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eorvoriat 2 913 3 Boa Uisesue tagnano moatir 00s ansos ll 70-75 4 ricaroo saseaun 23-27 MA \uisa ovarue ‘nals Piviog! 5 and Z Fernanoa alsuguerque 1 81-85 oanieta casuro 6 Clarissa piniz / 33-44 88-93 ana (uisa ma 7. 8.0 laymert garcia bos sanuos lola nogre 15 94-101 Pogerco winner 61-64 useuue Lagnano wia00 sanuinio 65-67 104-108 paula reis 109-132 LV Claire BISHOP Por Claire Bishop Originalmente publicado na revista October n. 110 (2004). Versio em inglés disponivel no website da Tatui Tradugio Mitevs Durante | Revisio Carissa Diviz eer Fy St wet, ot zy ° 4 Paais DE a af Toxvo ' 1 ’ Na época de sua abertura, em 2002, 0 Palais de Tokyo imediatamente se mostrava ao visitante como sendo diferente de outros centros de arte contemporanea que haviam sido inaugurados recentemente na Europa. Apesar de um orgamento de 4,75 milhdes de euros ter sido gasto para converter 0 antigo pavilhao japonés para a Feira Mundial de 1937 em um “lugar de criacao contemporanea”, a maior parte desse dinheiro havia sido usada para reforcar (em vez de renovar) a estrutura ja existente '. Em vez de paredes lisas brancas, iluminagao discreta e chao de madeira, o interior foi deixado vazio e inacabado. A decisao foi importante, ja que refletiu um aspecto fundamental do ethos curatorial do lugar codirigido por Jerome Sans, critico e curador de arte, € Nicolas Bourriaud, antigo curador da CAPC Bordeaux (Centre D’Arts Plastiques Contemporains de Bourdeaux) e editor da publicagéo Documents sur Vart. A relagao improvisada do Palais de Tokyo com seu entorno tornou-se, consequentemente, paradigmatica de uma tendéncia visivel entre centros de arte europeus: reconceitualizar o modelo “cubo branco" de exibigao de arte contemporanea, substituindo-o pelo modelo “estiidio” ou “laboratrio” ? experimental. E, assim, esse formato enquadra-se na tradicao do que Lewis Kachur descreveu como 1: Site de divulgagao do Palais de Tokyo, “site de «éation contemporaine”, 2: Por exemplo, Nicolas Bourriaud sobre o Palais de Tokyo: “Queremos ser uma espécie de KUN STVEREIN = mais um laboratérie que um museu” (citado em “Public Relations: Bennet Simpson Talks with Nicolas Bourriaud”, ARTFORUM [Abril 2001], p.48);Hans Ulrich Obrist: “A exposicao verdadeiramente contemporénea devia expressar possibilidades conectivas e fazer proposigoes. , talvez surpreendentemente, tal exposigao deveria reconectar com 0s anos de Jaboratério da praticas expositivas do século vinte... A exposi¢ao verdadeiramente contempordnea com sua impressionante qualidade de inacabada e incompleta dispararia uma participagao Pars PRO TOTO” (Obrist, “Battery, Kraftwerk and Laboratory”, in Woros oF Wispom: A Curator’s Var MecuM on ConTeMPoraay ART, ed. Carin Kuoni [New York: Independent Curators International, 2001], p.129);em um telesimpésio que discutia o projeto LABORATORIUM (Antuérpia, 2000) de Barbara van der Linden e Hans Ulrich Obrist, os curadores descrevem sua preferéncia pela palavra “laboratério” porque é “neutra” ¢ “ainda intocada pela ciéncia” (“Laboratorium is the answer, what is the question?”, TRANS 8 [2000], p 114). Metatoras de laboratérios também surgem nas concepcdes dos artistas sobre suas préprias exposicées Por exemplo, Liam Gillick, falando sobre sua individual na Anolfini em Bristol, afirma que “é uma situagao de laboratério ou oficina onde existe a oportunidade de testar algumas ideias combinadas para exercitar processos criticos. comparatives e relacionais” (citagao de Gillick em Liam Gitick RENOVATION Fitter: Recent Past aND Neag Future (Bristol: ‘Amolfini, 2000], p16). O trabalho de Rikrit Tiravanija € frequentemente descrito em termos semelhantes “é como um laboratério de contato humano” (Jerry Saltz, “Resident Alien”, THE Viutace Voice, pag de Julho, 1999, n.p.), ou “experimentos psicossociais em que sao criadas situagdes para encontros, trocas, etc.” (Maria Lind, “Letter and Event”, PaLeTTEN 223 [Abril 1995], p. 41). E importante notar que “laboratério” nese contexto nao denota experimentos psicoldgicos 9u comportamentais com os observadores mas, em vez disso, refere-se @ experimentacao criativa em relasdo as convencdes expositivas 109 “exposic6es ideolégicas” da vanguarda hist6rica: nelas (como na Feira Internacional Dada em 1920 € na Exposigao Surrealista Internacional em 1938) a montagem buscava reforgar ou sintetizar as ideias contidas nos trabalhos 3, Os curadores que promovem esse paradigma do “laboratério” — incluindo Maria Lind, Hans Ulrich Obrist, Barbara van der Linden, Hou Hanru e Nicolas Bourriaud — vém, em grande medida, sendo encorajados a adotar esse modus operandi curatorial como uma_reagao direta ao tipo de arte produzida nos anos 1990: trabalhos abertos, interativos, resistentes ao fechamento, frequentemente parecendo estar “em andamento” ao invés de objetos concluidos. Tais trabalhos parecem resultar de uma ma interpretagao criativa da teoria pos-estruturalista: em vez das interpretagées dos trabalhos de arte estarem abertas a reavaliagao continua, diz~ se que 0 trabalho de arte em si é que esta em fluxo perpétuo. Ha muitos problemas com essa ideia; o mais importante deles € a dificuldade em definir com clareza um trabalho cuja identidade € propositadamente instavel. Outro problema € facilidade com que 0 “laboratério” torna-se vendavel como espago de lazer e entretenimento. Centros como o Baltic em Gateshead, o Kunstverein Munich € 0 Palais de Tokyo tém usado metaforas como “laboratério”, “local de construgao” e “usina artistica [art factory)” para se diferenciar de museus hiperburocraticos cuja base sao as colecdes; seus espacos dedicados a projetos geram um excitagao criativa e uma aura em torno de se estar na vanguarda da produgao contemporanea 4, Pode-se__argumentar, hesse contexto, que projetos baseados em “trabalhos em andamento [work-in-progress]” € em “residéncias artisticas” comegam a ficar compativeis & “economia da experiéncia”, a estratégia de venda que busca substituir bens e servicos por experiéncias pessoais encenadas e roteirizadas $. Ainda que nao fique claro qual € © suposto beneficio obtido pelo observador a partir de tal “experiéncia” de criatividade — que nada mais € do que atividade institucionalizada de atelié. Aos projetos baseados em “laboratério” esta relacionada a tendéncia em convidar artistas contemporaneos para desenvolver ambientes (ou solucionar seus problemas) dentro do museu, como o bar (Jorge Pardo no Kat, 10 Lewis Kachur, DisPLavinc THE Marvevous: Marcet Duchame, Satvaoor Dau AND THE SuaReatist Exnisition (Cambridge, Mass.: MIT Press, 2001) 4 Ditigido por Sune Nordgren, 0 Baltic, Centro Béltico de Arte Contemporénea em Gateshead, recebia trés artistas residentes em estidios, mas eles ficavam abertos 0 piblico somente quando o artista desejasse; geralmente 0 piblico tinha que aceitar a explicagao do Centro de ser uma “usina artistica” baseada em confianga, O Palais de Tokyo, por contraste, recebe até _dez artistas residentes por qualquer periodo. Munich Kunstverein, sob direcao de Maria Lind, buscou um tipo diferente de produtividade: a conversao feita por Apoloni a Susteric da entrada da galeria consistia em um “trabalho console” em que membros da equipe curatorial (incluindo Lind) podiam revezar ocupando a recep¢ao, continuando seu trabalho em pisblico. 5 8. Joseph Pine Ile James H. Gilmore, THe Experience Economy: Work 1s THeaTae AND Every BUSINESS A Stace (Boston: Harvard Business School Press, 1999). O Centro Béltico se apresenta como “um local para a produgao, apresentacéio © experiéncia da arte contemporénea” através de “uma forte énfase em trabalhos encomendados, convites a artistas e trabalho de artistas residentes” (www. balticmill.com) 6: Acada seis messes um artista é convidado ao Palais de Tokyo para desenvolver @ decorar um pequeno espace lacalizado sob @ escada principal no centro dos espacos expositivos: Le Salon. Simultaneamente um espaco de relaxamento e um trabalho de arte, oferece confortaveis poltronas, jogos, material para leitura, um piano, um video ou programa de televisdo para aqueles que © visita’ (Palais de Tokyo Website [http:// www.palaisdetokyo.com), tradugéo feita @ partir de tradugao da autora). As atuais instalagées da Portikus Gallery em Frankfurt induem um escritério, uma sala de leitura € um espaco da galeria criado pelo artista Tobias Rehberger. Diisseldorf; Michael Lin no Palais de Tokyo; Liam Gillick na Whitechapel Art Gallery), ou a sala de leitura (Apolonia Susteric no Kunstverein Munich ou 0 programa cambiante “Le Salon” no Palais de Tokyo) que, por sua vez, os apresentam como obras de arte 6, Um efeito dessa insistente promocao da ideia de artista-designer, da fungao sendo superior & contemplagao e da inconclusao ou abertura dos trabalhos sobrepujando sua resolucao estética é, muitas vezes, em Giltima analise, uma énfase ao status do curador, que ganha © crédito por ser o diretor de cena de toda a experiéncia do laboratorio. De acordo com aadverténcia de Hal Foster em meados dos anos 1990, “a institui¢ao pode vir a ofuscar 0 trabalho que, de outro modo, seria o destaque: ela se torna o espetaculo, agrega capital cultural e o diretor-curador torna-se a estrela” 7. Com essa situagao em mente, atenho- me ao Palais de Tokyo como ponto de partida para uma inspecao atenta de algumas das reivindicagGes feitas para trabalhos de arte semifuncionais e “abertos”, j que um dos codiretores do Palais, Nicolas Bourriaud, é também seu principal tedrico. ESTETICA RELACIONAL Esthétique Rélationne! N' € 0 titulo da coletanea de ensaios de Bourriaud de 1997, em que ele tenta caracterizar a pratica artistica dos anos 1990. Como houve muito poucas tentativas de se criar um panorama da arte dos anos 1990, especialmente no Reino Unido, onde a discuss acaba girando de forma miope em torno do fendmeno dos jovens artistas britanicos, os Young British Artists (YBA), 0 livro de Bourriaud é um passo inicial importante para a identificacao de tendéncias recentes na arte contemporanea. Ele P Pe P' também surge em um momento em que muitos académicos no Reino Unido e nos EUA arecem relutantes em abandonar a pauta politizada e as batalhas intelectuais dos anos P pauta p 1980 (na verdade, para muitos, da arte dos anos 1960) e condenam tudo, de instalagoes a pintura irénica, como sendo celebragées despotilizadas e superficiais, camplices do Pi c P pel pl espetaculo do consumo, 0 livro de Bourriaud — escrito a partir de sua abordagem pratica petaculo di O livro de Bourriaud ito a partir di bordagem prati de curador — promete redefinir o que a critica de arte contemporanea considera the Artist as Etographer” in importante, ja que seu ponto de partida € que Ren (cambridge, R20 podemos mais abordar esses trabalhos Foster, THE RETURN Of THE por detras de um “escudo” da historia da arte Mass.: MIT Press, 1398 Pe ne crigo foram € dos valores dos anos 1960. Bourriaud busca NF Todas a8 citagdes do Presa ir do artigo OfeTecer Novos critérios pelos quais abordar tais traduzidas para 0 po! ae vatacbes originais, Wabalhos de arte —em geral um tanto obscuros original cages inglés - e suas notas = NO + enquanto também afirma que nao sao conferir 0 artigo en menos politizados que o de seus precursores ui (wwe revistatatul weasite da revista Tatui (ww dos anos 1960 8. 7 Hal Foster, St) pata artis definitely developing °- Bourriaud atirma, por exemplo, que a arte politcal projet when it endeavors to move inte”-dos anos 1990 toma comohorizonte tebrico “a the relational realm by turning/t into esi esfera das interacdes humanas e seu contexto (Bourriaud, Relational Aesthetics [Dijon: ' social, mais do que a afirmagao de um espaco Presses du Réel, 2002], P: 17) SE eae simbolico auténomo e privado” (ER, p.19). re tata como ER, com boxe M0 4D Ey outras palavras, a arte relacional busca de dol: Bouriaud, Nicos. ESTEVE estabelecer encontros interssubjetivos (sejam RELACIONAL. Sao Paulo: Martins eontes 22 eles literais ou potenciais) em que o sentido [A arte contemporénea realmente desenvN" @ elaborado coletivamente (ER, p. 21) € tum projeto politico quando se enemas £"" nao realizado em um espaco_privatizado lettre problematizar a estera das fla0e5"» de consumo individual. A implicagao € feat de que esse trabalho inverte os objetivos mL do modernismo greenberguiano 9, Em vez de um trabalho de arte discreto, portatil auténomo que transcenda seu contexto, a arte relacional fica inteiramente sujeita as contingéncias do ambiente e do piblico. Além disso, esse piblico é visto como uma comunidade: em vez de uma relagao individual entre trabalho de arte e observador, a arte relacional estabelece situacdes em que se dirige aos observadores nao apenas como a.uma entidade social, coletiva, mas de modo que a eles estivessem sendo dados os meios para criar uma comunidade, por mais temporario ou ut6pico que isso venha a ser. € importante enfatizar, entretanto, que Bourriaud nao considera a estética relacional como uma simples teoria de arte interativa. Ele a considera como um meio de localizar a pratica contemporanea dentro da cultura de modo geral: a arte relacional é vista como uma resposta direta 4 mudanga de uma economia baseada em bens para uma economia de servigos 1°. Também € vista como resposta as relacOes virtuais da internet € da globalizacao, que por um lado estimularam um desejo por interages mais fisicas, interagGes cara a cara entre as pessoas enquanto, por outro lado, inspiraram artistas a adotar uma abordagem fa¢a-vocé-mesmo, ou do-it-yourself (DIY), e moldar seus proprios “"universos possiveis” (ER, p.18). Essa énfase na urgéncia nos é familiar desde os anos 1960, relembrando aimportancia dada pela performance a autenticidade de nosso embate direto com 0 corpo do artista. Mas Bourriaud se esfor¢a enormemente para distanciar trabalho contemporaneo daquele das geracdes anteriores. A principal diferenca, em seu ponto de vista, € a mudanca de atitude em relagao a transformacao social: em vez de uma pauta “utdpica”, os artistas de hoje buscam apenas encontrar solugdes provisorias aqui e agora; em vez de tentar transformar seu ambiente, os artistas hoje estao simplesmente “aprendendo a habitar melhor o mundo”; em vez de ansiar por uma utopia futura, essa arte estabelece “microutopias” funcionais no presente CER, p. 18). Bourriaud resume vividamente essa nova atitude em uma Gnica frase: “Parece mais urgente inventar relacdes possiveis com os vizinhos de hoje do que entoar loas ao amanha” (ER, p.62). Esse ethos de um faga-vocé-mesmo microutépico ¢ 0 que Bourriaud percebe como 0 significado politico central da estética relacional. Bourriaud cita varios artistas em seu livro, a maioria europeus e muitos dos quais presentes em Traffic, sua exposigao seminal no CAPC Bordeaux em 1993. Certos artistas s4o mencionados com regularidade metrondmica: Liam Gillick, Rirkrit Tiravanija, Phillippe Parreno, Pierre Huyghe, Carsten Héller, Christine Hill, Vanessa Beecroft, Maurizio Cattelan e Jorge Pardo — todos soarao familiares para quem frequenta bienais intemnacionais, trienais e Manifestas que se proliferaram na Gltima década. O trabalho desses artistas difere daquele de seus contemporaneos mais conhecidos, os YBA, em varios aspectos. Diferentemente do trabalho autossuficiente (e formalmente conservador) dos britanicos, com suas referéncias acessiveis a cultura de 2 9: Essa mudanga de “privado” para “piiblico” no modo de abordagem vem sendo assodada ha algum tempo a uma quebra decisiva com 0 modernismo; ver Rosalind Krauss, “Sense and Sensibility”, ARTFORUM (Novembro de 1973), PP. 43°53 © “Double Negative: A New Syntax for sculpture”, em Passacts Nn Mo Scutpture (London: Thames and Hudson, 1977). 10: Isso estd refletido no numero de artistas cuja pratica toma a forma de oferecer um “servigo”, como a artista americana Onistine Hill, baseada em Berlim, que oferecia massagens nas costas @ nos ombros para os Visitantes da exposigao e quem, mais tarde, organizou um brech de roupas que de fato funcionava em Berlim ena Documenta X (1997), a Volksboutique. 1» Por exemplo, 0 trabalho Plex de Jorge Pardo para SKULPTUR Poyexte MUNSTER (1997). PIER consistia em um pier de so metros (feito a partir da madeira de sequoias canadenses da California) com um pequeno pavilhao no final. O trabalho era um cais funcional que oferecia ancoradouro para barcos enquanto uma mdquina de vender cigartos presa @ parede estimulava as pessoas a pararem e admirarem avista. massa, a aparéncia do trabalho europeu é bem menos impactante e inclui fotografia, video, textos nas paredes, livros, objetos para serem usados e sobras da abertura do evento. 0 formato é basicamente o mesmo da instalagao, mas esse é um termo a que muitos de seus praticantes resistiriam; em vez de formarem uma transformagao coerente e distintiva do espaco (como a “instalacao total” de Ilya Kabakov, uma encenacao teatral), trabalhos de arte relacional insistem no uso em detrimento da contemplacao ". E diferentemente das personalidades distintas e marcadas da jovem arte britanica, é geralmente dificil identificar quem fez uma obra de arte “relacional”, {a que tendem a fazer uso de formas culturais ja existentes — incluindo outros trabalhos de arte — e remixé-los como um DJ ou programador "2, Além disso, muitos artistas mencionados por Bourriaud colaboraram uns com 0s outros, borrando ainda mais o distintivo de status autoral individual. Muitos também ja realizaram curadorias uns dos trabalhos dos outros - como por exemplo uma “filtragem” da curadoria de Maria Lind em What if: Art on the Verge of Architecture and Design (Moderna Museet, Estocolmo, 2000) e Utopia Station de Tiravanija para a Bienal de Veneza de 2003 (cocurada por Hans Ulrich Olbrist e Molly Nesbit) "3, Pretendo me ater ao trabalho de dois artistas em particular, Tiravanija e Gillick, visto que Bourriaud considera ambos como paradigmas da “estética relacional”. 12: Bourriaud sereferea essa estratégia como “pés- Ritkrit Tiravanija € um artista que vive producao” ¢ elaborada em seu livro sequinte, em Nova lorque, nascido em Buenos Estetica RELACIONAL: “Desde 0 inicio dos anos Aites em 1961 de pais tailandeses e noventa um numero crescente de trabalhos de ctiado na Tailandia, na Etiopia e no arte vem sendo ciades a partir de tabalhos Canada, conhecido por seus hibridos preexistentes; mais e mais artistas interpretam, de instalagao e performance em que feproduzem, reexpoem ou usam os trabalhos prepara legumes com curry ou pad thai feitos por outros artistas ou produtos culturais (Prato tailandes feito com macarrao) para disponives... Esses artistas que inserem seu proprio @8 pessoas que visitam o museu ou a abalho naquele feito por outros contribuem galetia onde foi convidado a trabalhar. No Para a erradicagao da distingao tradicional entie Wwabalho Untitled (Still) [Sem titulo (Ainda)| producao e consumo, criacao e copia, cadyMane (1992) Na 303 Gallery em Nova lorque, etrabalho original. O material queeles manipulam Tiravanija tirou tudo que encontrou 109 € mals primario.” Bourriaud argumenta que a NO escritorio € no depésito da galeria Pos-producao difere daquela do RexDYMADE, que € Colocou na sala principal do espaco duestiona autoria e @ instituicdo da arte, porque expositivo, incluindo © galerista, que foi sua énfase é a recombinacao de artefatos culturais Obrigado a trabalhar em puiblico em meio existentes para imbui-los de noves significado,” a0 cheito de comida e acompanhado por Ver Bourriaud, PostRoDUCTION (New York: Lukas Comensais. No depésito, ele organizou and Sternberg, 2002) © que foi descrito por um critico como 13, O melhor exemple para a atual obsessao pela uma “cozinha de refugiados improvisada” colaboragaa como modelo encontra-se em No com pratos de papel, garfos e facas de Guost Just a SHELL, um projetoem andamento de plastico, fogareiros, utensilios de cozinha, Peerre Huyohe e Philippe Parreno, que convidaram duas mesas portateis e alguns banquinhos Liam Gillick, Dominique Gonzalez-Foerster, M/M, dobraveis “4. Na galeria ele preparou Francois Curlet, Rirkrit Tiravanija, Pierre Joseph, egumes com curry para os visitantes e os Joe Scanlan e outros pera colaborarem com eles ¢ detritos, utensilios e embalagens de comida riar um trabalho em torno da extinta personagem tornaram-se a exposicao de arte enquanto Japonesa de mangé, Anntee. © artista nao estava la. Muitos criticos e 0 Ke Jerry Saltz, “A Short History of Rirkrit Tiravanija”, proprio Tiravanija observaram que esse RT IN AMERICA (Fevereiro de 1996), p. 106. envolvimento do piiblico € 0 foco principal de seu trabalho: a comida é um meio que 13 permite o desenvolvimento de uma relagao de convivio entre 0 publico € o artista "5, Subjacente a maior parte da obra de Tiravanija fica 0 desejo de nao apenas desbastar a distingao entre 0 espaco institucional e © espaco social, mas também aquele entre o artista e 0 observador; a expressao “muita gente” aparece com frequéncia em sua lista de materiais. No final dos anos 1990, Tiravanija se ateve cada vez mais a criacao de situacoes em que o pUblico poderia inventar seu proprio trabalho. Uma versao mais elaborada da performance-instalagao na 303 Gallery foi tealizada com Untitled (Tomorrow Is Another Day) [Sem Titulo (Amanhé é outro dia)] (1996) no Kélnischer Kunstverein. Nesse trabalho, Tiravanija construiu uma réplica de madeira de seu apartamento em Nova lorque, que ficava aberta ao publico 24 horas por dia. As pessoas podiam usar a cozinha para preparar alimentos, podiam usar seu banheiro, dormir no quarto ou ficar conversando na sala de estar, O catalogo que acompanhava o projeto de Kunstverein cita uma selegao de artigos de jornal ¢ criticas, todas reiterando a afirmagao do curador de que “essa combinacao unica de arte e vida oferece uma experiéncia impressionante de uniao a todos” 16, Apesar de os materiais do trabalho de Tiravanija terem se tornado mais diversos, a énfase permanece No uso sobre a contemplagao. Para o projeto Pad Thai, realizado no De Appel, em Amsterda 15. Se pretende-se identificar os precursores historicos desse tipo de arte, hé ampla variedade de nomes a citar: a instalagao sem titulo de Michael Asher na Clare Copley Gallery, Los Angeles, em 1974, na qual ele removia a divisao entre 0 espaco de exposicao e 0 escritério da galeria, ou 0 restaurante FooD, que Gordon Matta-Clark abriu com seus colegas artistas no inicio dos anos setenta. Fooo era um projeto coletivo que permitia que artistas recebessem nao muito dinheiro, mas o suficiente para financiar sua prética artistica sem sucumbir as demandas ideologicamente comprometedoras do mercado da arte. Outros artistas que apresentavam o consumo de comida e bebida como arte nos anos sessenta e no inicio dos anos setenta eram: Allan Ruppersberg, Tom Marioni, Daniel Spoerri e © grupo Fluxus. 16 Udo Kittelmann, “Preface”, Rirkrit Tiravanija: Sem titulo, 1996 (Tomoskow 1s, Anorier Dav) (Colénia: Salon Verlage Kélnischer Kunstverein, 1996), n.p. Como notou janet Kraynak, o trabalho de Tiravanija gerou algumas das criticas de arte mais idealizadas e euforicas dos iiltimos tempos: seu trabalho é anunciado nao apenas como lugar de emancipagao e de liberdade das restrigées, mas também como uma critica da mercantilizagéo e uma @elebracao da identidade cultural - ao ponto em que esses imperativos finalmente rendam-se ao engolfamento institucional da prépria figura de Tiravanija como um bem. Ver janet Kraynak, “Tiravanija’s Liability” [A responsabilidade de Tiravanija}, Documents 13 (Fall 1998), pp 26- 40. Vale indluir da citagao completa de Kraynak: in em 1996, ele disponibilizou uma sala com guitarras, amplificadores e uma bateria, permitindo que visitantes pegassem os instrumentos e fizessem sua propria musica. Pad Thai inicialmente incorporou uma projecao de Sleep (1963) de Andy Warhol e entre as aparigdes seguintes via-se um filme de Marcel Broodthaers no Speaker's Comer — no Hyde Park em Londres (em que o artista escreve em um quadro negro “vocés sao todos artistas”). Em um projeto em Glasgow, Cinema Liberté (1999), Tiravanija pediu ao publico local indicagdes de quais eram seus filmes preferidos, que foram projetados em uma tela ao ar livre no cruzamento de duas ruas em Glasgow. Conforme escreveu Janet Kraynak, apesar de os projetos desmaterializados de Tiravanija reviverem estratégias de critica dos anos 1960 e 1970, pode-se argumentar que, no contexto atual do modelo econdmico dominante do mundo globalizado, a ubiquidade itinerante de Tiravanija nao esta de fato questionando essa logica de forma critica, mas apenas reproduzindo-a "7. Ele figura entre os artistas mais estabelecidos, influentes e onipresentes no circuito internacional da arte e seu trabalho tem sido crucial tanto para o surgimento da estética relacional como teoria, quanto para o desejo curatorial de exposigées “abertas” no estilo “laboratério”. Meu segundo exemplo € 0 artista britanico Liam Gillick, nascido em 1964. A produgao. uu de Gillick ¢ interdisciplinar: seus interesses altamente teorizados sao disseminados através de esculturas, instalacoes, design grafico, curadorias, critica de arte e pequenos romances. Um tema corrente em sua carteira nos mais diferentes meios é a produsao de relacdes (especialmente relacdes sociais) através de nosso ambiente. Exemplos incluem Pinboard Project [Projeto Mural] (1992), um mural ou quadro de avisos contendo instrugdes para serem seguidas, outros itens que tenham potencial para serem incluidos no mural e ainda uma recomendacao de assinatura de certos periédicos especializados; e Prototype Erasmus “Enquanto a arte de Tiravanija compele ou provoca uma série de preocupacaes relevantes para 0 grande circuito das Praticas contemporéneas —_artisticas, @ condicao de sua singularidade na imaginagao do paiblico deriva, em parte, de uma certa naturalizacao das leituras ariticas que acompanharam 0 trabalho €, de certa forma, construiram-no. Diferentemente de trabalhos anteriores semelhanies em seu utopismo de vanguarda, em que a arte funde-se com a vida de maneira alegre e em que hé uma criticidade anti-instituconal, em que objetos de arte se constituem como e €m espacos sociais, 0 que supostamente gorante a producao de praticas sociais néo contaminadas no trabalho de Tiravanija é a marca singular do artista, ‘cuja_generosidade tanto anima quando unifica estiisticamente as instalacaes Uma série de artigos chamaram a atengao para a atmostera familiar da galeria onde ele é representado e para outros detalhes biograficos de sua vida, conferindo umaequivalénda veladaentre © trabalho de Tiravanija e ele mesmo. Essa projecao idealizada parece derivar do préprio trabalho, a medida em que o artista tematiza detalhes étnicos de sua ascendéncia em suas instalacoes através de referéncias cultura tailandesa... O artista, reposicionado tanto como fonte quanto juiz desse significado, é abarcado como a pura corporificagéo de sua idemidade sexual, cultural ou étnica, garantindo tanto a autenticidade quanto @ eficécia politica de seu trabalho” (pp 28-29) 17 Ibid., pp. 39-40. 18: Gillick, citado in Liam Giuuick, ed. Susanne Goensheimer and Nicolaus Schathausen (Colénia; Oktagon, 2000), p. 36. 19: Ibid., pp. 56, 81 20: Mike Dawson, “liam Gillick”, Fiux (Agosto-Setembro 2002), p. 63 Table #2 (1994), uma mesa “criada para preencher uma sala quase completamente” e para ser “o lugar de trabalho em que fosse possivel terminar © livro Erasmus is Late” (publicagao de Gillick de 1995), mas que também esta disponivel para o uso de outras pessoas “para depésito e exibicdo de trabalhos sobre a mesa, embaixo ou em volta dela”, Desde meados da década de 1990, Gillick tornou-se mais conhecido por seu trabalho tridimensional de design: telas e plataformas suspensas feitas de aluminio e acrilico colorido, que sao geralmente mostradas ao lado de textos e desenhos geométricos pintados diretamente na parede. As descrigées de Gillick desses trabalhos enfatizam seu potencial valor de uso, mas de modo a cuidadosamente thes negar qualquer agenciamento especifico; 0 significado de cada objeto € tao exageradamente determinado que seu trabalho parece parodiar tanto afirmagoes do design modernista, quanto a linguagem de consultoria empresarial. Seu cubo de acrilico de 120 cm de lado e aberto em cima intitulado Discussion Island: Projected Think Tank {Ilha da Discusséo: espago criativo projetado] (1997) € descrito como “um trabalho que pode ser usado como objeto que pode significar uma zona delimitada para a consideragao de troca, transferéncia de informagao e estratégia”, enquanto a Big Conference Centre Legislation Screen [Tela de Legislagéo do Grande Centro de Conferéncia] (1998), uma tela de 3 x 2m de actilico colorido, “ajuda a definir a localizagao em que asoes individuais sao limitadas por regras impostas pela comunidade como um todo” 19. As estruturas de design de Gillick foram descritas como construgées, tendo uma “semelhanga espacial aos espacos de escritérios, abrigos de pontos de énibus, salas de reuniao e cantinas”, mas eles também herdam o legado da escultura minimalista € da instalagao pés-minimalista (Donald Judd e Dan Graham imediatamente vém a mente)?°. Embora us © trabalho de Gillick seja diferente daquele arte: enquanto as caixas modulares de Judd faziam com que 0 observador percebesse seu movimento corporal em torno do trabalho, ao mesmo tempo em que também chamavam a atengao para o espaco em que estavam expostos, para Gillick basta que os observadores “deem as costas para o trabalho e conversem uns com os outros”?! Em vez de o observador “completar” o trabalho, 4 maneira dos corredores de Bruce Nauman ou as video-instalagoes de Graham, m1970, Gillickbusca umaabertura perpétua em que sua arte seja um pano de fundo para outras atividades. “Eles nao funcionam necessariamente melhor sendo apenas objetos de analise”, afirma. “Algumas vezes s40 um pano de fundo, ou decoragao, em vez de serem puros provedores de contetdo” 2, Os titulos de Gillick refletem esse movimento. de afastamento da critica direta dos anos 1970 em seu uso irdnico e brando do jargao empresarial: Ilha da Discussao, Equipamento de Chegada, Plataforma de Dialogo, Tela de Regulacao, Tela de Atraso e Plataforma de Renegociagao Geminada 73. Essas alusGes corporativas claramente distanciam 0 trabalho daquele feito por Graham, que expunha como materiais arquitetonicos aparentemente neutros (como vidro, espelho e aco) sao usados pelo Estado e pelo comércio para exercer controle politico. Para Gillick, a tarefa nao é insultar tais instituigdes, mas negociar formas de melhora-las 74. Uma_palavra frequentemente usada por ele é “cenario” e, de certa forma, toda a sua producao € governada pela ideia de uma “ldgica de cenario” como modo de visualizar mudanca no mundo — nao como uma critica direcionada 4 ordem atual, mas para “examinar até que ponto o acesso da critica é possivel, caso seja” 25. Vale notar que apesar da frustrante intangibilidade da escrita de Gillick — cheia de adiamentos e possibilidades em vez do presente e do real -, ele foi convidado para solucionar problemas em projetos praticos como um sistema de trafego para a Porsche em Sttutgart e para desenvolver sistemas de comunicacao eletronica para um projeto de moradia em Bruxelas. Gillick @ um tipico retrato de sua geragao, ao nao encontrar feito por seus predecessores na historia da 2t- Gillick, RENOVATION FILTER, p. 16. 22° Gillick, THe Wooo Way Whitechapel, 2002), p. 84 23: Todos esses tr -abalhos foram exibidos emTHE Wooo Way, uma exposigao na Whitechapel Art Gallery em 2002. ‘24- Entretanto, deduz-se a partir dos exemplos de Gillick que “melhoria” signifique mudan¢a apenas em nivel formal. Em 1997 ele foi convidado para produzir um trabalho para tum banco de Munique e descreveu o projeto da sequinte maneira: “Identifiquel uma zona morta e problemética no prédio - um desculdo dos arquitetos ~ que pretendi resolver com as telas, Elas iriam subitamente transformar 0 modo como funconava 0 espaco. O curioso, entretanto, foi que minha proposta fez com que os arquitetos repensassem aquela parte do edificio... Os arquitetos chegaram a uma condusao melhor sobre como resolver seu projeto sem a necessidade de arte nenhuma” (Gillick, RENOVATION Fitter, p.21). Um aritico desconsiderou essa modalidade de trabalho chamando-a de “feng shui empresarial” (Max ‘Andrews, “Liam Gillick”, Contemporary 32, p73), € levando 0 foco para as formas como ‘as mudangas propostas foram primariamente cosméticas em vez de estruturais. Gillick responderia que a aparéncia de nosso ambiente condiciona nosso comportamento e, portanto, 0s dois sao indivisiveis 2s; Liam Gillick, “A Guide to Video Conferencing Systems and the Role of the Building Worker in Relation to the Contemporary Art Exhibition (Backstage)”. “Um guia para conferéncias de video e 0 papel do funciondrio do prédio em relagao @ exposigao de arte contempordnea (Bastidores)”, em Gillick, Five ox Six (Nova Jorque: Lukas and Sternberg, 2000), P- 9. Como nota Gillick, « criagdo de cendrios é uma ferramenta para a proposicéo de mudancas, mesmo quando estd “inerentemente ligada ao capitalism e as estratégias que vém em seu bojo” porque indui “um dos principais componentes exigidos para manter o nivel de mobilidade e reinvencao exigidas para dar uma ‘aura dinaémica as assim chamadas economias de livre mercado” (“Gillick, “Prevision: Should the Future Help the Past?”, Five oR Six, p. 27). (Londres 16 conflito entre esse tipo de trabalho e exposigdes convencionais no “cubo branco”; ambas sao vistas como formas de continuar sua investigacao sobre “cenarios” hipotéticos futuros. Em vez de determinar um resultado especifico, Gillick gosta de desencadear alternativas abertas de modo que outras pessoas possam contribuir. O que mais o interessa sao acordos e possibilidades de se chegar a um meio termo. Escolhi falar de Gillick e Tiravanija porque eles parecem a mais clara expressao da afirmacao de Bourriaud de que a arte relacional privilegia relagdes interssubjetivas em vez de uma visualidade impessoal. Tiravanija insiste que o observador esteja fisicamente presente em uma situacdo e em um momento especificos — comendo o que ele prepara, ao lado de outros visitantes em uma situasao em comum, Gillick alude a relacdes mais hipotéticas que, em muitos casos, nao precisam nem existir, mas ainda insiste que a presenca de um pablico € um componente essencial de sua arte: “Meu trabalho é como aluz de uma geladeira, s6 funciona quando existem pessoas la para abrirem a porta, Sem as pessoas, nao € arte ~ é uma outta coisa —, coisas em uma sala” 26, Esse interesse nos imprevistos de uma “relacao entre” — em vez do proprio objeto — é uma caracteristica de seu trabalho e de seu interesse na pratica colaborativa como um todo. Essa ideia de considerar o trabalho de arte como um disparador potencial para a participagao nao é exatamente nova — pense nos happenings, nas instrugdes do grupo Fluxus, na performance dos anos 1970 e na declaracao de Joseph Beuys de que “todo homem ¢ um artista”. Cada uma delas foi 26: Gillick in RENovATION FiLteR, px6. Como acompanhada pelo discurso da democracia notou Alex Farquharson, “A expressao em vigor © da emancipagao, que € muito similar Gq € “pode ser possivel’ Enquanto Rirkrit pode @ defesa que Bourriaud faz da estética de forma sensata esperar que seus visitantes relacional 27. € facil seguir o fio condutor que comerdo © macarrao tailandés que prepara, Noslevaabaseteorica desse desejo de ativacao © improvavel que o piiblico de Liam estejq do observador: O autor como produtor, de avaliando seu trabalho. Em vez de atividade Walter Benjamin (1934), A morte do autor ‘eal, 20 observador oferece-se um pape! € Nascimento do leitor (1968), de Roland ficdonal, uma abordagem compartilhada Barthes e — ainda mais importante para esse com Gonzalez-Foerster_e Parreno” (Alex contexto — A obra aberta, de Umberto Eco Farquharson, “Curator and artist”, rt Monthly (1962). Ao escrever sobre 0 que compreendeu 270 [Outubro 2003], p. 14). ser 0 carater aberto e aleatorio da literatura, 27° Beuys @ mencionado poucas vezes em da misica € da arte modernista, Eco resume EsTETICA RELACIONAL € em uma delas ele é Sua discussao sobre James Joyce, Luciano Berio especificamente evocado para cortar qualquer € Alexander Calder em tais termos, que faz-se conexao entre “escultura socal” e estetica dificil nao evocar o otimismo de Bourriaud: relacional (p.30) 28: Umberto Eco, “The Poetics of the Open Work” (1962), in Eco, THE Oven Wonk (Boston: Harvard University Press, 22-23 A poética da “obra em movimento” (e em parte a poética da obra “aberta”) colocam em 7805) pp movimento um novo ciclo de relagées entre . o artista e seu ptiblico, uma nova mecanica da estética da percepgdo, uma condi¢ao diferente para o produto artistico na sociedade contempordnea. Ela abre uma nova pagina na sociologia e na pedagogia, assim como um novo capitulo na hist6ria da arte e coloca novos problemas priiticos através da organizacao de novas situagdes de comunicacao. Em suma, essa nova postica instala uma nova relagao entre acontemplacao ea utilizacao de um trabalho de arte. Analogias a Tiravanija e Gillick sao evidentes no modo como Eco privilegia 0 uso de uy valor e o desenvolvimento de “situagées comunicativas”, Entretanto, Eco afirma que todo © trabalho de arte € potencialmente “aberto”, ja que pode produzir uma gama ilimitada de leituras possiveis; a conquista da arte, da musica e da literatura contemporaneas € justamente essa: ter trazido esse fato a tona 29, Bourriaud se equivoca na interpretacao desses argumentos, aplicando-os a um tipo especifico de trabalho (aqueles que requerem interacao literal) e portanto redireciona seu argumento de volta para a intencionalidade artistica e nao para as questdes de recep¢ao 3°, Seu posicionamento também difere de Eco em outro aspecto importante: Eco considerava o trabalho de arte como um reflexo das condices de nossa existéncia em uma cultura moderna fragmentada, enquanto Bourriaud vé 0 trabalho de arte como produtor dessas condicdes. A interatividade da arte relacional é portanto superior & contemplacao dtica de um objeto, que é considerado passivo e desengajado, porque o trabalho de arte é uma “forma social” capaz de produzir relagées humanas positivas. Como consequéncia, o trabalho é automaticamente politico em implicagao € emancipatério em efeito. JULGAMENTo EsTETICO Para quem esta familiarizado com 0 ensaio A Ideologia e os Aparatos Ideolégicos de Estado, essa descricao de panty em A FeNoNenoLocié formas socials que produzem relagdes 95. fco cita Merleau-Ponty OT er gunta-se humanas soar familiar. A defesa de oa Pexcersao: “Come PORT cdeiramente Bourriaud da estética relacional esta ofilosofo-umacosagpresen Ne” ig Como em divida com a ideia de cultura dea nds, 4 que 0 sme ee oma de urn Althusser — assim como um “aparato posso ter a experience ‘cao, quando nenhuma ideologico de estado” — nao reflete a individuo existente nv . quais 0 vej0 consegue sociedade, mas a produz. Da forma como das perspecivas SGU OA pormanecem {oi utlizado por artistas feministas e criticos esgott-lo ¢ quand? OF A ge nao é uma de cinema nos anos 1970, 0 ensaio de sempre abertos? Esta ” wana exsténda, mas Althusser permitiu uma expressdo mais jmperteicio da comseinel OY poetics of the matizada daquilo que € politico na arte. sua propria definicao” (Fco” De acordo com Lucy Lippard, foi através open Works"P17). osca abordagem na da forma (mais do que pelo contetido) 30: Poderia-se argue” apertas” de trabalhos ja que grande parte da producao artistica do yerdade impede lewis tr cnsoante com fim dos anos 1960 aspirava a um alcance que seu significado ton democratico. A principal compreensao fato de que osignificado Fa parte da arte desse ensaio de Althusser foi ter reconhecido 31. Aqui, est04 PBT’ TT. instalagao | & que uma critica institucional circunscrita conceitual, Vide cteesPECIFIC, que expresso as instituigdes precisaria ser aprimorada 3, trabalhos 40 te OT cago ou conven’ Nao era suficiente mostrar que 0 significado Sa POTMC! MM arte, mas que permarnece/tt de um trabalho de arte esta subordinado 3 ee ent om nivel de contedido. sua forma de apresentacao (seja um museu 70!" : to de arte ” ializagao do objet ne co Lippard, “A Desmater oe IDEMATERIALIZATION OF ou uma revista); a propria identificago do 1366-1972” [Six YEARS ley: University observador com a imagem estava fadada a try Agi O8ieCT 1966-1972 (Beis " ser igualmente importante. Rosalyn Deutsche of California Press, 1996), PP ‘AaT AND. SPATIAL resume essa mudanga de maneira muito til 32- Rosalyn Deulsdiey FEN A poss, 1996), PP em seu livro Evictions: Art and Spatial Politics PouTics cae Bishop. (1996), quando compara Hans Haacke A geragao 295-96. “los 8 seguinte de artistas: Cindy Sherman, Barbara 33° !Pi4P: 2% Kruger e Sherrie Levine. O trabalho de Haacke, us ela escreve, “convidava observadores a decifrar relagdes e encontrar contetidos ja inscritos em imagens, mas nao thes pedia que examinassem seu proprio papel e esforco ao produzir imagens” 32. Por contraste, a geracao de artistas seguinte “tratava a imagem como uma relaco social em si e 0 observador como um sujeito construido pelo proprio objeto do qual ele anteriormente afirmava estar separado” 33, Mais tarde voltarei & questao da identificacao levantada por Deutsche. Enquanto isso € necessario observar que considerar a imagem como relacao social esta a apenas um passo do argumento de Bourriaud de que a estrutura de um trabalho de arte produz uma relagao social. Entretanto, identificar 0 que é a estrutura de um trabalho de arte relacional nao é uma tarefa facil, precisamente porque o trabalho se diz aberto. Esse problema é exacerbado pelo fato de que trabalhos de arte relacional sejam derivados das instalag6es artisticas, uma forma que desde o principio solicita a presenga literal do observador. Diferentemente da geracao “Public Vision” de artistas, cujas conquistas — principalmente em fotografia - foram assimiladas pela ortodoxia histrico-artistica sem problemas, a instalacao tem sido frequentemente denegrida como apenas mais uma forma de espetaculo pos-moderno. Para we on THE NoRTH alguns criticos, notavelmente Rosalind Krauss, © uso que a instalacao faz de diversos meios a separa de uma tradicao de meios especificos; nao possuindo, portanto, convengoes préprias contra as quais possa operar com autocritica, nem critérios com 0s quais possamos avaliar seu éxito, Sem um sentido claro de qual seja 0 meio da instalagao, o trabalho nao consegue obter © santo gral da autocritica e da reflexao}4. Sugeri em outro artigo que a presenga do observador poderia ser uma forma de se considerar 0 meio da instalagao, mas Bourriaud complica essa afirmacao 35, Ele argumenta que os critérios que deveriamos 34- Rosalind Krauss, A VoYAct (london: Thames and Hudson, 1999), P. 96. Em outro texto, Krauss sugere que depois do jim dos anos 1960, era em relacao a um local [sive] “conceitual e arquiteténico que a pratica artistica se tornaria ‘especifica’ [sPeciFiC] em vez de ser em relacao a um meio estético” - como mais bem exemplificado no trabalho de Marcel Broodthaers (Kraus, “Performing Art”, LONDON Review oF Books, 12 de novembro, 1998, p18) Enquanto concorde em certa medida com Krauss a respeito do ponto de autocritica e reflexdo, fico incomodada com sua reluténcia em aceitar ‘outras formas em que a instalaao possa operar com éxito. 35: Ver a condusao em meu livro INSTALLATION ‘Aat AND THE VieweR (Londres: Tate Publishing, usar para avaliar trabalhos de arte abertos e participativos nao sao meramente estéticos, mas politicos e até éticos: precisamos julgar as “relagdes” que sao produzidas pelos trabalhos de arte relacional. 2005), Quando confrontados com um trabalho de arte relacional, Bourriaud sugere que fagamos as seguintes perguntas: “esta obra me da a possibilidade de existir perante ela? Eu poderia viver num espago-tempo que Ihe correspondesse na realidade?” (ER, p. 80). Ele se refere a essas perguntas que deveriamos fazer frente a qualquer produto estético como “critérios de coexisténcia” (ER, p.79). Teoricamente, quando olhamos para qualquer trabalho de arte, podemos perguntar qual tipo de modelo social aquele trabalho produz: eu poderia viver, por exemplo, num mundo estruturado pelos principios organizadores de uma pintura de Mondrian? Ou qual “forma social” € produzida por um objeto surrealista? O problema que surge com a nogao de “estrutura” de Bourriaud € que ela estabelece uma relagao erratica com o tema ou o contetido visiveis do trabalho. Por exemplo, valorizamos 0 fato de que os objetos surtealistas reciclam bens antiquados, ou o fato de que seu conjunto de imagens e justaposiges desconcertantes exploram os desejos inconscientes e ansiedades de seus realizadores? Com o hibrido performance-instalacao us da estética relacional, que depende tao fortemente do contexto e do engajamento literal do observador, essas perguntas so ainda mais dificeis de responder. Por exemplo, 0 que Tiravanija cozinha, como e para quem € menos importante para Bourriaud do que © fato de que ele distribui os resultados do que cozinha de graca. O mural de Gillick pode ser questionado da mesma maneira: Bourriaud nao discute os textos ou imagens a que se referem cada um dos elementos pregados no quadro, nem a organizacao formal e a justaposicao desses elementos, mas apenas a (i shaiho cle comidero come democratizacao que Gillick propde com 0 material © SeU fyecursor crucial da estética formato flexivel. (Quem possui o trabalho tem a liberdade jefacionol, Antes de sua morte de modificar esses varios elementos a qualquer momento, devidoa AlDSem1996, Gonzalez- de acordo com seu gosto pessoal e os acontecimentos Torres tornou-se reconhecido do momento.) Para Bourriaud, a estrutura € 0 tema — e por suas releituras emotivas da nisso ele € muito mais formalista do que percebe 36, escultura minimalista usando Desarticulados tanto da intencionalidade artistica, quanto Pilhas de doces e de papel do ato de considerar 0 contexto mais amplo em que 4% quais os visitantes eram operam, os trabalhos de arte relacional se tornam, assim £"0"a/ades a se servir. Atraves " oan de seu trabalho, Gonzdlez-Torres como os avisos no quadro de Gillick, apenas um “retrato jo iis. alusdes a questovs constantemente mutavel da heterogeneidade da vida jojicumente cerregudes, como cotidiana” e nao examinam sua telacao com ela 37. Em % crise da AlDS (uma pilho de outras palavras, apesar dos trabalhos afirmarem depender doces tinha 0 mesmo peso de de seu contexto, eles nao questionam sua imbricacao nesse seu parceiro Ross que morreu contexto. Os avisos de Gillick sao compreendidos como em 1991), @ violéncia urbana democraticos em sua estrutura — mas apenas aqueles (leis sobre porte de armas em que os possuem podem interagir com sua organizago. S*M TiruLo [NRA] [19s1]) e @ Precisamos perguntar, como 0 Group Material fez nos anos omossexualidade — (Perrect 1980, “Quem € 0 publico? Como ¢ feita a cultura e para LOVES Li991]). Bourriaud, quem? entretanto, demove esse aspecto da prética de Gonzdlez-Torres Nao estou sugerindo que trabalhos de arte relacional em favor de sua “estrutura” precisem desenvolver maior consciéncia social — ~ Sua generosidade literal em fazendo murais com recortes de jornal sobre terrorismo. "849 20 observador. . . 7 37- Eric Troncy, “London Calling,’ internacional, por exemplo, ou distribuindo legumes com Fi ae foummer 1992), p curry a refugiados. Estou simplesmente me perguntando 4 - como decidimos o que constitui a “estrutura” de um trabalho relacional e se isso é separavel do tema visivel no trabalho ou se é permeavel a seu contexto. Bourriaud quer igualar o julgamento estético ao julgamento ético-politico das relagées produzidas por um trabalho de arte. Mas como medimos ou comparamos essas relacdes? A qualidade das relasdes em “estética relacional” nunca sao examinadas ou colocadas em questdo. Quando Bourriaud afirma que “encontros sao mais importantes que os individuos que os compoem”, percebo que essa questao (para ele) é desnecessaria; todas as relagdes que permitem “didlogo” sao automaticamente presumidas democraticas e, portanto, benéficas. Mas 0 que “democracia” de fato significa nesse contexto? Se a arte relacional produz relacdes humanas, entao a proxima pergunta logica a se fazer € quais tipos de relacdes estao sendo produzidas, para quem e por qué. 36 Isso esté refletido na discussao de Bourriaud sobre Felix Gonzélez-Torres, um artista 120 Antagonismo Rosalyn Deutsche declarou que a esfera publica permanece democratica apenas na medida em que suas exclusdes naturalizadas sao levadas em conta e colocadas em aberto para contestacao: “Conflito, divisao e instabilidade, entao, nao destroem a esfera publica; 80 condic6es para sua existéncia”, Deutsche se baseia em Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. Publicado em 1985, € um dos primeiros livros a reconsiderar a teoria politica esquerdista pelas lentes do pés-estruturalismo de acordo com o que os autores perceberam como sendo um impasse na teorizagao marxista nos anos 1970. Seu texto é uma releitura de Marx através da teoria de Gramsci de hegemonia e da compreensao de Lacan da subjetividade como dividida e descentrada. Muitas das ideias que Laclau e Mouffe apresentam nos permitem reconsiderar as afirmagGes de Bourriaud sobre a politica da estética relacional a partir de um ponto de vista mais critico. A primeira dessas ideias é 0 conceito de antagonismo. Laclau e Moutfe afirmam que uma sociedade democratica em pleno funcionamento nao é aquela em que todo o antagonismo desaparece, mas aquela em que novas fronteiras politicas sao constantemente tracadas e IP q qi Pi 6 colocadas em debate — em outras palavras, uma sociedade democratica é aquela em que as relagdes de conflito sao sustentadas e nao apagadas. Sem antagonismo existe apenas 6 pag 9 Ps 38-Pora Lacin, osujelto ndoéequivalente UM consenso Imposto por uma ordem autoritérla.— Br im senso ce agenciamento consciente: Uma total supressdo do debate e da discussao, que "o ‘sujeito’ de Lacan é 0 sujeito do € desfavoravel a democracia. € importante enfatizar inconsciente... Inexoravelmente dividido, em seguida que a ideia de antagonismo nao é castrado, dividido” como resultado de compreendida por Laclau e Mouffe como sendo sua entrada na linguagem (Dyle Evans, uma aceitacao pessimista de um beco sem saida Ay. ItaopucTory DICTIONARY OF politico; antagonismo nao sinaliza “a expulsao da LAcANIAN PsycHoanatysis [Londres ‘utopia do campo do politico”. Pelo contrario, eles Routledge, 19961, pp-195-96) = sustentam que sem 0 conceito de utopia néo ha 39° “(..) 0 sujeito @ pare possibilidade de um imaginario radical. A tarefa autodeterminado, Entretanto, como essa 7 2 _ . ne s oe eacap nao ¢ v expressco do © equilibrar a tensao entre o imaginatio ideal e 0 een sujelto ja 6 mas, em vez disso, 0 gerenclamento pragmatico de uma positividade pecultado de daquilo que falta em seu ser, Social sem cair no totalitarismo. @ autodeterminagao s6 pode prosseguir veensio do antagonismo é 7 em processos de |DENTIFICAGAO” (Ernesto Essa compreensao do antagonismo é baseada : Jy jie Ma teoria da subjetividade de Laclau e Moutffe. Ladau, ReFLecTIONS ON THE OLUTION oF Our TIME (1990), citado A partir de Lacan, eles argumentam que a om DeconstaucTion aN PaacMatisM, subjetividade nao @ transparente, racional e ‘ed. Chantal Moufie [Londres: Routledge, pura presenca, mas que é irremediavelmente 1996], p- 55)- descentrada e incompleta3®, Entretanto, é mesmo certo que haja conflito entre 0 conceito de sujeito descentrado e a ideia de agenciamento politico? “Descentramento” implica a falta de um sujeito unificado, enquanto “agenciamento” implica um sujeito completamente presente, um sujeito auténomo com vontade politica e autodeterminagao. Laclau afirma que esse conflito € falso, pois o sujeito nao é nem completamente descentrado (0 que implicaria psicose), nem inteiramente unificado (como, por exemplo, o sujeito absoluto). Ainda a partir de Lacan, Laclau afirma que temos uma identidade estrutural falha e portanto dependente de identificagGo para seguir em frente39, Pelo fato de a subjetividade ser esse processo de identificacao, somos entidades necessariamente incompletas. Antagonismo, portanto, é a relacao que emerge entre tais entidades incompletas. Laclau contrasta isso as relacGes que emergem entre entidades cere completas, como a contradigao (A-nao-A) ou “diferenca real” (A-B). Todos temos crencas mutuamente contradit6rias (por exemplo, existem materialistas que leem horéscopo € psicanalistas que enviam cartoes de Natal), mas isso nao resulta em antagonismo. Da mesma maneira, “diferenga real” (A-B) nao é igual a antagonismo; por concernir identidades completas, “diferenga real” resulta em coliséo — como uma batida de carro ou “a guerra contra 0 terrorismo”. No caso do antagonismo, Laclau e Mouffe afirmam que “somos confrontados com uma situacao diferente: a presenga do ‘Outro’ faz com que eu nao seja eu mesmo completamente. A relacdo nao surge de totalidades completas, mas da impossibilidade de sua constituicao” 4°, Em outras palavras, a presenca do que nao sou eutorna minha identidade precaria e vulneravel e a ameaca do que o outro representa transforma o proprio senso de mim mesmo em algo questionavel. Quando se da em nivel social, o antagonismo pode ser visto como os limites da capacidade da sociedade de plenamente constituir a si mesma. O que quer que esteja na fronteira do social (e da identidade) buscando defini-lo também destrdi sua ambicao de constituir uma presenga plena: “Como condigdes de possibilidade para a existéncia de uma democracia pluralista, conflitos e antagonismos constituem ao mesmo tempo a condicao de impossibilidade de sua realizacao final” 4", Debrugo-me sobre essa teoria para sugerir que as relagdes estabelecidas pela estética relacional nao sao intrinsecamente democraticas, como sugere Bourriaud, ja que elas permanecem confortavelmente dentro de um ideal de subjetividade como um todo e de uma comunidade como uniao imanente. Ha debate e dialogo no trabalho em que Tiravanija cozinha, certamente, mas nao existe friccao por si s6 ja que a situagao ¢ 0 que Bourriaud chama de “microutopia”: ela produz uma comunidade cujos membros identificam-se uns com os outros, porque tém algo em comum. A Gnica descrigao significativa que encontrei da primeira exposicao individual de Tiravanija na 303 Gallery é de Jerry Saltz em Art in America, como se pode ler a seguir: Na 303 Gallery eu geralmente me sentava com alguém ou era acompanhado por algum desconhecido e era dtimo. A galeria virou um lugar para compartilhar, um lugar alegre para conversarcom sinceridade. Tive maravilhosas rodadas de refeicoes com galeristas. Uma vez Paula Cooper eeu comemos juntos ¢ ela recontou wm pedago longo ecomplicado de uma fofoca profissional. Outro dia, Lisa Spellman relatou em detalhes hilariantes a historia de uma intriga sobre um colega galerista que tentava, sem sucesso, roubar um de seus artistas. Mais ou menos uma semana depois David Zwirner me acompanhou. Encontrei-o por acaso rua ra eee disse “nada esta dando certo hoje, ¥aM0 40. neo Lediy “we Rirkrit”. Nés fomos e falamos sobre a falta de emogao— Hecew, and Chantal Moutte, ONY AND So no mundo da arte novaiorquino. Outra vez fiti (London: Verso, 1985), an ST Strarecy : . : 1 ” 7985), p. 12. acompanhado por Gavin Brown, o artista e galerista.... 4" — Moufte, “intro, oe ” . + 5. ECON STRUCTIO suction, m Que falou do colapso do Solio - $6 paraconsiderd-lo 4, 4, 8 TYCTION AND Page Manisa, bem vindo edizer que ja era hora porque as galerias 32." saitg ug . andavam mostrando muita arte mediocre. Ent Trower,” prog MSY OF Riki outro momento uma mulher nao identificada me 43° Ctagao de Bourricy d " Relati ud em “Pub acompanhou e um clima de paquera curiosa pairava Relations: Bennett le ip aq p Nicolas Bou Simpson Talks. with no ar, Eteve ainda uma outia vez naqual conversei jy 68 SOUrtioud,”p. 4g ‘ ' : ido kittelmann, com um jovem artista que morava no Brookline Travan, et ue ee Lnp. tinha tido verdadeiros insights sobre as mostras que 45: Kainiscnc, Stade. tinha acabado de ver 42. Rirkrit Tiravanija, n Pp. -Anzei Preface,” em Rirkrit ger citado em 122 A tagarelice informal desse relato claramente indica que tipo de problemas encontram aqueles que pretendem saber mais sobre tal trabalho: a sinopse nos di apenas que a intervengao de Tiravanija ¢ considerada boa, porque permite que uma série de galeristas e apreciadores de arte — cuja forma de pensar é semelhante — faam contatos profissionais e porque evoca uma atmosfera de bar. Todos tém em comum o interesse pela arte e © resultado é a fofoca do universo da arte, conversas sobre exposicdes e paquera. Tal comunicagao € razoavel até certo ponto, mas nao é, por si so, emblematica da “democracia” Para ser justa, penso que Bourriaud reconhece esse problema —, mas nao o levanta em relacao aos artistas que promove, pois ele indaga: “Conectando pessoas, criando_ experiéncias interativas de comunicagao, mas para qué? Se esquecemos de perguntar ‘pra qué?’, 0 que nos resta é simplesmente ‘arte Nokia’ — ou seja, uma produgao de relacdes interpessoais sem outros objetivos além das proprias relacoes, e sem abordar seus aspectos politicos”43, Eu diria que a arte de Tiravanija, pelo menos como é apresentada por Bourriaud, nao consegue se aproximar dos aspectos politicos da comunicagao — mesmo quando alguns de seus projetos paregam, a primeira vista, tratar deles ainda que de modo dissonante. Voltemos ao assunto do projeto de Tiravanija de Colonia, Sem titulo (Amanhé é Outro Dia). Ja citei 0 comentario do curador Udo Kittelman de que a instalagao oferecia “uma experiéncia impressionante de uniao a todos”. Ele continua: “Varios grupos de pessoas preparavam comida e conversavam, tomavam banho e ocupavam a cama. Nosso medo de que 0 espaco de convivéncia artistica pudesse ser vandalizado nao se tornou realidade... O espaco de arte perdeu sua funcao institucional e finalmente tornou-se um espago social livre” 44, O Kélnischer Stadt-Anzeigner concordou que 0 trabalho oferecia “uma espécie de ‘refigio’ para todos” 45, Mas quem sao “todos” nesse caso? Isso pode ser uma microutopia, mas — como a utopia ~ é ainda baseada na exclusao daqueles que evitam ou impedem sua realizado. (E tentador considerar 0 que poderia ter acontecido se 0 espaco de Tiravanija tivesse sido invadido por 46- Saltz pensa sobre essa questao de forma maravilhosamente limitada: “(...) teoricamente qualquer um pode entrar [numa galeria de arte]. Por que nao 0 fazem? De alguma forma o mundo da arte parece secretar uma enzima invisivel que repele forasteiros. O que aconteceria se da préxima vez que Tiravanija montasse uma cozinha em uma galeria de arte um bando de moradores de rua aparecessem diariamente para almogar? O que 0 Walker Art Center faria se algum deles juntasse dinheiro suficiente para pagar a entrada no museu e decidisse dormir na cama dobrdavel de Tiravanija 0 dia todo, todos os dias?...)” (Saltz, “A Short History of Rirkrit Tiravanija,” p. 106) A sua propria maneira, Tiravanija traz essas questées d tona e derruba a porta (tao eficientemente trancada por uma suposta arte politica) que separa 0 mundo da arte de todo 0 resto”. A “enzima invisivel” a que Saltz se refere deveria alerté-lo precisamente das limitagées do trabalho de Tiravanija e sua abordagem néo antagonica a questdes de espaco piiblico. (Saltz, “A Short History of Rirkrit Tiravanija,” p. 106) 47 A aitica de Jean-Luc Nancy @ ideia marxista de comunidade como comunhao em THe INoperarive COMMUNITY (Minneapolis: University of Minnesota Press,1991)temsido crucial para minha consideragao de um contramodelo @ estética relacional. Desde meados de 1990, 0 texto de Nancy tornou-se uma reteréncia cada vez mais importante para quem escreve sobre arte contempordnea, conforme visto em Rosalyn Deutsche, Evictions; capitulo 4 do livre Object to Be Destroven: Tus Work of GoRbon Marta-Ciark de Pamela M. Lee (Cambridge, Mass.: MIT Press, 2000); George Baker, “Relations and Counter Relations: An Open Letter to Nicolas Bourriaud” in ZUSAMMENHANGE HERSTELLEN/ ConTextuatise, ed. Yilmaz Dziewior (Cologne: Dumont, 2002); and Jessica Morgan, Common Wealth (Londres: Tate Publishing, 2003) aqueles que estivessem procurando verdadero “reftigio”) 4°, Suas instalacées refletem a compreensao de Bourriaud de que as relages produzidas por trabalhos de arte relacional sao fundamentalmente harmoniosas, porque sao dirigidas a uma comunidade de sujeitos observadores com algo em comum 47. Esse é 0 motivo pelo qual os trabalhos de Tiravanija 23 sao politicos apenas no sentido mais vago, quando o que se defende é © didlogo em relagao a0 monélogo (comunicacao de apenas uma via, igualada ao espetaculo pelos Situacionistas). O contetdo desse dialogo nao é democratico nele mesmo, ja que todas as questées voltam para a banalidade da nao questao “isso é arte?” 48, Apesar do discurso de “abertura” e “emancipacao do espectador” feito por Tiravanija, a estrutura de seu trabalho antecipadamente delimita seu resultado e conta com a presenga do artista dentro da galeria para diferenciar tal estrutura do entretenimento. A microutopia de Tiravanija abre mao da ideia de transformacao da cultura ptiblica e reduz seu escopo aos prazeres direcionados a um grupo privado em que uns se identificam com os outros — todos frequentadores de galerias 49 Aposicao de Gillick a respeito da questao . De acordo com informactio. de Feanktuntea do dialogo e democracia ¢ mais aMbigUa. indy osvim a on MMU assunto est6 dado, aes ; , 0 contexto artistico auto A primeira vista, ele parece apoiar a tese jova todas as discussoos de volta para a bet. de antagonismo de Laclau e Mouffe: @ fungio da arte”. Cuistophe Blase, Be ve , ter Ao mesmo tempo em que admiro artistas ao rane Zeitung. 19 de dezembro, 1996, citado em Rirkrit Tiravanija, n.p. Ele continua: “Seja esse queconstroem visdes “melhores” de itarsa Ie apart como as coisas poderiam ser, sei queo especiaizado 0 nivel Tn Donte de vista ingdnuo ou ‘meio termo ea negociagao de territérios — obvigatévia a Duchamp é maa een’ 0 (eeréncia 4 possibilidade de momentos em queo __& que quando acontece uma conunicocon ona idealismo torna-se incerto. Hai muitas em particular, uma dscussa0 sobre ante, yee ie, demonstragoes de acontos,estratégias ¢ lo’ positive « potr do menor denominader por va faléncia em meu trabalho, assim como hd 49° Esencalmente, nao ha diterenca entre utopia receitas claras de como nosso ambiente ese da sociedade) e microutopia, que é apenas pode ser methor 59. perfei¢do pessoal elevada a décima poténcia (ou vigésima, ou quantos participantes estiverem presentes). Entretanto, quando procuramos por Abas sao baseadas na excusio daauilo gue mpage “receitas claras” no trabalho de Gillick, ° @meaca a ordem harmoniosa, o que pole ser ners elas s40 poucas, se é que ha alguma a °”” toda a descrigao de Uroria de Thomas More ser encontrada. “Estou_ trabalhando irbado entusiasta cistao trada. “Es trabalhand Dees vendo um perturbad. que numa nuvem de ideias”, afirma ele, (aii NM" oulras seligides, 0 viajante Rophae! relata: huma uando jG havia feito isso tempo demais, fe (que sao um tanto parciais ou paralelas condenado, naw por bl ipo demais, foi preso e em vez de didaticas” 5", Relutante em orden. Ele for cst neta mas por perturbar a n lidatica foi estupidamente condenado e sentenciad dizer quais sao os ideais que poderiam ap exitio - pois um dos mais antigos it a ser comprometidos, Gillick tira proveito consttuigao & 0 tolerdnca religosa” Chuang ian da credibilidade das referéncias & Ur0214fLondies: Penguin Books oes) voy arquitetura (seu engajamento. com $0°Gilck, Ts Woos Way pp bene, situagGes sociais concretas), enquanto 5? Gillick, RENOVATION FiLteR, p. 20. permanece abstrato quanto. a 2 Poderiamos até mesmo dizer que na microutopia articulago de um posicionamento fe Gite, ceder para o beneficio do acordo £ 0 ideal: espetidcn. O tnbabo Monmtonnas de insgnipSteseintrigante, mas insustemtavel e,em iltima Discuisae; por’ exeniploy a0 sponta , menos uma democracia microutépica que na uina forma de politica de “terceira via” para nenhuma mudanga em especial, apenas mudangas em geral — um “cenario” em que “narrativas” potenciais podem emergir ou nao. A posigao de Gillick é escorregadia e, finalmente, ele parece defender a negociagao € o acordo como receitas para a melhora. Logicamente, esse pragmatismo é equivalente a um abandono wa ou uma faléncia de ideais; seu trabalho é a demonstracao de uma conciliacdo em vez da articulagao de um problema 52. da Hirschhorn participou Por outro lado, a teoria de democracia como $3. Entwelani em HARDCORE, osicao GNS e@ Sierra antagonismo de Laclau e Moutfe pode ser PMS", “palais de Tokyo i 2003, Yet Vista no trabalho de dois artistas sabidamente ry |, discussao de BourTiaud s “id ignorados por Bourriaud em Estética Relacional irra. em “fstil bon? fstal median? © em Pos-produgio: 0 artista suigo Thomas Beaux AaTs 228(Maio 2003),P 41, Hirschhorn eo espanhol Santiago Sierra 53, 4. Desde que Siena se Mitel Esses artistas estabelecem “relagoes” que o México em 1996 0 MANN Ts, enfatizam © papel do dialogo € da negociagao acdes acontecesam M0 NT inence um em sua arte, mas o fazem sem que essas relagdes__“Fealis™° ee cRaags vo mas esse sucumbam ao contetido dotrabalho. As relagdes 2cusaea N28 OP OE cyasion OF Si produzidas por suas performances ¢ instalages "21" 5°"? Bexcnes (2001) no Kunsthalle em Munidvts sao marcadas por sensagdes de malestar © fin pagou traballiadores para suspencet desconforto, em vez de pertencimento, porque jydos os bancos de couro Nos ruseus eas 05 trabalhos reconhecem a impossibilidade de gojerias por periodos esiabelecidos Ae TT uma “microutopia” ¢, em vez disso, sustentam 6 projet era um acordo,j6 ave YUN, uma tensao entre observadores, participantes nao deixaria Sierra errancar me ea € contexto. Parte integrante dessa tensdo € sua galeria Herzog & de Melon Ts a introdugao de colaboradores de realidade os trabalhadores susPM TY ci tatorio, econdmica distinta que, por sua vez, servem «ainda po pessoas que conseguimos para desafiar a percepsao da arte contemporanea “Id due & rer Tr sarefa no momento como um dominio que engloba outras estruturas Pana Totes desempregados e fiscuturstas sociais € politicas. que queriam exibir sua proeza fisica” (Sierra, 74 Thousand Words”, ARTFORUM {outubro 2002], P- 131) NAo IDENTIFICAGAO E AUTONOMIA O trabalho de Santiago Sierra (nascido em 1966), assim como o de Tiravanija, envolve © estabelecimento literal de relagdes entre pessoas: o artista, os participantes em seu trabalho e 0 publico. Mas desde o fim dos anos 1990, as “acdes” de Sierra vém sendo organizadas em torno de relages que sao mais complicadas ~ e mais controversas ~ que aquelas produzidas por artistas associados a estética relacional. Sierra tem atraido criticas beligerantes e a atencao de tabloides por algumas de suas agdes mais extremas, como 160 cm Line Tattooed on Four People [Linha de 160cm Tatuada em Quatro Pessoas] (2000), A Person Paid for 360 Continuous Working Hours [Uma Pessoa Paga por 360 Horas de Trabalho Continuio] (2000) e Ten People Paid to Masturbate [Dez Pessoas Pagas para se Masturbarem| (2000). Essas agées efémeras so documentadas em fotografias preto e branco despretensiosas, textos curtos e, ocasionalmente, em video. Esse modo de documentacao parece ser um legado da arte conceitual e da Body Art dos anos 1970 — Chris Burden e Marina Abramovic vém a mente —, mas o trabalho de Sierra desenvolve essa tradicao de modo significativo ao usar outras pessoas como performers e com a énfase que coloca em sua remuneragao. Enquanto Tiravanija celebra a doacao, Sierra sabe que nada é de graca: tudo e todos tém seu prego. Seu trabalho pode ser visto como uma reflexao cruel sobre as condicdes sociais ¢ politicas que permitem o surgimento de disparidades nos “precos” das pessoas. Agora regularmente convidado para realizar trabalhos em galerias na Europa e nas Américas, Sierra cria uma espécie de realismo etnografico em que o resultado ou desdobramento de sua a¢ao forma um indicador da realidade econdmica e social do lugar em que trabalha 54, Interpretar a pratica de Sierra dessa forma é ir contra a corrente das leituras dominantes de seu trabalho, que 0 apresentam como uma reflexao nillista da teoria de Marx do valor de troca do trabalho. (Marx afirmava que o tempo de trabalho de um operario valia menos para o patrao que seu valor de troca posterior, em forma de um bem produzido por seu trabalho.) As tarefas que Sierra exige de seus colaboradores ~ que sao invariavelmente iniiteis, exaustivas e as vezes deixam cicatrizes permanentes ~ sao vistas como amplificagées do status quo que expéem o pronto abuso daqueles que farao até mesmo os trabalhos mais humilhantes ou sem sentido em troca de dinheiro. Ao receber pagamento por suas acdes — como artista — e ser o primeiro a admitir as contradicdes dessa situacao, seus detratores afirmam que ele esta dizendo o ébvio de forma pessimista: © capitalismo explora. Além disso, esse é um sistema do qual ninguém pode se isentar. Sierra paga outros para fazer o trabalho para o qual ele mesmo € pago e, por sua vez, ele € explorado por galerias, negociantes e colecionadores. © proprio Sierra faz pouco para contradizer essa visa quando opina, Nao posso mudar nada. Nao ha possibilidade de mudarmos nada com o trabalho artistico. Fazemos nosso trabalho porque estamos fazendo arte e porque acreditamos que a arte deve ser alguma coisa, alguma coisa que acompanha a realidade. Mas eu nao acredito na possibilidade de mudanga>>, A aparente cumplicidade de Sierra com o status quo levanta a questao de como seu trabalho difere daquele de Tiravanija. Vale ter em mente que, desde os anos 1970, antigos discursos de oposigao e transformacao de vanguarda tém sido frequentemente substituidos por estratégias de cumplicidade; 0 que importa nao é a cumplicidade, mas como a recebemos. Enquanto o trabalho de Tiravanija é experimentado num tom grandiloquente, o trabalho de Sierra certamente nao se apresenta da mesma maneira. A seguir, faco uma tentativa de interpretar o trabalho de Sierra através das lentes dicotémicas da Estética Relacional e Hegemonia para destacar ms " 55° Sierra, citado as diferencas mais profundamente. Wonee’” Sado em Savraco Siegen ‘ 2—1990 — (Birming Nao éa primeira vez que se percebe que Sierra ee ‘kon Gallery, 2002), p.15 ogra, documenta suas agdes e portanto garante *” wae com Ladau, é essa que todos saibamos 0 que ele considera ser jon), sua “estrutura”. Tomemos, por exemplo, de mg cr? constitutiva The Wail of a Gallery Pulled Out, Inclined Sixty EvancirarsonC.) toon ee, balan, Degrees from the Ground and Sustained by Five 52-53 *t Condhes: Verso, 1996), pp. People [A Parede de uma Galeria Arrancada, 57 "0 procedimento foi feito de Inclinada Sessenta Graus do Chao ¢ Sustentada Oletiva a portos fechaos one je maneira por Seis Pessoas] Cidade do México (2000). ‘ituado em Arsenale durante iit “easito ° fade a fa Bional ve le @ inauguracaio Diferentemente de Tiravanija e Gillick, que Yeneza daquele ano. sper g abracam a ideia de trabalho aberto, Sierra "4/0 de pessoas programades pied delimita desd ea ha de parte nessa operacdo fos 5 Para fazer lelimita desde o inicio sua escolha dos 6G fosse duzentas, apenas . 13: uti ov e participantes convidados eo contexto em que tee de fato devide ao aumento © evento ocorrera, “Contexto” @ a palavra- fazer smn eek chegondo, @ dificil calcular com chave para Gillick e Tiravanija, ainda que seus precisao quenne trabalhos pouco se esforcem para abordar sald0. sso cousay ap vam entado. no 0 problema do que consiste 0 concelto de entrada devido ao fine minh oeas “contexto”. (Tem-se a impressio de que ele J4e entravam e saiam” (senny pesos existe como uma infinidade indiferenciada, SANTIACO SicegA, p46), Htado em assim como 0 ciberespago.) Laclau e Moutfe afirmam que para que se constitua um “indecisao ea deciséo que precisa dentro dela que é iva 126 contexto e ele seja identificado como tal, certos limites precisam ser demarcados; pois pelas exclusdes geradas por essa demarcagao € que o antagonismo ocorre. € precisamente esse ato de exclusdo que € rejeitado na preferéncia da arte relacional por “abertura”S®, As aces de Sierra, por contraste, ficam impregnadas de outras “instituicoes” (por exemplo: imigracao, salario minimo, congestionamento no transito, comércio de rua ilegal, falta de moradia) para enfatizar as divises impostas por esses contextos. De modo crucial, entretanto, Sierra nao apresenta essas divis6es como reconciliadoras (do modo como Tiravanija omite o museu com o café ou o apartamento), nem como esferas inteiramente separadas: 0 fato de que seus trabalhos sao realizados 0 coloca no terreno do antagonismo (em vez do modelo “batida de carro”, quando a colisao acontece entre identidades completas) e sinaliza que seus limites sao tanto instaveis, quanto abertos a mudangas. Em um trabalho para a Bienal de Veneza de 2001, Persons Paid to Have Their Hair Dyed Blond [Pessoas Pagas para Tingir 0 Cabelo de Loiro], Sierra convidou vendedores ambulantes ilegais, em sua maioria imigrantes do sul da Italia, do Senegal, da China e de Bangladesh para que pintassem seus cabelos de loiro em troca de 120 mil liras (sessenta délares). A nica condicao para sua participacao era que seus cabelos fossem naturalmente escuros. A descricao de Sierra do trabalho nao documenta o impacto de sua aga nos dias que se seguiram ao tingimento massivo, mas esse resultado era um aspecto integrante do trabalho 57. Durante a Bienal de Veneza os vendedores ambulantes — que vagam pelas esquinas vendendo bolsas falsificadas de designers famosos — sao geralmente o grupo social mais obviamente excluido da abertura glamourosa; em 2001, entretanto, seu novo cabelo tingido havia literalmente dado novas cores a sua presencana cidade. Aisso somou- se 0 gesto dentro da prépria Bienal, em que Sierra cedeu o espaco que estava destinado a sua exposicao para uma porgao desses vendedores, que o utilizaram para vender suas bolsas Fendi falsificadas sobre um pano, do mesmo modo que faziam nas ruas. O gesto de Sierra levantou imediatamente uma estranha analogia entre arte e comércio, no estilo da critica institucional dos anos 1970, mas que foi muito além disso, ja que os vendedores © a exposicao se estranhavam mutuamente ao serem confrontados. Em vez de chamarem aatencao dos passantes de forma agressiva como faziam nas ruas, os vendedores estavam acanhadbos. Isso fez com que meu proprio encontro com eles fosse desarmante, de forma que apenas posteriormente revelaria minha propria ansiedade sobre sentit-me “incluida” na Bienal. Era mesmo certeza que eram atores? Teriam se enfurnado la de brincadeira? Colocando em primeiro plano o momento de nao identificagdo mitua, a agao de Sierra quebrou o senso de identidade do pulblico de arte, que se baseia precisamente nas tacitas exclusdes raciais e de classe, assim como na tentativa de velar o comércio ostensivo. € importante que 0 trabalho de Sierra nao tenha atingido uma reconciliagao harmoniosa entre os dois sistemas, mas tenha sustentado a tensao entre eles. Avolta de Sierra para a Bienal de Veneza em 2003 consistia em uma grande performance- instalacao no pavilhao da Espanha. Wall Enclosing a Space [Parede Fechando um Espago] era um trabalho que envolvia o isolamento de todo 0 interior do pavilhao com blocos de concreto que iam do teto ao chao. Ao entrar no edificio, os observadores eram confrontados por um muro mal acabado e ainda assim impenetravel que tornava as galerias inacessiveis. Os visitantes que portassem passaporte espanhol eram convidados a adentrar 0 espaco através da parte de tras do prédio onde duas autoridades oficiais da imigracao fiscalizavam os passaportes. Todos os naturalizados espanhdis, entretanto, nao podiam entrar no pavilhao, em cujo interior encontrava-se nada além de tinta cinza descascando das paredes, que havia sido deixada da exposicao do ano anterior. O trabalho era “relacional” no mesmo sentido que Boutriaud faz da expressao, mas problematizava a ideia de que essas relagdes fossem fluidas ¢ irrestritas ao expor como todas as nossas v7 8: De - interagdes, assim como o espaco piblico, séo Mote paen andete0 de Lactoue rasgadas por exclusGes sociais € legais 58. na postulagao de une “eanen nt © trabalho de Thomas Hirschhorn (nascido em dos nomen oni, pa otrmacte 1957) geralmente aborda questées parecidas. Sua toda “essen” « ng -mbiguidade de pratica € convencionalmente percebida como uma da divsao soca ote Constutvo Conttibuigao para a tradigao da escultura ~ diz-se Laclau e Moutfe. econ IOs. Ver de seu trabalho que reinventou 0 monumento, 59 0 exemple mais signihcean i, © pavilhao € 0 altar ao imergir 0 observador em “dagen de Beryamin 1 D. tcnne Sree iat net 9 obser aera cae and Cult: The Displays of thomas agrupedas com @ euniio de materiais baratos e201,” Aarrowuay game 2001). A localizacao peritiea dex pereciveiscomo papelio,fitacrepeepapelaluminio. 2°97) Além das referencias ocasionais & tendéncia de eres gg oxy aia” levou algumas seu trabalho ser vandalizado ou pithado quando notaveimente cme cmenido, mais situado fora da galeria, o papel do observador & mesmo da ubering igo 2000, antes raramente abordado quando se escreve sobre seu 60: Hirschhorn, atheism trabalho 59. Hirschhorn @ famoso por sua Fiwezor, in Tuonas He kml afirmacao de que nao faz arte politica, mas faz J™80 SooNs ann Bic Can, (Chen arte politicamente. Um importante fator desse 4" lasttute of Chicago, 2000), p, 2» comprometimento politico € nao tomar a forma! !bid. p.29. Hirschhorn so refers a ‘dela de qualidade apoiadg por Conan da uma ativacao literal do observador em um espago: M Lae kilério de julgamento. estético {4 ostaria de distanciar meu uso le Nao quero convidar ou obrigar os observadores a ‘qualidade” (como interagirem com o que eu faco; nao quero ativaro piiblico. Quero medoar e me engajara tal ponto or das relacces na estética queos observadores confrontados com o trabalho jeyy')) Favela a que alude possam participar e se envolver, mas nao como atores ©, © trabalho de Hirschhorn representa uma guinada importante na forma como a arte contemporanea visualiza 0 observador, de modo que case com sua afirmacao da autonomia da arte. Um dos pressupostos subjacentes em Estética Relacional é a ideia — instaurada pela vanguarda histérica e reiterada desde entao - de que a arte nao deveria ser uma esfera privilegiada e isolada, mas que deveria se fundir com a “vida”. Atualmente a arte tomou-se tao subordinada a vida cotidiana — em forma de lazer, entretenimento € negécios -, que artistas como Hirschhorn nao consideram seu trabalho como sendo “aberto”, nem declaram a exigéncia de que o observador o complete, ja que a politica desse trabalho advém, em vez disso, de como 0 trabalho é feito: Fazer arte politicamente significa escolher materiais que néo intimidem, um formato que nao domine, um dispositivo que ndo seduza. Fazer arte politicamente é nao se submeter a uma ideologia, nem denunciar o sistema, em oposicao a assim chamada “arte politica”. E trabalharcom a mais total energia contra o principio de “qualidade”. ©! Um discurso democratico perpassa o trabalho de Hirschhorn, mas ele nao se manifesta através da ativasao literal do observador: em vez disso, ele aparece nas decisoes referentes ao formato, materiais ¢ localizacao do trabalho, como seus “altares” , queimitam memoriais ad hoc com flores e brinquedos em locais de acidentes nas periferias_ da cidade. Nesses trabalhos — como nas instalagées Pole Self e Laundrette, ambos de 2001 ~, imagens, textos, propagandas e fotocépias encontradas sao justapostas para contextualizar a banalidade do consumo e atrocidades politicas e militares. 128 Muitas das preocupacées de Hirschhorn aparecem ao mesmo tempo notrabalho Bataille Monument (2002), feito para a Documenta XI. Localizado em Nordstadt, um subtirbio de Kassel a muitos quilometros de distancia dos locais principais da Documenta, Monument compreendia trés instalaces em grandes cabanas improvisadas, um bar administrado por uma familia local e uma escultura de arvore, todas instaladas no gramado que rodeava dois projetos de habitagao. As cabanas foram construidas a partir dos materiais de uso recorrente de Hirschhorn: aglomerados de madeira, papel aluminio, filme plastico e fita crepe. A primeira abrigava uma biblioteca de livros e videos agrupados em torno de cinco temas de Bataille: palavras, imagens, arte, sexo e esporte. Diversos sofas gastos, uma televisdo e um video também ficavam disponiveis e toda a instalacao foi desenvolvida para facilitar a familiarizagao com o filésofo de quem Hirschhorn afirma ser um “fa”. As duas outras cabanas abrigavam um esttidio de televisdo e uma instalagao de informagoes sobre a vida e a obra de Bataille. Para conseguir chegar a Bataille Monument, os visitantes tinham que participar em mais um aspecto do trabalho: conseguir um taxi de uma empresa turca que foi contratada pela Documenta para transportar seus visitantes até o local do trabalho e de volta. Os observadores ficavam, entao, algum tempo sem poder sair de Monument até que um taxi de volta ficasse disponivel e durante esse periodo acabavam inevitavelmente indo ao bar. Ao localizar Monument no meio de uma comunidade cuja etnia e status econdmico nao era considerada como piblico-alvo da Documenta, Hirschhorn planejou uma aproximacao curiosa entre o fluxo de entrada de turistas de arte e os residentes da regiao. Em vez de fazer a populacao local se sujeitar ao que ele chama de “eteito zoolégico”, © projeto de Hirschhorn fez com que os visitantes € que se sentissem como intrusos infelizes. De forma a quebrar ainda mais os padroes a luz das pretensdes intelectuais do universo da arte internacional, Monument de Hirschhorn considerou seriamente os habitantes locais como potenciais leitores de Bataille, Esse gesto induziu uma gama de respostas emocionadas entre os visitantes, incluindo acusagdes de que o gesto de Hirschhorn era inadequadb e paternalista. Esse mal-estar revelou o fragil condicionamento da identidade que o universo da arte construiu para si mesmo. O complicado jogo de mecanismos identitarios e desidentitatios em operagao no contetido, na construgao € na localizacao do trabalho Bataille Monument foram radicais, promovendo rupturas € provocando pensamentos: o “efeito zoolégico”, nesse caso, funcionava numa via de mao dupla. Em vez de oferecer, como afirma o catalogo da Documenta, uma reflexao sobre o “compromisso da comunidade”, Bataille Monument serviu para desestabilizar (e portant liberar potencialmente) qualquer nogao de identidade comunitéria, ou o que quer que signifique ser um “fa” de arte e filosofia Um trabalho como Bataille Monument depende de seu contexto para que tenha impacto, mas, teoricamente, ele poderia ser realizado novamente em qualquer lugar, em circunstancias equivalentes. Outro fator importante é do observador nao se exige uma participacao literal (como comer macarrao ou ativar uma escultura, por exemplo) mas é pedido que seja um visitante zeloso e reflexivo: 62. Thomas Hirschhorn, in COMO! WeattH, ed.Morgan, p. 63. Nao quero fazer um trabalho interativo, quero fazer um trabalho ativo. Para mim, a atividade mais importante que um trabalho de arte pode provocar é a atividade de pensar. O trabalho Big Electric Chair de Andy Warhol (1967) me faz pensar, mas é uma pintura numa parede de museu. Um trabalho ativo exige que eu possa me doar antes de qualquer coisa ©. 9 ‘A postura independente tomada por Hirschhorn em seu trabalho — apesar de produzida coletivamente, sua arte é produto da visao de um Gnico artista ~ implica a reintrodugao de um grau de autonomia a arte. Da mesma maneira, 0 observador nao mais fica coagido a cumprir exigéncias interativas do artista, mas é pressuposto como um sujeito de pensamento independente, o que é um pré-requisito essencial para a acao politica: “refletir € pensar criticamente é ser ativo, fazer perguntas é despertar para a vida’ ©3. Bataille Monument mostra que a instalacao e a performance agora se encontram a uma distancia significativa dos apelos das vanguardas para uma jungao entre arte e vida. ANTAGONISMO RELACIONAL Meu interesse pelo trabalho de Thomas Hirschhorn e de Santiago Sierra deriva nao apenas de sua abordagem mais incisiva ¢ subversiva das “relacoes” do que aquela proposta por Bourriaud, mas também por sua distancia dos projetos de arte piiblica engajados que se espalharam sob a égide do “novo estilo de arte publica”, 63; Ibid., p. 62. alter Etieiarto, fata de ovtrabathos de Sierra. 6: Faz com que eu me embre do ites e Hirschhorn demonstrarem de melhor Benjamin aos jornais, Porae S00 1g maneira a democracia faz deles melhores do leitor (através da seeae Ne Ot ay trabalhos de arte? Para muitos criticos a omen ie fae momento pronto para resposta seria dbvia: claro que sim! Mas [@itor fica & @ comecar c escrever”, afirma “ou seja, descrever, © simples surgimento dessa questao € em a ae : mas também pr ele ganha acesso . ‘ A “ jucer” in si mesmo sintomatico de tendéncias mais [ioria” (Benjamin, “The Autor as Producer amplas na critica de arte contemporanea: enjamin, RetLeCTIONS [Nova lorques Sande hoje, julgamentos morais, politicos e Brace Jovanovich, Inc., 19781, P. oe de @ticos vieram para preencher 0 vacuo de assim 0 formal mantem um editor © 0 Nr julgamento estético de uma forma que era cartes nao passa de uma ent Mm ag impensavel ha quarenta anos. Isso acontece de paginas autorals suber em parte porque 0 pos-modernismo atacou esse editor social esta permeado pela a propria nogao de julgamento estético e 6 ae ° eu seja, pelo antagonismo em parte porque a arte contemporanea eset ings o status de transparéncio, solicita uma interagao literal do observador %,° jyesenca total, ¢ a objetividade de suc de formas cada vez mais elaboradas. Ainda jqertidades tomoti-se constitutivas do sec assim, 0 “nascimento do observador” (€ (,acau ¢ Mouffe, HEGEMONY, P = aaa as promessas extasiantes de emancipagao 66. 0 bloqueio ou impasse & NN! TT que © acompanham) nao repensaram os recorrente no trabalho de Sierra, CNN Ct, apelos para uma elevagao dos critérios, que 68 Pennie Palo To Bloce Tel ON cy, simplesmente continuam retornando de Pusan’s a a6s PEOPLE Pato To STAND outras formas. tater See AO Museo RUNG TAMAYA, Nao sera possivel, nesse artigo, tratar Mexico City (1999) Cannot Be PAID, dessa questo. com a devida atengao. 7 Worxtrs Wio CANNOT Od Gostaria, portanto, apenas de pontuar que Revunesare To RAVAN UR cog) se os trabalhos que Bourriaud considera Boxts Kunst Werke, Boll TN ig yp exemplares de “estética relacional” desejam 5's epee? ore re horas por dia pelo periodo ser politicamente considerados, entio essa ("0 mi proposicdo precisa ser seriamente abordada, "jeg, “art_and Existe uma longa tradicgao de participagao (Summer’ 1967), reimpressao Miwa Aa do observador e de ativagao do publico nos eq, Gregory Battcock (Berkeley: Um California Press, 1995), P- 128 130 Objecthood”, ARTFORUM trabalhos de arte que atravessam diversas midias — desde o teatro experimental alemao de 1920 ao cinema new-wave e nouveau roman de 1960, da escultura minimalistaasinstalacoes pos-minimalistas de 1970, da escultura social de Beuys as performances engajadas de 1980. Nao é mais suficiente dizer que simplesmente ativar o observador é um ato democratico, pois cada trabalho de arte ~ até mesmo o mais “aberto” deles — determina antecipadamente a profundidade de participagao do observador §4, Hirschhorn diria que tais simulagées de emancipacdo nao s4o mais necessarias: toda arte — seja imersiva ou nao — pode ser uma forga critica que se apropria de valores e os redistribui, distanciando nossos pensamentos do consenso predominante preexistente. As tarefas que se colocam diante de nés atualmente sao analisar como a arte contemporanea se dirige ao observador e avaliar a qualidade das relacdes com o pubblico que ela produz: a posicao do sujeito que qualquer trabalho pressupde, as nogées democraticas que sustenta e como essas se manifestam na experiéncia do trabalho. Pode-se afirmar que os trabalhos de Hirschhorn ¢ Sierra, do modo como os apresentei, nao estao mais presos a direta ativagao do observador ou a sua participagao literal no trabalho. Isso nao quer dizer que esses trabalhos sejam um retorno ao tipo de autonomia do alto modernismo defendida por Clement Greenberg, mas, em vez disso, a uma imbricacao mais complicada do social e do estético. Nesse modelo, o ceme da resolugao impossivel de que depende o antagonismo €é refletido na tensao entre arte e sociedade concebidas como esferas mutuamente excludentes — uma tensao critica e reflexiva que os trabalhos de Sierra e Hirschhorn compreendem e reconhecem completamente 5, Sob essa perspectiva, encontrar tao frequentemente os temas de “obstrucao” ou “ploqueio” nos trabalhos de Sierra é menos um fator de retorno a recusa modernista como defendido por Theodor Adorno, do que uma expressao das barreiras entre 0 social € 0 estético depois de um século de tentativas de fundi-las®©, Nessa exposic¢ao no Kunst- Werke em Berlim, 0s observadores confrontaram-se com uma série de caixas de papelao improvisadas e cada uma delas escondia um refugiado checheno que pedia asilo na Alemanha °7. As caixas eram uma releitura arte povera da celebrada escultura Die (1962) de 2 x 2m, que Michael Fried descreveu de forma célebre como capaz de exercer o mesmo efeito no observador da “presenca silenciosa de outra pessoa” ®®. No trabalho de Sierra, essa presenca silenciosa era literal: ja que é contra a lei que na Alemanha trabalhadores ilegais sejam pagos por trabalho, a situagao dos refugiados nao podia ser anunciada pela galetia. Seu siléncio foi exagerado e exacerbado por sua invisibilidade literal sob as caixas de papelao. Em tais trabalhos, Sierra parece afirmar que 0 corpo fenomenologico do minimalismo é politizado precisamente pela qualidade de sua relacao ~ ou falta de relagao — com outras pessoas. Nossa resposta ao testemunharmos os participantes nas agoes de Sierra — estejam eles olhando para a parede, sentados dentro de caixas ou tatuados com uma linha — é muito diferente da “sensacao de uniao” da estética relacional. O trabalho nao oferece uma experiéncia de empatia humana transcendente que ameniza a estranha situacao a nossa frente, mas uma nao identificagao racial e econdmica pontual: “esse nao sou eu”. A persisténcia dessa fricg4o, sua estranheza e desconforto, alertam-nos para o antagonismo relacional do trabalho de Sierra. Os trabalhos de Hirschhorn e Sierra se posicionam contra as reivindicagées da estética relacional de Bourriaud, as comunidades microutépicas de Tiravanija e 0 cenario formalista de Gillick. © posicionamento “de bom moso” adotado por Tiravanija ¢ Gillick sao refletidos em sua presenga ubiqua na cena artistica internacional e sua condicao como favoritos constantes de alguns curadores, que se tornaram conhecidos por promoverem 131 sua selecao de artistas preferidos (e portanto tornando-se eles mesmos estrelas de brilho proprio). Em tal situagao tao confortavel, a arte nao sente a necessidade de se defender € se rende ao entretenimento compensatorio (e autoindulgente). Os trabalhos tanto de Hirschhorn quanto de Sierra sao melhor arte nao por serem simplesmente melhor politica (apesar de ambos artistas agora terem igual grande visibilidade no principal circuito da arte). Os trabalhos deles reconhecem as limitagées do que € possivel como arte (“Eu nao sou um animador, professor, nem assistente social”, afirma Hirschhorn) e sujeitam a escrutinio todas as afirmacGes faceis de uma relacao transitiva entre arte e sociedade. © modelo de subjetividade que ancora sua pratica nao € o sujeito ficticio e completo de uma comunidade harmoniosa, mas um sujeito dividido, de identificagdes parciais, abertas ao fluxo constante. Se a estética relacional requer um sujeito unificado como pré- requisito para uma comunidade-como-unidade, entao Hirschhorn e Sierra fornecem uma modalidade de experiéncia artistica mais adequada para o sujeito incompleto e dividido de hoje. O antagonismo relacional a que me refiro nao seria baseado na harmonia social, mas na exposigao daquilo que é reprimido ao se sustentar uma aparéncia de harmonia. Fle, portanto, proveria bases mais concretas e polémicas para repensar nossa relacao com © mundo e uns com os outros. 132, : : Cray eee porate Janice Caiafa, Sr ar Ceo RC ins Cae a je ne emer POE ere one + Dani Azevedo, Flavia Trajano, dpaleinporatl (enero cen ere neste, ISSN 2175008-4 SG . - LT runcuuuns BEUYEARE sm-gzsr PERNAMBUCO Au ML

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