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A sociedade globalizada, a crise humana e a Psicoterapia Breve Psicodramatica Jodo Gabriel Suzart Coutinho, Psicdlogo e Psicoterapeuta, CRP 03/8828 “Violento estrondo interrompeu o torpor profundo, despertando-me qual homem que em sobressalto acorda. Movi o olhar pelo que havia ao redor, ao longe e perto. De pé me ergui, procurando conhecer o lugar onde me encontrava. Eis a verdade: descobri-me & borda de insondavel abismo, do qual subiam infindos ais. Tdo escuro, profundo e nebuloso era tal pélago que, por mais aceso eu nele fixasse o olhar, coisa alguma se discernia.” — Dante Alighieri, Inferno, Canto IV - Metéfora completa para a crise Estamos vivendo em plena globalizacdo, tamanho nivel de desenvolvimento tecnolégico foi alcangado, que alguns autores afirmam que vivemos numa aldeia global. Contudo, a globalizacéo traz seus males, e entre eles notamos: as pessoas recebem tedo tipo de informagio, mas as verdadeiras interagdes nao se dao nesse mundo. © modo de vida que se leva hoje em sociedade é caracterizado pela rapidez, pelo barulho, pela poluiséo, pela automacao nos campos académicos e empresariais na busca pelos resultados, por forte valorizag3o de aspectos superficiais, pela despersonalizac3o do contato com outro ser humano, etc. O ser humano entdo se fecha, em suas préprias capacidades de defesa, com medo de ser esmagado por esse novo modo de vida. A publicidade, a seu turno, propaga o frescor e o dinamismo da juventude, dando énfase aos mitos da perfeicio e da felicidade. Isso leva o ser humano a um isolamento marcado pelo medo de ser ainda mais ferido e agredido, pela angustia, tornando-o timido e fechado; gracas aos mitos da felicidade e da perfeic&o, que so, por definicao, impossiveis de ser alcangados, geram sentimentos de fracasso, frustragio, insuficiéncia e incempeténcia, aumentando a inseguranga e 0 isolemento. Nessa situago de inquietago, ansiedade e tensio, surge a depressao, como forma ultima da exaustéo e desespero. Como consequércia, 0 individuo se vé em situacgéo de crise. Atualmente, a forma de manifestacdo mais clara da crise esta no encontro entre o psiquismo e 0 corpo: nos sintomas psicossométicos, como perturbagées no sono, cefaleias didrias, dispepsias, diarreias, disturbios dermatoldgicos e cardiorrespiratérios, etc. 0 probleme esté que, muitas vezes, os sintomas psicossomaticos so desconsiderados nos quadros de tratamento psicolégico ou como sintomas isolados do corpo, o que leva muitas pessoas a ouvirem a frase “vocé ndo tem nada, é apenas psicolégico”. Segundo Moffatt (1982) “a crise se manifesta pela invasio de uma experiéncia de paralisagao da continuidade do proceso da vida. De repente, nos sentimos confusos e s6s, © futuro se nos apresenta vazio e 0 presente congelado. Se a intensidade de perturbagdo aumenta, temos uma experiéncia de despersonalizagéo”. Quando em crise, no entanto, somos também acometidos pelo sério problema da rapidez, caracteristica de nessos dias, e queremos uma rdpida solugao para nossa crise. E nesse cenario que surge, como solucdo, a Psicoterapia Breve de base Psicodramética. Ferreira-Santos (2013) define-a como: “uma forma de tratamento de distérbios ce natureza emocional, fundamentada no referencial tedrico do psicodrama, que se utiliza de alguns elementos técnicos de outras linhas de psicoterapia, de objetivos terapéuticos determinados, na medida em que se restringe a abordar certas dreas de conflito previamente limitados num foco; caracterizada por se desenvolver num tempo limitado de duracdo, fixado ao inicio do proceso. Praticada por um terapeuta previamente treinado que adota ume atitude bastante ativa, de verdadeiro ‘ego-auxiliar’!, baseando seu trabalho na relaco empatica, dé especial énfase ao ‘atual’, sem deixar de se preocupar com os conflitos internos no que tenham de interligacso com 0s atuais, na expectativa de que, por meio do ‘insight’ e da catarse de integracéo’, possa ser restabelecido 0 equilibrio psiquice ausente” (FERREIRA-SANTOS, 2013, p. 43). Essa abordagem tem os objetivos limitados, e as metas mais reduzidas e focalizadas do que © tratamento tradicional. Tal limitagao € caracteristica do procedimento e aparece em fungo das necessidades imediatas do individuo. Os objetivos podem se colocar em termos da superacdo dos sintomas e problemas atuais da realidade do paciente, com 9 propésito de que este possa enfrentar mais adequadamente situacdes conflitivas e recuperar sua capacidade de autodesenvolvimento (BRAIER, 2008). O enfrentamento de situagdes de conflito, a aquisi¢do da consciéncia da enfermidade e a recuperacdo da autoestima so os objetivos z serem alcangados pelo terapeuta e pelo paciente. Por fim, é importante entender que o enfoque da Psicoterapia Breve Psicodramatica nao é reforcar a crenca na necessidade de uma rapidez na resolucao dos problemas, o que seria, sem um trabalho cuidadoso, mais nocivo do que benéfico. Essa abordagem da crise visa devolver ao individuo 0 poder sobre sua prépria vida, mas visa também o encaminhamento para um processo psicoterépico meis prolongado, na intengdo de fazé-lo conhecer-se melhor, se aprofundar mais amplamente em suas questées, resolver problemas mais crénicos em sua vida e valorizar 0 processo calmo, tranquilo e menos apressado do desenvolvimento psicolégico humano. *De acordo com as premissas morenianas, “os aspectos tangiveis do que ¢ conhecido come ‘ego’ sao os papéis nos quals 0 individuo opera’, nesse sentido "a extensdo do ego da pessoa, necesséria a uma existéncia adequada e que deve ser fornecida por uma pessoa substituta” & nomeado de ego-auxiliar (MORENO, J. L. ‘Quem Sobrevivera? Vol. 1: As bases da Sociometria, Goldnia: Dimenso, 1994. pp. 178). 20 insight em Psicologia pode ser entendido como a conscientiza¢ao de motivos, relagbes, sentimentos € impulsos que eram totalmente inconscientes para o paciente/atendido. *A catarse, também chamada de ab-reagic, é considerada uma reproducio dramética de um momento traumatizante, sua recapitulago emacional, uma confisso, un recontar que “despotencializa a afetividade da experiéncia traumatica, até que jé nao tenha mais uma influencia perturbadora” (JUNG, C. G. Collected Works, Vol. 16: The PracticeofPsychotherapy. Princeton, N. J: Princeton University Press, 1966, pardg. 262). Portanto, ca:arse de integracio, nas palavras de Moreno, seria quando “seu préprio eu tem a oportunidade de encontrar-se, reorganizar-se e juntar os elementos que pocem ter ficado separados por forras insidiosas, de modo a integré-ios e conseguir sensagio de poder e de alivio, uma catarse de integracdo” (MORENO, J. L. ‘Quem Sobreviver? Vol. 1: As bases da Sociometria, Goidnia: Dimenso, 1994. pp. 186),

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