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NOTAS INTRODUTORIAS ‘As condicdes sob as quais um enumciado constitu’ uma informacao para «lguém dependem essencialmente do que alguém je é! Connewus Casromans,Feitoeaserfeito. Asencruzithadas dolabirintoV. 1. Acctise do direito e do Estado 1 Estelivro pretende discutiracrise do direito, do Estado eda dogmatica juridica, assim como os seus teflexos na sociedade, a partir do papel da justica constitucional e sua legitimidade nestes tempos de pos-positivismo ede resistencias positivistas. Com efeito, preparado/engendrado para o enfrentamento dos conflitos interindividuais, o diteito ea dogmatica juridica (que o instrumentaliza) nao conseguem atender as especificidades das demandas originadas de uma sociedade complexa e conflituosa E. Faria), O paradigma (modelo/modo de producao de direito) liberal-individualista estdesgotado. O crescimentodos direitos supraindividuaise acrescente complexidade social (re) clamam novas posturas dos operadores juridicos. De pronto, paraacompre- ensdo dessa problematica, basta que se olhe o conjunto de leis ainda carentes de uma filtragem hermenéutico-constitucional. Um Cédigo Penal de 1940 e uma sociedade onde cresce diaa diaa criminalidade transindividual: esse aspecto por sis0 jé aponta para uma crise paradigmatica. Isso para dizer 0 minimo. 2. Toma-senecessério, pois, diantedesse quadro, rediscutiras priticasdiscursivas dos juristas. Visivelmente ha uma crise que, antesele maisnada, precisa ser des-coberta “como” crise, Essa crise ocorre porque o velho modeln de direito (de feicao liberal- -individualista) nao morreu, eo novo modelo (forjadoa partirdo Estado Democratico de Direito) nao nascen ainda. Deixar vir o novo a presenca: esse é 0 desafio que me proponho a enfrentar nestas reflexdes. 1. De como 0 constitucionalismo nao morreu 3. A discusso acerca do constitucionalismo contemporaneo é tarefa que se impée. O constitucionalismo nao morren! As nogées de Constituicéo dirigente, da forca normativa da Constituicao, de Constituicao compromisséria, nao podem ser relegadas a um plano secundério, mormente em um pais como o Brasil, onde as pro- ‘messas da modernidade, contempladas no texto constituctonal de 1988, longe estao de ser efetivadas. Ha que se detectar os problemas que fizeram com que parcela dos dispositivos da CF/1988 nao obtivesse efetivacao: a prevalencia/dominancia dos pa- tadigmasaristotélico-tomistas (objetivismo) eo paradigma da filosofia daconsciéncia (subjetivista-solipsista), refratérios a guinada lingufstico-hermeneutica, 30 | sumispi¢ao CONSTITUCIONAL # DECISAo JURIDICA a mixagem de modelos filosoficos ~ provocou sea resistencia ~ produto dess (esobretudo aquilo que se pode denominar de entificagio do ser (sentido) da direito Ga Constituicdo); outro problema decorre da nao existencia de um Estado Social no Pais, muito embora o forte intervencionismo do Fstado (e do direito); também deve cer apontada a prevalencia do paradigma liberal-formal (individualista) de direito, tnormente pela permaneneia promiscua deum ordenamento infraconstituctonal nao filtrado constitucionalmente; por ultimo, podem-se ainda arrolar como fatores que obstaculizam a implementacio dos direitos constantes na Constitulcao 0 processe de globalizacao eas politicas neoliberais (de perfil desregulamentador) adotadas por sucessivos governs, Na verdade, quando falo em “dispositivos constitu quero dizer mais do que isso. Com efeito, hd um descumprimento que vai além de lama mera confrontacio de carter paramétrico ou de cotejamento entre legislacao infraconstitucional e texto constitucional, Ha um imaginario de incumprimento que seforjou a margem daquilo que se pode chamar de “falta deefetividade” stricto sensu Quando nao construimos as condicoes de possibilidade para a constitucionalizacto do proprio debate acerca do direito em um pafs como o Brasil, € porque ha um cor- pous de representacdes que obstaculiza esse objetivo. No momento em que o Poder Jadicidrio continua julgando de forma solipsista, como se nao houvesse ocorrido o “acontecimento da Constituicao", pode-se dizer que estamos diante de uma crise de paradigmas. Essa crise se sustenta em um imaginario Gogmitico-positivista: embora 4: Constituigao aponte para um novo direito de perfil transformador, nossos juristas, inseridos nesse senso comum tedrico, continuam a “operar” (salas de aula, doutrina t_préticas tribunalicias) como se odireitofosse uma técnica, ouseja, umameraracio- nalidade instrumental. 4, Um dos pontos fundamentais, para um melhor entendimento/enfrentamento de toda essa problematica, exige uma discussao acerca do papel do direito (portanto, da Comstituigao) ¢ da justica constitucional no Estado Democratico de Direito. Nes- ‘se sentido, além das necessérias criticas ao paradigma liberal, torna-se importante © enfrentamento, ainda que de forma superficial, das posturas procedimentalistas, (que, 20 repelitem o paradigma do Estado Social, deixam de lado a nogao de Estado Democritico de Direito, que é plus normativo em relacio ao paradigma promovedor do Welfare State. 5, Desse modo, entendoqueas perspectivasde realizacto dosdireitos fundamentals sociais no estdo esgotadas, e, a0 contrario do que pregam, por exemplo, em determi. ‘hadas circunstancias, as posturas procedimentalistas, o papel da justica constituclonal nndo deve restringit-se a (mera) compreensio procedimental da Constituicao (0 que no implica afirmar, por ébvio, que, por exemplo, Habermas despreze a concretizagao de direitos sociais-fundamentais). Ou seja, enquanto 0 procedimentalismo— em seus diversos matizes— sustenta que a justica constitucional ndo deve ser a guardia de uma suposta ordem suprapositiva de valores substanciais, entendo que @ realizacio dos direitos fundamentals (e nao dos valores, como querem as teorias da argumentaclo, p. ex),apretexto da judicializacio da politica, no pode ser negada a sociedade, mais ndo efetivados”, Notasmvtropuroxs | 31 6.Poroutrolado, ao contrério do paradigmaprocedimentalista, queentende que 1 Constituigdo nao deve ser entendida como uma ordem juridica global e concreta, destinada a impor apriori uma determinada forma de vida sobreasociedade, sustento que o constitucionalismo, exsurgente do Estado Democratico de Direito, pelo seu perfil compromissario, dirigente e vinculativo, constitui-2-acao do Estado. 7, Em outras palavras ~ e para deixar isto bem claro -, entendo que, enquanto nao for superadoo triangulo dialético de que fala Canotilho (a nao respostaadequada do Estadoa falta de liberdade e seguranca, a permanencia da desigualdade politicaeo no combate. desigualdade social), o papel da forca normativa da Constituicao nem de longe pode ser considerado como esgotado! Hl. O fio condutor da obra 8. Como fio condutor para a elaboragao destas reflexoes, adoto 0 “metodo” fenomenolégico, visto, 2 partir de Heidegger, como “interpretacio ou hermenéutica universal”, € dizer, como revisdo critica dos temas centrais transmitidos pela tradig20 filos6fica através da linguagem, como destruicao e revolvimento do chao linguistico da metafisica ocidental, mediante o qual é possivel descobrir um indisfar¢avel pro- jeto de analitica da linguagem, numa imediata proximidade com a préxis humana, como existéncia ¢ faticidade, onde a linguagem—o sentido, a denotacao ~ ndo é analisada num sistema fechado de referencias, mas, sim, no plano da historicidade. Enquanto baseado no método hermenéutico-linguistico, o texto procura nao se desligar da existencia concreta, nem da carga pré-ontologica que na existencia ja vem sempre antecipada. O verdadeiro carater do método fenomenologico nao pode ser explicitado fora do movimento ¢ da dinamica da propria analise do objeto. O Daseinimpée, por causa de sua estrutura particular, quea consideracdo metédicase realize dentro da sistematica anélise do seu ser e sentido. A introdugio ao método fenomenoldgico somente € possivel, portanto, na medida em que, desua aplicacdo, foram obtidos os primeiros resultados, Isso constitui sua ambiguidade e sua intrin- seca circularidade. A “constituicao fundamental do objeto” eo “modo deserdo ente tematizado” estio implicados na exposigao do método. Mas, comoa “constituicaoe o modo de ser” do Dasein s6 resultam de uma analise existencial, deve primeiro ser suposto 0 método. Sua explicitacdo somente tera Ingar no momento em que tiver sido atingida a situacdo hermenéutica necesséria. Atingida esta, descobre-se que 0 método se determina. partir da coisa mesma (Sache selbst). A escada para penetrar nas estruturas existenciais do Dasein é manejada pelo proprio Dasein endo pode ser preparada fora para depois se penetrar no objeto. A escada ja esta implicada naquilo para onde deveria conduzir. 1. Cf Stan, Emnilda, Introducio 20 método fenomenolégico, Notas a0 texto A essencia do fundamento. In: Hespecoer, Martin, Confertncias ¢escritosfilosolices. Trad. Ernildo Stein. ‘Sto Paulo; Abuil Cultural, 1979. p. 91-92; tb. Stet, Ernildo. A questao do metodo na filosofia. Um estudo do modelo heideggeriano. Porto Alegre: Movimento, 1983. p, 100-101. 32 | umspr¢so consrrructonate DECISKOJURIDICA 9. Trata-se, enfim, da elaboracao de uma andlise antimetafisica, isso porque, « partir da viragem linguistica e do rompimento com os paradigmas metafisicos aris totelico-tomista e da filosofia da consciéncia, a linguagem deixa de ser uma tereeira coisa que se interpée entre um sujeito e um objeto, passando a ser condicao de posst- bilidade, Melhor dizendo, mais do que condicao de possibilidade de nossa condi¢ao de ser no mundo, a linguagem constitui nosso mundo. Linguagem ¢, pols, a¢ao! Ao ‘mesmo tempo, 0 processo interpretativo deixa de ser reprodutivo (Auslegung) e passa a ser produtivo (Sinngebung). I. O cardter produtivo da hermenéutica: a subtilitas applicandi como “sintese hermenéutica” 10, Apofado em Gadamer, tem-se que o carter da interpretacdo € sempre produ- tivo. Esse aporte produtivo forma parte dosentido da compreensio inexoravelmente. Fimposstvel ao intérprete se colocar em lugar do outro, Oacontecer da interpretaca0 ocorre apartirde uma fusio de horizontes (Horizontverschmelzung), porque compre- ender é sempre o processo de fusto dos supostes horizontes para si mesmos. Sempre interpretamos, pois. E, para interpretar, necessitamos compreender. Para compreender, temos de ter uma pré-compreensao (por exemplo, para uma adequada compreensio da Constituigao, necessitarfamos de uma prévia teoria da Constituicdo), constituida de estrutura previa do sentido ~ que se funda essencialmente em uma posigdo prévia (Worhabe), visio prévia (Vorsicht) e concepcio prévia (Vorgriff) - que ja une todasas partes (textos) do “sistema”. 11 E, pois, a condigao-de-ser-no-mundo que vai determinar 0 sentido do texto (endo o metodo de interpretacao, p. ex.). A pergunta pelo sentido do texto jurfdicoé ‘uma pergunta pelo moda como esse seniida (ser do ente) se da, qual seja, pelo Dasein ‘que compreende esse sentido. A compreensio que o Dascin tem de si mesmo, ¢ que nasce da compreensao do ser, significa dizer que omensageito ja vei comamensagem. ‘Afinal, como magistralmenteassinala Stein 2Dasein uneuniversalidadee singularidade, universalidade e contingencia; enfim, Dasein ¢ sempre sintese. 12. A partir de tais consideracoes, € possivel afirmar que, sendo uma norma ju: ridica valida tio somente se estiver em conformidade com a Constituicéo, a afericao dessa conformidade exige uma pré-compreenséo acerca do sentido de (e da) Cons tituigdo. Nao se interpreta, assim, um texto juridico (um dispositivo, uma lei etc) desvinculado da antecipagao de sentido representado pelo sentido que o intérprete tem da Constituicdo. Ou seja, o intérprete nao interpreta por partes, como que are- petiras fases da hermenéutica classica: primeiro conhecendo, depois interpretando, para, finalmente, aplicar... Claro que nao! No plano da hermeneutica (ontologia da ‘compreensio), esses tr8s momentos ocorrem em um 6: a applicatio. Logo, quando intérprete interpreta um texto, estard no entremeio do circulo hermeneutico. Hé ‘um movimento antecipatério da compreensio, cuja condicao ontologica € 0 cfrculo 2, GE Ste, Emildo, Seminario sabre a verdade. Peuropolis: Vozes, 1993. p. 38 Norasinrnoputonias | 33 hermenéutico. E impossivel ao intérprete desprender-se da circularidade da com- preensio. Ou seja, como assinala Stein, nés, que dizemos o set, devemos primeiro escuttar 0 que diz a linguagem. A compreensio e explicitaco do ser jé exigem uma compreensio anterior. 13. Todavia, isso também implica afirmar que o carter produtivo dahermentu- tica nao permite que o intérprete se assenhore do texto. Ou seja, a hermenéutica de cariz filosofico jamais permitiu arbitrariedades interpretativas ou decisionismos por partes dos juizes, problemética que desenvolvo mais amitide em meus Hermeneutica Juridica e(m) crise e Verdade e consenso, Pelo contrério, a partir da hermenéutica & que se dina que “nao se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”. Mais do que isso, € posstvel afirmar que o cidadao tem o dieito de obtersempre uma respostaadequada & Constituicdo (aqui entendida como a resposta hermeneuticamente correta), V. Abusca da “sintese hermenéutica” e a diferenca ontolégica (ontologische Differenz) como teorema fundamental para a Possibilidade do acontecer (Ereignen) do direito 14. A partir da matriz da ontologia fundamental, pela qual linguagem ¢ coman- dada pela coisa mesma (Sache selbst), torna-se absolutamente relevante sua insercao nodireito, exatamente pelo fato de queo pensamento dogmatico-positivista do direito, por ser objetificador ¢ pensar o direito metafisicamente, esconde o caso concreto, tornando-se possivel afirmar, em consequéncia, parafraseando Stein, queametafisica corrompen a interpretagao juridica. Por isso, todo o trabalho de desconstrucao do pensamento dogmatico-objetificador do direito ¢ feito, nos limites destas reflexdes, sob o signo desse fumdamental teorema heideggeriano, a diferenca ontologica. 15. Como o leitor poders perceber, a andlise da jurisdicdo constitueional esta atravessada por essa perspectiva hermeneutica. Esse vies se torna mais presente € mais forte quando do exame das questdes atinentes aos efeitos das decisées de (in) constitucionalidade e dos mecanismos da interpretacao conforme e da nulidade parcial sem reducao de texto, além da problematica que envolve a relacio juris. -legislacio, apartirda inexoravel atribuigéo de sentido (Sinngebung) que seapresenta nas decisoes interpretativas dos tribunais brasileiros e dos outros pafses examinados na pesquisa. Porisso, repito, ahermenéutica deixa de constituir, no decorrerdaobra,a especificidade de “fio condutor”, para se transformarem contributoparaaconstrucao das condicdes de possibilidade da elaboracao de um discurso apto a desmi(s)tificar as teses que, historicamente, sequestra(ra)m o aparecer da singularidade do direito! 16.A construcao das condicdes de possibilidade paraa superacao dos paradigmas ‘metafisico-objetificantes que sustentam —através da dogmatica juridica—as praticas do direito implica adogao de um olhar “novo” sobrea (velha) problematica juridica © “véu do ser” que se abateu sobre 0 direito necessita de uma “clareira” (Lichtung) A crise que se abate sobre a ciencia juridica, nos seus mais variados aspectos, que vao desde o ensino jurtdico até a operacionalidade do direito, longe esta de ser superadae, mais do queisso, carece de uma identificacao mais precisa. As constantes tentativas de 34 | yuntsp1c4o CONSTITUCIONAL E DECISAO JURIDICA reforma que colonizam o mundo da vida dos juristas atingem apenas os “sintomas de superficie’. E possivel constatar, sem muita dificuldade, que diaa dia encaminhamo- “nos para um “hibridismo-sistemico”, com a importacio de mecanismos do sistema a common law (stimulas vinculantes, agora institucionalizadas pela Emenda Cons titucional 45/2004; mecanismos de filtragem recursal, como os previstos nas Leis 8.038 ¢ 9.756) edo direito tedesco (mecanismos avocatorios constantesna EC 3 ena Lei 9.862, que enfraquecem 0 controle difuso de constitucionalidade). Nao que as SV —stimmulas vinculantes sejam um mal (em si). Como tenho asseverado, elas pod ‘ser importantes meios para a construcdo e preservacao da integridade e dla coeréncia Go direito, Do mesmo modo, o efeito vinculante no se constitui em um mal em si No plano da hermenéutica que constitui a matriz tedrica do livro, todas as decisdes devem sempre obedecer a cocréncia e@ integridade. Ha nelas, uma “vinculacdo her- menéutica”, a partir de uma adequada teoria da decisao. 17. Detodo modo, uma das questOes que acirraa crise do direito em terrae brasilis essa busca desenfreada por instrumentos que engessam 0 processo interpretativo, reforcando o poder dos Tribunais Superiores. Todos esses mecanismos vinculadores v cntendidos a partir de um imagindrio estandardizado (senso comum teorico dom ante) — tém um mitido caréter metalisico, porque procuram estabelecer categorias fixes para servirem de premissas dedutivistas. Trata-se da tentativa de construir discursos de justficacao (validade) prévios, que “contenham” de antemao todas as hipsteses futiras de aplicacdo...! Entendidos desse modo, esses mecanismos sto anti chermeneuticos, porque, a par de se apresentarem como mecanismos de resolucto pragmatica do problema da funcionalidade do sistema, colocan-se na contramio do ‘Aces50 a justica eda realizagao dos direitos fundamentais, porque escondem oaparecet da singularidade dos casos individuais. O efeito vinculante —sob os diversos matizes ~, sc entendido, por exemplo, a partir de uma perspectiva objetivista, provoca 0 se- questro da faticidade eda historicidade do direito, Uma stimula vinculanteentendida SSsomorficamente” obnubila qualquer possibilidade de discussao do caso concreto. E como se voltéssemos a metafisica classica, enfim, 20 “mito do dado”... VI. Aconstrucao de uma Critica Hermenéutica do Direito 18. A crise que fustiga o direito ~ que, sem dhivida, causa um mal-estar na comunidade juridica preocupada com o direito enquanto fator de transformacio social ~ esta obnubilada por um discurso dogmatico que continua refém de um sentido comum tedrico, no interior do qual o sentido do sex se apaga. Daf que a nia fangio social do direito, e portanto a sua (nao) inserc4o no horizonte do sentido proporcionado pelo Estado Democratico de Direito, ocorre porque este, compreet Sido a partir das condicdes de possibilidade de sua existencia ¢, portanto, a parti das possibilidades do intérprete ser-no-mundo e ser-com-0s-outros, perde-se emt meio a uma infinidade de “inautenticldades”. Em consequéncia, o jurista faz di reito repetindo-o através de pré-jusizos nao suspensos, sem pertinencia a0 mundo historico, ficando, assim, impossibilitado de penctrar nesse mundo falado/dito. E Notas inrropuroRas | 35 Resse contexto que uma andlise do problema a luz da matriz te6rica da ontologia fundamental, adaptada ao direito a partir do que venho denominando de uma Cel. {ica Hermentutica do Direito ou Nova Critica do Direito (NCD), espécie de Escola Gaticha de Hermenéutica, procura estabelecer uma clareira apta a iluminara noite ue se abateu sobre a operacionalidade do direito. 19, Varias tentativas tem sido feitas na busca de superar a crise que atravessao direito, O avango da filosofia ea invasao da filosofia pela linguagem proporcionaram sensiveis progressos nesse campo no decorrer do século XX. De registrar, sobremo. do, que, com a superaciio dos projetos sistematicos da modernidade, o pensamento humano ocidental teve a primeira chance de diversificar a sua leitura do mundo. A filosofia do século XX, ainda que tenha retomado varias tradicoes através los diversos eos (ncokantismo, neopositivismo etc.), procurou também linkas de interpretacto que significavam a superagao dos movimentos terminals da metafisica, E assim que as diversas teorias da linguagem e do significado da primeira metade do s¢eulo XX c ©movimento fenomenolégico se apresentaram como pensaimentos que nao queriam apenas repetir, mas, sim, inovar, 20. Nesse movimento, que implicou, ao mesmo tempo, uma reavaliacto pat diginéticae uma nova tentativa de pensaros fundamentosdoconhecimento hurtano, apresentou-se a fenomenologia. Progressivamente, esta foi se liberando do model fundamental da relacao sujeito-objeto, para eclodir, sobranceiramente, emHeidegger, mals tarde seguido por Gadamer, como uma hermenéutica da faticidade de earner absolutamente novo. 21. F assim que a proposta de superacao da metafisica tornava-se uma necessi dade, pols dispunha de um novo paradigma para pensaras questdes da realidade eda verdade. A ontologia fundamental de Heidegger pode ser descoberta em Sere tempo como um manifesto dessa revoludo fenomenol6gico-hermenéutica. Dessa mancina, novo paradigma se apresentou como um espaco para um novo enquadramento das testdes das ceneias humana, onde a verdade nao mais se reduziria o método por clas desenvolvido, mas elas se inseriam num movimento da historia do sentide em ‘neo problema da fundamentacao se colocava para além da relacao sujeto-objeto, 22. Pensar qualquer realidade da cultura e do conhecimento humano desde 0 ‘arb desse novo paradigma fenomenolégico-hermenéutio significanao malspoder reduzir esse conhecimento aos limites do méiodo. A ontologia fundamental nos ensi, na. descobrir, para alem do metodo, um espaco originario, no qual desde sempre se mmovea existencia humana. E afquese situama questio dafatickdade heideggerianae aduestio de uma hermenéutica quenunca consegue recuperar qualquer fundamento como era apretensio da modernidade. Afinal, abordar temas do campo cognitivo das Gfneias humnanas ou da cultura implica sempre ter de perguntar para além da questao da logica, do metodo e da evidéncia formal da verdade. 25, Aoanalisaraproblematica do direito edo Fstado, suas crises eas implicagbes darevolucdo copernicana provocada pelo constitucioualismodo segundo pos-guerra, Procuro inserir- me nesse paradigma fenomenoldgico-hermenéutico. E deste campo 36 | jurispicAo CoNsTITUCIONAL E PECISAO JURIDICA queemergemacapacidade ea possibilidade de um questionar quese inserena tradicao, ‘mas que pensa nas proprias condicSes de possibilidade da tradicao. 24. Haque terclaro que isso nos ¢ imposto pela historicidade do sentido. Qualquer tentativa formal explicitadora de uma area do direito implica, tacitamente, adiscussio das condigdes de historicidade do periil dessa area. Nessa direcao apontam as presen- tes andlises, Elas nao se voltam contra aquilo que ¢ desenvolvido no quotidiano da racionalidade juridica, mas apontam, fundamentalmente, para um lugar sobre o qual essa racionalidade pode silenciar, mas do qual ela se alimenta, 25, A teoria hermentutica que venho propondo (Hermeneutica juridica em] crise Livraria do Advogado, passadas dz edigdes, e Verdade e consenso, também jé com quatro edicoes) enraiza os seus argumentos € as suas criticas no contexto dessa revolucio paradigmatica, Com isso, ela abre um espaco que aparece como “um corpo estranho” no imaginario dogmatico-positivista, mas que, nos proprios impasses do positivismo juridico, emerge como o essencial que foi recalcado. E procura derrotar 6 positivismo ~ nas suas diversas posturas — exatamente naquilo que é cerne do po- sitivismo: a discricionariedade interpretativa, delegada em favor dos jutzes nos hard cases (ou seja,a discricionariedade aparece, nos pés-positivismos" no deslocamento do polo de tensao em direcao 20 Judiciario, enquanto no paradigma anterior adiscri- cionariedade estava colocada no Legislativo, que tinha discricionariedade plena para impor direito). Compreenda-seassimamoldura onde se inserem essasanilises, que representam o enquadramento para qualquer interpretacdo que nao se quiser perder na superficie. 26. Numa palavra: essa (nova) critica deve ser entendida como uma peculiar maneira de compreender o direito, ou seja, essa (nova) perspectiva critica, rompendo coma ideia da subsuncao do caso numa regra (“categoria” primordial fundante) que Ihe corresponde e da possibilidade da autonomia do texto, deve ser vista ndo como um emaranhado sofisticado de palavras, mas, sim, como uma ferramenta metateorica c transmetodol6gica a ser aplicada no processo de des-construcao do universo con: ceitual e procedimental do edificio juridico, nascido no paradigma metafisico, que co impediu (e continua impedindo) de submeté-lo as mudangas que ha muito tempo novas posigées tedricas ~ ndo mais metafisicas —nos poem a disposi¢ao! Da Dacha de Sao José do Herval, no final da primavera de 2012, mirando a cla reira que se abre a centenas de metros serra abaixo, Um descampado que se apresenta cercado por cedros, pinheiros c ipés de varias cores. Clareira éalgo leve (leicht). Algo como terminar de escrever um livro. Lento Stace

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