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WALDOMIRO OCTAVIO PIAZZA Introducéo a Fenomenologia Religiosa 2° edic&o reformulada Petropolis 1983 2. Origem da Religiéo Com a progressiva colonizacio do continente africano, houve, no século passado, um crescente inte- resse pelos costumes dos povos primitivos que o habi- tavam, dando origem 4 ciéncia da etnografia, que se estendeu aos povos primitivos de outros continentes, Entre estes costumes logo chamaram a aten- 80 dos estudiosos as vdrias formas religiosas cul- tivadas, 0 que deu origem, por sua vez, 4 ciéncia das religides. Com o tempo, as informacdes colhidas foram t&éo numerosas e variadas, que Os estudiosos nfo pude- ram mais contentar-se com simples anotacdo dos fatos observados, mas tiveram de pensar em métodos apropriados de classificagéo e de compreensio dos mesmos. Segundo s mentalidade reinante, que era fran- camente “evolucionista”, foi adotado o principio de que © fenémeno religioso acompanhava passo a passo a evolugéo cultural e social da humanidade, em uma linha ininterrupta, que partia do perfodo da ‘pura “sel- vageria”, passava pelo periodo da. “barbdrie”, e final- 82 ighte|ingressava no periodo da “civilizagao”. Donde aspreocup icupagéo de determinar o estado inicial, ou seja, a “origem” do fendmeno religioso. Em_sua forma geral, a teoria _evolucionista fiitida-se em _um Sette absoluto, que encabeca Og fendmenos natur Brocesso, que parte complexa, do_ hon Hoje, os etndlogos relutam em aplicar ao “fendmeno religioso” um evolucionismo tio radical, n&o sé porque o evolucionismo mecanicista do século passado se debate com graves contradig6es cientificas, tanto na fisica como na biologia, como por causa do descrédito em que cafram as grandes “sinteses” filo- s6ficas que ent&io foram formuladas nesta base. No entanto, como ainda se fala freqtientemen- te de “evolugao religiosa”, convém dar aqui um breve histéricd desta questo, para que possamos encaré-la com objetividade cientifica, aceitando o que de fato nela possui algum valor objetivo, e rejeitando o que n&o passa de preconceito ideoldgico. 0 para o heterogéneo. TEORIAS EVOLUTIVAS Os primeiros que tragaram um esquema eyolu- tivo para o problema religioso niéo foram, como se pode pensar, os antropdlogos, mas 0s fildsofos, a co- Mecar pelos gregos. Evémero (séc. III a.C.), descrevendo uma via- 86m imagindria a ilha utopica de Panquia, diz ter 14 trado uma inscricgéo sagrada (hierd anagraphé) ‘due se narravam as faganhas de Zeus como se fosse ‘um rei terreno, que a imaginacg&éo popular tives: Uindado & categoria de Deus. J&é Hecateu de Mileto 33 tinha representado os herdis das legendas gregas como personagens histéricos (p. ex., Hércules). Este modo de “interpretar” 0s mitos antigos esté em consonan- cia com a mentalidade grega, racionalista e cética, que procurava ver.em tudo uma explicagdo natural, e fez fortuna nos filésofos posteriores, inclusive entre os Padres da Igreja, que viam nesta “interpretagaio “desmitizadora” um argumento contra a credibilidade do politeismo pagio, No entanto, embora esta forma interpretativa possa ser vélida para alguns personagens do “panteon” antigo, n&o explica a razéo profunda do fen6meno religioso como tal... Darwin (Voyage of the Beagle, 1839) néo se preocupa diretamente com o probelma religioso, mas fornece aos fildsofos de seu tempo, com a sua teoria da evolucaio das espécies, a idéia de uma evolugaio cul- tural, que jé teve 0 seu sucesso em passado prdximo. Darwin tinha afirmado que todo o organismo, em de- terminado ambiente, se desenvolvie biologicamente de uma forma simples para outras mais complexas, 0 que sem dtivida pode ser verificado na realidade, mesmo sem apelo a uma teoria mecanicista, ou seja, & teoria de que tudo evolui mecanicamente. O erro dos filé- sofos foi transferir 0 que era um problema bioldgico para o campo das idéias, onde a evolucio néo tem sentido, por causa da livre determinacio do homem. O termo exato a empregar seria “progresso”, o que evitaria todo o mal-entendido neste assunto. A. Comte (Cours de Philosophie Positive, 1842), fundador da Sociologia moderna, langou, por sua vez, uma teoria puramente aprioristica, que teve grande sucesso por causa de seu evolucionismo de tipo cul- tural a saber: a humanidade teria conhecido trés gran- des perfodos culturais: o religioso, 0 filosdfico e o cien- tifico (atual). Na primeira etapa, Comte distingue trés fases: fetichismo, politeismo, monoteismo. 34 H. Spencer (The Principies of Sociology, 1882) transforma a teoria biolégica de Darwin em principio filosdfico, afirmando que todas as coisas evoluem da forma mais simples para as mais complexas, ‘do homo- ogéneo,/inclusive a Religiiio/ Antes mesmo de Tylor, | Spencer propde o “manismo” (culto dos “manes”, isto 6, dos antepassados) como a origem da Religido. Mas a sua teoria néo se manteve por muito tempo porque o “manismo” aparece de mistura com os cultos astrais nos povos de cultura agraria, que sdéo mais adiantados e posteriores aos de cultura primitiva, como os cagadores e colhedores. J. Lubbock (The Origin of Civilization and the Primitive Condition of Man, 1870), baseado em mate- rial colhido por pesquisadores, principalmente nos tra- palhos de Darwin, mas sem conhecimento especializado do assunto, ensina que o primeiro estégio de Comte (o religioso) apresenta a seguinte linha evolutiva: ateismo inicial, xamanismo (magia), antropomorfismo (deuses personificados), monoteismo. A sua teoria teve, na época, grande repercussio, principalmente entre os materialistas, como bem se pode compreender. Hoje n&o se sustenta diante das pesquisas mais recentes. E. B. Tylor (Primitive Culture, 1871) reage contra J. Lubbock, que acusa de desconhecimento de causa, € propée novo esquema: animismo tnicial, manis- mo, fetichismo, politeismo, monoteismo... Tylor cri- tica Lubbock pela sua falta de verdadeiro sentido cientifico e faz distingo entre fenémeno religioso e teorias da origem da Religido. E tem toda a razao neste ponto, mas, infelizmente, secundando a moda, propée a sua linha evolutiva, que assim justifica: O homem Primitivo nos seus sonhos entrou em contato com um mundo diferente daquele em que vivia desperto, Passando a vogar pelos ares e comunicando-se com S6res fantdsticos. Dai chegou & conclusdo de que exis- Juma realidade incorpdérea, a alma ou espirito, que 35 tanto podia ser encontrada em seres animados como inanimados... * Critica: A distingéo de Tylor entre o problema religioso como tal e o da origem da religido 6 valida e 6 pena que Tylor mesmo n&o tenha Sido fiel a essa sua posigfo no assunto, mas @ sua teoria “animista” 6 gratuita, pois parte de um pressuposto impossivel de verificar no passado, além de que o “animismo”, por ele defendido como forma origindéria da religiao, nao se encontra em muitos povos primitivos... J. G. Frazer (The Golden Bough, 1890) considera a magia a forma origindria da Religiio. Seu esquema evolucionista 6 o seguinte: magia, religido, ciéncia. .. Para Frazer, a magia nfo 6, propriamente, uma forma religiosa, mas uma pré-ciéncia, pois consiste no em- prego de certas técnicas para dominar as forcas mis- teriosas da natureza. No fundo, Frazer pensa, como Lévi-Bruhl, que os povos primitivos nao tinham capa- cidade intelectual para perceber a causalidade fisica dos fenémenos naturais e, por isso. atribuiam tudo © que acontecia no mundo a entidades misteriosas sobrenaturais. Eis como ele argumenta a respeito da origem da Religiio: “A magia 6 mais primitiva (do que o animismo) porque a crenga no poder magico 6 psicologicamente mais simples do que a crenca em entidades transcendentes (espiritos)”. Critica: Eis os reparos que s&o feitos & posi- géo de Frazer: — £ ainda uma posic&o aprioristica, pois supde o que deve provar, & saber, que a for- ma Origindéria da Religiaéo foi, de fato, a magia... — N&o 6 certo que a magia é a forma mais simples da Religido, nem sequer que ela te- nha alguma coisa a ver com a Religigo, pois 36 supde complicados ritos e crengas, 0 que nao acontece, por exemplo, com o animismo... — Nao 6 certo que a magia é uma espécie de pré-ciéncia, pois mesmo entre os povos mais primitivos que a praticam ha perfeita distin- gio entre causalidade pessoal e causalidade fisica, como provam as técenicas empregadas na caga, na lavoura, na selegio de sementes, na fundicg&io de metais, etc. — Enfim, a magia nao € tao universal como se diz, pois ndo se encontra em muitos povos, ao menos nao no sentido que lhe empresta Frazer (Ndo devemos confundir magia com “prece em gestos”...). No entanto, a Frazer cabe o mérito de ter feito distingéio entre “magia” e “religiéio”. De fato, a magia é exercida A n i gio. Ela atende, nfio_ ao “encontro” do homem com “oO Sagrado, mas ao interesse do homem em sua _prd- pria promogao, ol de beneficios ou pratica de maleticios— ~~ as R. R. Marett (Preanimatic Religion, 1900) criti- ca a posic&éo de Tylor e propde a sua prdpria teoria evo- lucionista: pré-animismo ou animatismo. Para Marett, @ Religidéo primitiva nao 6 algo que se elabora men- talmente, mas que se danga (que se vive animadamen- te) e, por isso, deve ser compreendida nos ritos e néo em seus mitos (The Threshold Religion, 1914), Eis como ele argumenta: O homem primitivo nfo parte de uma “idéia”, mas da “agéo”; ora, a teoria de Tylor é muito inte- lectualista, porque se baseia no conceito de “alma”, que 6 dedutivo... Devemos interpretar a crenga nas almas, tal como Sescreve Tylor, nfo como uma conclusio metafi- 37 sica, como o fenémeno comum da experiéncia reli- giosa de tipo existencial... Nem todos os povos séo animistas, como, por exem- plo, os cagadores da Australia... Marett oré, pols, que a forma primitive de Bett ilo § 5 crane no Seeredo aus Se _ciama sea mente de mana, termo encontrado pelo missionério Codrington entre os povos da Melanésia (The Melane- sians, 1891). Marett n&o aceita a idéia de Frazer de que & magia é uma pré-ciéncia, ou seja, um falso meio de manipular as forgas da natureza, pois atribui um valor puramente simbdlico, expressando uma veemente emo- gio (amor, 6dio), Desta forma, ele se aproxima dos que pensam que muita coisa que antigamente se atri- bufa & magia (no sentido de Frazer) nfo passa de “preces em gesto”, ou seja, de “deprecagéo”. Critica: A posicgf0 de Marett a respeito da origem da Religiio padece dos mesmos aprio- rismos da de Tylor e Frazer: — a idéia de que 0 mana 6 a forma mais pri- mitiva da Religiéo 6 inteiramente gratuita, pois nfo se baseia numa investigagio histdrica, sempre problemética, mas num pressuposto filosdfico. .. — além disso, nao é universal: “O mana... nao é absolutamente universal e, por conseguin- te, servir-se dele como de base sobre a qual construir uma teoria geral da Religiio primi- tiva é n&o somente falso mas tendencioso” (H. Ian Hogbin, Mana, na Oceania, Vol. VI, 1986, p. 274). H. J. King (The Supernatural: iis Origin, Nature and Evolution, 1892) amplia a transcendéncia da magia, convertendo-a em fonte da Religiéo. Sua obra 38 jpassou na época despercebida, mas merece referéncia porque mostra o rumo que tomava o pensamento filo- s6fico sobre o assunto. Diz King: “As idéias de es- pectro e de espirito eram demasiado elaboradas para a@ mentalidade dos homens primitivos; mais simples era a idéia de mana, que incluia a idéia de fasto e nejfasto dos antigos, ingrediente basico do sobrenatural. Deste modo é facil chegar @ conclusaio de que a Rel: igo nao passa de uma dade antiga. Aqui, portant na _interpretagéo do fenémeno_religioso: psicoldgica, qi ansformada. materialismo ate W. Robertson Smith (Religion of the Semites, 1889) propde o totemismo como fonte original da Reli- giao, tomando como exemplo a Religiaéio hebraica, onde aponta indicios totémicos distingfo entre animais puros e impuros, no sacrificio do cordeiro e na comu- nh&o de sua carne (comunho totémica). Esta teoria foi combatida por Frazer (O Método Comparativo na Histdéria das Religides, 1909), demons- trando que a simples semelhanga de ritos nao é sufi- ciente para concluir pela identidade de significagao. No entanto, a idéia estava langada e havia de fazer fortuna. V. Zapletal (O Totemismo e a Religido de Israel, 1901), discipulo de Frazer, foi mais adiante e demons- frou que os sulmais sacrificados em Tsrael wo crm cultuados como totens, e que o cordeiro pascal#nao Tepresentava Javé: era uma _ceia em “comunhao com Deus”, e no uma "comunhéo de Deus”. Critica: O totemismo hebraico niio se manteve ante um estudo atento da questéo. Mas a “onda totemista” estava langada e teve adeptos fervorosos na Franca, pdtria da Sociologia, principalmente em Durkheim, que assim se 39 expressa: “Quando os homens vivem separa- dos, nao possuem o sentido do Sagrado, mas s6 quando est&éo reunidos em grupos sociais. A Religiao, portanto, é produto do espirito asso- ciativo do homem, espirito que transcende o pro- prio grupo humano algando-se, a idéia do Sagrado. O totemismo representa, justamente, esta sacralizacio do cli primitivo, simbolo do animal protetor” (E. Durkheim:..Les Formes Elémentaires de la Vie Religieuse, 1912).* A critica que antropdlogos modernos fazem a Durkheim 6 a seguinte: — O “animal protetor” nunea 6 adorado: 6 ape- nas um simbolo social, classificatério, pois esta ligado ao problema da exogamia (casamentos fora do respectivo cla) e da ecologia (preserva- gio de certos animais). — O totemismo nfo 6 universal: nao existe entre todas as tribos da Austrdlia, menos ainda entre todos os povos primitivos (Pigmeus da Africa e da Asia, Esquimdés do Artico...). — O sentido social da Religiio nfo é prova de Gud avis, Capenda exctasrfamente a social, Ela depende de uma “experiéncia reli- giosa”, que 6 sempre individual, mas repercute no grupo social porque 0 individuo_ religioso § um ser social... M. Miiller (Introduction to the Science of Reli- gion, 1882) pde a origem da Religiio em um problema de linguagem (a “doenca” da linguagem, como diz ele). M. Miiller afirma que, 2 medida que o homem dava nome &s coisas, também as personificava, criando assim entidades abstratas, que se transformaram em deuses, como a Aurora, a Sabedoria, a Justica, Ate- nas etc. ; 40 Critica: M. Miiller € um literato, e néo um antropdlogo. A sua posigio nfo é propriamen- te evolucionista, mas, antes, racionalista, como a de Evémero. A sua “explicago” € engenhosa, sob 0 ponto de vista literério, mas € também aprioristica sob o ponto de vista histdrico, porque parte de um principio que deve ser provado com fatos. Talvez a sua teoria tenha aplicagéo com respeito a algumas figuras divi- nas da antigtiidade cldssica (grega e romana), onde os herdis fundadores gozaram de grande prestigio politico e até de culto oficial, mas néo leva em considerag&o o politeismo univer- sal, de caréter bem mais diverso (divinizagéo das foreas naturais), nem a rica fenomenolo- gia de outros povos (cagadores, colhedores).* W. Wundt (Vélkerpsychologie, 1906) poe 2 ori- gem da Religifio no sentimento de medo (Scheu), que assaltava o homem primitivo sempre que nfo conse- guia achar uma explicagéo natural para os fenémenos que o cercavam. Do medo nasceu a mitologia e desta a Religiio. Wundt teve algum sucesso no seu tempo, porque entéo a psicologia parecia explicar tudo. Mas hoje 6 considerado mais filésofo que antropdlogo. Contudo, tem a sua importancia neste assunto, porque marcou novo rumo no estudo da Religifio, o psicolo- gismo, em que tanto se destacaram Freud, Jung e outtos. TEORIAS DEVOLUTIVAS _ Contra esta onda evolutiva levantou-se, quando S se esperava, uma reagdo viclenta, em parte da pelos espiritualistas, que néo se podiam con- com uma origem tio modesta e obscura para mas em grande parte fundada em uma 41 pesquisa mais objetiva da parte dos proprios etndlogos e antropdlogos. A polémica ainda nfo terminou, mas esta muito atenuada porque o interesse atual se voltou para o proprio significado da Religiic, que, evidente- mente, nada tem aver com q‘sua.origem, como muito bem observa um dos mais autotizados etndiogos mo- dernos: E. E, Evans-Pritchard (Theories of Primitive Religion, 1965). Destacaram-se nesta alae os se- guintes autores: A, Lang (The Making of Religion, 1898). Eo primeiro a contestar todas estas teorias “evolutivas”, propondo justamente o contrdério, uma teoria “devolu- tiva”, segundo a qual a forma mais simples de Reli- sabe ¢-o smonotessno, sendo a magia, o fetichismo ¢ o politeismo formas decatentes é devolutivas... Esta posigo foi, a principio, recebida com frieza e pouca consideragao, até que W. Schmidt apareceu com a sua notével obra em 12 volumes defendendo o Urmonotheis- mus (monoteismo primordial). W. Schmidt (Ursprung der Gottesidee, 1912- 1955) afirma que houve trés estagios na cultura huma- na (os chamados ciclos culturais): primeiro estdgio, da cultura primordial, representado por povos preda- dores e cagadores, onde se encontra o Urmonotheismus e a monogamia; segundo estdgio; da cultura superior, em que os grupos humanos “evoluiram para a forma matriarcal dos povos agricolas, mas a idéia de Deus decaiu para o politeismo naturalista (deuses das for- gas naturais); terceiro estagio, das grandes civilizacées, em que aparecem os grandes impérios, com uma socie- dade refinada, mas onde também aparece o fendmeno do ateismo, como tltimo fruto da decadéncia religio- sa da humanidade, , # Critica: Pode-se fazer a A. Lang como a W. Schmidt a mesma critica feita dos fautores da teoria evolutiva, a saber: 42 — é uma posicéo aprioristica, porque pressu- pe o que deve provocar, que de fato a forma primitiva da Religiéo foi o monoteismo... — o monoteismo primordial néo é bem claro em muitos povos primitivos, onde o Ser Supre- mo aparece ao lado de mulher e filhos... — a posicio de W. Schmidt é antes de tudo polémica, e no cientifica, pois ele, como ted: logo catélico, tem_em vista defender o mono- teismo da Biblia.” = SS Concluindo Eis as conclusdes que podemos colher desta breve exposicio das teorias que foram propostas para explicar como se originou a Religifio: — Devese admitir como fato inconteste que em todas as fases da histéria da humanidade (nao falamos dos antecedentes hipotéticos da atual raca humana) e em todos os povos conhecidos sempre encontramos uma ou outra forma de Religi&o. — Mas nio podemos, firmados nos fatos co- nhecidos, determinar com precisio qual a forma ori- gingria da Religifio em toda a humanidade. — O principio invocado, da “forma mais sim- ples”, mesmo que fosse legitimo, n&o explicaria o signifi- eado do fendémeno religioso como tal, como a descoberta hipotética da forma original da linguagem humana nada adientaria para explicar o fendmeno da loquwela inte- Uectualis. E isto 6 o que importa. A SOLUCG4O FENOMENOLOGICA _O problema da origem da Religiao esta mal for- WMado;pois parte do principio aprioristico de que a 43 vida espiritual do homem depende unicamente de sua evolugdo biolégica, segundo o principio de que a for- ma mais simples de Religiio é também a sua forma originaéria, pois est4 mais perto do homem selvagem, enquanto as formas mais complexas jé s80 do estagio do homo sapiens. Notemos de passagem que forem os fildsofos, e néo os antropdlogos e etndlogos, que levantaram esta questéo, como Tylor, Frazer, Marett, Durkheim. . Mas mesmo admitindo a validade deste — pio, é 0 caso de perguntar: Seré que a forma mais simples 6 0 animismo, o totemismo, a magia? Ou néo sera, justamente, 0 monoteismo? Psicologicamente falando, parece que a resposta 6 favordvel ao monotefsmo, pois este responde direta- mente & pergunta: Quem fez o mundo? Tal como a formula a crianga, @ cuja mentalidade infantil se costu- ma comparar a mentalidade dos povos primitivos (co- Inedores, cagadores, pescadores...), pois a figura do Ser Supremo muito se aproxima do monoteismo clés- sico: 6 o Criador e o supremo Remunerador. Sociolo; i lente, parece igualmente que Oo mo- notefsmo 6 a forma mais simples de Religiao, pois ¢or- respondé & idealizagio do chefe de fribo dos ‘dos povos primitives, asus Delmielra organizaco social. As Assim como_na tribo havia um s6 chefe, dotado de todos os poderes, 6 compreensivel que o homen. primitive tam bém se imaginasse um sd chefe @ governar © mundo... Historicamente, porém, nfo hd meio de se verificar como aconteceram as coisas. Por isso, insistir nas proves da origem de Religido é tarefa gratuita, sem valor cientifico e sem importincia histérica. para a compreenséo do problema da Religiéo. Resta a pesquisa fenomenoldgica, que estuda a Religiéo a partir do seu elemento bdsico, o fendmeno 44 religioso tal como se manifesta no comportamento fhumano. Ora, como jé vimos e como ainda veremos mais a fundo, o fenémeno religioso se funda em_uma “experiéncia do Sagrado”, que, como experiéncia exis- tencial, se radica no individuo humano, embora esteja condicionada, em sua expressio exterior, 4 linguagem e & estrutura social em que o individuo humano esta inserido. Esta experiéncia pode ser mais ou menos clara, mais ou menos intensa, mais ou menos din&mica, segundo as disposiges intelectuais, psicoldgicas e de lideranga do respectivo individuo, de acordo com as quais ele atua no grupo social, confirmando suas ten- déncias ou modificando-as, como no caso dos grandes reformadores (Moisés, Zoroastro, Jesus, Maomé). Desta forma, 0 monoteismo néo é privilégio de determinadas estruturas sociais ou_culturais, mas aparece al onde Ha um homem carismdtico capaz de the dar condigdes para/se impor/ao grupo humano (Cf. J. Wach: Sociology of Religion, c. 11). No entanto, nfo se pode dizer que todas estas teorias sobre a origem da Religiio tenham sido intei- ramente intteis sob o ponto de vista cientifico, pois, de um modo ou de outro, deram ensejo para que se pesquisasse mais a fundo o fenédmeno religioso como tal. o que conclui Evans-Pritchard: “Nestas conferéncias repassei algumas tentati- vas mais importantes feitas no passado para explicar as religides primitivas, e procurei demonstrar que nenhuma delas resultou satisfatéria. Tem-se a impres- sSo de que nesta viagem néo eram necessdrios os alforjes... Mas néo queremos que pensem que tantos ‘esforcos foram em vao. Se agora podemos advertir os ‘erros que estas teorias continham, isto se deve em ao esforgo que elas se propuseram com o fim mvidar a uma andlise de seu contetido, comparado Bemetatos etnoldgicos registrados e investigados. Os BBgezessos reelizados durante aproximademente os Ul. 45 timos quarenta anos, neste setor da antropologia social, podem ser medidos, justamente, pelo fato de que, tendo em vista os nossos conhecimentos atuais, pode- mos desvendar as inexatiddes das teorias que obtive- ram tanto sucesso no passado, conhecimentos estes que nic poderiamos alcancar se elas nao tivessem sido propostas por aqueles pioneiros, cujas obras examina- mos” (E. E. Evans Pritchard, op. cif. in fine).

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