre eles Tomas de Aquino, naquele que se poderia denominar 0 mapa conceptual da metafisica greco-crista. A existéncia de uma filosofia especificamente cristé, como mostrou E. Gilson em numerosos escritos, e foi abundantemente comprovada por Claude Tresmontant”, esta intrinsecamente vinculada a essa con- juntura historica singular, em que a theologia grega do Principio foi repensada na perspectiva do dogma bfblico-cristio da criagéo. B, pois, em torno do problema que Leibniz designou mais tarde como de rerum originatione radicali que se organizam os lugares tedricos da tradigao filoséfica crista®. Eles formam um relevo sob certos aspectos parado- xal, na medida em que, situados no interior do continente filoséfico descoberto pelos Gregos, nele circunscrevem uma regiao tedrica de estrutura conceptual prépria, cuja relagio com a tradigao filosdfica anterior € absolutamente sui generis. E ai que se situa o lugar teérico de Tomés de Aquino: sua continuidade com a filosofia helénica e sua originalidade. Sintese Nova Fase. Belo Horizonte. v, 23. n. 73, 1996 169) 2.2 Tomas de Aquino ¢ a filosofia medieval A historiografia do pensamento medieval ©, particularmente, do pen- samento filoséfico da Idade Média na primeira metade desse século, conquanto tenha levado a cabo um enorme trabalho histérico-critico de levantamento, identificagao e edigdo de fontes, e um néo menos vasto trabalho de hermenéutica doutrinal dessas fontes, foi poderosa- Aaenie influenciada pela reconsteugdo tedrica de uma hipotética sintese filos6fico-teolégica que teria entio florescido, designada como “escolastica”, cuja reconstrugdo moderna recebeu o nome de neo- escolistica ¢ inspirou-se no programa tragado por Leo XII na Aeterni Patris, Essa Feconstrucdo orientou-se no sentido de reconhecer um lugar idéias, nem é possivel afirmar que ela tenha sido inteiramente arbitrs. tla. A grandeza de Tomas de Aquino é indiscutivel e uma visio da filosofia medieval desde as alturas da sua sintese filos6fico-teolégica oferece perspectivas historiograticamente justas e teoricamente fe dtecedoras. No entanto, hé aqui, por um lado um risco de simpli- ficasdo, por outro o de langar na sombra temas ¢ figuras historicamen- te importantes. Com efeito, a operagao historiogratica preliminar para 8¢ obier uma visio unificada do século XIN, consistiu na tentativa de reconstituicdo de uma sintese filoséfica comum aos grandes pensado- res daquela época e que teria encontrado em Tomas de Aquino sua tealizacio exemplar. Tal foi o modelo hermenéutico que presidiu a obra de um dos mais notaveis historiadores do Pensamento medieval na primeira metade do nosso século”. Essa concepgao, além de esbar- rar em grandes dificuldades de demonstracao propriamente historica, © gue levou o ptdprio De Wulf a abandons la Nos seus tiltimos escri- tos®, apresenta o inconveniente, no que diz respeito 4 posicao tedrica de Tomas de Aquino, de condicionar o reconhecimento da sua origi- nalidade a hipotética reconstituigdo de uma pretendida sintese escolastica, Ao invés, 0 caminho aberto por Etienne Gilson, grande historiador que {oi igualmente genuino fil6sofo, mostra-se aparentemente muito mais gPlo pata nos conduzir ao verdadeito lugar — o lugar original — de Tomds de Aquino no relevo doutrinal do século XII. Esse caminho nos leva, em suma, ao cerne de uma questio metafisies por exceléncia: como ato", o que levanta uma questéo metafisica infinitamente Ppro- funda. Uma vez comprovada historicamente a existéncia de uma “fi- losotia cristi” nos pensadores medievais®, o que Gilson nos mostra, ¢ al reside, segundo nos parece, a parte metho: da sua heranga de his- toriador-tilésofo, é a amplitude, o alcance ea Profundidade do gesto Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v, 23, n, 73, 1996 especulativo de Tomés de Aquino ao fazer do esse, do ato de existir, © fundamento absoluto ¢ a fronteira dltima que a inquirigaio da nossa inteligéncia pode alcancar nessa ciéncia do ser, segundo Aristételes sempre perseguida®, e que permanece um campo de pesquisa estru- turalmente aberto. Buscar 0 reconhecimento da originalidade de Tomds de Aquino e a delimitacdo do seu lugar tedrico na histéria da filosofia bem como a sua significagaio na continuidade dessa histéria, néo na hipotética re- construgao de um movimento doutrinai fuindo em sentido tnico mas na luminosa presenga, nos fundamentos do seu filosofar, de uma in- tuiciio metafisica, essa sim, tnica na sua nitidez ¢ na sua profundida- de, é situar-se numa perspectiva historicamente mais justa e num ter- reno hermenéutico incomparavelmente mais fecundo. Esse 0 mérito incontestdvel de E. Gilson. Mas é necessdrio que a doutrina tomdsica do esse apareca num relevo histérico capaz de realgar a sua significa~ ao original na histéria da metafisica ocidental o que permitird, por sua vez, um olhar prospectivo, abrangendo a histéria posterior do pensamento metafisico e uma resposta provavelmente mais satisfatoria A interrogagao essencial que levantamos hoje sobre o destino da metafisica no século que esté para comegar. Os grandes historiadores do pensamento medieval na primeira meta- de deste século como M. de Wulf, M. Grabmann, F. van Steenberghen. eo proprio E. Gilson, adotaram no seu trabatho de pesquisadores uma perspectiva que convém designar como “latinocéntrica” conforme a denomina M. de Gandillact, e que pode ser considerada uma versio moderna do antigo tema medieval da trensiatio studiorum, segundo o qual o itinerdrio histérico da cultura intelectual, partindo da civiliza- go antiga greco-romana, passa por Bizdncio até fixar-se definitiva~ mente no Ocidente latino ¢ no seu centro, Paris. Essa perspectiva encontra algum fundamento no fato incontestével do vigoroso surto de criag&o intelectual que impele o Ocidente latino a partir do século XII, quando ja se anunciava, para as tradigées bizantina, islimica e judaica a hora do declinio. No entanto, seria diffcil compreender o que foi o rapide desenvolvimento intelectual do Ocidente naqueles derra- deiros séculos da Idade Média latina, sem levar em conta outro dado incontestavel, a saber, que esse desenvolvimento emergiu num espaco histérico de policentrismo cultural cujos polos foram as grandes civi- lizagées que sucederam a civilizagdo antiga e floresceram no ectimeno mediterraneo do VI ao XV século, a bizantina, a islamica e a latino- ocidental; e nas quais persistiu, abrigada sobretudo em terras do Isla, a tradicgao cuitural judaica. O enorme trabalho de reconstituigao e avaliagéo das fontes dessas culturas medievais nao-latinas, iniciado alids ou, pelo menos, inspirado pelos mesmos historiadores que ainda escreviam numa perspectiva “latinocéntrica”, levou a uma profunda tevisio do modelo redacional que guiava, em geral, a exposicio da filosofia medieval. E instrutivo comparar, a esse respeito a classica La Philosophie au Moyen-Age de E. Gilson’, ainda hoje referencia obriga- Loria, @.a recente Philosophie meidicuale de A. de Libera”, onde Bizancio, 0 Isla, a filosofia judiaica e 0 Ocidente latino sao tratados ex aequo, para que tenhamos uma idéia da complexidade das raizes culturais e, pro- Priamente, filossficas das quais iria hascet, na sua otiginalidade in- contestdvel, a intuigdo fundadora da filosofia de Tomas de Aquino. mundo medieval. Esses dois roteiros Partem da metafisica grega e da revelacao biblica, Ja antes assinalamos que 0 encontro histérico entre les teve lugar no entrecruzamento Paradoxal entre a andbasis grea da contemplacio e a katdbasis biblice da revelacio. De um lado a dialética ascendente que culmina no éxtase plotiniano do Uno e per- mite contemplar a Processiio descendente dos seres que se perde en- fim na indeterminagdo da matéria eterna. De outro, a Palavra que vera do alto e desce até A profundera Mais tecOndita da came, segundo o logos sarx egeneto joanino*. Essex dois movimentos, que percorrem os Cuminhos mais originais do espirito das dues culturas arquetipais da Nossa historia, deram origem a duas express6es conceptuais nas quais verdadeiramente seu encontro teve lugar, e cuja sintese constituird o desafio maior da tradigao que vai de Origenes a Hegel: a categoria ®a de ser e a categoria biblica de criagao. O itinerétio especulativo da primeira tem origem em Parménides, atinge seu estdgio decisivo Raa A constituigio de uma ciéucia do ser No Sofista de Platéo e na Metafisica de Atistételes e termina enfim na contemplacao plotiniana do Uno. © caminho de Tevelacdo da segunda, partindo das primeiras linhas da narracio biblica dow Comesos, descobre um horizonte de Peabectivas sem fim, na revelagio do nome de Deus a Moisés®, para fixar-se como doutrina plenamente acabada da criagéo nos tltimos livros do AT e no NT. Esses dois complexos conceptuais iréo ope- dades @, no entanto, constituindo uma vasta comunidade de pensa- Fea to due: de Filgo de Alexandria a Nicola ele Cusa, fecundatio o rico solo espiritual das civilizagbes mediterraneas®, A ciéneia gropa do aon Sua matriz conceptual fundamental send uma ciéncia da esséitcia Cousin). A tevelagdo biblica da criagto ¢ do Nome divino, resgata a éxisténcia da pura factualidade de uum aleatério acontecer. Esséncia ¢ Caco em Filosofia primeira ou Metafisica, que a cultuta filoséfica da decadéncia, de Nietzsche a Heidegger, incluindo alguns te6logos cris- Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, 23, n. 73, 1996 _ tn a. tos recentes, tard venus ao afa da “desconstrucio”®, tentam em vao destruir, E nessa Filosofia primeira que se situa o lugar tedrico de Toméas de Aquino na histéria do pensamento filos6fico. E, pois, a partir desse lugar que convém refletir sobre o “pensamento do ser” tomdsico na perspectiva de uma histéria por vir cuja figura enigmdtica jé se delineia no nosso incerto presente. Tomas de Aquino e o destino da Metafisica 3. 1 Da representacio ao ser A aventura da Metafisica ocidental nos longos séculos do seu desen- rolar, de Parménides a Tomas de Aquino, teve como protagonista uma certa concep¢io da inteligéncia (ou nous na terminoiogia grega) cujo exercicio permitiu ao fildsofo, seguindo a rota da "segunda nave- gagio” platdnica™, estender sua inquirigao além do horizonte do sen- sivel e propor modelos diversos de uma ciéncia do puramente inteli- givel. A inteligéncia metafisica que é, propriamente, uma inteligéncia espiritual, teve seu exercicio reconhecido e celebrado como o mais alto cimo que a inteligéncia humana pode alcangar, até que o nominalismo tardo-medieval iniciou o lento trabalho de “desconstruga0” que aca- bou por depor a Metafisica do lugar eminente que ocupava na tradi- ao da cultura ocidental®. A pretendida “morte da Metafisica”, que preferimos denominar o seu setraimento “epocal”, representa, na ver- dade, um proceso histérico multissecular e € o avangar desse proces- 50 que permite caracterizar a poca moderna da cultura e do pensa- mento acidentais como idade pés-metafisica®. Um reencontro com a tradigio metafisica, sobretudo com um dos seus filées mais profundos e mais ricos que é a metafisica tomésica da existéncia, deve antes remontar esse curso da filosofia moderna que vem desaguar na paisagem cultural dos nossos dias onde nada resta, em termos de pensamento reconhecido e legitimado pelo establisionent intelectual, da antiga Metafisica. Uma Erinnerung ou rememoragao hoje, do pensamento metafisico que floresceu num passado nao 36 crono- logicamente mas culturalmente tao distante de nés, oferece dificulda- des que desafiam filésofos ¢ historiadores. Dentre elas nao 6 a menor © fato de que a cultura pés-metafisica nos envolve e modela profun- damente nossos hdbitos intelectuais. Encontrar um caminho que nos conduza ao pensamento metafisico como a um pensamento vivo no Sintese Nona Fase. Belo Horizonte. v. 23.n. 73.1996 [113 contexto histdrico em que foi outrora exercido, caminho pelo qual postimos retornar trazendo a inspiracgSo dessa vida pata pensar os problemas do nosso tempo (tal é a razdo essencial da Erinnerung) eis a primeira tarefa a ser cumprida no nosso propdsito de pensar a re. lagdo entre Tomds de Aquino e o destino da Metafisica. Note-se que nao se trata aqui de uma tarefa de simples reconstituigio historica mas desse exercicio hermenéutico por exceléncia que é pensar a tradi- fito. E que tradicio mais digna de ser pensada do que aquela que, por longos séculos, assegurou a continuidade da mais alta ambigao especulativa que jamais impeliu o pensamento humano? Na verdade, © desatio de pensar a tradigio metafisica surgiu no horizonte filoséfico t8o logo a critica kantiana encerrou aparentemente o primeiro ciclo moderno do “fim da Metafisica” aberto com 0 nominalismo tardo- medieval. Fichte e Schelling responderam a seu modo a esse desafio, fas ¢ a resposta hegeliana que aparece a mais signiticativa, propon- do-se explicitamente recother e transfundir as categorias da Metafisica cldssica no grandioso ritmo dialético da Ciéncia da Légica®. Atribuindo um sentido decididamente ontolégico a distingao kantiana entre Vernuift e Verstand, e conferindo, assim, um aleance metafisico 4 Dialética transcendental de Kant, Hegel reecontra no plano das puras essencialidades, tornadas momentos dialéticos do pensamento de si mesmo do Absoluto, o antigo conceito de nous ou intellectus. Mas ° Programa hegeliano de repensar a antiga metafisica como Légica tem lugar no terreno da subjetividade moderna ou da forma moderna de uma metafisica da imancncia, nao testaurando, portanto, o movimento em direcdo a transcendéncia real do Ser, constitutive do intellectus da tradicao classica®, Para os pos-hegelianos a Ldgica passa a ser o instruc mento poderoso de andlise das realidades em devir, néo a expressiio fonceptual do Absoluto que é. Um século depois de Hegel 0 impera- tivo de penser a Metafisica ressurge com impeto ¢ profundidade na obra de Heidegger. A consigna do “pensamento do ser” preside ao desenvolvimento da reflexdo heideggeriana, tanto na sua primeira fase, inaugurada para o pubblico filoséfico com Ser ¢ Tempo (1927), quanto na segunda iniciada com a chamada Kelre (reviravoita) a partic de 1934. Mas Heidegger introduz um paradigm inteiramente move ne Propssito de pensar a tradigio metafisica e esse, que passa a ter influéncia predominante na histotiografia filoséfica contemporanea, acaba sendo erigido em roteiro do Ultimo ato no drama da “morte da metafisica”. Voltaremos a nos ocupar do paradigma heideggeriano, que se auto-denominou “a constituigéo Onto-teo-légica da Metafisica”’, quando estudarmos a sua flagrante inadequacéo a0 pensamento de Tomas de Aquino. Heidegger, no entanto, deixa-nos um testemunho que ¢, talvez, o mais elogiiente na filosofia contemporanea, de que pensar a tradicao metafisica permanece como um dos atos fundadores da continuidade histérica da filosofia. 414} Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, «. 23, n. 73, 1996 a Esse pensamento da tradi¢do metafisica foi retomado em perspectiva inteiramente diferente e fora do espaco tedrico circunscrito pelo arco que vai de Nietzsche a Heidegger, por E. Gilson no seu grande livro LEtre et l’Essence*. Nele estamos verdadeiramente diante de uma hermenéutica metafisica da historia da Metafisica, desenrolando-se em toro dos dois polos conceptuais que definem o campo tedrico dessa histéria: a existéncia e a esséncia. Um itinerdrio magistralmente tragado de Platéo a Hegel, e um breve mas empenhativo confronto com Heidegger em Apéndice a 2a. edigfio", fazem dessa obra um marco de extrema importancia na seqiiéncia das tentativas, iniciada por Hegel, de pensar a tradicao metafisica. Por razdes que aqui nfo nos interes- sam, a obra de Gilson esieve longe de alcangar a repercussio que merecia no mundo filosdfico, Como também permaneceu longe das luzes da moda filoséfica outra obra notavel devida a Gustav Siewerth®, que acompanha, com extraordindria penetracao especulativa, o desti- no da Metafisica de Tomas a Heidegger. Hegel, Heidegger, Gilson e Siewerth se propdem pensar a hist6ria da Metafisica, as razSes do seu declinio e mesmo confrontar-se com a sua proclamada morte numa intengao explicitamente teérica, segundo a qual as vicissitudes do conceito no tempo trazem até nds problemas que continuam presentes na teoria e na pratica da nossa propria his- toria. Sem desconhecer e, menos ainda, desconsiderar essa intengao tedrica, que é inerente a historiografia filosdfica, outras tentativas de pensar a significacao filosdfica e, mais amplamente, cultural, de que a historia da Metafisica ¢ portadora na nossa tradigao, orientam-se deliberadamente para o campo da reconstituicéo historiografica do seu percurso e, sobretudo, dos seus decisivos pontos de inflexdio. E apenas necessdrio mencionar que uma parte consideravel dessas ten- tativas concentra-se em torno das préprias origens da Metafisica. Depois de serem submetidos a diversos paradigmas de leitura, idealista, positivista, culturalista ou analitica, os textos de Plat&o e Aristételes sao estudados hoje, de preferéncia, no seu nivel semantico propria- mente metaffsico, sem dtivida o nivel mais profundo da sua estrutura significativa. Nesse sentido se desenvoivem as discussdes recentes em torno da teoria dos Principios em Plato, consignada sobretudo nas chamadas “doutrinas nao-escritas”*, ao passo que a discussio em torno da Metafisica de Aristételes, iniciada com os trabalhos de W. Jaeger em 1913 e 1923, estende-se praticamente por todo o sécuto e alimenta uma vasta bibliografia. Mas 0 interesse pela histéria da Metafisica, estimulada sem duvida pelo modelo interpretative heideggeriano, ao qual se deve acrescen- tar, na historiografia francesa, a obra de Gilson, volta-se presentemen- te, de preferéncia, para essa época de decisivas transformagées na histéria espiritual do Ocidente, que vai do século XIV ao século XVI Sintese Now Fase. Belo Horizonte. v. 23.n. 73.1996 [TI ou, na sua vertente filosdfica, do nominalismo tardo-medieval a critica de Kant, passando pela idade do grande racionalismo. Foi ent&o que a histéria da Metafisica sofreu sua mais completa mudanga de rumos ¢ se delinearam 0s problemas que a acompanham até hoje, Esse 6 0 campo percorrido por notaveis obras recentes de investigacio hist6ri- ca como as de L. Honnenfelder®, de R. Schénberger“*, de A. de Muralt®”, de J.- F. Courtine, e de outros. A desarticulagao da analogia do con- ceito do ser, e a constituigdo de uma scientia transcendens tendo por objeto um conceito univoco do ser, e que serd sistematizada no clima do racionalismo cartesiano assinalam, segundo alguns, 0 estégio final da historia da Metafisica. Ora, no limiar desse estdgio final eleva-se, como premonigao nao atendida de um destino, a metafisica tomdsica do ato de existir. Remontar os caminhos desse destino e reencontrar, num auténtico exercicio de Erinnerung filosdfica, a significagao atual do grande gesto metafisico que permaneceu como que suspenso sobre a Geistesgeschichte do Ocidente, sem que fossem reconhecidos sua audacia especulativa e seu imenso alcance, eis 0 que nos parece, de- pois das investigagdes pioneiras de Gilson, uma das iniciativas essen- ciais em ordem a obedecer a injungao de, mais uma vez, pensar a tradicao metafisica, que Heidegger legou — ¢ af estd seu indiscutivel mérito — a teflexdo filosdfica do nosso tempo. A pequena contribuigtio que trazemos ao cumprimento dessa injungio nao seguird o roteiro de um Gilson, examinando as vicissitudes histé- ticas dos conceitos de ser @ esséncia, nem de um Siwerth, acompanhan- do a inscrigéio do destino declinante da Metafisica nos tempos pés- tomdsicos. Nossa aproximagao ao alto ¢ solitério cimo metafisico ao qual se elevou Tomas de Aquino avangara por duas vertentes que ele mesmo trilhou: a vertente gnosiologica e a vertente teoldgica. Ao caminho pela vertente guosioldgice demos o titulo: da representagéo 40 ser. Esse titulo tenta exprimir, desde o ponto de vista da teoria do conhecimento, a curva ascendente da Metafisica na tradigdo filoséfica ocidental. No seu itinerdrio greco-medieval ela caminhou justamente da representagio ao ser, atingindo seu épice na metafisica tomdsica do ato de existir. No seu caminho descendente, ao contrario, ou seja, na sua “desconstrugao” tardo-medieval ¢ moderna ela procedeu do ser & tepresentagao, vindo finalmente a perder-se no niilismo pés-hegeliano. Cada um dos grandes filésofos que trilharam a via ascendente no roteiro historico da Metafisica, de Plato a Tomas de Aquino, seguiu © mesmo itinerdrio. Cada um deles encontrou seu caminho original indo da “representacao ao ser”, ¢ retomou, com nova estratégia, a grande “gigantomaquia em torno do ser”®, que Plato travou pela ptimeira vez no didlogo Sofista. Ao invés, cada um dos grandes “desconstrutores” da Metafisica, de Duns Escoto a Kant, seguiu a seu modo 0 caminho que leva “do ser a representacao””, 176 | Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 O caminho de Tomas de Aquino constitui o titimo grande itinerdrio gnoseoldgico rumo as altitudes metafisicas na hist6ria do pensamento ocidental. Da altura a que se elevou a reflexdo tomdsica parte igual- mente, com a critica escotista a distingdo real de esséncia e existincia no ser finito, 0 caminko descendente que leva do ser & representagio. Nosso propésito & o de descrever os grandes passos do itinerério tomésico situando-nos num terreno privilegiado, ou seja, a teoria do jufzo, na qual se formula, segundo os termas do comentério ao de Trinitate de Boécio, a separatio, vem a ser, propriamente, 0 gesto metafisico da inteligéncia desvelando as alturas luminosas da inteligibilidade do ato de existir”. A teoria do juizo em Tomés de Aquino tem sido objeto de muitos estu- dos, gerando abundante bibliografia que nao é nosso propésito exami- nar aqui, O juizo pode ser considerado a partir de varios angulos: légico, psicolégico, gnoseolégico ¢ propriamente metafisico. Por sua vez, 0 ponto de vista gnoseolégico, ou seja, o que considera o juizo na sua fungao de conhecimento, é 0 que se prolonga diretamente na di- mensao metafisica. Na versio gnoseolégico-metafisica da teoria tomdsica do juizo que adotamos, estamos mais préximos da leitura e interpretagdo dos textos apresentadas na década de 20 por Joseph Maréchal S. J (1878-1944), sobretudo no Cahier V do seu Le Point de Départ de ta Metaphysique®. Trata-se de uma das obras mais notdveis da literatura filosdfica da época, hoje injustamente esquecida, nao obstante a profunda influén- cia que exerce: no desenvolvimento posterior da filosofia de inspira- sao crista. Na nossa prdpria leitura dos textos tomsicos sob a inspi- tagdio de Maréchal, iremos dar realce ao dinamismo do conhecimento intelectual que vai além das fronteiras da representagdo e se orienta estruturalmente para 0 adsolitio do ser, constituindo verdadeiramente © vetor metafisico do juizo. Por outro lado, na interpretagao marechaliana, no recebe realce a originalidade do ato de existir, do esse, como perfeigio suprema do ser, centro propulsor do dinamismo do juizo e centro da inteligibilidade metafisica, segundo Tomds de Aquino. Foi mérito inestimavel de E. Gilson, como igualmente de J. Maritain, de C. Fabro e de outros tomistas 0 ter colocado em plena luz a significagio metafisica da doutrina tomésica do esse. Foi a ela que Gilson dedicou o methor da sua meditag3o de historiador-fildsofo, trazendo assim uma preciosa complementagao 4 teoria marechaliana do juizo, que ele mesmo, de resto, criticara um dia como irremediavel- mente comprometida com uma postura idealista’’. Nosso intento nao 0 de harmonizar as posigdes dos dois pensadores, pois o tema que nos ocupa € a metafisica de Tomas de Aquino e sua significagéo em face dos problemas atuais da cultura e da filosofia. No entanto, parece- nos licito afirmar que as contribuigdes de Maréchal e Gilson se Sintese Nana Fase Rela Horizante » 92 n 7% 1998 7 complementam no sentido de oferecet-nos uma melhor inteligéncia da teoria do juizo, na qual pulsa o coragdo da metafisica tomésica A abertura inicial ao horizonte metafisico de Tomas de Aquino, pre- Ambuio necessério para se avangar pelos caminhos que a ele condu- zem, tem lugar no reconhecimento do cardter sapiencial de uma ciéucia primeira, inerente & hipétese da sua existéncia: se existe uma ciéneia primeira, deve ser uma sabedoria, afirmacio que comeca por desvelar a nalurexa daquela ciéncia e precede a demonstragao da possibilidade do seu exercicio. Trata-se de um reconhecimento que 6, ao mesmo tem- po, uma atitude espiritual e um procedimento intelectual, pondo em movimento a mais profunda aspiragao do nosso espirito, esse dlan para a verdade em direcao 4 qual ele se langa, segundo Platao “com toda aalma””. © reconhecimento do cardter sapiencial da ciéncia primeira, que o elenco posterior das obras de Asistételes designard com o nome de Metafisica, representa o titulo necessdrio para nos constituir herdei- tos legitimos da tradigao platénico-aristotélica da qual recebemos esse saber. A natureza da ciéncia primeira como sabedoria é proclamada por Tomas de Aquino no luminoso Proémio ao seu comentario & Metafisica de Aristoteles’*. Nesse texto de admiravel concisio”, Tomas de Aquino articula trés idéias matrizes constitutivas da Metafisica, das quais pro- cede sua natureza sapiencial: ordem, inteligéncia, fim. A idéia de or- dem rege universalmente a atividade cognoscitiva do homem, do con- trario ela se perderia num inextricdvel caos. Por sua vez, ela 6 intrin- secamente articulada a idéia de inteligéncia, ou seja, da mais alta forma de conhecimento que nos 6 dada praticar, capaz de contemplar a or- dem universal ou mesmo, se se trata da Inteligéncia primeira, de ins- titui-la, segundo a profunda intuigéo de Anaxagoras que lancou Plato na rota do inteligivel™. Ora, a inteligéncia (nous, intellectus) é, por ex- celéncia a inteligéncia da unidade, vem a ser, da forma da ordem e do fim cuja consecugio a ordem toma possivel. A sabedoria, fruto da inteligéncia, € portanto, conhecimento da ordem, da unidade e do fim eo sabio é, por definigao, o ordenador do universo das raz5es como sendo o medium in quo ou mediador translicido no qual contempla a ordem dos seres”. Dessa articulagio da ordem, da inteligéncia e do fim procedem as trés vertentes da sabedoria metafisica que Tomés de Aquino enumera, enfeixando em admiravel sintese os tr6s grandes fios condutores da tradigdo metafisica grega: a ordem da atividade cognoscitiva que tem como principio o conhecimento das causas como conhecimento intelectual por exceléncia; a transgressio do sensivel, pela qual a inteligéncia se eleva ao inteligivel & aos prinefpios univer- sais; ¢ a propria natureze do conhecimento intelectivo no qual vigora a identidade intencional entre a inteligéncia e 0 inteligivel na sua transcendéncia sobre as limitagdes da matéria®. Daqui as trés designa~ Ges da ciéncia primeira na tradigao aristotélica: teologia, metafisica ¢ filosofia primeira. 178} Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v, 23, n. 73, 1996 oa © Proetiun ao comentério & Melafisica aristotélica ndo é nem uma sinopse dessa obra, nem uma determinagio preliminar do seu objeto, questo essa que Arist6teles discutird longamente nos livros IV (garta) e VI (epsilon). O Proemium deve ser lido a luz dos capitulos 1 e 2 do livto 1 (alpha) que apresentam a filosofia primeira como sabedoria (Sopltia) e celebram sua natureza de saber desinteressado®. Nele, por- tanto, € desenhado o perfil de uma atitude espiritual e de uma dispo- sigdo intelectual que abrem o espitito ao apelo da sabedoria e 0 tor- nam apto a percorrer o itinerdrio do mais alto saber humano. © passo inicial desse itinerdrio, no qual ja se fixa a sua diregio defi- nitiva, vamos encontra-lo descrito por Tomas de Aquino no seu co- mentario a célebre refutagao aristotélica do Ceticismo, refutacao que é © ptimeiro estdgio do caminho da Metafisica®. Nao nos deteremos aqui na estrutura ldgica do argumento de reforsio mas na significagio metafisica dessa passagem tal como Tomas de Aquino a leu em Aristételes. Depois de ter pesquisado e determinado, nos capitulos 1 a3 do livro IV (gamma) 0 objeto da ciéncia primeira e estabelecido a sua unidade segundo a estrutura analégica denominada pros ent, ow referéncia a um significado primordial (no caso a ovsia, 0 ser subsistente)", Aristételes inclui nesse objeto os axiomas e, em primei- ro lugar, 0 que € princfpio de todos os outros, 0 axioma da ndo- contradicao (cap. 3). Ao justificar em face do cético o principio de nao- contradi¢ao, utilizando o argumento da retorsio ou ad hominem, o Fie lésofo retoma o impulso do grandioso surto especulativo transmitido por Platéo no Sofista, e que funda o discurso (logos) da Metafisica oci- dental®. A leitura tomésica desse célebre capitulo parece-nos conter uma indi- cagio decisiva no sentido da reformulagio conceptual que sera levada a cabo pelo Aquinatense da tio discutida divisio das ciéncias teoricas proposta por Aristételes no capitulo 1 do livro VI (épsilon). Descerra- se, pois, aqui, 0 que seré o horizonte da Metafisica segundo Tomas de Aquino, Nesse capitulo Aristételes ensina que as trés ciéncias tedricas, Fisica, Matemdtica e Filosofia primeira, situam-se hierarquicamente de acordo com a independéncia do seu objeto com relacio 4 matéria sensivel®, Ora, para Tomds de Aquino, que realiza um esforgo notavel para fundamentar num principio absolutamente universal a universa- lidade da Filosofia primeira proclamada por Aristoteles, esse prinefpio flui imediatamente da natureza da inteligéncia e se exprime na afir- mago incondicionada do ser no ato judicativo. © objeto da Filosofia primeira, 0 ser exqtanto ser (on ke on) ou ser universal (ens comnzune) emerge em plena luz no mais simples ato do juizo, ¢ a inteligncia deve apenas penetrar sempre mais a sua superabundante inteligibilidade para construir a ciéncia do ser. E esse 0 ponto de par- Hida que é estabelecido de maneira irrefutavel na retorsio operada sobre Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 179 & Regasao cética. A vis probandi da retorsio reside fundamentalmente con neta da relacdo que une a inteligéncia humana finita e 0 ser como tal, na sua amplitude transcendental ou infinita, Trata-se de uma relacao ative, inerente a finitude da inteligéncia, pela qual ela necessa- ramente age (ou melhor, por meio dela‘o Sujeito age), ao passar do poder conhecer ao ato do conhecimento. Nao sendo idéntica ao ser — hipdtese de uma inteligéncia infinita —— “, a inteligéncia finita deve unit-se intencionalmente ao ser numa identidade ne diferenga, 0 que Reaver absolutamente uma determinagao minima ne seu objeto: aliquid SI, “alguna coisa &", detecminagao que instala contradigto no cerne do niilismo radical do cético absoluto ao pretender dizer e, Portanto, Significar que nada &. Em suma, falar pensar, pensar € julgar, julgar € agit, agir pressupde uma determinagao minima (ti orisinciion)® ng Set objeto. Nem deus, nem vegetal: tal ¢ 0 homem como inteligente, segundo Aristételes. Nem a Mmudez absoluta, nem a identidade abso- uta com o objeto, e sim a necessidade absoluta de agir para conhecer, logo a de afirmar alguma determinagato no ser conhecido e a de con- frontar-se inevitavelmente como problema das determinacées elemen. fares do ser. Ao cético, ou ao negador do principio de nao-contradi- $49, nao sendo ele deus, nao Testa sendio a mudez do vegetal ou a linguagem contraditéria do no-sentido®, Desta sorte, no primeiro e mais elementar ato da inteligéncia judicante Tare luminosa a figura conceptual do ser, e se abre o espaco inte- ligivel da ciéncia primeira, ou sténcia do ser. E sabido que 0 caminho aristotélico nesse espago ditige-se para pdr em evidéncia no centro ou 20 foco de inteligibilidade do ser a ousin, o sor subsistente ou substan- prin Eundo © procedimenta analégico da referénen, a um ser-uno Primordial (pros en)”, No seu Comentatio a Metafisica, fil & letra do texto, Tomas de Aquino néo vai além da ontologia atistotélica da substancia. Com efeito, ao fratar da divisto das ciéncias tedricas em VI (¢psilon), 1, 0 comentador Io faz nenhuma alusdo nem ao ato de ext (esse) nem ao ato iudicativo no seu exercicio metafisico (separatio). E preciso recorrer as questées Ve VI do Comentatio ao De Trinitale clo Boscio, para encon- frarmos uma das expressdes mais acabadas da concepcao tomasica da natureza e divisio das ciéncias tedricas (qu. V e do seu exercicio, qu. VD". Ao comentar 0 tratado feologico boeciano, Tomas de Aquino Toye Se em territ6rio cristo e pode, assim, fazer avangar as fronteiras da Metatisica até a afirmacao da inteligibilidade intrinseca do ato de existir, que transluz através do conceito de criacto e da revelagto do Absoluto como puro existir: Ego sien qui sun. Essa a contribuigao decisiva do Comentario a Boécio, Os artigos 2 a 4 da questo V se apresentam aqui como os textos centrais. Depois de justificar, no art. 1, a divisdo aristotélica das ciénciag fedricas, Tomas de Aquino se interroga, no art. 2, sobre o objeto da Fisica, que é definido a partir da distingao aristotélica entre a forma (eidos)e 0 todo concreto (synolon). A forma dos seres naturais, neles imanente, conquanto em si mesma universal, € ato da materia (ityle) nos individuos concretos, dos quais se abstrai o ser mdvel, objeto da ciéncia fisica. J4 ao determinar 0 objeto da Matemética (art. 3), Tomas de Aquino expée sua teoria da abstracio intelectual e € a propdsito dessa teoria que ele nos introduz no terreno da Metafisica. O substrato histérico desse artigo € bastante complexo, a comegar pelas incertezas textuais da passagem aristotélica [Met. VI (épsilon), 1] na qual Boécio se apdia. Na conclus&o do artigo, porém, Tomds de Aquino avanga por seus préprios passos ao descrever 0 processo intelectual que conduz ao nivel tedrico onde se situa a filo- sofia primeira ou Metafisica. Bis os estdgios desse pracesso: a) a abstractio universalis a particulari, que € comum a todas as ciéncias (abstragio fotal) e que & propria igualmente da ciéncia fisica; b) a absiractio forme a materia sensibili da qual resultam as “quididades” ou esséncias abs- tratas (abstracao formal) e que 6 propria das cigncias matemiticas: ©) finalmente, a separatio, operagao prépria do juizo ou da inteligéncia que compée ou divide (afirma ou nega), e é o procedimento que esté na origem da filosofia primeira ou Metafisica®. A originalidade de Tomas de Aquino, como reconhece a maioria dos comentadores®, reside nes- sa intui¢do genial pela qual o objeto préprio da Metafisica nao se situa ao termo de um processo abstralivo da inteligéncia como nogdo universalissima do ser (ens generalissimum ut nomen) mas transluz na intencionalidade dinamica do ato judicative como identidade dialética entre a forma do juizo (est) ¢ o ato ou perfeictio suprema (existir, esse)”. © Aquinatense articula, desta sorte, a determinacdo do objeto da Metafisica ao movimento dialético de refutagao do cético absoluto pelo argumento de retorsio em Met. IV (ganima), 4 que, como acima vimos, nos permite 0 primeiro passo no terreno da Metafisica. Esse terreno se abre justamente para nds ao descobrirmos a estrutura metafisica do juizo. E nele que se desdobra o caminho que leva da representagio ao ser, € tem lugar a descoberta pela inteligéncia humana, muito mais importante do que qualquer “revolugdo copernicana’, daquela que Gilson denominou a ultima Tiule® do pensamento metafisico: a inteligibilidade irradiante do ato de existir, Vamos, pois, indicar os grandes passos desse caminho e, assim, atingiremos 0 centro da metaffsica de Tomas de Aquino. Em primeiro lugar é necessario descobrir a diregio do caminho. Para tanto ajudard, talvez, uma breve comparacao entre duas leituras paradigmaticas da teoria tomasica do juizo: a de Joseph de Tonquedéc” ea de Joseph Maréchal™. © primeiro propée uma concep¢ao analitica @ estatica do juizo™, o segundo uma concepgao sintética e dinamica™., Para Tonquedéc 0 juizo é essencialmente uma operagao analitica que, na unidade complexa do objeto apreendido pela inteligéncia, pde em Stntoce Nona Rinse Rela Horizonte n 98 n 72 1998 TAT relevo a dualidade de aspectos que, por sua vez, sio reunificados na relagao elementar S$ — P. Por meio dela a inteligéncia restitui a com. Patibilidade ou conveniéncia de aspectos que antes distinguiu, recu- perando assim a unidade do objeto 4 qual presta assentimento™®, O assentimento nao 6, formalmente, um conhecimento em forma judicativa, pois pode ser dado a uma proposicéo sem que a inteligén- cia conhega a conexao real dos seus termos, come nos juizos falsos, de opinido ou de fe. Por conseguinte, na leitura proposta por Tonquedée da teoria tomasica do juizo, a forma propriamente dita do ato judicativo, a c6pula ¢, nao desempenha sendo uma fungi de ligagdo dos termos que a anilise distinguiu; e o assentimento cumpre apenas a funcdo psicolégica de exprimir a atitude do sujeito cognoscente em face do objeto ao qual se aplica o juizo. Ao passarmos para a leitura marechaliana dos textos tomvdsicos entra: mos num clima intelectual e num projeto filosdfico diferentes, onde é visivel o propésito de descobrir na teoria do juizo justamente “0 ponto de partida da Metafisica”. Segundo Maréchal, a estrutura fundamen- tal do juizo manifesta-se na articulagao de dois niveis, na qual tem lugar exatamente a passagem do ldgico (primeizo nivel) a0 mietafisico (segundo nivel), ou da chamada “sintese concretiva” a sintese judicativa Propriamente dita. Nessa passagem manifesta-se o dinamismo ele- mentar do juizo e ¢ através dela que o conhecimento intelectivo se eleva do nivel das esséncias ou “quididades” onde ele se exerce como “razao" (ratio) ao nivel da existéncia onde procede como “inteligéncia” (utellectus). No primeiro nivel tem lugar o conhecimento cientifico Propriamente dito, no segundo o conhecimento mietafisico. E necessa- rio, no entanto, que essa Passagem da ratio ao intellectus seja bem entendida. Toda ciéncia, evidentemente, se constréi através de juizos que so, na sua forma l6gica, proposigdes de diverso género (axiomas, principios, teses, conclusées) que dao origem a outras tantas espécies de julzo (categéricos, hipotéticos, disiuntivos... ) com dliverso valor cognoscitivo (evidentes, certos, provaveis...). No entanto, 0 dmbito epistemoldgico ao qual se aplicam os juizos cientificos é 6 da stixtese coucreliva, ou seja a atribuigio de uma esséncia ou “quididade” uni- versal a um sujeito concreto. A cépula verbal ¢ desempenha aqui a funcao de operador idgico da sintese conctetiva § — P.O Ambito da atribuigao € limitado eideticamente pela “quididade” ou esséncia'®, Tal € a estrutura ¢ 0 aleance dos juizos cientificos segundo Maréchal, Se considerarmos, porém, 0 juizo desde o ponto de vista metafisico, ou seja, & luz da operacao intelectiva que Tomas de Aquino denomina separatio e da qual resulta o objeto da Filosofia primeira, torna-se pa- tente a insuficiéncia da simples fungao ldgica da cépula verbal ¢, para explicar o alcance ontolégico que o juizo passa a revelar. Com efeito, ao Ser submetido ao dinamismo da afirmagio, o juizo transgride a limita- Sao eidetica da sintese concretiva, e eleva o objeto ao nivel da univer- 182} Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 22, n. 73, 1996 salidade formal do ser (ens commune) o que implica, por sua vez, referi- lo ao Absoluto real (pst Esse subsistens), que é posto (fungao Iética do jufzo) como finalidade Ultima do dinamismo intelectual. E justamente na natureza dessa estrutura relacional constitutivamente metafisica do juizo que jaz um dos mais profundos entre os problemas da Metafisica: peusar a seqiiéncia desses dois movimentos intencionais da inteligén- cia, que definem a sua pulsio essencial™: a passagem da sintese concretiva ou da representacito ao ser e do ser ao Absoluto. Os aspectos psicoldgico e gnoseolégico do primeiro desses movimen- tos foram longamente analisados por Tomds de Aquino! e nao é 0 caso de nos demorarmos, aqui, nessa anélise. Ela pode ser resumida assim: a) psicologicamente a faculdade cognoscitiva, opetando como “intelecto agente” (noxs o panta poiein, na expressio de Aristételes) apreende uma “quididade” proveniente do objeto mediante a sensibi- lidade; uma forma de reflexdo exercife, ou seja, implicada diretamente no préprio ato da apreensdo e denominada “conversio a imagem” (conversio ad phantasma) descobre essa “quididade” como inerente a um sujeito concreto; b) grosiologicamente a “quididade” é 0 primeiro objeto (objectum proprizm) do conhecimento intelectivo, operando como “intelecto possivel” (nous fo pana gignesthai), e 6 conhecida, através da chamada “sintese concretiva”, como sendo a forma de um sujeito con- creto (p. ex. “humanidade” como forma de “homem’). Esses dois aspectos se ordenam estruturalmente ao juizo (passagem da “sintese concretiva” ao ser). O momento da “sintese concretiva”, cuja razao Ultima & a receptividede de uma faculdade cognoscitiva nao-intuitiva como é a nossa, 0 que supde o conhecimento intelectual como passa- gem da poténcia ao ato”, implica a alteridade do objeto e, portanto, a sua objetividade incoativa, na medida em que a sua natureza (essentia), qiiididativamente ou abstratamente expressa, é conhecida, ¢ em que a sua existéncia (esse) é afirmada em virtude dessa mesma natureza™. A unidade da “sintese concretiva” que resulta da atribuiggo da “quididade” a um sujeito, corresponde a unidade ontoldgica do objeto enquanto ser e que é afirmada pelo juizo"”. Trata-se, no caso, de uma unidade predicamental pois resulta da atribuigéo do ser no nivel predicamental ou categorial, circunscrito pela limitagdo efdética da “quididade’™, Sabemos, no entanto, que a “sintese concretiva” ¢ a atribuigéo da unidade ao objeto que ela torna posstvel, bem como o nivel ontolégico no qual o objeto se situa em virtude dessa unidade predicamental, ndo atendem ao dinamismo profundo da afirmagao judicativa’™. E, pois, na afirmaco que se transpie verdadeiramente o limiar da Metafisica segundo Tomas de Aquino". Nela tem lugar, de um lado a apercepgio cognoscitiva da unidade transcendental ou trans-numé- rica do ser ¢, de outro, a operacéo denominada separatio que poe em Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 {188 ewiuencia a natureza do existir (esse) como ato @ Perfeigio Suprema do Ser. Na afitmagao cumpre-se, pois, a Passagem da representagao ao ser out a linguagem medieval, da speciet ao objectum, ou ainda da forma fo alo de ser". No proprio nivel do ser sfirmado tem lugar um novo & decisive movimento dialética No qual o ser predicamental é suprassumido no ser transcendental ou 6 situado na perspectiva do horizonte absoluto do ser’, & justamente na Perspectiva desse hori- vonte que se pode falar de uma fungao tética do juizo, ou seja, da Posiso incessante do existir (esse) na afirmagéo como valor inteligivel supremo do reals Por outro lado, em se tratando de um movimento intencional, vem a Set, da passagem da poténcia (4 forme da sintese concretiva) np ato (o esse da afirmagao), 0 dinamismo do conhecimento intelectual manifes- lado no juizo desdobra-se ne ordem da finalidade, na qual se manifesta a sinergia da vontade e da inteligéncia, orientando ontologicamente o movimento do espirito — inteligéncia e liberdade — Para © absoluto formal da Verdade edo Beme Para o Absoluto real do Existir subsistente (psum Esse Subsistens)"?, problema da finalidade no conhecimento oc bsohuto teal. Somos, assim condusicos ¢ segunda vertente metafisica 4a teoria tomaisica do juizo, a vertene teoldgica. 3.2 Do Ser ao Absoluto © reconhecimento de uma dimensao leoldigica constitutiva da Filosofia Primeira ou Metafisica remonta ae Origens desse saber. Platao, além de nos fornecer a primeira Scorréncia conhecida do termo theologia'™, Jegou-nos igualmente, no Banquele e na Repuiblica'®, o modelo tedrico, fue se tornou classico, de ascensan intelectual a0 Absoluto como Be. leza ¢ Bem transcendentes, Por outro lado, so conhecidas as discus. 80e8 entre os estudiosos da Metafisica de Atist6teles acerea dg desig- hasdo de theologia ou “ciéncia divina” atribuida 4 Filosofia primeira e que Tomas de Aquino fez sua, Hoje prevalece a tendéncia a nao se accitar o rigido dualismo estabelecilo Por W. Jaeger e seus seguidores entre a ciéncia primeira enquanto theologia e enquanto ciéncia do “ser Ame Ser"(on he 01). A teologia Hloscfica em Tomas de Aquino, con Muencia de diversas tradigdes como a aristotélica a neoplaténica ¢ 4 ‘Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 crista!”, compoe-se harmoniosamente, segundo o Aquinatense,com a teologia revelada’®. Obedecendo ao modelo platénico-aristotdlico, a teologia metafisica de Tomas de Aquino é uma ciéncia a posteriori, na qual Deus é conhecido néo em si mesmo (nom tamquam subjectua scientiae) mas enquanto fonte dos principios do ser (temguan principie subjecti). A demonstragio da sua existéncia procede pela andlise metafisica das estruturas do ser finito, seguindo o roteiro das “cinco vias”* (movimento, causalidade, contingéncia, participagio, finalida- de), que abrangem todos os caminhos para o Primeiro Principio segui- dos pela tradicao metafisica™. Desde o ponto de vista da metaffsica teolégica, a natureza do Principio permanece em si mesma incognoscivel, de acordo com um ensinamento que vem de Filo de Alexandria", Segundo a enétgica formula de Tomas de Aquino, co- nhecemos a Deus per ignorantiam nostram™”, pois conhecer a Deus € ignorar 0 que ele é em si mesmo. A nossa inteligéncia, enquanto inte- ligéncia espiritual, aproxima-se dele paradoxalmente, sem diminuir a distancia ontolégica infinita da sua Transcendéncia, seguindo nesse aproximar-se os caminhos consagrados pela tradicio pseudo- dionisiana: per viant negationis, causalitatis ¢ supereminentiac’®. ‘A demonstragio a posteriori da existéncia de Deus que é, ao mesmo tempo, 0 conhecimento da absoluta necessidade ontolégica do Princi- pio ¢ o reconhecimento da sua infinita Transcendéncia, € 0 limiar da metafisica como teologia revelada ou sacra doctrina. Se essa demonstra- gdo & assim considerada e é exposta cuidadosamente por Tomas de Aquino no inicio da Summa contra Gentiles e da Summa Theologiae, uma questdo permanece que tem intrigado os intérpretes dos textos tomdsicos e nem sempre tem recebido uma resposta satisfatdria: por que Tomas de Aquino nao incluiu formalmente entre as provas da existéncia de Deus aquelas que parecem resultar de trés t6picos metaffsicos presentes ao longo de toda a sua obra? Sao eles: a) a estru- tura analdgica do conceito de ser que, sendo uma estrutura do tipo plurium ad unum (pros en) implica, na perspectiva do teocentrismo tomésico, separando-se aqui da ousiologia aristotélica, a posicio do Ser Absoluto como primeiro analogado; b} a dialética da distingao real da esséncia e da existéncia no ser finito, que implica a sua identidade no Ser Infinito; c) a estrutura finalista do dinamismo da inteligéncia, expressa no axioma do desiderium naturale videndi Deum, o que implica a existéncia de Deus como Fim absoluto da inteligéncia finita, a ser alcancado segundo o outro axioma desideritim natrerae nequit esse inane. Gilson se coloca a questio a propésito da dialética da distingdo da esséncia e da existéncia, ou da afirmagao de Deus como Ipswm esse”. Sua resposta atende apenas as circunstancias de composicao dos tex- tos tomdsicos: Tomas de Aquino contentou-se com as “cinco vias” ao demonstrar ex professo a existéncia de Deus, por se tratar de provas recebidas da tradicio filoséfica e que partem de fatos empiricamente Stntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73,1996 [185 verificdveis. No entanto, € possivel talvez encontrar para essa interro- gacdo uma resposta menos circunstancial. Com efeito, parece fora de diivida que nem a distingao real de esséncia ¢ existéncia no ser finito, nem a estrutura analégica do conceito de ser, nem o dinamismo inte- lectual impelido pelo desiderium naturale constituem, aos olhos de Tomés de Aquino, provas formais da existéncia do Absoluto real. Por outro lado, esses grandes alicerces conceptuais, sobre 0s quais repousa 0 edificio da metafisica tomdsica, organizam sua estrutura significante em referdncia constitutiva ao Absoluto real: como Ato puro do existir, como Principio, como Fim. Haveria aqui a presenca dissimulada de uma forma do argumento ontoldgico anselmiano: da idéia do Absolu- to A sua existéncia real? A objecao foi feita a Maréchal a propésito do dinamismo intelectual. No entanto, ele nega expressamente™ que uma das finalidades da sua obra seja a de propor uma demonstracao da existéncia de Deus. Como entdo entender a referéncia ao Absoluto nesses primeiros passos da metafisica de Tomas de Aquino? Em primeiro lugar € necessdrio Jevar em conta que essa referéncia situa-se no limiar da metafisica aristotélico-tomdsica como ciéncia do ser como ser, ou no seu point de départ para falar como Maréchal, nio obedecendo ao estatuto formal de uma demonstragdo, que supée jé elaborados os conceitos fundamentais da ciéncia e enunciados seus Prinefpios, mas como condigao necessdria de possibilidade para o pré- prio exercicio do pensar metafisico. Essa condicao & explicitada por uma andlise reflexiva sobre a afirmagdo do ser no ato judicativo, andlise que tem inicio na demonstracao por retorsdo da necessidade absoluta do principio de néo-contradigio. No horizonte dessa andlise 0 Abso- luto como forma (verdade absoluta do principio de nio-contradigao) ¢ como ato (necessidade absoluta da existéncia) emerge como condisao necessdria para que a afirmagio judicativa tenha alcance ontoldgico © discurso da Metafisica possa se constituir. Note-se que as idéias de esséncia e existéncia, de finito e infinito, de ato e poténcia, de ser subsistente (ousia) sio, nesse limiar da metafisica, conceitos heuristicos que se formiam necessariamente no curso da andlise reflexiva que examina as condigées dindmicas (a afirmacao) e formais (a enunciagao do ser) que tornam possivel a interrogacéo primordial “o que é 0 ser?” (ti to on) e a primeira e elementar resposta “o ser &" (os estin)”!, $6 no desenvolvimento do discurso metafisico eles serao elaborados formal- mente como nogdes transcendentais ou entao como categorias™, E assim que Aristételes redige um Iéxico de termos e conceitos filoséfi- cos no livro V (delta), propde um estudo da substancia (ousia) no Livro VIL (dzetha), do ato e da poténcia no fivro 1X (theta), do uno no livro X (iota) ¢, finalmente, da primeira substncia no livto XT (lambda). Em Tomds de Aquino a tarefa final da teologia filosofica com a demonstra- Gao da existéncia de Deus e a investigagio da sua natureza e dos seus atributos encontra-se no inicio das Samas pois ali é “subalternada” 4 186} | Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 28, n. 73, 1996 a - ROAR Bec EE teologia revelada ou sacra doctrina, cuja ordem prevalece no discurso tomdsico™. A demonstragao da existéncia de Deus nao é, portanto, o comego mas © fin do discurso metafisico™. Ela supde que a estrutura metafisica do real acessivel 4 nossa experiéncia externa ¢ interna tenha sido elucidada e & essa elucidacaio que nos permite articular tal demonstragéo"8, Mas ela no seria possivel ou ficaria suspensa no ar se nao se apoiasse numa pré-compreensio original ¢ origindria do Absoluto que tem lugar no ponto de partida do discurso metafisico, justamente na descoberta da dimensio ictica do juizo no curso da anélise reflexiva que, partindo da refutagio redargutiva do Ceticismo radical, pde em evidéncia a ordenagio ao Absaluto™ do dinamismo intelectual manifestado no ato judicative. Com efeito, a posicao do ser no juizo inyplica reflexiva- mente: a) a separatio do existir (esse) como perfeicéio suprema do ser, @ a impossibilidade da identificagao do esse e da essentia no ser finito, estruturalmente submetido a limitagao ¢idética que tem lugar na for- magiio do conceito; b) a referéncia ao Absoluto como polo unificador da pluralidade de dicgdes na predicagao do ser™”, tendo em vista a unidade analdégica do seu conceito; ¢) a ordenagio ao Absoluto do dinamismo do espirito que impele a atividade judicativa da inteligén- cia. Mas é claro que nenhum desses resultados da anélise reflexiva que se exerce no inicio da Metafisica entra como prensissa na demons- tracéo da existéncia do Absoluto, que € 0 seu fir. Caso contrario, tal demonstragao incidiria em flagrante circulo vicioso. Convém, assim, distinguir cuidadosamente entre a demonstragao formal e a andlise reflexiva que explicita as condigées de possibilidade da demonstragao, presentes @ priori na prdpria estrutura da inteligéncia. Sendo condigio de possibilidade a priori da Metafisica como ciéncia, a natureza din mica do ato judicativo ou a ilimitagéo tetica da afirmagao' & condigio de possibilidade da demonstragao da existéncia do Absoluto real. Tal nos parece ser a extraordindria significagio, na historia da Metafisica, da teoria tomasica do juizo que o Aquinatense expée com sobriedade mas com inigualdvel penetracio especulativa sobretudo nos artigos 3 e 4 da questdo V do comentirio do De Trinitate de Boécio. E mérito incontestavel da leitura marechaliana dessa teoria o ter explicitado a pré-compreensio do Absoluto no dinamismo intelectual ¢ mostrado, assim, o verdadeiro lugar tedrico do “ponto de partida da Metafisica” que € igualmente, do ponto de vista filoséfico, o lugar tedrico original de Tomas de Aquino. Da redescoberta da natureza e do alcance metafisicos do juizo segun- do Tomés de Aquino surgiu e finalmente se impds como tdpico de fundamental importincia ¢ significado para a avaliagao da atual situ- acio do pensamento metafisico, a doutrina da inteligibilidade do ato de existir (esse) como sendo a “atualidade de todos os atos e a perfei- Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73,1996 (487 sao de todas as perfeigées”™!, Essa intuigio fulgurante da existéncia como inteligivel supremo assegura a originalidade de ‘Tomas de Aquino eo afasta definitivamente, como mostrou E. Gilson’, da tradigao essencialista dominante na metafisica grega. Ora, a primazia do existir na ordem da inteligibilidade manifesta-se exatamente na natureza do jaizo, na medida em que ultrapassa o nivel da simples operagao légica eo nivel gnoseolégico da composigao ¢ diviséo das “quididades” (sin- tese concretiva) para avangar até a afirmagio do ser. E necessdrio no entanto, em face das discussdes recentes, que a dou- trina tomasica da inteligibilidade suprema do ato de existir seja exa- minada a luz de duas objesdes mais freqiientemente repetidas: a) so- bre a verdadeira originalidade da concep¢ao tomésica do esse; b) sobre a situagdo da metafisica tomdsica do esse diante do chamado modelo onto-teoldgico. Na verdade os dois tépicos costumam aparecer unidos na literatura recente, nio obstante o fato de que a descoberta gilsoniana da centralidade do existir na metafisica de Tomds de Aquino e da sua originalidade na coustituigéo da metafisica de inspiragao cristé® se tenha dado muito antes da moda “onto-teolégica” e independente dela. A relacdo entre os dois temas surgiu naturalmente quando, a partir dos anos 70, a influéncia de Heidegger passou a ser dominante em algumas correntes da filosofia francesa e em alguns circulos teol6- gicos", aparentemente convencidos do “fim da Metafisica”™*. Independentemente, porém, do problema da onto-teologia, a concep- gdo tomasica do esse foi igualmente contestada na sua originalidade e na sua procedéncia cristé desde um ponto de vista histérico, ao se pretender encontrar suas raizes na metafisica neoplaténica, Uma pri- meira tentativa nesse sentido deve-se a Klaus Kremer, numa obra rica em etudicao e em andlises interessantes, mas excessiva na tese que se propée demonstrar ¢ nas suas conclusdes™”, Kremer rejeita itt Himine a afirmacao de Gilson sobre a “metafisica do Exodo” e pretende encon- trar a doutrina do esse antecipada em Plotino, Proclo e no Pseudo- Dionisio, dos quais Tomas de Aquino a teria recebido. Se a demons- trago de Kremer nao é convincente, uma outra objegao de natureza hist6rica a originalidade do esse tomdsico e a posicio de Gilson foi formulada pelo grande especialista do neoplatonismo e da filosofia tardo-antiga, Pierre Hadot, Na sua grande obra de comparagao entre 0 neoplaténico Porfirio, o discfpulo e bidgrafo de Plotino, ¢ 0 retérico Mario Vitorino, o primeiro tedlogo neoplaténico cristéo de expresso latina’, Hadot é levado a identificar Porfirio como autor de um co- mentério ao Parménides de Platéo, do qual alguns fragmentos foram encontrados em forma de palimpsesto na Biblioteca de Turim e publi- cados pela primeira vez em 1892". Ora, ao comentar 0 inicio da 2a. hipétese do Parménides “se 0 Uno € pode ele ser ¢ nao participar da 188 | Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 nee SCT ousia”? (Parm., 142 b 6) Porfirio propde uma distingdo entre o ser (infinitivo einai, lat. esse) e o ente (participio on, lat. ens), distingtio que, segundo Hadot, assinala uma inflexo na histéria da Ontologia"™, ao supor a inteligibilidade do existir, e que deve ter sido transmitida Idade Média por meio de Boécio no tratado De Ebdomadibus, comen- tado por Tomas de Aquino". Nele ocorre justamente a distingao entre esse © quod est, que pode ser considerada uma das fontes da distingao real de essdncia existéncia no ser finito. A partir dessa descoberta Hadot, sem negar a originalidade do esse tomdsico", nega a especificidade crista da nogdo de “ato puro do existir”, que atribui 4 tradigfo grega ¢ nao a hebraica, invalidando, portanto, a idéia gilsoniana de uma “metafisica do Exodo” Admitindo-se embora a presenca da concepgio do ato puro do existir, expressa pelo infinitivo einai (esse) como atributo do Primeiro Prinei- pio na tradigio neoplaténica que procede de Porfitio e sua possivel transmissao aos autores medievais!™, ou mesmo, como quer C. J. de Vogel, a influéncia helénica na traducto dos Setenta do nome de Javé como Egé ein o on (Ego sum qui sum), 0 que importa aqui é a leitura crista © especificamente tomasica desse topos ¢ 0 reconhecimento da sua incontestével novidade. Com efeito, a constituigio do objeto da Filosofia primeira a partir da separatio operada pelo ato judicativo e, nele, a emergéncia do esse como ato e suprema perfeigao do ser, bem como a utilizagio sistemstica do esse na concepcao do Principio ¢ do ato criador™®, na disting&io entre Deus ¢ as criaturas e na explicagao da contingéncia ¢ finitude das criaturas pela composigao real de esséncia e existéncia, fazem com gue a concepsio tomadsica do esse se distancie toto coelo das suas eventuais fontes e brilhe com indiscutivel origina- lidade'™. E atendendo a essa originalidade que convém pdr em questo a pertinéncia do modelo heideggeriano da onto-teologia para explicar a metafisica de Tomas de Aquino, de sorte a inclui-la nesse suposto longo caminho de declinio da metafisica ocidental, assinalado pelo “esquecimento do ser”. Heidegger faz comegar {al caminho desde Platio e mesmo desde os pré-socraticos, ¢ fa-lo prolongar-se até Nietzsche, quando entio & anunciado o “fim da metafisica”™”, O es- senciat do modelo onto-teolégico consiste, como indica a formacao on — theos da expressiio"™, na representagdo do Ser como hierarquia de entes (Seiende) numa linha continua coroada pelo Ser supremo ou, mais exatamente, Ente supremo (Ens sum), A primeira conseqiiéncia da estruturagio da Metafisica segundo o esquema onto-teoldgico & 0 ocultamento do que Heidegger denominou a “diferenca ontolgica” segundo a qual o ser (Sein) do ente (Seiendes) nao € um ente ou nao pertence categoria do ente. Ora, seguado o modelo onto-teolégica, 9 set dos entes é explicado, em tiltima insténcia, por um Ente supre- Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 [189 mo, o que limita o pensamento do Ser a hierarquia dos seres como entes. A aplicagio do modelo onto-teolégico a metafisica antiga tem sido alvo de criticas dle varios estudiosos. Ele parece inadequado, por exen- plo, para fundamentar uma hermenéutica correta da metatisica aristotélica', e & decididamente inaplicavel 4 metafisica neoplaténica como tostrou, entre outros, o grande especialista W. Beierwaltes', Nao obstante, a leitura onto-teolégica da histéria da metafisica acabou sendo o instrumento conceptual privilegiado para aqueles que, por uma razdo ou por outra, julgaram dever dar um adeus definitive ao pensamento metafisico, entre eles ndo poucos tedlogos cristios"”, Es- tes invocaram a submissio da metafisica de Tomas de Aquino ao modelo onto-teolégico, e 0 risco nela presente de uma idolatria conceptual de Deus, para buscar outros caminhos para a reflexdo te- oldgica’®, Os primeiros estudiosos da doutrina tomdsica do esse no tomismo. contemporaneo, como 0 préprio E. Gilson, C. Fabro, J. B. Lotz e outros ja haviam denunciado a inadequacéo do modelo onto-teolégico para situar corretamente aquela doutrina na histéria da metafisica ociden- tal. Assim, por exemplo, a distingio corrente em Tomds de Aquino entre o ens commune e o Ipsum Esse subsistens que implica a absoluta transcendéncia de Deus'®, € freqiientemente esquecida pelos que se esforgam por submeter a metafisica tomdsica ao esquema onto-teold- gico. Na verdade, os estudos recentes tendem a mostrar que 0 modelo onto- teoldgico é um modelo erranie, & busca de efetiva aplicacio histori- ca. No que diz respeito a metafisica tomasica do ato de existir tudo leva a admitir a sua originalidade com relagio a tradigao metafisica anterior da qual ela procede mas na qual imprime uma decisiva inflexio, originalidade que permanece intacta nas vicissitudes vividas pelo pen- samento metafisico desde a Idade Média tardia até os nossos dias, Bis 9 que nos parece justificar a intengéo primeira que nos guiou nessas paginas, qual seja a de refletir sobre o destino da Metafisica no século que se aproxima, a Iuz do ensinamento que nos vem de Tomas de Aquino. Conclusao Um lugar comum difundido na cultura contemporanea, a cuja difusao nio é provavelmente estranha a lei comteana dos trés estados, e que recebeu foros de nobreza filoséfica por obra de M. Heidegger", faz do 190 | | Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 projeto técnico-cientifico justamente o sucedaneo moderno da ‘Metafisica, dela procedendo ¢ levando a cabo o sex designio funda- mental de dominio do Ser pelo homem. Desta sorte, o destino da Metafisica torna-se visivel no triunfo planetario da técnica. E sabido que uma outra leitura — essa ligada efetivamente & tradicao positivista —— vé o fim da Metafisica no advento do pensamento cientifico, sobre- tudo em face da prova decisiva que submete a linguagem metafisica aos critérios de validez da linguagem cientffica e mostra ser ela uma linguagem destituida de significado objetiva (nearirgless)'*. Essas duas teses, conquanto procedendo de inspiragées filosdficas di- ferentes ¢ mesmo opostas, apreseniam talvez um ponto de convergén- cia. Ambas concordam no diagnéstico de que, para o homem contem- poraneo e, mais ainda, para o homem do futuro anunciado pela nossa civilizagdo, 9 mundo objetivo € e sera sempre mais o mundo das for- mas produzidas pela tecno-ciéneia: das formas puras da ciéncia e da sua materializagao nos objetos da fcenica. Que esse mundo proclame o fim da Metafisica, por declarar-se seu legitimo herdeiro ou por considerar sem-sentido as suas proposicbes, o que parece claro € que a idade pos- metafisica seré cada vez. mais caracterizada por essa forma de objeti- vidade posta & disposicao do homem e trazendo a marca do seu poder criador. Ora, nesse universo de formas produzidas, ligado estrutural- mente as necessidades humanas e regido pelas categorias da producio e da utilidade, que lugar poderia estar reservado aquele tipo de saber que, justamente por seu cardter desinteressado e por stta evidente inu- filidade técnica, Aristétetes julgou dever distinguir rigorosamente de todas as formas do agir e do fazer?” Essa situagao atépica da Metafisica na cultura contemporanea € ape- nas uma conseqiiéncia do imenso proceso histérico do qual resultou uma das componentes estruturais desse estilo de civilizagio a que chamamos modernidade e que consiste na migragao continua e apa- rentemente irreversivel do homem moderno do seu Lebenswelt natural para uma forma de Lebenswelt técnico cujos contornos @ caja natureza aparecem ainda indefinidos nessa fase de transicao. Sob outro aspecto esse movimento histérico de génese do universo técnico pode ser considerado como a passagem incessante do mundo das formas natu- rais que sio dadas ao homem, ao mundo das formas técnicas que sio por ele produzidas'*. Ora, 0 estatuto da forma produzida, em razao da sua propria natureza de objeto técnico, implica uma referéncia constitutiva ao homo teclmicus, que nele imprime sua imagem e seme- thanga, ou seja, os paradigmas da sua raziio, a expressio dos seus valores, 0g reclamos das suas necessidades e a concretizacao dos seus fins, Se nos é permitida uma analogia de cardter metafisico, podemos pensar aqui na agao criadora de Deus, segundo a concepsio exemplarista ilustrada particularmente por Tomds de Aquino’. En- Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 191 quanto produtor das formas que definem a existéncia dos objetos téc- nicos, © homem pode ser dito creatura creatrix mas essa expresso, ao mesmo tempo em que pde em relevo, por um lado, a atividade cria- dora do itomo faber™, descobre, por outro, o abismo que a separa do Ato criador origindrio, introduzindo na analogia entre a criagio hu- mana € a criagdo divina uma dessemelhanca infinita, que restabelece a absoluta transcendéncia do Criador. Com efeito, a relagao entre o homem, que ¢ também uma criatura, € 0 mundo das formes « dos objetos por ele produzico & uma relacio real reciproca ou de reciproca dependéncia, ao passo quea relacio do Criador com a criatura é apenas uma relagdo de razio, ou que deve ser necessariamente pensada por 6s para explicarmos a contingéncia, ow seja, a emergéncia no existir a partir do nada, nossa e dos seres que nos cercam". A relagio recfproca de dependéncia entre o homem e o mundo das formas produzidas que, na modernidade 6, em Proporgées cada vez mais vastas, 0 mundo técnico™ instaura, por sua vez, um movimento dialético constitutive da atividade humana na sua intencionalidade poiética: na medida mesma em que o homem, pela produgio ineessan- te de formas e objetos técnicos, estende seu dominio sobre a natureza, cle se integra a si mesmo nesse processo de tecnificagio, seja oferecen- do-se como objeto aos procedimentos técnicos™, seja submetendo-se 20 “mau infinito” da geragao, sem termo previsivel, de novas neces- sidades e de novos objetos destinados a satisfazé-las, Nesse caso, o lan inato do espirito humano para 0 Absohuto”' fica aprisionado no universo dos objetos, e seu alimento essencial, que ¢ 0 ato de existir como perfeigao suprema do ser, fica restrito a0 existir artificial da multidao das formas produzidas, que nao refletem no seu produtor sendo as mil faces dele mesmo. © homem passa a viver num mundo circunscrito pelos objetos do fazer técnico, objetos que, na sua signifi- caso antropolégica, nado séo sendo os simulacros da sua finitude eda sua indigéncia. Desta sorte, ao pretender substituir-se a Metafisica, o universo técnico revela uma inequivoca dimensao metafisica e essa aponta justamente para 0 problema da existéncia, na verdade o mais metafisico de todos os problemas. A pergunta inevitavel que se levanta a essa altura das hossas reflexdes pode ser assim formulada: poder o homem existix autenticamente nessa forma de existéncia-reflexo nele produzida pela relacéo reciproca com o mundo dos objetos técnicos, que acaba sendo a sua referéncia objetiva primordial? Eis af uma interrogagao de natureza evidentemente metafisica, Como respondé-la, sendio em termos metafisicos? FE esse o lugar tedrico em que a metafisica tomadsica do ato de existir, tal como nessas paginas tentamos delined-la, mostra-se de surpreendente atualidade. Com efeito, Ra aurora de um novo século que deverd assistit a um irresistivel 192} Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n, 73, 1996 avanco da técnica, a descoberta do horizonte transcendental do existir na afirmagio judicativa mostra que o homem, enunciadar do juszo e portador da intencionalidade infinita do logos do ser, s6 ird aleangar a profundidade do seu existir auténtico na transgressao de todas as fron- teiras que a limitagdo eidética dos objetos téenicos tracar diante dele. Em outras palavras, como ensina Tomas de Aquino, um ser que assume © infinito énus metafisico de enunciar o existir dos seres, sé pode exis- tir autenticamente ao assumir sua abertura constitutiva ao Absoluto: no consentimento as formas absolutas da Verdade e do Bem e no reconhecimento da ordenacao de todo o seu ser ao Existir transcen- dente absoluto. Ser o homem da civilizago tecnolégica, que néo recebe do mundo dos objefos, em incessante fluxo ¢ mudanga, sendo o reflexo do seu préprio ser empitico, efémero e inquieto, sensivel a uma mensagem que vem do remoto século XIII? Deixando essa pergunta entregue aos azares do nosso incerto amanha, podemos pelo menos convir em que a rememoracio filoséfice dessa mensagem, por nés tentada nessas pagi- nas, no é um exercicio ocioso e inutil. Ela nos permite entrever que na alma profunda do homo technicus subsiste o homo metaphysicus. E ele que aflora nesse ato tio banal e tao infinitamente grave pelo qual assumimos 0 risco de afirmar o ser no juizo e no qual, ao nos entregar- mos ao exercicio de pensar a tradicao metafisica, descobrimos uma perspectiva intelectual de ilimitada amplitude, ¢ nela as dimensdes do nosso verdadeiro existir. Notas 1. A pr Muratt, L’Enjew de ta philosophic medi¢vale, Leiden, Brill, 1991, p. 1 2. Carta de 18, 08, 1965 a Stefan Sweczawski, cit, por G. Kalinowski, L’Impossible Métaphysique, Paris, Beauchesne, 1981, p. 248. 3. A polémica entre Isécrates (Antidosis) e Aristételes, entao discipulo da Academia (Grillo e Protrético) reveste-se de significaggo exemplar para a his- téria da cultura ocidental. Ver E. Berti, Profile di Aristotele, Roma, Studium, 1975, pp. 23-35. 4, O grande Handbuch der Geschichte der Philosophie, dirigido por W. Torok, Frankfurt a. M., 1964-1990, 6 vols, acompanha a historiografia filosdfica da Grécia aos nossos dias, nele ocupando lugar preponderante a historiografia filoséfica do século XX. Sintoco Nona reo Rela Harizonte » 99 n 72 1996 198 5. Ministradas inicialmente por Hegel ao fim da sua estadia em lena (1805- 1806) ¢, em forma definitiva, nos cursos de Berlin (1819-1831). 6. Uma discussao brilhante desse problema encontra-se em V. Host, Wahrheit und Geschichte: Studien zur Stricktur der Philosophiegeschichte unter paradigmatischen Analyse der Entwicklung von Parmenides bis Platon, Stuttgart, Frommann- Holzboog, 1984, pp. 17-170. 7. Ver H, G. Gapassn, Begriffsgeschichte als Philosophie, ap. Kleite Schriften, Tubingen, Mohr, 1972, Ill, pp. 237-250. 8. O problema da telagio entre filosofia e cultura surge desse enraizamento histérico das idéias. Ver H. C. Lima Vaz, Filosofia e Cultura na tradi¢gao oci- dental, Sintese, 63 (1993): 533-578 e Cultura e Filosofia, Sintese 67 (1994); 479- 493. 9. O ritmo da vida filoséfica como histéria pode ser estudado na grande obra dirigida por V. Matiieu, Questioni di Storlografia Filosofica, 6 vols., Brescia, La Scuola, 1975-1978. Ver ainda L. Bratin, Histoire de histoire de la Philosophie, Paris, éd. Ophrys, 1973, ou M. Gutkoutt, Histoire de histoire de la philosophic (Dianogmatique 1), Paris, Aubier, 1984, A discussao sobre o caréter filosdfico ou nio da histéria da filosofia deu origem recentemente a uma interessante troca de pontos de vista entre P. Aubenque e J. Brunschvicg, L’histoire de la philosophie est-elle ou non philosophique? ap. B. Cassy (org.) Nos Grecs et leurs modernes, Paris, Seuit, 1992, pp. 15-96. Ver igualmente, sobre 0 mesmo problema diversas contribuiges em Giverr Boss (ed.), La Philosopitie et sor histoire, Zurich, éd. du Grand Midi, 1994, 10. De Oratore, Il, 9, 36. 11. Ver o interessante artigo de Pascat Ing, Platonisme ou aristotélisme, Reowe Thomiste, XCV (1995): 566-610. 12. A questao alimentou a célebre querela sobre a possibilidade e a natureza da “filosofia crista” nos inicios dos anos 30. Ver o balango de Y. Fioucat, Pour une philosophic chrétienne : elements dur débat fondanental, Paris, Téqui, 1983. Ver infra, 2. 1. 13. Ver sobretudo, Etudes sur le réle de la pensée médicale dans la formation du systeme cartésier, Paris, Vrin, 1931, € André de Muralt, nota 1, supra. E jé nas teses de Gilson, La liberté crez Descartes et la thcolagie e index scholastico-cartésien (1913). 14, Permitimo-nos remeter ao nosso texto, Fisionomia do sécuto XIN, ap. Es critos de Filosofia 1: Problemas de fronteira, Sio Paulo, Loyola, 1986, pp. 11-33 Uma visio do século XIII nos seus aspectos politico, social, cultural e religioso nos € proporcionada pela recente e monumental biografia de S40 Luis escrita por Jacours Le Gosr, Saint Louis, (Bibliotheque des Histoires), Paris, Gallimard, 1996. 15. la. ed. Paris, Vrin, 1950. Depois de quase meio-século, e niio obstante os grandes avangos da pesquisa, 0 livro de Chenu permanece uma valiosissima @ sempre atual intredugao ao estudo da obra de santo Tomds de Aquino. 16. Publicada pela Comissio Leonina sediada em Roma, a Edigéo Leonina é distribuida atualmente pelas Editions du Cerf, Paris. Ver, p. ex., 0 erudito interessante estudo do P.M. Gus, O. P., S. Thomas écrivain, ap. Opera, vol, L, App., Rome-Paris, Comissio Leonina-Cerf, 1992, pp. 175-209. 194} Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 17. Ver F. van Sieenaracten, Le philosophic aw XUL siécle, 2. éd., LouvainParis, Peeters, 1991, pp. 28-29. 18. Friar Thomas d’Aquino : his life, thought and work, N. Y., Doubleday and Co, 1974 (traducdes alemé, italiana e francesa: ver a recensdo da tr. italiana em Sinttese 50(1990): 127-128). 19. Initiation & Saint Thomas d’Aquin: sa personne et son cewore, Friburgo S —~ Paris, Ed. Universitaires-Cerf, 1993; com abundante bibliografia, pp. 527-567, Uma tradugao brasileira desse livro esié prevista nas Ed. Loyola, S40 Paulo. 20. Uma visio completa e autorizada do século XIII filosdtico & proporcionada por F. van Sretvnencisen, La plilosopitie au Xiiléme sidcle, op. cit. (biblio. pp. 481- 526). 21. Sobre esse exercicio antigo do filosofar ver P. Hadot, Exercices spiritcels et philosophie antique, Paris, Les Etudes Augustiniennes, 1987, ¢ AndréJean Voelke, La Philosophie comme thérapic de I'dme (Vestigia, 12) Friburgo S., Ed. Universitaires, 1993. 22. Ver, a propésito, A. pe Linen, Penser au Moyen-Age, Paris, Seuil, 1991, Intr., pp. 9-25 e caps. (V e V (pp. 98-180); In, Le philosophie médiévale, PUB, 1993, pp. 396-418; uma tradugao dessa ultima obra esié em curso nes BdigSes Loyola, Sio Paulo. 23. Ver A. ve Lineea, La philosopinie médicvate, op. cit, pp. 406-413. 24, La communication de Métre selon Saint Thomas d"Aquin I: ta mctaphysique d'un théologien, Paris-Louvain, Deselée, 1957. 25. Esse fato ¢ irrefutavelmente estabelecido na literatura filoséfica contempo- rinea pela bibliografia sobre a filosofia de Tomas de Aquino, organizada por R. InGannta, Thomas Aquinas: luternational Bibliography 1977-1990, The Philosophy Documentation Center, Bowling Green, 1993. 26. O que nio significa contrapor-se ao mito, como Aristételes recorhece na célebre passagem de Met. (alpha) 2, 982 b 12-983 a 12, ao apontar o parentesco entre 0 philomythos @ 0 philosophes, Ver o comentério dessa passagem em Anistorsie, Metafisica (ed., intr. e com. de G. Reale), Milio, Vita e Pensiero, 1993, IIL, pp. 28-29. 27. Ver a cuidadosa pesquisa textual de A. M. Matuxcrey, Philosophia: étude d'un groupe de mots dans Ia littérature grecque, des présocratiques ax IV siécte, Paris, Klincksieck, 1961 28. A acepsio especificamente filosdfica do termo theologit, provinda da tra- digio platdnico-aristotélica, permanece alé o fim da Antigiiidade e ressurge no racionalismo moderno com a denominagao de theologia rationalis devida a Chr. Wolff. Sobre a significag&o original de theologia ver V. Gounscuist, Questions platonicienses, Paris, Vxin, 1970, pp. 141-172. Ver também Ansrorets, Metafisica, (ed. G. Reale), op. cit., Inte. 1, pp. 139-152. 29. Early Christianity and Greek Paideia, Cambridge, Mass., The Belknap Press of Harvard Univ. Press, 1961. 30. W. Jarcen, The Theology of the early Greek Philosophers, Oxford University Press, 1947. 31. Ver C. J. ve Vocel,, Platonisine ¢ Cristianismo: antagonisiné o communi fondamenti (tr. it. ) Miléo, Vita e Pensiero, 1993. Esse texto discute a tese do grande Sintese Nova Fase. Belo Horizonte, v. 23,n. 73.1996 | 195 historiador do piatonismo antigo H. Dérrie sobre a incompatibilidade entre platonismo e cristianismo. 32. Ver H, C. Lista Vaz, Teologia medieval e cultura moderna, ap. Escritos de Filosofia I: Problemas de fronteira, op. cit., pp. 71-86. 33. Permitimo-nos remeter ao nosso texto Transcendéncia: experiéncia histé- rica ¢ interpretagao filosdfico-teolégica, em Sintese 59 (1992): 443-460 (aqui, pp. 453-459). 3a. Ver Jou P. Krstvry, Mystical monotheism: a study in ancient platonic theory, Brown University Press, 1991 >. Sobre a metafisica plotiniana ver as Iicidas péiginas de G, Renin, Historia i Filosofia antiga (x. bras.), S20 Paulo, Loyola, 1994, TV, pp. 595-533, hac quais € posta em evidéncia a nogio de “contemplacao criadown” em Plot 36. Uma sintese de cardter mais tedrico das posigdes de Gilson é apresentada no seu livro Introduction @ la philosophic chrctienne, Paris, Vrin, 1960. E’ Martins qualifica esse pequeno livro um piewx factum (E. Gilson et nous: la philosophie et son histoire, (publ. par M. Couratien), Paris, Vrin, 1980, p. 63. Mas é permitido Pensar que Gilson 0 considerava uma sintese definitiva do seu pensamento sobre a questao. Ver Le Thomisme, 6. 6d, Paris, Vrin, 1989, Préface. p. 8. 37. La Métaphysique du Christianisme et ta naissance de ta philosophie chrétienne, Paris, Seuil, 1961; La Metaphysique du Christianismte et la crise dn Xlllorc siécle, Paris, Seuil, 1964. 38. A essa interpretacao contrapie-se a leitura heideggeriana da teoria grega do Principio, que assinalaria o comego da Seinsvergessenheit, lo “esquecimento do Ser”, do qual participaria a metafisica crista da criacdo. A propésito ver J. Beauraty, Sur la philosophie cheétienne, ap. Etienne Gilson ct nes, op. cit,, pp. 53-101. Mas a presenca de algo equivalente ao Sein heideggeriano como ante- rior teoricamente e historicamente A protologia platonico avictotelicn OS tex- 10s Fllosdficos gregos nao € atestada sendo segundo a otica de leitura de pré- prio Heidegger. of, Maurice vt Wout, Histoire de la philosophie medieval, 6 é., Louvain, institut Sup. de Philosophie, 3 vols,, 1934-1947, 40. Wer F. van Sreewncnctitn, Le philosophic au Xilleme siécle, 2. 6d, op. cit. pp. 468-469, Ai. Alo no sentido aristotélico de entelecheia ox energeia; perfectio, perfei latim filosofico da I. M.. Ver H. Boxtr2, Index aristotelicus, 6 v. entelecheia, col. 253-254, 42. Uma preciosa reconstituigao histérica da formagao do coneeito de “filoso- fia crista” em Gilson, encontra-se em H. Gout Elionne Gilson, trois essais, Paris, Vrin, 1993, pp. 37-73, 43. -Met, II (eta) 1, 995 b 6; ver I (alpha) 2, 982 a 4; 983 a 21-33, Sobre a significagio das aporias na Metafisica de Aristételes ver G. Reate, Il concetto i “filosofia prima” e Vunita della Metafisica di Aristtele, Milao, Vite » Pensiero, 6. ed., 1993, pp. 54.98, 44. Segundo uma sugestio de M. ve Ganpitiac, Genéses de ia modernité, Paris, Cerf, 1992, p, 186. 196} Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v.23, n. 73, 1996 45, Paris foi denominada parens scientiarum na Bula de Gregorio IX (1231) que confirmou os estatutos de Robert de Courcon e concedeu autonomia corporativa aquela Universidade. Sobre a iransiatio studiorin ver M. vt GANDULAC, Géstdses de la Modernité, op. cit., pp. 61-62. 46. Paris, Payot, 1944 (aumerosas reedicées); tr. bras. de E. Brandao, Sio Pau- fo, Martins Fontes, 1995. A versio inglesa em colaborac&o com Ph. Boehner, foi traduzida por R. Vier, O. F. M., com o titulo Historia da Filosofia crista, Petrdpolis, Vozes, 1970. 47. Ver nota 22 supra. 48. “A palavra se fez carne”, Jo., 1, 14. 49. Exodo, 3, 14. A leitura tradicional dessa passagem “Eu sou 0 que sou” foi corrigida pela exegese moderna em “Eu sou o que serei”. Mas essas retifica- Ges filolégicas, como observa Gilson (ntroduction @ la philosophic chrétienne, Op. cit. pp. 45-58) ndo atingem a significagho profunda da leitura tradicional, sobretudo na sua interpretagdo tomdsica. Ver D, Byu-Duva., Dieu avec ou sans étre, Revue Thomiste, XCV (1995): 547-565 (aqui, 548-549). Ver os estudos reu- nidos em Diew et Métre: éxegéses de Exode 3, 14 et de Coran, 20, 11-24, Paris, Les tudes Augustiniennes, 1978. A relagao entre 0 “Eu sou o que sou” e a Criagao foi posta em evidéncia por E. Guson, L'Esprit de la philosophie médiévale, Paris, Vrin, 1932, p. 69. 50. Por exemplo, Proverbios, 8, 22-31. 51. Jo, 1, 3; Caloss., 1, 15-20. 52. Sobre o que foi essa “comunidade de pensamento” ver o belo livro de Rocer Arwauprz, A fa croisée des trois monothcismes: une communauté de pensde au Moyen-Age, Paris, Albin Michel, 1993. 53. Ver alguns dos textos reunicdos em D. Bours (org,) L’Eire et Diew (Cogitatio Fidei, 138) Paris, Cerf, 1986. 54, Fed. 96a-102 a, Ver G. Reate, Histdria da Filosofia antiga (tr, bras), S40 Paulo, Loyola, 1994, II, pp. 49-60. 55. Ver G. W. F. Haut, Wissenschaft der Logik 1, Vorrede zur ersten Ausgabe, (Werke, ed. Sultrkamp. 5, pp. 13-1), Ver, a propésito, A. Doz, La Logique de Hegel et les probleties traditionnels de VOntologie, Paris, Vrin, 1987, pp. 13-20 56. Considerando essa linha de evolucdo da filosofia moderna desde um ponto de vista antropolgico, podemos nela acompanhar o declinio ¢ o fim da irte- ligéncia espiritual. Ver H. C. Lima Vaz, Antropologia Filosofica, 1, 3a. ed., S30 Paulo, Loyola, 1998, pp. 260-289. 57. Sobre esse propésito de Hegel e sua concepsaio da tradigio filoséfica, ver a a Introdugao de A. Doz, La Logique de Hegel ct les problimes traditionnels de VOntologie , op. cit, pp. 13-34. Sobre as primeiras relacdes de Hegel com a Metafisica classica, ver F. Ciucrecuin, Hegel ¢ la Metafisica ciasséca, Padua, CEDAM, 1966. 58. Ver B. Lakesrink, Kommentar zu Hegels Logik in seiner Enzyklopidie von 1830, Friburgo B. — Munique, Alber, 1985, H, pp. 339-336. 59. Ver M. Hntwrcarr, Die onto-theo-logische Verfassung der Metaphysik, ap. Identitat wid Differenz, Pfillingen, Neske, 1957, pp. 35-73. Sintese Nova Fese, Belo Horizonte, v. 23,n. 73,1996 [ 197 60. Paris, Vrin, 1948; 3a, ed. aumentada, 1981. Sobre a importancia desse livro Ro panorama filosdfico contemporaneo, ver P. AUBENQUE, Etienne Gilson et la question de I’étre, ap. Etienne Gilson et nous, op. cit., pp. 79-89. Ver igualmente C. Giacox,, Der hl. Thomas und Sein: Maritain, Gilson, Fabro, ap. Thonias vort Aquin {ed. Bernath), Darmstadt, Wisenschaftliche Buchgesellschaft, 1981, IL, - pp. 482-512. Contra a interpretagao de Gilson, Giacon separa nitidamente a teologia da criagto ¢ a metatisica da existéncia, 0 que nos parece altamente discutivel. 61. Ver, na 3a. ed., pp. 365-377. 62, Das Schicksal der Metaphysik von Thomas bis Heidegger, Einsiedetn, johannes Verlag, 1959, 63. Ver Hans KeAwun, Platone e i fondamenti delia Metafisica, Milio, Vita e Pensiero, 2. ed., 1987, e sobretudo G. Reave, Per una nuova interpretazione di Platone, 5. ed., Milo, Vita e Pensiero, 1987. Uma tradugao brasileira dessa iidtima obra, realizada por M. Perine, estd em vias de publicagdo nas Edigdes Loyola, Sao Paulo. 64. Ver E. Bean, Aristotele nel Novecertto, Roma-Bari, Laterza, 1992 (tradugio br. em preparagéo nas Ed. Loyola), e a bibliografia ao fim da obra de G. Reate, HW concetto di “filosofia prima” c i'unita della Metafisica di Aristotele, op. cit., pp. 955-562. Na 6a. ed. dessa obra (1993) esté anunciada uma bibliografia exaus- tiva sobre a Metafisica aristotélica no século XX, organizada por Roberto Radice. 65. L. Honnunret per, Scientia transcendens: die formate Bestinimung der Seindheit und Realitit in der Motaphysik des Mittelalters und der Newzeit, Hamburgo, Meiner, 1990. 66. R. Scudnnexciir, Die Transformation des klassischen Seinsvertinndnisses, Beclim, de Gruyter, 1991. 67. A. ve Muratst, L'Enjeu de ta philosophie médiévale, op. cit. e Analyse des structures de pensée et histoire de la philosophie, ap. La Philosophie ct son histoire, op. cit., pp. 138-171. 68. J- B. Counrase, Sudrez et le systeme de a Métaphysique, Paris, PUF, 1990. Sobre essa tiltima obra ver nossa nota Metafisica: histéria e problema, Siitese, 66 (1994) 395-406. 69. Sof. 296 a 4-5. 70. Sobre esse caminho ver as reflexdes do nosso texto Sentide e ndo-sentido na crise da modernidade, Sintese 64 (1994); 5-14, 71. Ver Super Bocthii de Trinitate, q, V, a. 3, resp. (Opera, vol. L, pp. 146-149). 72. J. Manictiat, Le Point de ddpart de la Métaphysique, Cahier V, 2. éd., Bruxelas- LEdition Universelle — Desclée, 1949. Uma obra fundamental, que se inspira na teltura marechaliana, é a de J. B. Lotz, Das Urteil «nd das Sein: Grundieguig der Metaphysik, Pullach, Verlag Berchmanskolleg, 1957 (ir. fr, Le jugement et Vétre, Paris, Beauchesne, 1966). 73, Sobre o peusamento de Maréchal e sua génese, ver E. Ditven, De la forme 4 Vacte: essai sur le thomisme de J. Maréchal (Museum Lessianwn sect. phil. 53), Paris-Bruges, Desclée, 1965. 74. No seu livro Réalismie thomiste et critique de ia connaissance, Paris, Vrin, 1939, pp. 130-155. Sobre essa critica de Gilson ver J. Mantcuat, Problémes 198] Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 métaphysiques d’hier et daujourd’hui, ap. Mélanges Maréchal 1, Bruxelas-Pa- ris, L'Edition Universelle-Desclée, 1950, pp. 353-356 75. Rep. VU, 518 . 76, In XH Metaphysicorum Aristotetis expositio, Proemium, ed. Cathala-Spiazzi, Turim, Marietti, 1950, pp. 1-2. 77.0 comentario de J.-F. CourTINE, Sutrez et ie systéme de la Metaphysique, op. Git, pp. 32-40 obscurece inutilmente 0 texto nele introduzindo probiemas ¢ questdes que estio fora da perspectiva do A. nessa pagina introdutéria. S. Mansion, L'intelligibilité métaphysique chez Saint Thomas d’aprés le Proemiun du Commentaire a la Métaphysique d’Aristote, ap. Etudes Aristotéticiennes, Louvain-la Neuve, Inst. Supérieur de Phifosophie, 1984, pp. 509-522, apresen- ta uma discussio penetrante do texto, nele porém introduzindo igualmente dificuldades ex aliunde. J4 a critica de M. Heineccer, no seu curso de 1929-1930, Les concepts fodamentaux de la Métaphysique: monde, finitute, solitude (tr. fr), Paris, Gallimard, 1992, p. 74, falha inteiramente seu alvo, ao afirmar que, para Tomés de Aquino, somente a fé une os trés aspectos da Metafisica como teo- logia, metafisica ¢ filosofia primeira. 78. Ver Fed. 97 b 8 ~- 98 b 6. Sobre a “metafisica da ordem” ver a nossa nota em Antropologia Filoséfica, 1, 3a. ed., op. cit. p. 282 n. 115. 79. Medium i quo 6 uma expresso técnica da gnosiotogia tomésica: € a me- diagdo da species expressa que tora possivel a icentidade intencional entre 0 intelecto e 0 inteligivel 80, So esses, pois, os caminhos por onde a inteligéncia penetra na regido do puro inteligivel a) ex ordine intelligendi; b) ex comparatione intetlectes ad senstum; ©) ex ipsa cognition intelleetus. (Proensium, op. cit, p. 1). O caminho da identi- dade dialética entre o intetecta e o inteligivel, que Tomas de Aquino exprime na proposigéo Intellectus et intelligibile in actu sunt unum (ibid.) retoma a tradi- G0 platénico-aristotélica da proporcionalidade entre o mows ¢ o noeton (De Anima, Ill, 5, 430 a 2-8). 81. Tomas de Aquino n&o conhece, evidentemente, 03 problemas da critica moderna sobre a composicao € unidade dos livros da Metafisica de Aristdteles. © anacronismo de Ié-lo a luz, desses problemas obscurece a limpidez do seu texto, Ver L. Etoens, St. Thomas Aquinas commentary of the Metaphysics of Aristotle, ap. Attour de Saint Thonias d’Aquin, Patis-Bruges, FAC-Tabor, 1987, pp. 123-145. 82, Um elenco de opinides e problemas sobre as concepgdes da Metafisica na histéria da filosofia e sobre 0 seu objeto em Toms de Aquino encontra-se em L. Evonrs, Die Metaphysik des Thomas von Aquin in historischer Perspektive, Salzburgo, Anton Pustet, 1985, pp. 11-37. Para um comentario de Met. ICalpht), Le 2 ver Anistorrie, Metafisica (ed, G. Reale), op. cit., 1H, pp. 20-20. 83. Anistoretes, Met. IV (gamma), 4, 1006 a 35 — 1009 a 5, Sobre essa célebre refutagio por retorsio (apodeixai elenticios), além do minucioso comentirio de G, Reale (Aristoreis, Metafisica, op. cit., II], pp. 167-180) ver J. Marécuat, Le point de départ de Ia Métaphysique, op. cit. I, pp. 16-17 e V, pp. 81-84); Maréchal chama a atengio sobre a atitude critica inicial preconizada por Tomas de Aquino: universalis dubitatio de veritaie, in IIE Met., lec. 1 (nm. 339-344, Cathala- Spiazzi). Sobre a posiciio do Absoluto na aplicacéo do primeiro principio ver Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73,1996 [199 “i 4. Martcuat, Le point de départ de Ia Métaphysique, 0} iuilizagio do argumento de “retorsio” como procesimente fundamental na constituisao do pensamento metafisico foi proposta Tecentemente por E, Bert, Introducione alla Metofisica, Tucim, UTET. $/d. pp 7480; S111 34. A estrutura pros en (focal meaning na expressio de G. E. L, Owen), sem se identificar com a analogia attriutionis posterior, ordena 2 polivocidade da diego investigacdes e discuss6es histérico-criticas. Ver L. E.oexs, Aristote et objet dela Métaphysique, ap. Autour de saint Thomas @Aquin, op.cit,, L pp. 147-165. 85. Ver o grande comentétio de G. Movia, Apparenze, essere, verita: comentario storico-critico al Sofista di Platone, Mildo, Vita e Pensiero, 1991; ver particular- mente a Conclusio, pp. 473-480. 86. Esse texto dard origem a teoria medieval dos trés Braus de abstracao, que mH € @ teoria de Tomas de Aquino, embora tenha sido a ele atribuida por alguns comentadores. Sobre os problemas ¢ interpretagao do texto ver Px, Mea.an, Dat Platonismo al Neoplatonismo (tr. it.), Milao, Vita e Pensiero, 1999, bp. 119-152 ¢ Anistorete, Metafisica, ed. G, Reale, I (inte), op. cit., pp. 288-293; para a exegese do texto, ibid. IH, pp. 293-301, 87. Essa hipétese sera explicitamente formulada no curso do desenvolvimento da teoria metafisica do juizo, quando a posigio do Absolure na ordem do conhecimento estard implicada no dinamnismo intelectual que move a afirma- gio do ser 88 Ver In IV Met. tec. 7 (ed. Cathala-Spiazzi n. 611). 89. Awstorees, Metafisice IV (gamma) 4, 1006 a 25. 91. Met. IV (gamma), cc. Le 2.4 estrutura ousioldgica é 0 fundamento da ciéncia do ser aristotélica, com relagao a qual é permiticie falen de uma analagia do Saceito de ser, ndo obstante as objecses de alguns autores come P, Aubengue. Nera ampla exposigao de 1. Duoants, La doctrine aristotéhown de lanalogie ct S& normalisation rationelle, ap. Diew avec Pétre (Philosophie 1), Patis, Beauchesne, pp, 107-165, 92. A edigao critica provavelmente definitiva do comentario ao De Trinitate de Boécio foi publicada no vol. L da Edigio Leonina, Jd anteriormente citado. Esse comentatio foi redigido por Tomés de Aquine provavelmente entre 1257 ¢ 1259, alguns anos antes do comentario & Metefisica (1270-1271, Torrell), Sobre Shaper do Comentirio ha uma abundante bibliogratia, Ver, P.ex, A. Maunee, St Thomas Aquines, the Division and Metheds of Science: questions V and VI of his 1a Naty Of De Trinitate of Boethius, Toronto, Institute of Medieval Studies, & ed, 1986; L, Etoens, Faith and Science: an introduction to St Thomas Expositio in Boethiide Trinitate, Roma, Herces, 1974. Sobre os antecedemte, histéricos do problema da divisio das ciéncias na Antigiiidade e ne Ideas Média, ver L. Eupexs, Faith and Science, op. cit, pp. 85-91. 200} Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n, 78, 1996 93. Ver nota 49 supra. 94, Ver L. Eunexs, Faith ard Science, op. cit., pp. 96-105. 95. Ver L. B. Geiser, Abstraction et séparation d’aprés Saint Thomas d’Aquin, ap. Philosophie et Spiritualité, Paris, Cerf, 1963, pp. 85-124. Ver Summa Theolagiae, 1,q.85a. Lad Ime ad 2m. 96. Ver E. Gitson, Le Thomisme, 6. éd., op. cit, p. 112 97. Hoc quod dico esse est actuatitas onium actiumt et perfectio perfectionuan, Q. D. De Pot. Dei, q. 7, a. 2 ad 9m. O esse aqui significa o actus essendi endo a verdade da proposigio (ibid,, ad Im). Donde a inferéneia da incognoscibilidade em si, ow a transcendéncia absoluta do ipsum Esse subsistens. 98, Le Thomisme, 6, éd., op. cit. p. 112 99. Joseph de Tonquédec (1868-1962) foi um dos mais notéveis e conhecidos tomistas da primeira metade desse século, célebre a seu tempo pelas eriticas que dirigiu a Henri Bergson e Maurice Blondel. Deixou uma importante obra de exegese dos textos tomdsicos, sobretudo nos campos da teoria do conhe- cimento e da filosofia da natureza. 100. Ver nota 72 supra. 101. J. pe Tonquenec, La Critique de la Connaissance, Paris, Beauchesne, 1929, pp. 179-218. 102. Le Point de départ de la Métaphysique, op. cit., V, pp. 131-216. 103. Os textos alegados por Tonquédec, op. cit., p. 193 n. 1 sio os seguintes: Stanma Theologiae, I, q. 5B a. 2; q. 85 a. 4; Contra Gentiles, 1, <. 55. 104, J. ve Tonquitrc, op. cit., pp. 194-210. 105. Ver Sune Theologiae, I, q. 13, a. 2 ¢. Sobre a relagdo entre a inteligéncia eo entendimento, que so dois modos de conhecer de uma mesma faculdade intelectiva, ver a clara exposigao de Josarit Moreau, De la connaissance selori Saint Thomas d’Aquin, Paris, Beauchesne, 1976, pp. 89-117. 106. E um belo e divino impulso, para usar a expressio de Platio: “é belo divino, sabe, o impulso que te leva aos discussos argumentativos” (Parménides a Sécrates, Parm.135 d 2-3). 107. Bis alguns textos: Summa Theologiae, 1, q. 75 a. 5 cq. 84a. 7 cq. 89 a. Le; De Verit., q. IL, a. 6 ad 3m; Q. 11. de Anima, a. 20, ad Im contra; De Ente et Essentia, ¢. 3; In Im Melaplys., lee. 12 (Cathala-Spiazzi n. 183); Jn VHT Metaphys. lec, 5 (Cathala-Spiazzi, nn, 1378-1380). 108. Summa Theol., 1, q. 74 a. 2c; a célebre andlise aristotélica na qual se inspira $. Tomas encontra-se em De Antinia, Ill, 5, 430 a 10-25: distingao dos intelectos “agente” ¢ “possivel”. 109. # 0 que ensina o Aquinatense no texto capital in Boeth. de Trinitate, q. 5 a. 3c. onde se distinguem as duas operagées da inteligéncia: a) apreensio da “quididade” ou da “natureza” da coisa, secundum guod res intellecta aliquen gradum in entibus abtiiet; b) consideragio do existir da coisa: respicit ipsum esse rei. 110. Ver De Ente et Essentia, c. 10; De Verit. q.11, a. 7c. et ad 3m; in VI Metaphy., lec. 4 (Cathala-Spiazzi, nn. 1228-1229). Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n, 73,1996 {201 111. “Predicamental” é um termo oriunde do latim filoséfico medieval € cotresponde a calegorial, designando o ser que se divide pelos 10 praedicamenta ou categorias aristatélicas. Ver J. Manéciat, Le Point de départ de la Metapliysiquee, V, op. cit., pp. 297-298 112. O andar além (meta) da “sintese concretiva” que é propria do dominio da substancia sensivel (ta physika), torna possivel a constituigao da ciéncia primei- 1a no Ambito do ser e do uno transcendentais, que emergem pela seperatio do esse na afirmagio judicativa. Sem essa passagem da “sintese concretiva” ao ser na sua amplitude transcendental, a Fisica seria a “ciéncia primeira”. Ver Axistene.es, Met. VI (epsilon) 1, 1026 a 27-30; Met. VII (dzetia) 3, 1028 b 33-1029 b 12, citados ¢ comentados por G. Reale em Arisrore.e, Metafisica, op. cit., 1, pp. 46-48. A manifestacao do caréter transcendental do esse como “ponto de partica da Metafisica” € contestada por varios tomistas contemporaneos, que adotam uma altitude critica com relagdo a interpretagdo marechaliana, p. ex., B. Lakenatek, Klassische Metaphysik, Friburgo B., Alber, 1967 e C. Fasno, Zu einem verstiefte Verstindnis der thomistischen Seinsphilosophie: der Begriff der Partizipation, ap. Thomas von Aquin If, op. cit. p. 426, a. 68. Ver, no entan- to, L, Epans, Die Metaphysik des Thomas von Aquitt in historischer Perspektive, op. cit, pp. 154-157 e R. Schdnberger, Die Transformation des klassischen Seinssverstiindnisses, op. cit,, pp. 258-262. 113. Ver o texto programético de J. Maricuat, Au seuil de la Métaphysique: abstraction ou intuition? ap. Melanges Maréchal, L, op. cit. pp. 102-180, A afi macao é, na inteligéncia humana, o sucedaneo da intuigao intelectual do ser na pura inteligéncia 114. Sobre essa superagio dos limites do conhecimento tepresentativo, ver E, Dinven, De la forme d Vacte, op. cit., pp. 225-226. 115. A essa fungao ontoldgica do juizo na afirmagao sio dedicadas algumas das paginas mais importantes de Le Point de départ de in Metaphysique, V, op. cit, pp. 299-315. 116. Esse ponto permanece implicito na obra de Maréchal, e & aqui que um apelo ao ensinamento de Gilson se mostra necessirio. Note-se que, ao tratar da divisdo das ciéncias tedricas (Le Point de depart..., V, pp. 260-279) Maréchal nao se refere aos textos fundamentais do In Boethii de Trinitate, q. V, aa. 1-4. 17. Suinmna Theol, 1, q. 4 a. 2 ad 3m e Contra Gentiles, 1, ¢. 22. Estudamos essa relagdo de transcendéncia, do ponto de vista antropoldgico, em Autropolagia Filoséfica Ul, 2a. ed., Sio Paulo, Loyola, 1994, pp. 93-117. U8. Ver Le Point de depart de la Métaphysique, op. cit., V, pp. 363-504. E ainda 9 importante artige Le dynamisme intellectuel dans la connaissance objective, ap. Melanges Maréchal 1, op. cit,, pp. 75-101. 119. Rep. I, 379 a 5-6, Platéo refere-se aqui aos poetas e compositores de mitos. 120. Bang. 210 a 5-211 c 9; Rep. Vi, 507 b 1-509 b 10. 121. Sobre a componente teoldgica da Metafisica de Aristételes ver G. Reate, 11 concetio di “filosofia prima” ¢ unit della Metafisica di Avistotele, op. cit., pp. 114-127; 144-171; 259-317, 122. Ver a ampla e documentada exposigio de L. ELpens, The philosophical Theology of Saint Thomas Aquinas, (Studien und Texte zur Geistesgeschichte des Mitteialters, 25), Leiden, Brill, 1990. 202 | Sintese Nova Fuse, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 123. In Boetlt. de Trinitate, q. V. a. 4: Sic ergo theologia sive scientia divine est duplex: win in que consideraritur res divine non tamquant sulyjectum scientie sed tamguam principia subjecti et talis est theologia quam philosophi prosequuertur, que alio nomine meiaphysica dicitur; alia vero que ipses res divinas considerat propter seipsas re suebjectinn sciestie, et hace est theologia que it sacra scriplura traditur (ed Leonina, t. L, p. 154). 124. Suna Theol., I, q. 2, a. 3; Contra Gentiles, 1, c. 13. 125. Unta ampla exposigaio das cinco vias ¢ das suas interpretagdes modernas em L. E.oers, Tie philosophical Theology of Saint Thomas Aquinas, op. cit, pp. &2- 139, Ver também as paginas classicas de FE. Gson, Le Thomisme, 6. éd., op. cit. pp. 51-97. 126. Ver Antropologia Filosdfica, op. cit, 3a. ed., 1, p. 287 n. 174. 127. Commentarinan in tibvam Dyonisii de Divinis Nominibus, VII (ed. C, Pera, a. 230). 128. © caminho da teologin negativa remonta a Platio e a filosofia helenistica. Sobre essas trés vias em Tomés de Aquino ver L. Etorrs, The Philosophical Theology of Saint Thomas Aguinas, op. cit., pp. 141-185. 429, Auiour de saint Thomas, op. cit., pp. 107-108. Na Sa. edic&o de Le Thomisme Gilson admite uma prova da existéncia de Deus a partir da composicao real de esséncia e existéncia, mas na 6a. ed. (p. 97, n. 85) retrata-se com relagio a esse ponto. 130. Ver Passages du Cahier V d’oit peut ressortir une preuve de l'existence de Dieu (mars 1944), ap. Mdanges Maréchal, op. cit. 1, pp. 370-371. 131. Parmtors, DK, 28, B, 8, 1: primeiro claréo do pensamento metafisico. Ver Anistoreies, Met. VIE (dzetha) 1, 1028 b 24: fi to on; 0 que é o ser?, tis he ousia; 0 que é a substancia? 132. B sabido que Tomas de Aquino, tedlogo, n&o redigiu um discurso siste- mético sobre a Metafisica, nem mesmo tentou dispor em ordem sistemdtica os livros da Metafisica de Aristteles que comentou. A Metafisica como sistema & criaggo moderna de Francisco Suarez (1548-1617) e foi cultivada sobretudo no clima do racionalismo pés-cartesiano. Ver 0 livro jd citado de J.-F. Cournive, Sudrez et le systeme de la Metaphysiqne. 133. A justificagiio dessa ordem na exposigio da filesofia de Tomas de Aquino 6 exposta por E. Gison ao longo da sua obra Le Thomisme: introduction a la philosophie re Thomas d’Aquitt, op. cit. 134. E essa a significag&o da colocagao, pelos editores da obra aristotélica, do livro XII (lambda), que trata do Primeiro Motor ou do Deus de Aristételes, 20 termo da sequéncia dos livros da Metafisica, Esse foi o tiltimo livro comentado por Tomas de Aquino. Os livros XIII (ny) e XIV (xy) so um apéndice critico em polémica com os Platénicos. Segundo a ordem do discurso metafisico tomdsico, modelado de jure na ordem aristotélica, embora submetido de facto & ordem da sacra docirina, nada impede, embora Tomas de Aquino nao o tenha feito explicitamente, assumir nas cinco vias, ao termo do discurso metafisico, exempli gratia a distingdo real de esséncia @ cxisiéncia (argumento da contingéncia), da analogia do conceito de ser (argumento dos graus de perfei- 40), ou do dinamismo intelectual (argumentos do movimento, da causalidade e do fim). Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73, 1996 |_203 135. Ao iniciar as Sumas, Tomas de Aquino jd dispde dessa elucidacao da estrutura metafisica do real como de um instramento privilegiado para levar adiante seu discurso teoiégico-dogmatico, o que nio impede que, em pontos de grande importancia, ele avance na inteligéncia dessa estrutura, Sobre a estrutura do real segundo o Aquinatense, ver a obra clissica de A. Forest, La Structure métaphysique du concret selon Saint Thomas d’Aquin, 2. éd., Paris, Vrin, 1950. 136. A ordenagio ao absoluto formal (Unidade, Verdade, Bem) implica a orde- Ragio ao Absoluto real, em virtude do carter finilo e “mensurado” da nossa inteligéncia. Ver Antropologia Filosofica I, op. cit., pp. 220-225; Il, pp. 119-124 (e notas correspondentes). Sobre a nossa inteligéncia como “mensurada” ver H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia Ul: Etica e Cultura, 2. ed., So Paulo, Loyola, 1993, p. 38 0. 8 Ver igualmente J. Manéchat, Au seuil de la Métaphysique, abstraction ou intuition?, ap. Mélanges Marechal 1, op. cit., pp. 111-117. 137. “O ser se diz de muitas maneiras” Met. IV Gamma), 2, 1003 a 33. 138. No caso trata-se de uma demonstracao a posteriori, que Aristoteles deno- minou olf € os latinos quia, concluindo, no nosso caso, do efeito a causa (Ver Anal, Post., U1, ¢. 13), 159. Sobre a nogio de ilimitagio tetica ver Antropolagia Filosdfice, I, op. cit. p. 167. 140. Ao evitar o circulo vicioso na estrutura da Metafisica, que parte da pré- compreensio do Absoluto ¢ cuimina na demonstragio da sua existéncia e natu- teza, 0 discurso metafisico manifesta a sua estrutura circular dialética, pois 0 conhecimento do Absoluto no fim, reflui sobre o principio para assegurar a definitiva fundamentacao especuiativa da pré-compreensio do Absoluto que torna possivel o mesmo discurso, ML. Ver Q. D. de Potentia Dei, VIL, q. 2 ad 9m. 142. L’Etre et l'Essence, op. cit., 3. €d., pp. 81-123. M43. Na verdade, trata-se de um topos carateristico de toda a tradigéo teoldgica crista, presente no reconhecimento da natureza existencial de Deus, mani tada na revelagio a Mois¢s do Ew sou, embora seu aprofundamento metafisico Seja sobretudo obra de Agostinho e Tomds de Aquino. Ver E. Cuson, L'Esprit de la philosophic mediceale, op. cit., pp. 39-62. Embora seja provavelmente mais prudente o abandono da expressio gilsoniana “metafisica do Exodo”, 0 pro- blema do texto do Ex, 14, 3 na tradigo crista antigo-medieval nao & um problema exegético mas especulativo. 144. Foi a partir das Gifford Lectures (1931) reproduzidas em L'Esprit de la Philosophie meédicvale, que o problema do ser como esse (existir) se impSe a Gilson, que nele deseobre a originalidade de Tomas de Aquino. A partir da 4a edligio de Le Thomisme (1941), 0 tema adquire preponderincia no seu pensa- mento, Ver P. Ausexque, Etienne Gilson et la question de I'étre, ap. Etiestne Gilson et nous, op. cit,, pp. 79-80. 145. Ver D. Janicaun, Le tournant théolegigue de Ia pheénoménologic francaise, Combas, éd. de (Eclat, 1991; M. Henny er at., Phénoméuologie et Théologie (présentation de J.- F. Courtine), Paris, Critérion, 1992. 146. Ver, a propésito, os testemunhos recolhidos por E. Gaveuuteat, Saint Thomas: une ontothéologie sans phénoménologie? Revue Thomiste, XCV (1995): 150-192 (aqui, 150-156) Stntese Nova Fase, Beto Horizonte, v. 28, n. 73, 1996 PE RTE EE 147. Kaus Kremer, Die neuplatonische Seinsphilosophie und ihr Wirkung auf Phones von Aguin, Leiden, E. J. Brill, 1966 (2. ed. 1971). Uma critica equilibrada dessa obra, que restabelece a originalidade da concepsio tomésica do esse sem dles- conhecer suas eventuais fontes inspiradoras foi apresentada por A. SouGNac, La doctrine de lesse en Saint Thomas est-elle d'origine néoplatonicienne? ap. Archives de Philosophie, 30(1967): 439-452. Numa pesquisa anterior e que se presume exaustiva R. J. Henle examinou os textos em que S. Tomds se refere 4 posigio dos platontci, e suas conclusdes nao autorizam a afirmagao de uma dependéncia essencial da metafisica tomdsica com relagao ao neoplatonismo, Ver R. J. Hente, Saint Thomas and Platonism: a study in the Plato and platonic texts in the writings of Saint Thomas, Haia, M. Nijhof, 1956. Na sua notdve] tese recente, Nature and Creature: Thomas Aquinas's Way of Thought, Leiden, E. J. Brill, 1988, pp. 112-140, Jaw Acrtsew situa o problema da participago no esse na perspectiva do conceito de criagéo. Ver igualmente, A. ve Murait, Néoplatonisme et aristotdlisme dans la métaphysique médiévale, Paris, Vrin, 1995, ¢ a erudita comunicagao de Cristina D'ANCONA Costa, Historiographie du platonisme médiéval: le cas de saint Thomas, ap. Saint Thomas au XXéme si ‘Actes du colloque du Conténaive de la "Revue Thomiste” (&d. $-T. Bonino), Paris, Ed. Saint Paul, 1994, pp. 198-217. 148. P. Havor, Porphyre et Victorinus, 2 vols., Paris, Les Etudes Augus 1968. 149. Porphyre et Victorinus, op. cit, 1, pp. 102-104. 150. Porphyre et Victorinus, op. cit,, 1, p. 408. Os fragmentos do comentdrio atribufdo a Porfirio foram editados ibid., II, pp. 58-113; sobre o "ser eo ente” ver pp. 98-107. Os comentarios de Hadot esto em I, 129-132; 283-285; 408-418; 488-493, 151. A edigdo critica desse comentario esta na Edligéo Leonina, t. L, op. cit. p. 231-282. A grafia De Ebdomadibus parece set a mais correta, 05 mins. nio registrando nenhum titulo (ibid. p. 263). Sobre a distingao entre esse e quod est ver ibid., p. 270. A propésito, ver L. Euvers, Die Metaphysik des Thomas von Aguin in historischer Perspektive, op. cit., pp. 134-136. 152. Dieu comme acte d’étre: A propos des théories d’Etienne Gilson sur la “métaphysique de l'Exode’, ap. Etienne Gilson et nous, op. cit, pp. 177-122. Note-se que o De Ente ef Essenitia, redigido em torno de 1252 (Torrell), onde a distingao real do esse e da essentia € claramente exposta, ¢ certamente ante- rior a0 comentario ao De Ebdomedibus (depois de 1259, Leonina, L, p. 264). 153. Sem diivida essa tradigao, com a descoberta e interpretacao de einai por P. Hadot no comentirio 20 Parménides, relativiza a tese gilsoniana sobre a absoluta originalidade da concepgio do esse na tradigfo crista, 154. C. J. DE Vocel, Platonisito o Cristianésmo (tr. it), op. cit., pp. 80-84 155. Q. D. de Potentia Dei, q. 3, a. 4, c: @ 0 comentario de Tomas de Aquino & proposicao 4 do Liber de causis: prima rerum creatarumt est esse. Ver In Libram de Causis expositio, pr. IV, lec. IV (ed. C. Pera nn, 93-129). 156. Uma preciosa coletanea de textos de Tomés de Aquino sobre a metafisica, comentados magistralmente por E, Giison encontra-se em Bléments d’une métaphysique thomiste de l’étre, ap. Autour de Saint Thomas, op. cit., pp. 97- 126. Sobre a recepsio, na tradigao cristi, do tema grego do ser como existéncia Stntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73,1996 [205 © sua evolugao nesse novo ‘contexto, ver R. ScHOnaercer, Die Transformation des Klassischont Seinsverstindnisses, op. cit., pp. 84-94. 157. Segundo Heidegger, esse “esquecimento do sex” é uma modalidade (niodus) do proprio Ser, um “acontecimento” (Ercignis) endo um “ereo"(Fehler). Ver, a Propdsito, R. ScriGvvercen, op. cit., pp. 22-28. 186. A expressio “onto-teolégico” foi empregada por Kant para designar 0 chamado argumento ontolégico da existéncia de Deus. thnk der reinen Vernunft, B, 659-660). Ibe, Wer P. AUBENaLE, La question de Fontothéologie cher. Aristote et Hegel, ap, Tit be Kosninek — G. Prawm-Boxgou (eds.) La question le Dien si Aristote of Hegel, Paris, PUR, 1991, pp. 259-283 aqui pp. 280 segs. ), € ainda E. Been, Aristotele nel Novecenio, Roma-Bari, Laterza, 1992, pp. 64.79, 160. Ver Identiti ¢ Differenza (ir. it), Milao, Vita e Pensiexo, 1989, pp. 360-378. Ver a Introdusio de A. Bausola, ibid. pp. 19-21. Uma leiver: dos grandes Momentos da “histéria do Ser” na metafisica antiga Parménides, Platio, Arist6teles, Agostinho © Tomas de Aquino) que se liberta de modelo onto- teoldgico ¢a de D. Dusarct, Diew avec etre: de Parmnide A Sornt Thomas d’Aquin, essai d'ontologie théologate, op. cit 161. Ver supra, nota 145 162. E 0 caso, notadamente, do filésofo @ tedlogo J.- L. Maion no seu fivro Dicu sans Vétre, Paris, Communio-Fayard, 1982 ©, ed. 1991), € em outros tex. 108 Recentemente Ju. Marion deu a conhecer uma retvactation, qual procura lberar Toms de Aquino da onto-teologia, introdurinde uma separacio, a nassos olhos inexistente, o que toma pouco convincente 4 palinddia do conhe- Cido pensador, entre a doutrina tomasica sobre Deus ¢¢ metafisica, aquela Contrada sobre a teoiogia negativa, essa presa ao modelo onto-teolégico; ver Saint Thomas d’Aquin et l'onto-théologie, Revue Thonuiste, XCV (1995): 31-66. Esse niimero da RT retine as comunicagdes de um coléquio sobre o tema “Sé0 Tomrds € a onto-teologia” (1994) organizado Pelo Instituto Catélico de Toulouse ea RT. 163. Q. D. de Potentia Dei, q, 7, a, 2 ad Aim, Ver os comentarios de Gusow sobre 9 Esse divinuon: em Eléments ’une métaphysique thomiste, ap. Autour de Saint Thomas, op. cit,, pp. 108-115, 164. Ver O. Boutxois, Quand commence Vontothéologie?, Revue Thomiste, XCV (1995): 85-108. Para Boutnois, como para outtos historadores recentes, o modelo fag teolégico $6 se mostra pertinente quando aplicado # ums metafisica fundada na univocidade do conceito de ser; historicamente, convém a metafisica {al como foi praticada de Duns Escoto a Kant. Ver HC Lane Vaz, Metatisica: historia e problema, Sintese 66(1994): 395-406, Sobre a telagdo entre a metafisica Predieval e a metalisca moderna a partir de Escoto, ver o line; citado de L. Honnenrexpex, Scientia transcendeus; em patticulay sobre « situagio de To- nas de Aquino na interpretasio neo-escoldstica recente, vee ibid, Einl, pp. 165. Sobretudo no texto Die Technik und die Kehre, Pfiillingen, Neske, 1962. 166. Ver Ti. Rexscit — H. J. Chosen, Metaphysikkritik, ap. Historisches Worterbuch der Philosophie, 5, 1282-1294; E. Beery, Iatvoduacione ale Metafisica, op. cit, pp. 33-43, 206 | Sintese Nova Fuse, Belo Horizonte, v.23, n. 73, 1996 167. Trata-se da conhecida distingao aristotélica entre os saberes tedrico, pritico ¢ poidtico: Met. VI (¢psilon), 1, 1025 b 18-1026 a 23. 168. Uma reflexio profunda sobre esses dois tipos cle forias encontra-ge ern }. Laoritar, Métaphysique et Culture, ap. Dimensions de I'Exister (Etudes Anthropologie Philosophique V, dir. G. Florival}, Louvain, Peeters, 1994, pp. 750-266. Ver igualmente a conclusio do nosso texto sobre Tomas de Aquino @ 0 nosso tempo: 0 problema do fim do homem, ap. Escrites de Filosofia I: Probleinas de frontteira, op. cit. pp. 34-70 (aqui, pp. 67-70). 169. Summa Theologiae, 1, q. 44 a. 3 € loc. paral. 170. Ver a nossa exposigao da “categoria de objetividade” em Antropologia Filosdfica, 11, op. cit., pp- 9-48. 171. Summa Theologiae, 1, 4. 45 a. 3 ad 1m; Q. D. de Potentia, 4. 3, a. 3 &. 172. O mundo das formas produzidas 6.0 mundo da cultura, ao passo que o mundo das formas dades a0 homem é 0 mundo da atireza. Do ponto de vista da sua estrutura significante 0 mundo das formas produzidas é 0 universo dos stnbolos e entre eles se inclui a propria naiureza enquanto objeto do pro- cesso de simbolizagio. E dentro do universo dos simbolos que o homem se reconhece e se movimenta. 173. Problema tematizado especificamente pela Bioética humana. 174, Elan que pode ser detectado até experimentalmente no pouco estudado fenémeno da idoiatria, desde as suas primitivas formas religiosas até as suas transposiges modernas nos campos da politica, da arte, do lazer, do consu- mo, do narcisismo intelectual e moral, etc... Endereso do Autor: Av, Dr. Cristiano Guimaraes, 2127 31720-300 Belo Horizonte — MG Sintese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 23, n. 73,1996 (207

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