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O mais antigo documento latino-portugués (882 a.D.) — edicao e estudo grafémico — Ant6nio Emiliano Universidade Nova de Lisboa Resumo Este artigo tem dois objectivos: (1) apresentar uma nova edigdo da Carta de 882, seguindo critérios explicitos & muito conservadores de transcrigio, e (2) analisar os aspectos grafo-fonémicos mais relevantes do mais antigo documento original portugués. Considerando que algumas opgdes gréficas dos notirios alto-medievais reflectiam a sua lingua vernécula (uma variedade de Romance, neste caso), so examinados certos aspectos grafémicos que se podem tomar como base para uma tipologia Latim/Romance (aplicsvel a documentos provenientes do territ6rio portugues). De uma forma genérica, pode considerar-se a Carta de 882 como ortograficamente conservadora, i.e. sem grandes ou not6rios desvios as grafias latinas tradicionais: neste sentido, 0 documento portugués mais antigo contrasta com 0 diploma hispanico mais antigo, o Diploma do Rei Silo de 775, ¢ com a documentagio dsture-leonesa dos sécs. IX-X em geral. No entanto, pode afirmar-se, como conclusdo mais precisa, que os aspectos grafémicos analisados revelam que a lingua nativa do notério era claramente uma lingua roménica, e que as formas consideradas a propésito da queda de -L- e -N- intervocélicos ¢ da nasalidade vocélica, ‘mostram que essa lingua era uma variedade de Portugués Antigo. Palayras chave: Latim Medieval, Portugués Medieval, Hist6ria da Lingua Portuguesa, Lingufstica Romianica. ABSTRACT This article has two aims: (1) to present a new edition of the 882 Charter, based on explicit and conservative transcription criteria; (2) to analyse the most important grapho-phonemic aspects of the Data de aceptacién: outubro de 1998, VERBA, ISSN 0210-377X, 1999, vol. 26: 7-42 8 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D. oldest known original Portuguese document. Considering that some of the deviant spellings of medieval scribes reflected their vernacular speech (a variety of Romance in this instance), some specific graphemic aspects are examined, which can be taken as a basis for a contrastive Latin/Romance typology (applicable to documents written in the Portuguese territory). In general terms, the 882 Charter is orthographically conservative, i.e. it does not exhibit a great number of remarkable deviations from traditional Latin orthography: thus the oldest Portuguese document contrasts with the oldest Hispanic document, the Diploma Regis Silonis (775 AD), and also with the Asturian-Leonese documents of the 9th and 10th centuries in general. However, as a more precise conclusion to this study, some graphemic conventions clearly indicate that the native language of the notary was a Romance language, and that the forms with suppression of intervocalic -L- and -N- and with nasal vowels show that the language in question was a variety of Old Portuguese. Key words: Medieval Latin, Medieval Portuguese, Linguistics. tory of the Portuguese Language, Romance INTRODUCAO, A documentagao notarial latino-portuguesa carece de edigdes adequadas ao seu estudo linguistico nas diversas vertentes possfveis: as varias edigdes existentes do mais antigo documento original conhecido em territ6rio portugués, a Carta de Fundagao da Igreja de Lardosa, de 882 (cf. Azevedo 1932), para além de conterem imprecisGes de leitura, repous em critérios editoriais pouco explicitos e pouco consentineos com o estudo linguistico, iplomatico ¢ filolégico dos textos; em muitos casos reproduzem a versio dos Diplomata et Chartae'!, repetindo, portanto, algumas das imprecisdes de transcrigaio dessa edigio. A edigdo que abaixo se apresenta segue critérios de transcrigo que se podem caracterizar genericamente como muito conservadores. Afasto-me assim radical ¢ deliberadamente das normas de transcrigdo que caracterizam as edigdes de historiadores (nomeadamente das Normas Gerais de Transcrigéo de Avelino de Jesus da Costa — Costa 1977, id. 19822, id. 19933), cuja principal preocupagao € a de transmitir o texto medieval através de uma forma graficamente amigdvel, maximamente legivel, de maneira a que 0 acesso ao contetido do texto nao seja dificultado por convengdes grificas obscuras ou exdticas. Essas edigdes tém o grande dbice de, ao ndo respeitarem muitas das convengdes escriturais da época, sobretudo no que respeita ao tratamento das abreviaturas e da pontuacdo, falsearem ndo s6 a aparéncia gréfica dos textos, como distorcerem em certa medida aspectos despiciendos da intencionalidade comunicativa e linguistica subjacente. Transcrever ¢ editar implicam sempre transliterar: converter e trasladar — rransferre — © sistema de escrita original para um outro sistema de escrita baseado em convengdes 1 Portugaliae Monumenta Historica a Saeculo Octavo post Christum usque ad Quintum Decimum — Diplomata et Chartae, vol. 1, Lisboa: Academia das Ciéncias, 1867-1873, doc. IX, p.6. VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 9 distintas. Ora o estudo lingufstico da documentago medieval obriga a um especial cuidado em transliterar, com a maxima fidelidade que os suportes materiais actuais permitam, e que 0 rigor dos estudos a efectuar exijam, as convengdes gréficas originais: no quero com isto advogar a perspectiva maximalista de que as edigdes se devem substituir as reproducdes facsimiladas, ¢ que a impressio em suporte papel ou digital deve reproduzir com exactidao fotogréfica todas as minticias da mancha textual no seu suporte original, Ha aspectos da materialidade dos textos que obrigardo sempre & consulta directa do manuscrito ou, na sua impossibilidade, de uma boa reprodugio do mesmo. Refiro-me aqui especialmente & conservagao pelo editor de aspectos basicos da estrutura linear (segmental) da escrita e da sua ;posigdo no suporte, aspectos que relevam da intencionalidade textual e lingufstica do autor material do texto. Nesse sentido, e de forma muito concreta, considero que, por exemplo, 0 tratamento das abreviaturas exige uma especial atengdo, e sobretudo contengdo, por parte dos editores: 0 braquigrafismo & um aspecto importante da escrituralidade notarial, e era com certeza um aspecto importante da competéncia escribal dos notarios. Note-se que muitos elementos (palavras, morfemas, sflabas, letras simples e sequéncias de letras) surgem nos textos frequente e recorrentemente sob forma abreviada, quando ndo apenas sob forma abreviada; assim, a transliteragdo automatica de uma abreviatura para uma sequéncia extensa de letras que de facto o escriba optou por nao escrever, ou aprendeu a nao escrever, ndlo pode deixar de constituir um importante factor de distorgdo relativamente aos habitos contemporaneos de escrita dos notérios medievais, que 0 editor deve pesar devidamente, Outros aspectos como a separagio das palavras ¢ a pontuaciio medievais mostram que a percepedo ¢ a segmentagao da estrutura do enunciado escrito se fazia na Idade Média a partir de prineipios distintos dos actuais. Nao é infrequente encontrar em edigdes de texto observagGes sobre o cardcter cadtico da pontuagdo medieval, optando o editor nesses casos por eliminar a pontuagdo original e por introduzir pontuagdo baseada em critérios “modernos”, destruindo assim eventuais nexos, divisdes, sentidos, énfases, que o escriba medieval deliberadamente introduziu no seu texto ou na sua c6pia. O respeito antropolégico pela textualidade medieval, que advogo adiante e me parece fundamental na abordagem dos textos nao literdrios, sobretudo dos chamados documentos linguisticos, deve conduzir a uma atitude filol6gica de escripulo, de preservacdo e observacio dos factos textuais e escriturais tal como foram produzidos e fixados pelos seus autores materiais, e tal como seriam funcionais na sua época. O resultado natural de uma tal aproximagdo a escrituralidade notarial sé pode ser a realizagio de edigdes de texto conservadoras, que tenham como propésito transmitir a intencionalidade textual e comunicativa materialmente expressa nos documentos (¢ ndo conjecturalmente estabelecida pelo editor). De uma tal estratégia editorial e filolégica, consubstanciada numa tactica de transcrigdo conservadora, minimamente interventiva e minimamente interpretativa?, resultard, Para uma discussdo destas questdes veja-se 0 artigo fundamental de Ivo de Ci ccuja terminologia aqui adopto. r0 € Maria Ana Ramos (1986), 10 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (862 a. D. espera-se, uma abordagem mais bem fundamentada da questo da realidade lingufstica dos documentos notariais latino-portugueses, e da sua relagao com a lingua da época. Porque 0 ponto de partida da presente edigdo da Carta de 882 ¢ manifestamente divergente do das outras edigdes existentes —trata-se de fixar cuidadosamente aspectos que permitam um estudo scripto-linguistico bem fundamentado —, apresento uma transcrigio de carficter paleogrifico, baseada em critérios explicitos, e indico em nota os aspectos divergentes relativamente &s outras edigGes existentes, 14 A CARTA DE FUNDACAO DA IGREJA DE LARDOSA (882 a.D.) Critérios de transcrigio 1. Separacdo de palavras A separagao de palavras na transcrigio de palavras nfo separadas no manuscrito é indicada por um ponto a meia altura: etfili LOL, In-uilla LOI, ad-toloramdum 04, de-medalo L06. Esta indicagio de separagiio nfo é dada quando a jungo possa ser atribuida a um fenémeno de relexificagdo: Insubra L12, e-Insup(er) L12. Para os restantes casos a separagdo de palavras do manuscrito nio é alterada 2, Translineacéo e numeracdo das linhas As linhas de texto do documento siio numeradas individualmente com algarismos precedidos de L, e de acordo com a disposi¢do no manuscrito. A translineagdo original no corpo do texto é mantida, sem qualquer marca adicional. Nas colunas com os nomes das testemunhas € confirmantes, a mudanga de linha é indicada por / . As colunas com os nomes das testemunhas e dos confirmantes precedidos de C. A assinatura autégrafa do notario é numerada A/. jo numeradas com algarismos 3. Pontuagao A pontuagao original é mantida, e nenhuma pontuago é acrescentada, 4, Maitisculas A capitulagdo original do manuscrito € mantida em todos 0s casos, excepto para os numerais, nos quais os nimeros romanos so transcritos em todos os casos por maitisculas. 5. Aspectos grafémicos varios: e A distingdo entre curto, alto e caudato mantida em todos os casos, sendo o segundo transliterado por , ¢ 0 tltimo por . Em caso nenhum é substitufdo por VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 WW 6. Letras entrelinhadas ou superscritas Letras na entrelinha (um tnico caso no documento) sdo transcritas entre ||: cubals| LOS. Nos numerais as letras sem valor ntimerico so transcritas por letras mintisculas superscritas: DCCCCXX¢ L13, 1195 L04, LXX@ L04, XI/" L03. 7. Lacunas Palavras omissas (um caso aparente no manuscrito) sao assinalados em nota e indicados no corpo do texto por [ ... ], sem qualquer tentativa de restituigdo. Letras individuais omissas, quer por acidente aparente de redacgdo, quer por acidente softido pelo suporte material, so restitufdas entre [ }: pafs]cuis L04, accipifat] L11, p(er)cus{us] L11. 8. Abreviaturas 8.1 Abreviaturas desenvolvidas Sao desenvolvidas entre parénteses curvos as abreviaturas seguinte + abreviaturas que envolvem a suspensio de uma Gnica letra, por meio de sinal especifico ou sinal genérico: die) LO4 L06, kad(e)dras LOS, u(e)strorum LO8. + abreviaturas que envolvem a suspensio de um grupo continuo de 2 letras, por meio de sinal especifico: animab(us) L06, concedim(us) LO2 1.06 LO7, cub(us) L05, dam(us) LO2 L03 L06, dixim(us) LO7, fumdam(us) LO1 L03, fundam(us) 1.02, Insup(er) L12, notuim(us) LO8, obtinuim(us) LO4, p(erjeus[us] L11, Pler)seueraberjnt LO8, p(er) LO4, quamtumg(ue) 106, semp(er) L09, trjumfatorib(us) LOL 8.2 Abreviaturas nao desenvolvidas Nao so desenvolvidas as abreviaturas seguintes: + abreviaturas que envolvem a suspensdo de um grupo descontinuo de letras; na quase totalidade destes casos a suspensiio é indicada explicitamente no manuscrito através de um tinico sinal braquigréfico; em alguns casos de (con)f, (con)fir, (con}fr, e em nt nao ha sinal de abreviagao; + abreviaturas que envolvem a suspensio de um grupo continuo de mais de 2 letras; + abreviaturas que envolvem conservacdo da primeira e dltima letras da palavra ¢ suspensdo das restantes por meio de um tinico sinal braquigrifico genérico; incluo nesta alinea a conjungdo wel, a qual nunca ocorre em forma extensa, + numerais. As abreviaturas no desenvolvidas sdo transcritas entre { }, p.ex. {frs} LO7 = fratres), com excepcao dos numerais, ¢ das seguintes (sem sinal de abreviacao no ms.): (con)fC2 C4, (confir C1 C2 C4, (con}fmas C4, (con)fr C1, nt Al. 12 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.)... 9. Sinais de confirmacao Os varios sinais de confirmagao que ocorrem nas subscrigdes e no inicio do texto sio indicados na transcrigio por (sinal). 1.2. Edigio do documento? Data: 27 de Margo de 882 Referéneia: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Corporagdes Religiosas, Mosteiro de S. Pedro de Cete, maco 1, documento 1 Classificagio: original em letra visigética cursiva ipo de texto: documento particular — fundagao e dotagdo de igreja Assunto: Muzara e Zamora fundam a Igreja de S. Miguel de Lauridosa (Lardosa), situada no actual lugar de Lardosat, freguesia de Rans, concelho de Penafiel, e dotam-na de diversos bens méveis e iméveis. Edicdes: § Portugaliae Monumenta Historica a Saeculo Octavo post Christum usque ad Quintum Decimum — Diplomata et Chartae, vol. 1, Lisboa: Academia das Ciéncias, 1867-1873. (DC) LANGE, W. D. 1966. Philologische Studien zur Latinitét westhispanischer Privaturkunden des 9.-12. Jahrhunderts, Leiden: E. J. Brill. (= Lange) NASCIMENTO, Aires A. do 1977. “La sémantique de la répétition dans le document le A edigdo que aqui se apresenta foi feita com base numa reprodusio do manuscrito, uma fotoc6pia feita a partir de micto-filme. © manuscrito no foi consultado directamente, pelo que as lacunas que se assinalam na transcrigio ndio sto objecto de um tratamento mais profundo, ‘A identificagZo e localizagdo definitivas de Lauridosa devem-se a J, G. Freire, que as explanou e fundamentou nos varios cursos de Latim Medieval leccionados na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Para além da identificagao topontmica, J. G. Freire identificou in situ restos arqueol6gicos da Igreja de Lauridosa, a cuja fundagdo e dotagdo respeita a Carta de 882. Dou alguns passos relevantes de apontamentos de alunos tirados das ligdes referidas: «A freguesia de Rans est consagrada a S. Miguel Arcanjo. Nessa freguesia confluem o rio “Cavalum"” e um. ribeiro que na literatura medieval aparece designado por “Zebreiro” e que actualmente & conhecido por ribeiro dos Gibreus. A freguesia de Rans tem como padroeiro secundsrio S, Pedro e a apresentago do seu cura pertencia a0 mosteiro de Cete. Por isso & que o documento de Lauridosa passou da pardquia de Rans para Cote. [...] A quinta de Lardosa fica no sopé de um monte que se chama Peroselo. Ha indicagio que na parte central da quinta estava construfda uma antiga igreja dedicada a S. Miguel, e essa parte ainda hoje se chama a“avessada da Igreja”» (Freire 1988-89b:41-2) «Lardosa é ainda hoje 0 nome de uma quinta que fica numa € noutra margem do Rio “Cavalum” junto & povoagiio de Ponte Nova, No dorso do Monte de Peroselo encontra-se a actual Igreja Paroquial dedicada a S. Miguel. Na outra encosta do Monte temos a montante do Ribeiro Zebreiro (= Zebreiros, Gibreus) 0 local de 'S, Miguel de Barbosa *om uma magnifica “Torre de Menagem’ e a jusante do mesmo ribeiro est a povoagio, “Quinta e Casa de Rans”, local que acabou por dar o nome actualmente em vigor a toda a freguesia.» (Freire 1987-88:57) Indicam-se apenas as edigdes que constituem leituras aut6nomas do documento: exeluem-se portanto, quer as, reprodugdes facsimiladas, quer as edigdes que se limitam a reproduzir a leitura dos Diplomara er Chartae, VERBA, 1999, vol. 26: 7~ 13 plus ancien du territoire portugais (a.D. 882)", Euphrosyne 8 (nova série), pp. 183-193, (= Nascimento) SANTOS, Maria José A. 1988, Da Visigdtica a Carolina — a Escrita em Portugal de 882 a 1172 (aspectos técnicos e culturais), Lisboa: Fundagio Calouste Gulbenkian. Junta Nacional de Investigagdo Cientifica e Tecnolégica. (= Santos) Estudos e referéncias: Lol AZEVEDO, Rui de1932. “O mais antigo documento latino-portugués”, Arquivo Histérico de Portugal 1, pp. 500-502. FLORIANO CUMBRENO, Antonio 1949. Diplomdtica Espafiola del Periodo Astur, Oviedo: Diputacién Provincial de Oviedo, Instituto de Estudios Asturianos (com transcrigdo da edigo dos Diplomata et Chartae). FREIRE, José Geraldes 1988. Apontamentos das Ligdes das Aulas Praticas da Disciplina de Latim Medieval — Curso de 1987-1988, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (dactiloscrito de Ant6nio Manuel Ribeiro Rebelo); contém edigdo inédita de J.G. Freire da Carta de 882. FREIRE, José Geraldes 1989. Sumdrios da Disciplina de Latim Medieval — Curso de 1988-1989, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (manuscrito do Professor da Disciplina). FREIRE, José Geraldes 1989b. Apontamentos das Ligdes das Aulas Praticas da Disciplina de Latim Medieval — Curso de 1988-1989, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (manuscrito de Manuel Francisco Ramos); contém edigdo inédita de J.G. Freire da Carta de 882. LANGE, W. D. 1966 (v. supra), OLIVEIRA, Corréa de & Saavedra MACHADO 1968. Textos Portugueses Medievais (3° Ciclo dos Liceus), Coimbra: Coimbra Editora, Lda. (com transcrigdo da edigo dos Diplomata et Chartae). NASCIMENTO, Aires A. do 1977 (v. supra). RAMOS, Feliciano 1950. Histéria da Literatura Portuguesa, Braga: Livraria Cruz (com transcrigdo da edigiio dos Diplomata et Chartae). (sinal) In (nne} patri et-fili7 et-{spu) 8 {sci}. domnis Inuictissimis ac trjumfatorib(us) sinal ] Christus DC, Nascimento, Santos; trata-se de um sinal de confirmago com a altura de seis linhas de texto, em tudo semelhante aos sinais de confirmagio que se encontram junto das subscrigdes; a generalidade dos editores interpretou este sinal como uma invocagao monogramtica, um chrismon, transerevendo como Ichristus]. 1. G, Freire assinala nas suas ligdes este facto e propde que o mesmo sinal no seja transliterado: ‘...] 0 simbolo anterior das 6 linhas iniciais do texto é um sinal de validacZo, igual ao das 4 colunas das assinaturas.» (Freire 1988-89a:1-2); «f...] 0 documento original no traz a palavra “Christus” nem a Cruz (+) mas apenas um Sinal de Confirmagdo que nés interpretamos como “Confirmans”; sendo assim eliminamos palavra e mesmo a Cruz da nossa transcri¢a0.» (Freire 1987-88:59) fii] lif DC, Lange, Nascimento {spu) | spiritus DC, Lange, Nascimento 14 102 L03 LO4 Los 106 LO07 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.) 9 {scis} martirjs petrj et pauli {sci) migaeli !° arcamgeli. culus baselica fumdam(us) In-uilla quod uocitant laurjdosa Inter duas annes kaualuno et cebrarjo subtus monte petroselo terrjtorjo anegje! . ego serbus {di} muzara et zamora dam(us) adque-concedim(us) ad {dm) et ad ipsa baselica que nos fundam(us) In {nne} {sci} petrj et-pauli et-{sci} migaeli arcangeli. dam(us) Ipsa-uilla ubi Ipsa eclesia fumdam(us) In-o(m)nique-circuitu suos dextruos sicut kanonica setemtja!? docet: XII™ 13 pasales pro corpora tumudamdum'* et LXX® 1108 ad-toloramdum fratrum adque Indigentjum et-fora!S dextruos Ipsa uilla p(er)!6 ubi Illa obtinuim(us) d(e) presurja p(er)-!7 suis locis et-terminus antiquus '8 cum-pa(s}cuis!® padulibus2? montes fontes petras mobiles {ul} Inmouiles aquis aquarum (ul) sesicas molinarum terras ruptas {ul} barbaras arbores fructuosas {ul} Infructuosas accessum {ul} regressum cub(us} cubals! lectus kad(e)dras mensas signum de-medalo cruce kapsa calice d(e)-arjemto?! cum quamtumq(ue) Ibidem a-prestamo 22 {omis} est. dam(us) adque-?5 concedim(us) Ipsum que-sursum taxatum est pro remedio animab(us) (nsjs} ad Ista eclesia adque-sacra {sco}? altarjo quod subra taxatum est. concedim(us) ut dixim(us) pro uicto aque®5 uestimentum monagus et-(frs} et-sirores et propinquis {nsjs} et-qui bonus? fuerjnt et In uita {sca} p(er)se {rjumfatorib(us) } riumpharoribus DC, Nascimento; rjumpharoribus Lange rmigaeli ] Migaheli Lange; migateli Nascimento anegie ] anegrie DC; anegije Nascimento setemuja ] sentematia DC; sentemuja Lange: se{njtentja Nascimento; sententia Santos XII} duodecim DC ‘umudamdum ] DC acrescenta (sic): Santos acrescenta em nota Sic fora] foru DC, Lange, Nascimento, Santos; letura de J. G. Freire, contra a leitura forw da totalidade dos editores precedentes: «Estranhamente ninguém reparou neste a cursivo visigético com arco superior abert. Ha exemplos semelhantes ¢ mais abertos no texto.» (Freire 1988-89a:5) (er) ] pro DC, Nascimento, Santos (er) ] pro DC, Nascimento, Santos antiquus} aniguiis DC, Lange, Nascimento, Santos; leitura de J. G. Freire, contra a leitura antiquiis da totalidade dos editores precedentes: «Trata-se de um u com as duas hastes um pouco separadas: & um acusativo do plural como ferminus antiquus (0 > u); » Freire 1988-892:5) pafsleuis ] pascuis DC, Nascimento padulibus } Santos acrescenta em nota Sic arjemto arjento Santos ‘& prestamo J aprestamo DC, Lange, Nascimento adque J argue DC saera (sc0} ] sacrosanct DC, Lange, Nascimento; sacrasancto Santos aque ] atgue DC, afd/que Lange, Nascimento; aft]que Santos bonus } bon Nascimento VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 15 LOB ueraberjnt secularjter etuia moastica2? obtinuerjnt In ipso loco sibe pro-luminarja altarjorum u(e)strorum {ul} elemosias pauperum. sicut lex et-canonica setentja?8 doce? et-bi notuim(us) L09 ut nec uimdendi*0 nec donandi neque a-rex neque ad comnide neque ad {epo) neque ad numlo omine Inmitendi. set sidea semp(er) Infenua! usque in-sempiternum. et post parte propim L10 quis {nsjs} et qui une facto {nso} Infrjngere {ul} conare tentaberjt reus sit ad-(sco} comunione separatus et-cum luda traditore accipiat participio In eterna danatjone LIL sint dimersit? In-baradro Inferni ubi fletus et ullulatus et anathema marenata accipifat}33 . et In-conspectu {dni}. et non abeant cum {dno} In prjma resurectjone ressusitandi* nisi-p(er)eus[us]?5 L12_adeclesia et-ab o(m)ni cetum {xpianor(um)} [.... ]6 etInsubra parjent tantum et-alium tanto quantum Inde abstulerjt etInsup(er) aurj talemtum3? pos-3* parti testamenti et-coram ponti L13 ficum, et-Tudice?? suo Tudigado# . et anc scrjptura testamenti plena abea firmitate. notum die quod erjt VI {K} abrjles era DCCCCXX® murara et zamora L14 In hane kartulla testamenti manus (nsas}. [* coluna] C1 (sinal) Didagu (con)fir 4! / gumsalbo (con)fr / uermudo (con)fir / #2 gutierjt (con)fir / uiljulfo (con)fir / sisnando (con)fr 2 moastica) monastica DC, Lange, Nascimento; mo[nJastica Santos 28 setentja] sententia DC; senrentja Lange; se(n Jientia Nascimento, Santos » doce ] docer DC, Lange, Nascimento 3% gimdendi | windendi Nascimento §—nlenua J injenua Santos ™ dimersit ] DC acrescenta (sic); Santos acrescenta em nota Sic 8 accipifat] ] accipiat DC, Lange, Nascimento; id. Santos, e acrescenta em nota: “No texto: accipi a que se segue um borto.” 3 ressusitandi} ressuscitandi Lange, Nascimento % p(ercusfusl | percusus (?) DC; per. . .s Lange; per{cusu]s Nascimento; percu[su]s Santos S| [segregatus) Lange, € acrescenta em nota: “das Original it hier unleserlich, miglich in dieser Formel auch separatus.” #, talemtum | rafentum Nascimento, Santos * pos ] post DC; post Nascimento, Lange: pos/t] Santos % — ludice ] judice Santos ludigado] judigado Santos (con)fi ] conf. DC, Lange, Nascimento (e em todos os casos seguintes);confrr. Santos (€ em todos os casos seguintes) Nascimento omite as subscrig6es seguintes com excepgo da Assinatura do notéio. 16 no: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.)... [2 coluna] C2 (sinal) Uimara (con)fir / gundiarjus (con)f / quirjagus (con)fir / gudesteo (con)tir / gudino (con)fir / Tauini (con)fir [3*coluna] C3__(sinal) Floresindo {ts} / mido {ts} / pelagio {ts) / gaton {ts} / sendino {ts} / Taquinto {ts} [4* coluna] C4 (sinal) Rodorjgus abba (con)f / Toanne abba (con)fmas / uermudus {pbtr} (con)fir / gunsalbus (pbtr} (con)fir / frarjulfus {pbtr) (con)fir / froila {pbtr} (con)fir [Assinatura — na margem direita] Al Gudinus (pbtr} nt 2, ESTUDO LINGUISTICO DA CARTA DE FUNDAGAO DA IGREJA DE LARDOSA (882 a.D.) ~ ASPECTOS GRAFO-FONEMICOS, A questdo fundamental da drea de estudos que J6zsef Herman designa por “research devoted to the diachronic continuum leading from Latin to separate Romance languages” (Herman 1991:28), € hoje, para a generalidade dos estudiosos, a questao da relacZo entre lingua escrita e lingua falada ao longo da Antiguidade Tardia e da Alta Idade Média.*5 A investigagio do proceso de fragmentagio da unidade linguistica latina e do surgimento das varias linguas roménicas, investigagao reclamada tanto por latinistas como por romanistas, ainda que tradicionalmente com premissas e conclusGes divergentes (de onde 48 ts} ] test. DC, Lange (e em todos os casos seguintes). 44 (con)fmas J conf. DC, Lange; confirmans Santos 48 Considerem-se, e para nfo alongar 0 rol das referéncias recentes, as varias contribuigdes. contidas nos importantes volumes organizados por Wright (1991) ¢ Selig & al. (1993): apesar de uma maior uniformidade de pensamento dos colaboradores desta tltima colecténea, no sentido da perspectiva digl6ssica, resulta como denominador comum aos dois volumes a preocupagio com a correcta interpretagao lingufstica © meta- linguistica dos textos. Igual preocupagdo domina a produgo do latinista franc8s Michel Banniard (em particular o seu estudo fundamental Viva Voce), € a extensa bibliografia do hispanista britanico Roger Wright (da qual se destaca 0 também fundmental e controverso livro Late Latin and Early Romance in Spain and Carolingian France); 0 trabalho destes dois estudiosos veio nesta tiltima década e meia relangar decisivamente o debate em torno das origens romnicas e do desenvolvimento do Latim nos periods Tardio € Medieval, Para uma panorimica de conjunto recente sobre esta questio, consulte-se com proveito a introdugo € conclusdes do magnifico estudo sobre terminologia toponimica da documentagao dsture-leonesa claborado por Pilar Alvarez. Maurin (1994). VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 7 a sobreposicdo e indefinigdo de termos como Latim Vulgar e Proto-Romance*), no pode deixar de passar crucialmente pela correcta avaliago e aferigo da informagio directa (lingufstica) e indirecta (meta-linguistica) contida nos diversos tipos de textos englobados nas categorias de Latim Tardio ¢ Latim Medieval: 0 estudo das origens romAnicas a partir do método comparativo ¢ da reconstrugdo interna, se € absolutamente necessério e permite chegar a algumas conclusdes diacrénicas seguras (diacrénicas, note-se, no cronolégicas), deve, no entanto, ser feito em estreita consonancia com a observaciio e estudo das fontes lingufsticas e meta-lingufsticas; o estudo das fontes, por sua parte, no pode alhear-se dos evidentes avangos nas titimas décadas dos modelos te6ricos das varias areas da linguistica e da filologia, O facto de 0 Proto-Romance reconstruido hipoteticamente no corresponder a nenhuma variedade lingu(stica (latina ou romAnica) atestada nfo deve continuar a ser uma facto paradoxal, ou pretexto de querela entre latinistas e romanistas, mas deve ser simplesmente integrado na investigagdo em Linguistica Latina e Linguistica Romanica Medievais como uma contradicao inevitavel, dada a natureza dos dados existentes. Nessa aporia aparente devem cruzar-se e unir-se as perspectivas prospectiva e retrospectiva ( correspondentes metodologias) de latinistas e romanistas, respectivamente. 2.1 Relacdo da latinidade notarial alto-medieval com a lingua vernécula Os principais factos linguisticos constitutivos da romanidade como estédio tipologicamente distinto da latinidade so factos antigos, apesar da sua baixa visibilidade escritural durante a Antiguidade tardia, e, no caso da Hispania, antecedem de séculos ndo apenas as primeiras tentativas claras de escrita romance aut6noma, mas também antigos documentos notariais latinos‘; ao nivel das mudangas metalinguisticas (i.e. mudangas relativas as atitudes dos falantes e A conceptualizagao da situagio linguistica vigente na comunidade), e apesar da antiguidade dos fendmenos lingufsticos habitualmente clasificados como romanicos, nfo se pode falar propriamente de uma ruptura Latim/Romance generalizada e operante até finais do séc. XI na Peninsula’ . E deste contexto que a questo da relagao entre escrituralidade latina e oralidade romanica deriva a sua especial e crucial relevancia. mais 4 eWe are lost in the labyrinth of ill-defined designations and overlapping pseudo-categories like Late Latin, Baily Medieval Latin, Literary Latin, Write Latin, Vulgar Lativ, Populi Latin, Colluguial Latin, Spoken Latin, Romance, Early Romance, Proto-Romance, pre-Romance —and the rest. This is so much the case that ‘worthy colleagues seem to spend a lot of their energy in fighting terminological battles.» (Herman 1991:29) 47 A propésito dos diplomas leoneses estudados por Ramn Menéndez Pidal em Origenes del Espaiiol, € que esto na base da sua teoria do Latim Vulgar Leonés (q.x. infra), Lindley Cintra considera que os mesmos, revelam “existence d'une tradition graphique consolidée, sirement trés ancienne (elle doit, pour ses traits fondamentaux, remonter & l’époque wisigothique), a I'intérieur de laquelle se mélent des formes latines lassiques, ov propres au latin tard, des formes que l'on peut supposer romanes, mais d’une époque tés| antérieure 4 celle des chartes.” (Cintra 1978:464). +8 ¥.sobretudo Wright 1982 e Banniard 1992. 18 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.). O estudo da documentagao notarial hispanica (tal como o da documentag&o merovingia, bastante anterior) levanta problemas espee‘ficos: por um lado, os textos notariais inscrevem- se numa tradi¢&o de escrita que remonta a uma realidade linguistica arcaica (chame-se-lhe Latim Tardio ou Latim Visigético); por outro lado, os mesmos textos reflectem factos lingufsticos inovadores que resultam em factos de escrita inovadores, desvios em relagao a norma herdada (chame-se-lhes vulgarismos, romanismos, ou afloramentos do vulgar), & cuja génese é no entanto muito anterior & redacco dos textos, Dai que se deva pér o problema da relagiio dos textos notariais com a lingua verndcula das comunidades em que foram produzidos. Esse problema s6 pode, no entanto, ser adequadamente tratado se se considerar 08 textos como actos comunicativos legitimos em si mesmos, perfeitamente adequados necessidades comunicativas dos seus autores e usudrios. A perspectiva que tenho defendido, que remonta directamente aos trabalhos de Roger Wright e de Francesco Sabatini, é a de que, dada a complexidade propria das comunidades de lingua roménica, pela existéncia de ta multi-secular, os textos s6 podem ser adequadamente interrogados quando situados num quadro que tenha em conta a necessidade de os escribas se submeterem & tradicionalidade do sistema de escrita disponivel, e a0 mesmo tempo responderem as exigéncias de realismo comunicativo préprias do seu tempo e da sua comunidade® . A concepgdo de que os textos notariais nao so mais que instincias de um “latim barbaro” ou “corrupto”, para além de reflectir preconceitos culturais antigos relativos a aspectos da cultura medieval, no tem de facto qualquer cardcter explicativo, ¢ nao é por tal aceitével. Assim, as aparentes incorreccdes ou idiossincrasias gréficas dos notérios devem ser consideradas pelos estudiosos a partir de uma perspectiva que parta da funcionalidade contemporanea dos textos, a qual no pode claramente esgotar-se na enumeragao de “erros ou “vulgarismos”, ie. desvios norma latina herdada. Trata-se de reconhecer que a escrituralidade notarial, ainda que alicergada sobre a heranga gramatical, linguistica e textual latina, constituia uma realidade distinta, com objectivos, propésitos e principios distintos do latim das Artes Grammaticae. Muitos dos desvios caracteristicos do latim notarial so iluminados quando considerados a luz da hip6tese de um tipo de ensino e aprendizagem do latim (matéria sobre a qual se sabe objectivamente muito pouco) baseado na oralidade ¢ na memorizacao’! . Essa 0 conceito de afloramento, de origem geolégica, tem sido aplicado por J. G. Freite as formas desviantes (romanceadas) dos documentos notariais latino-portugueses que testemunham aspectos da realidade Linguistica portuguesa subjacente a redacedo dos textos (cf. Freire 1995 para uma perspectiva geral). 80, Sabatini 1965, id. 1978, e Emiliano 1995. $1 hispanista norte-americano Thomas Walsh, num artigo em que critica fortemente alguns dos aspectos da Perspectiva do livro de Roger Wright, formula, a propdsito dos notiveis “lapsos” ortogrificos presentes na ‘documentago leonesa do séc. X estudada por Pidal, a hipstese do ensino e aprendizagem orais do latim como explicagio possivel para os desvios ortogrificos dos notirios: « e <(spu}> explica-se pela po ibilidade de construgdo de complementos determinativos sem terminacdo de genitivo e sem preposigao, com © sintagma nominal modificador geralmente em obliquo / caso universalS5; esta caracterfstica do latim notarial hispanico, que no sobreviveu nas linguas hispano-roménic medievais, explica-se por um sincretismo antigo do genitivo e do dativo num tinico caso obliquo (com forma de dativo no singular e forma de genitive no plural), e remonta provavelmente a um sistema latino bi-casual hispanico, tendo 0 caso obliquo inicial evoluido para um caso obliquo definitivo com sincretismo adicional de acusativo ¢ ablative’ , Na 5 Mauritio Pérez aplica a designagio fengua latine-romance & lingua do mais antigo documento sture-leonés, © Diploma do Rei Silo, quetendo significar um tipo de latim mesclado com romance, que seria entendido pela comunidade em geral, uma espécie de lingua transicional entre Iatim e romance propriamente ditos: «... una lengua que esté a punto de perder su identidad en beneficio de las diferentes lenguas romances provenientes de ella misma» (Pérez Gonzalez 1993a:126). E mais adiante: «Asi pues, la lengua que se manifiesta en el diploma del rey Silo por medio de la pluma de un amanuense que no posefa un elevado nivel de educacién lingtfstica, es decir, poco influido por la tradicidn escolar, no es latina ni romance, sino latino-romance. Y pensamos que dicha lengua seria comprendida tanto por los eruditos como por los iletrados: es decir, Aceptamos para el s.VIII la comunicacién vertical, en expresién feliz de Banniard.» (Pérez Gonzélec 1993a:138). Ora, nao parece ter sido esta a intengio de Wright ao introduzir 0 termo num comentétio lexpresstio nosira lingua que ocorre diversas vezes na Chironica Adefonsi Imperatoris da I" metade do século XII: «Me parece que con la frase nostra lingua se refiere el autor a lo que concebimos nosotros como dos Tenguas pero que é! concebfa como una lengua, la lengua latino-romance.» (Wright 1992:883), SCF. Jennings 1940:144-6, Bastardas 1953:13-16 & 21-2, Menéndez Pidal 1980°:376, Estranhamente Sacks (1941) ndo faz qualquer referéncia a esta construgio, apesar de a mesma estar bem representada na documentagao latino-portuguesa. Pidal assinala a ocorréncia tardia do “genitivo sem de” num documento de 1186, Num documento latino-portugués (um finto) paleograficamente atribuivel a finais do sée. XII (ANTT, CR, Pedroso, m4, n.°38), que me foi apontado recentemente por Ana Maria Martins, encontra-se atestagao tardia desta contrugio: ad monast(er}io pedroso 16 e 1.16, frente a d(e) monastferjio de pedroso NN3-4, ad ‘monasi(erjio de pedroso N.13-14. SV. aeste respeito Pérez Gonzilez 1991 e 1993b para um tratamento convincente num quadro flexional bi casual. Pidal (1980°:376) atribuiu a construcdo a latinismo e a influéncia franco-provengal posterior, explicagiio claramente ad htoc, e pouco fundamentada, VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 21 propria Carta de 882 ha mais ocorréncias claras deste tipo de construgdo (assinalados a negro): {L02-03] In {nne) {sci) petrj et-pauli et-(sci} migaeli arcangeli’? {L03] dam(us) Ipsa-uilla ubi Ipsa eclesia fumdam(us) In-o(m)nique-circuitu suos dextruos (LO7} pro uicto aque uestimentum monagus et-(frs} et-sirores et propinquis (nsjs} et-qui bonus fuerjnt [09-10] et;post parte propim/quis {nsjs} A contrapartida desta construgio para o plural era a utilizagdo de genitivo com valor de dativo. A Carta de 882 parece apresentar um caso claro deste tipo de construco (primeiro exemplo infra), € um caso menos claro em que a utilizagao do genitivo de plural ocorre numa construgio cuja semAntica a aproxima de um dativo simpatético (segundo exemplo): [L08} sibe pro-luminarja altarjorum u(e)strorum {ul} elemosias pauperum [04] et LXX® 119S ad-toloramdum fratrum adque Indigentjum5s vocalismo final da forma obliqua explica-se pela alterndncia grifica frequente no latim notarial entre -i e -e finais, com realizagdo fonética romance [-e]; esta alternancia resulta das grandes mudangas vocdlicas do Latim Tardio, que levaram & fustio de 7 e @ em sflaba t6nica, e A fusio de 7,7 ¢ & em sflaba dtona final. A Carta de 882 apresenta um caso eloquente de alternfincia envolvendo 0 mesmo nome (no mesmo contexto) com as duas terminagoes : (L12) pos-parti testamer [L09-10] _et-post parte propim/quis {nsjs} A funcionalidade grafémica da forma <( spu}> explica-se pela alternancia gréfica muito frequente no latim notarial entre as terminagdes -u, -0 (e também -us em formas de nominativo masculino, e -um em antigas formas de nominativo/acusativo neutro, e acusativo 5) 0 genitive migaeli_ por michaelis pode também explicar-se aqui por interfer palavras co 5 Um outro documento do séc. IX apresenta num lugar paralelo uma construgo semethante: «pro sepultura corpora secundum canonica sentencia docet et pro toleradura fratrum» DC 5 (datado de 870 e extraido do Livro de Mumadona): na sequéncia pro sepultura corpora pode também reconhecer-se um estédio mais evolucionado com acusativo/caso universal desta construgdo, que a Carta de 882 também parece testemunhar embora numa construgdo gerundiva: «XII pasales pro corpora tumudamdum» L04. O DC 6 (documento apégrafo com data de 870) apresenta uma instancia clara de genitivo plural por dativo (com valor de objecto indirecto): «contestamus ipsum quod in testamento resonat ad ipsa eclesia et ad propinguis nostris fratrum uel sororum monacorum wel clericorum> icia dos genitivos em -i das 22 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.)... masculino); todas estas terminagdes eram realizadas foneticamente [-0], incluindo as terminagdes dos antigos temas em u, em virtude das grandes mudangas vocdlicas do Latim Tardio, que levaram a fusio de ie dem sflaba t6nica, e 2 fusdo de ii, 7 e J em silaba stona final. Na Carta de 882 encontram-se alguns casos de (con)fusio das varias terminag&es: L12-13 etab o(m)ni cetum {xpianor(um)} [ ... ] et-Insubra parjent tantum etalium tanto quantum Inde abstulerjt et Insup(er) aurj talemtum pos-parti testamenti etcoram ponti/ficum. et-Iudice suo Iudigado, Estes factos mostram claramente, em minha opinidio, que as opg6es gréficas do notario reflectem directamente aspectos da realizaco fonética contemporanea da férmula trinitéria. Essa realizaco fonética poder-se-4 reconstruir tentativamente, tendo em conta alguns factos da fonologia galego-portuguesa diacr6nica. A oralizagao da férmula sem qualquer elemento de vernacularizagdo, para além da apicagdo da fonética galego-portyguesa, pode representar- se conjecturalmente da seguinte forma: in nomine —_patris_—et_—filii_—=—et_—spiritus sancti? é ‘nome ® — padres e ‘fide € es'pritos sate As grafias do documento de 882 apontam para outra realizagao possivel, ligeiramente diferente, nomeadamente sem as terminacdes casuais sigméticas: In {nne) patri et = ‘nome ‘padre et (spu) {sei} kee esiprito ‘sate A questo “que Iingua representam os documentos notariais?” nao &, como se vé, uma questo com resposta simples ou linear, endo € necessariamente a questiio mais pertinente: a questio mais pertinente, ou, pelo menos linguisticamente mais interessante (sobretudo como formulaco de um programa de investigagio acerca da latinidade notarial), é “como 5 Encontra-se a conservagao de genitivos latinos em numerosos topdnimos de origem germinica, como Ansidies <(UILLA) ANSILANIS, Ansido <(UILLA) ANSILANI, Ermesinde < (UILLA) ERMESINDI, Esposende <(UILLA) SPANUSINDI, Gondomar < (UILLA) GUNDEMARI, Guimardes < (UILLA) UIMARANIS, Leomil < (VILLA) LEOMIRI, Middes <(UILLA) MIDONIS, Recarei < (UILLA) RECAREDI, Roriz < (UILLA) RODORICI, Tagilde < (UILLA) ATANAGILDI; esta conservagio di indicagdes claras sobre a realizado fonética das formas de genitivo -ise -i: a forma sigmstica tinha a realizasao [-e5] em proto-galego. portugues (cf os nomes antigos dos dias da semana em galego medieval martes < MARTIS, ioues < IOUIS, tuernes < UENERIS), enquanto a terminagaio -i se confundiu com a terminago nominal -e, excepto em hiato; ‘quando precedida de alveolar vozeada, soante / 1 ¢ n /, ou africada /dz/, sofreu apécope como € normal em galego-portuzues. © Sobre a evolucao fonética e morfoldgica em galego-portugués de NOMINE- > nome, ¢ outros nomes latinos cement, veja-se sobretudo Nunes 19758: 113, Williams 1975:131 e Lausberg 1974:288-9, A transcrigio [nomé] para o séc. IX é provavelmente arcaizante, sendo de considerar também a forma sem vogal nasal dtona, VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 23 comunicavam por escrito falantes cuja lingua materna era uma variedade linguist roménica, mas cuja tradigdo de escrita assentava na tradigdo linguistica, gramatical e cultural da Antiguidade Tardia?” Num segundo momento sera necessario por as questées “que elementos e estruturas lingufsticas romfnicas se escondem debaixo da roupagem latina ou alatinada dos textos?”; e “de que funcionalidade contemporanea gozavam os elementos da lingua escrita (latim) que nao tinham correspondente exacto na lingua vernacula (romance)? Note-se que por debaixo desta tltima questdo, aparentemente muito especifica, se esconde a magna quaestio (para alguns wexata quaestio) da distingdo Latim/Romance na Roménia Medievals! . Nao cabe aqui, no entanto, lidar com estas questes, que constituem hoje um dossier amplo, complexo e multifacetado em aberto. Confrontado com as caracteristicas grafémicas e lingufsticas peculiares dos documentos notariais leoneses do séc. X, Menéndez Pidal julgou ter encontrado af a sobrevivéncia de um estédio linguistico intermédio entre o latim escoléstico e a lingua verndcula (Menéndez Pidal 19809:454-5, 456-7). Subjacente & teoria do Latim Vulgar Leonés, que corresponde a uma visio trigléssica da comunidade linguistica leonesa, estava uma perspectiva socio-linguistica que os dados nao permitem manter, e que a generalidade dos estudiosos nao aceita hoje. Pidal confundiu além disso variagio gréfica com variagdo linguistica sincrénica®? : o facto de detectar quatro camadas gréficas / lingufsticas na documentago notarial levou-o a formular um modelo linguistico para 0 séc. X em que formas desses quatro estratos linguisticos coexistiriam em conflito no uso lingufstico de alguns falantes leoneses. Ora as camadas grificas que constituem a escrita latina medieval, que Michel Banniard designa no seu livro Viva Voce por «couches successives» (Banniard 1992:522), e que Menéndez Pidal observou na andlise de documentagao dos sécs. X e XI, sido de facto estruturas funcionais na sua inter- relagdo sincr6nica, ainda que a rafz da sua validade representacional se deva buscar na sua relagdo histérica com diversas etapas de mudanga do sistema lingufstico®, A interpretagtio da fungao textual e do estatuto representacional scripto-linguistico das tio discutidas glosas romances riojanas do sée. XI (as Glosas Silenses € as Glosas Emilianenses) decorre, em minha opiniio, exacta e crucialmente da correcta abordagem desta questo. © Ao comentar a disparidade de formas grificas contendo /e/ leonés proveniente de /ai/tardo-tatino, 0 grande fildlogo espanhol confundiu explicitamente variagdo linguistica com variagio ortogritica, e comunicagao escrita com comunicagao oral, porque estabeleceu equivaléncia entre os estratos ortograficos que os textos efectivamente documentam e estratos lingufsticos sincrénicos: «Sea lo que quiera,el hecho es que un estrato de formas latinas y tes de formas romances se sobreponian en la lengua estrita en LeGn dante el siglo X. Un individuo en un mismo documento podia mezclar voces pertenecientes a cualquiera de estas cuatro capas cronolégicamente diversas.» (Menéndez Pidal 1980-518). Esta equivaléncia absoluta de factos grafémicos com factos linguisticos, fonémicos e outros, ndio € aceitvel, sendo necessério procurar alhures as causas da variagdo grafémica, nomeadamente na hist6ria, evoludo e estrutura do proprio sistema de escrita, © Lindley Cintra, em desacordo frontal com Pidal, considera ser improvavel que a Kingua dos diplomas leoneses do sée. X nao seja outra coisa que uma lingua escrita e portanto “artificial” (Cintra 1978:464), no sentido en {que nao representa isomorficamente a lingua falada. Na opinido de Cintra, ¢ no que constitui uma formulagao Particularmente interessante e aguda, “cette scripra ne fait que refléter et au dedans de certaines limites le roman de I’époque wisigothique continu par le roman mozarabe.” (ibid). 24 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.)... Assim, se as premissas e conclusdes gerais de Pidal n&o so hoje sustentaveis, as observagdes de pormenor, a formulagio geral dos aspectos que caracterizavam a escrituralidade notarial leonesa, ou seja, 0 modelo descritivo adoptado face & complexidade gréfica da lingua notarial, permanecem vilidos e podem/devem servir de base a um estudo renovado dos textos. E esta complexidade ortogrdfica que também Banniard avisadamente nota, advertindo para a necessidade de andlise «sous le double aspect du rapport entretenu, & travers le temps, par la structure considérée en elle-méme d'une part avec ses différentes formes successives d’évolution individuelle, et par la structure considérée avec l'ensemble du systéme linguistique d’ autre part.» (Banniard 1992:522-3). Banniard apresenta como corolirio do seu livro monumental uma proposta de tipologia contrastiva Latim/Romance: nesse quadro tipolégico os aspectos fonético-fonolégicos esto notoriamente ausentes, dado que nao podem constituir, segundo ele, 0 critério essencial de classificagio diacrénica; esta posigao parece demasiado categ6rica, tendo sobretudo em conta que © mesmo autor, na mesma passagem, acentua a ideia de que o garante da comunicagao vertical na Romdnia latina (para usar a sua prépria terminologia) foi precisamente a no existéncia de divergéncias de elocugdo (leia-se pronunciagdo) entre leitores/oradores < ouvintes (Banniard 1992:520, nt.131). Também Herman ao descrever as tendéncias de evolugio do sistema gramatical do latim como «particuligrement claires et nettes, et aussi particuligremen intes» parece opd-las As mudangas fonolégicas as quais nao atribui valor tipolégico acentuado (Herman 1975:122). Ora é justamente aqui que o modelo descritivo pidaliano pode ainda hoje revelar virtualidades, porque para Pidal a questo do Latim Vulgar Leonés era uma questo sobretudo fonética e morfolégica (Menéndez Pidal 19809:457). Os tragos caracterizadores dessa latinidade especial que Pidal destacou sio de ordem quase exclusivamente fonétic: Este latfn popular se caracteriza principalmente por abundar en los siguientes rasgos: 1. sonorizacién de la oclusiva sorda intervocdlica [...] 2. pérdida de la -g- en voces no romances sino puramente latinas, como genitivos y ablativos, verbos y adjetivos no usados en romance [...] reducci6n de ns a s no s6lo en las voces romances, sino en formas eruditas [...] vocalizacién de la / agrupada [...] conservacién del diptongo arcaico vulgar ai [...] alteraci6n latinovulgar del timbre de las vocales clésicas [...] monoptongaci latinas [...] reducci6n de mb am en formas latinas [...] 9. conservacién de formas latinovulgares (dau por do, el pronombre ¢o) [...] 10. otros rasgos [...] aunque menos significativos: [...] la pérdida de la + final; [ el uso del articulo [.. (Menéndez Pidal 19809:455-6) Novee in del diptongo au no sélo en voces romances sino en voces VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 25 ‘Tomando como ponto de partida a tipologia pidaliana, e seguindo de perto 0 exemplo de Pérez Gonzalez (1993a), que propde para o estudo do Diploma do Rei Silo uma tipologia contrastiva baseada na de Banniard (1992), passo a apontar alguns factos que marcam grafemicamente a Carta de 882, e podem contribuir para a discussiio da questo da lingua subjacente a este documento (e aos documentos notariais latino-portugueses mais antigos em geral). Tendo em conta algumas caracterfsticas diferenciadoras do complexo galego- portugués face a0 complexo castelhano-leonés, € necessirio acrescentar alguns itens a tipologia de Pidal, nomeadamente, queda de n e 1 intervocilicos, nasalizagio vocélica, palatalizagGes consondnticas, ditongos galego-portugueses. Por outro lado, ha itens da lista de Pidal que nao tém relevdncia para a érea galego-ortuguesa, como 7. monotongagio de au em Jol, ou 8. redugdo do grupo -mb- a Inv, e que portanto ndo so aqui incluidos; ha também itens que, ainda que correspondam a fenémenos que ocorreram também na érea galego-portuguesa ndo tém expressio grafémica directa na Carta de 882, o que em si é um dado interessante: trata-se dos niimeros 2. queda de g, 4. vocalizacao de / agrupado, 5. conservagao de ai arcaico, © 9. conservagdo de formas latino-vulgares. O préprio Pidal adverte que os tragos caracterfsticos da latinidade vulgar leonesa so raros fora do dominio linguistico leonés (Menéndez Pidal 1980?:456, n.1). Seguindo Pérez Gonzélez incluo também o betacismo ¢ a queda de -t final (a que Pidal nao parece atribuir muita importancia) Ao contririo de Pérez, no me parece que a distingdo entre fenémenos latinos (vulgarismos) e fenémenos latino-romances tenha grande transcendéneia quando se trata de caracterizar a latinidade notarial como uma sineronia gréfica (ainda que polimorfa). Os escribas defrontavam-se, por uma lado, com a utilizagiio de uma tradigao de escrita que se afastava ja significativamente da ortografia classica, e por outro lado, com um conjunto de factos linguisticos sincrdnicos que no se enquadravam na tradigao gramatical latina: alguns fenémenos seriam tardo-latinos, quando ndo anteriores, outros seriam mais recentes, romanicos. Dado 0 carécter conservador e institucional da escrita, os escribas no poderiam ter nogdo da maior ou menor antiguidade das convengGes grafo-fonémicas que manipulavam. Quer dizer, os notérios certamente nao teriam consciéncia diacrénica relativamente & lingua escrita que usavam: as formas que redigiam, conservadoras ou desviantes, pertenciam & mesma sincronia scripto-linguistica, ainda que possam reflectir, para © linguista (a posteriori), etapas diacronicamente distintas* De maneira semelhante, os utilizadores da ortografia portuguesa actual ndo tém a partida nogiio de que formas como stjeito © objecto correspondem a dois tratamentos alternativos das formas latinas originais com 0 ‘mesmo grupo consonantico ct, € com prefixos sub- e ob- ambos terminados originalmente em consoante, ou que formas como mdo e manual reflectem de facto dois estidios sinerénicos distintos na evolugdo do latim. ‘manu. Do ponto de vista da lingua portuguesa escrita ¢ oral trata-se de elementos pertencentes & mesma sincronia, ainda que reflictam, para o historiador da lingua, sincronias distintas 26 Ant6nio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.) Indico os seguintes aspectos grafémicos, que considero mais marcantes, ¢ que se podem tomar como base para uma tipologia grafo-fonémica Latim/Romance aplicavel a documentos provenientes do territsrio portugués: + sonorizagao das consoantes inter-vocélicas + vocalismo romanico + queda de consoantes finais + betacismo + consoantes palatais + queda de -n- intervocillico e nasalidade vocélica + queda de -- intervocélico + ditongos galego-portugueses + fenémenos virios As cinco primeiras alineas correspondem a fenémenos ibero-romanicos gerais; as trés seguintes dizem respeito especificamente a area galego-portuguesa; a tltima alinea retine alguns aspectos grafémicos ibero-romanicos e galego-portugueses de menor incidéncia. 2.2. Aspectos grafo-fonémicos da Carta de 882 2.2.1 Sonorizagdo das consoantes inter-vocdlicas vozeamento de obstruintes pés-vocdlicas seguidas de vogal ou liquida (fenémeno muito antigo que remonta ao latim tardio®) esti documentado de forma directa na Carta de 882: encontram-se alguns casos de -b-, -d- e -g- por -p-, -f- e -¢-. Ndo ha nenhum caso de -u- por -f-, Encontra-se também uma grafia inversa e uma grafia hipercorrecta. -b- por -p- abrjles L13 (por apriles) Insubra L12 (por insupra) — cf. Insup(er) L12 subra LO7 (por supra) -d- por -t-/-th- baradro L11 (por barathro) comnide L09 (por comite) Uma vez.que abibliografa sobre este importante fenémeno do romance ocidental & muito extensa e dispar nas suas conclusdes, limito-me a apontar Cravens 1991, Pensado 1991 e Walsh 1991, como trés contribuigdes recentes importantes para a investigagio desta questo na perspectiva da interpretago quantitativa & ualitativa dos dados grafmicos. VERBA, 1999, vol. 2 27 Tudigado L13 (por iudicatum) kad(e)dras LOS (por katedras) laurjdosa LOI (por “lauretosa) medalo L06 (por metallo) -g- por -c-/-ch- Didagu C1 (por didacus) Iudigado L13, (por iudicatum) migaeli LO1, LO3 (por michaelis) monagus LOT (por monachos) quirjagus C2 (por kyriacus) Rodorjgus C4 (por rodericus) -d- por -t- (grafia inversa) adque L02, L04, L06, L07 (por atque) - por -d- (grafia hipercorrecta) set LO9 (por sed) O niimero nao muito elevado de atestagdes, € sobretudo a ocorréncia de uma Gnica grafia hipercorrecta e de uma Gnica inversa (ambas em latinismos) mostram um razodvel grau de conservadorismo gréfico por parte do notario, uma vez. que este € um dos indices mais marcantes de vulgarizagdo grafo-fonémica na escrita notarial hispanica. Estamos aqui quantitativamente longe quer da situagdo descrita por Pidal, quer da situagio atestada por muitos documentos latino-portugueses do séc. X. 2.2.2 Vocalismo roménico E sobretudo em posigdo dtona final que se encontram atestagdes directas de vocalismo romanico na Carta de 882, ou seja, atestagdes grafémicas dos resultados das grandes mudangas vocdlicas que levaram & substituicdo do antigo sistema latino quantitativo de dez vogais pelo sistema itélico comum qualitativo de sete vogais ténicas e cinco vogais dtonas: concretamente, no caso das vogais palatais deu-se fusdio de fe @ em sflaba t6nica (e étona no final) em /e/, ¢ fusio de 7, 7e & em sflaba étona final em /e/; no caso da velares deu-se fusdo de if e dem sflaba ténica (e étona nao final) em /o/, e fusdo de if, 7 e J em sflaba étona final em /o/%, % A fusto de ée ¢ (fonemicamente /e/ € fed, sendo este ltimo proveniente da monotongagio de /aj!) ¢ 0 abaixamento de J para /a/ ndo tinham expressio grafémica possivel em galego-portugués, a0 contririo do castelhano-leonés onde as novas vogais romnicas ¢ € 9 (fonemicamente /e/ ¢ /a/) sofreram ditongagio (para Jie! € Myo! > Syel,respectivamente)e levaram a eriagio de digraos. 28 Ant6nio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.) Em relagdo as vogais palatais, encontra-se um caso de e por i em posigao ténica, um caso de -e por -i em posigdo dtona final, e também uma grafia inversa de i por ¢ em posigao t6nica: respectivamente, LO1 LO2, L13 (por iudici, dativo), e L09 (por sedeat)®7, Nas terminagdes encontram-se alguns casos de -i por -e: LOL, LO3, L12, Cl, C2. Trés casos em posigdo pré-t6nica: LOI, L09, L11 (por demersi, participio passado plural). Em relacdo as vogais velares, nao ha nenhum caso de o por u em posigao t6nica, ou da respectiva grafia inversa, Em posico dtona hé alguns casos, ¢ a respectiva grafia inversa u por o esté bem documentada no interessante fenémeno da grafia -us (por extenso ou com abreviatura) para a representagio da terminagao flexional -os de acusativo plural / caso universal plural de nomes masculinos. Os casos de -o por -u (com excepgao dos antropénimos das subserigdes, g.v: infra) so nomes masculinos ou antigos neutros que “deveriam”, pelo contexto sintéctico, apresentar a terminagdo -um. Apresento as formas em contexto: [L01-02] Inter / duas annes kaualuno et cebrarjo [1.06] aprestamo {omis} est [L06-07] _ad Ista eclesia / adque-sacra {seo} altarjo {L09] neque ad {epo) neque ad numlo omine Inmitendi. [L10) et qui une facto {nso} Infrjngere [L10] et cum luda traditore accipiat participio In eterna danatjone [L12] et Insubra parjent tantum et-alium tanto quantum Inde abstulerjt [L13] et Insubra parjent ... ludice suo Tudigado. Ha também um caso de -o por -u num tema em u: L07 (por uictu, ablativo). As implicages morfo-sintécticas deste aspecto grafo-fonémico (muito comum na documentagiio) sio evidentes. Nao cabe no entanto discuti-las aqui. Nas subscrigdes, como ¢ alids habitual na documentacdo, encontram-se antropnimos masculinos com as terminagdes -us, -u € -0, indiferentemente, 0 que pressupde um valor fonético comum [-o]; com terminagao -us: C4, A1, C2, C4, C2, C4, C4; com terminagio - u: C1; com terminagio -o: C3, C2, C2, C1, C3, C3, C3, C3, Cl, C1, C1. Para além do facto de os nomes em -0 serem em maior ‘A forma sidea pode também explicar-se por interferéneia de uma forma de tipo siat , que ocore em muitos documentos latino-portugueses, e que parece representar um compromisso grafémico entre as formas sedeat e sit. Sacks enumera jem fazer um levantamento exaustivo, vérias formas romanceadas de presente do conjuntivo deste tipo: «scia (1100), seat (1166), sedea (1018, 1091, 1136), seia (1047), seiant (1032, 1046), seiat (1037, 1063, 1093), seja (1188), sia (974, 976, 1008,10897, 1100), siant (922, 1177), sias (1047, 1048), siat (922, 960, 983, 1010, 1020, 1038, 1048), sidea (1042, 1061), siia (1059, 1083, 1090)» (Sacks 1941 Cf. também Emiliano (no prelo) sobre esta questa. VERBA, 1999, vol. 26: 29 ntimero, veja-se como os nomes da 4* coluna de subscrigdes apresentam sé terminagao em - tus, 0 que parece apontar para uma espécie de “estratificagdo socio-linguistica” da terminacdo: 08 individuos listados nessa coluna so exclusivamente clérigos. Vairias outras formas apresentam terminagao -us, grafada por extenso, ou através de uma abreviatura (que se assemelha a uma clave de sol): “us -mus -bus varios fletus L11 concedim(us) L02,L06,L07_—_animab(us) L06 culus LOL reus L10 dam(us) LO2,L03,L06 padulibus L04 subtus LO2 separatus L10 _ dixim(us) LO7 trjumfatorib(us) LOL serbus L02 fumdam(us) LO1,L03 ullulatus L11—— fundam(us) L02 notuim(us) LOS obtinuim(us) LO4 Note-se que a terminaco -us para nominativo singular se encontra (se se exceptuarem 0 antropénimos indicados acima) em nomes comuns (na primeira coluna) que correspondem em alguns casos a items lexicais ndo romnicos, e ocorrem em contextos claramente formulaicos: a escolha da terminaco poderd indiciar assim uma intencionalidade estilistica Sintomaticamente, nenhuma dessas cinco formas apresenta a terminagao abreviada, 0 que mostra claramente ndo s6 0 valor fonético [-o$] da abreviatura (como se jd se depreendia das formas verbais e do nome no plural cub(us) LO5), como também o valor fonético [-o] da terminagdo -us para nomes no singular (como também mostram bem os antropnimos supracitados). Neste sentido so de notar as seis formas nominais de plural que apresentam -us por - os, dadas em context: {L.04] (er): suis locis et- terminus antiquus cum- pacuis padulibus [07] pro uicto aque uestimentum monagus et- qui bonus fuerjnt [05] accessum (ul} regressum eub(us) cubals! lectus [05] ccub(us) cubals! lectus kad(e)dras mensas (Li4] In hanc kartulla testamenti manus (nsas} {L07] pro uicto aque uestimentum monagus et- (frs} et- sirores Q caso de manus (por manibus) é corrente na documentagao, ¢ reflecte a cvolugéo em romance hispanico do antigo tema em -u feminino (Portugués mdos, Castelhano manos). Relativamente a lectus, 0 contexto textual (uma enumeracdio de pecas de mobilidrio no plural), permite concluir que se trata também de um plural68, © No DC6 (apégrafo com a data de 870) encontra-se fectos num lugar paralelo («signum caballos equas boues et uaceas pecora promiscua cubus et cupas lectos et catedras mensas sautos et pumares amexinares uineales terras ruptas uel barbaras casas lacar petras mobiles uel inmobiles»). 30 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.). Nos outros casos trata-se indubitavelmente de formas de plural, 0 contexto assim 0 exige: nfo stio erros de concordancia por parte do escriba. Trata-se simplesmente da reinterpretagdo da grafia da terminago, extensa ou abreviada, de acordo com a fonética do galego-portugués: a grafia <-us> teria 0 valor fonético [-os], quer nas formas nominais quer nas verbais de primeira pessoa do plural®. ‘A utilizagio recorrente da grafia inversa « por 0, com extenso da terminagio -us a um contexto que em latim nunca teve vocalismo u & um caso raro de verdadeira inovagio grafica por parte do notério da Carta de 88278 : este caso, como outros, mostra que os desvios & tradigdo latina tém uma justificagao sistémica que ndo se esgota numa simples tipologia do erro ou do desvio ortografico, tanto mais que noutros contextos o escriba produz as formas “correctas” com -os: L03 L04 L03, L04. 2.2.3 Queda de consoantes finais A queda de consoantes finais & como se sabe um aspecto da evolucao fonolégica do latim com importantes implicagdes a nivel morfo-sintéctico: em muitos casos a consoante apocopada correspondia a realizagio fonética de um morfema flexional, de forma que a supressio de consoantes finais destruiu a representagdo morfémica de algumas categorias gramaticais. A supressio das oclusivas em final de sflaba é um fenémeno latino antigo, e nao pode ser considerado um romanismo; pode, no entanto, ser considerado como indice do apego do notdrio a tradigdo latina, ou, inversamente, da sua aproximacdo & lingua vernécula. ‘A auséncia de -m de acusativo singular, e nominativo/acusativo singular neutro, é um fenémeno de incidéncia sintdctica, e deve ser integrada no estudo da morfo-sintaxe (e por isso nao é aqui analisado): a Carta de 882 apresenta muitos casos da omissio de -m, facto que deve ser tomado como aproximagio A morfo-sintaxe romanica subjacente. Alis, a omissi0 de -mt Ede tal modo a regra neste texto, que a preservagio seja talvez 0 facto mais supreendente: a Carta de 882 apresenta rarfssimos casos de -m para acusativo. Veja-se apenas um exemplo (um dos dois casos claros de acusativo singular em -m regido por preposigio): [L02] adque-concedim(us) ad {dm} et ad ipsa baselica Pode-se assim também conjecturar que a terminago -bus era pronunciada com [0], admitindo que a terminagdio obsoleta era de facto pronunciada na leitura em vor alta (e nfo simplesmente substitufda por uma terminagio sigmitica de plural). Veja-se, a propdsito da leitura em voz alta do latim notarial, o que Wright (1982:169-170) sugere a respeito da terminagdo -ibus. % Este aspecto grafo-fonémico tem um paralelo exacto na Noricia de rorto de ca. 1214: na quase totalidade dos ‘casos a vogal nasal [3] da terminago de 3* pessoa do plural do pretérito perfeito ¢ representado por um sinal de abreviagao, semelhante a um til invertido, que tem origem na abreviatura de cum. Como cunt ccorrespondia a portugués [kG], 0 escriba decompés a abreviatura em grafema + braquigrafema <->, atribuindo ao braquigrafema a sequéncia literal -um / if, com valor fonético [6]. Péde assim representar de forma abreviada, com o til invertido, ou por extenso, com -d a tetminagdo nasal das formas verbais: 1.01 vs. 1.06. VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 31 Sintomaticamente deum esta drasticamente abreviado, e contrasta com ipsa baselica que se segue imediatamente no mesmo contexto sintéctico, mas sem terminago. O valor evidencial da terminagdo em <{dm}> é portanto bastante reduzido se se considerar que a forma abreviada era usada como um todo (no analisdivel internamente). ‘A queda de obstruintes esté também documentada: Queda de -r aque LO7 (por atque) doce LO8 (por docet) — ef. docet L03 sidea LO9 (por sedeat) a Loo (por ad) — ef. ad L09 (3x) pos L12 (por post) — cf. post LO9 abea L13 (por habeat) Queda de -b ad L12 (por ab) — ef. ab L12 Insergao de -t (grafia hipercorrecta) dimersit L11 (por demersi) ierjt C1 (por gutierre) Os casos de omissio de -t so exemplos claros de aproximagao a fonologia e morfologia do galego-portugués, que contrastam com a manutengdo da letra consondntica em formas verbais como sit, erjt, ou tentaberjt. A ocorréncia das duas formas hipercorrectas € notével Se, de uma forma geral, © notério se revela conservador neste aspecto, os desvios que apresenta & norma latina enquadram a Carta de 882 nas tendéncias gerais de romanceamento da documentagio latino-portuguesa. Os casos de queda de 1 siio considerados mais abaixo. 2.2.4 Betacismo O betacismo esté fracamente representado na Carta de 882. Encontram-se apenas as seguintes formas com grafia b por u: LO2, L07-08, LO8, L10 C1, C4, As formas p(er)seueraberjnt, tentaberjt ¢ sibe sio particularmente interessantes por se tratar de elementos latinos que nao sobreviveram em romance. Nao hé nenhum caso de betacismo em inicio de palavra, ive. em todos os casos a substituicao de « por b ocorre em posi¢do medial — entre vogais ou entre Iiquida e vogal —, facto que revela conservadorismo gréfico, e eventualmente também conservadorismo fonolégico, por parte do notério. 32 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D. Hi apenas dois casos de u por b: L02 (hidrénimo derivado de caballu-, hoje Cavalum), L05 (lado a lado com mobiles). ‘A substituigio de u por b era um fenémeno gréfico antigo da escrita tardo-latina”! , sem transcendéncia fonémica: reflectia plausivelmente, por um lado, a proximidade fonética entre JB! (proveniente de /w/ latino, grafado u) e /b/ e, por outro lado, a fusio parcial de /B/ e /b/ entre sons aproximantes (com lenigZo de /b/ nesse contexto). Ora o escasso ntimero de formas com alteragGes gréficas na Carta de 882 ndo permite afirmar concludentemente a existéncia nesta época antiga de betacismo no portugues, ou seja, fusdo total de /b/ e /B/ (que os textos. portugueses setentrionais e galegos do séc. XIII indesmentivelmente documentam”). Qualquer dos casos de -b- por -u- da Carta de 882 poderia ser explicado como uma grafia hipercorrecta para []; parece-me no entanto muito duvidoso que as formas alatinadas p(er)seueraberjnt e tentaberjt fossem ainda foneticamente [persefe'raBeré] e [té'taBere] em vez de simplesmente [persefe'raré] e [té'tar], ou que abeant L11 e abea L13 fossem foneticamente ainda ['aBja / 'afia] em vez de'['ad3a / 'adga] , pelo que a variagdo -b-/-u- em formas deste tipo dificilmente teria transcendéncia fonética. Tendo em conta as formas kaualuno ¢ Inmouiles, que tinham a fricativa labial (i.e. [kaBa'ltio] e [i'mofees]), e tendo em conta também a auséncia sintomatica de b- por u- em posicio inicial (¢ respectiva grafia inversa), inclino-me a crer que na lingua galego-portuguesa subjacente ao texto se mantinha a distingiio fonolégica /b/ ~ /B/, ou seja, que nao havia ainda betacismo”3, Esta parece ser a posicZo mais cautelosa face aos dados textuais concretos. 2.2.5 Consoantes palatais A palatalizag”o consonantica, mais concretamente a existéncia em galego-portugués de africadas e fricativas pré-palatais / tf d3 J 3 /, ¢ africadas alveolares / ts dz /, esté também fracamente representada no documento. Apenas dois casos de susbtituigio de g © # por i testemunham directamente a existéncia das africadas pré-palatais do galego-portugués: L06 (por argento)"4, L09 (por ingenua). O conservadorismo do notério 6 aqui, uma vez mais, evidente. 71 Gf. Grandgent 1970:200-6, §§315-325. 7 Sobre esta quest2o, consulte-se imprescindivelmente Maia 1986:472-485, com um tratamento extenso € abundantes referéncias bibliogrficas, A perspectiva ai desenvolvida sobre a diacronia do betacismo esti suibjacente aos comentarios que aqui se apresentam sobre o assunto (0s tinicos casos de D- por u- que se encontram nos documentos particulares do séc. IX so duas instncias da forma barones (DC 6 de 870, com datagao duvidosa, e DC 12, original de 897), que estranhamente Sacks (1941) ndo refer 74 A forma arjemto pod ‘a corresponder foneticamente a [a'8t0], forma que textos galego-portugueses do séc XIII documentam, Trata-se do mesmo desenvolvimento que se encontra por exemplo em PARIETE- > parede, com simplificago do Ataque silico constitufdo por duas soantes. A forma da Carta de 882 documenta assim tum estidio mais antigo [a'rj8to] com conservagio do iode, que podia jf no corresponder & realidade linguistica da época. VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 33 2.2.6 Queda de -n- intervocdlico e nasalidade vocdlica Na Carta de 882 hé um conjunto de formas que indicam de modo inequivoco a existéncia de vocalismo nasal (e concomitante queda de 1 em final de silaba) e a supressio de -n- inter-vocilico. Do ponto de vista grafémico este é sem diivida um dos aspectos mais importantes do documento, dado 0 cardcter distintivo que os dois fenémenos conferem ao portugués no conjunto das Ifnguas ibero-romanicas. E necessario ter em conta que os dois fenémenos estio relacionados: a sincope de -n- inter-vocdlico € um aspecto particular do processo geral de reestruturagio do estatuto fonolégico da nasalidade em portugués. Se num primeiro momento a nasalidade da vogal estava associada & nasalidade de uma consoante nasal (geralmente em Coda silébica) contigua, com a queda da consoante nasalizadora a nasalidade vocéilica autonomizou-se. A nasalidade passou assim a estar restrita ao Ataque sildbico, e, dentro da Rima, ao Nucleo: a Coda silbica em portugués deixou de poder conter um segmento nasal. Do ponto de vista grafémico isto levou a que as duas letras consonanticas m en pudessem ser grafadas indiferentemente, em posigdo final de silaba, uma vez que funcionavam apenas como diacriticos representando a nasalidade da vogal precedente. Relativamente & representagio grafémica directa da queda de -n- encontram-se duas formas com omissio da letra consonantica: LO8 (por monastica), ¢ L08 (por elemosynas). Estas so assim seguramente as atestagdes mais antigas da queda de 75 Outras formas documentam claramente a existéncia de vogais nasais auténomas (ou seja, no associadas a presenga fonética de uma consoante nasal), € 0 apagamento de consoante nasal em posig&o pré-consondntica ou final absoluta. Trata-se, em primeiro lugar, de formas com grafia m por n: esta substituigdo mostra que a letra consonéntica nao correspondia jé a uma consoante nasal, sendo a sua presenga um indicador grafémico da nasalidade da letra vocdlica precedente. Um grupo mais reduzido de formas apresenta supressio de 1 pré-consondntico, fenémeno frequente na documentacdo latino-portuguesa antiga © na documentagdo portuguesa do século XII: 0 n s6 poderia ser omitido se representasse uma propriedade da vogal precedente, ¢ no uma consoante foneticamente articulada. Assim, por ex. L03 corresponde naturalmente a [sé'tétsa] ‘As formas da Carta de 882 que reflectem a existéncia de nasalidade vocdlica sao: Substituigdo den por m arcamgeli LOL (por archangeli) — cf. areangeli L03 fumdam(us) LO1 L03 (por fundamus) — ef. fundam(us) LO2 75 Sacks (1941) ¢ Sletsip (1959) anotaram devidamente elemosias. No entanto, pelo facto de trabalharem a partir da edigio dos Diplomata et Chartae, nio puderam considerar a outra forma que af foi transcrta como ‘monastica. © manuscrito no apresenta qualquer indicio den intervoedico. 34 Ant6nio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (862 a. D.).. setemtja LO3 (por sententia) — cf. setentja LO8 tumudamdum 103 (por tumulandum) toloramdum L04 (por tolerandum) arjemto L06 (por argento) quamtumg(ue) LO6 (por quantumque) uimdendi L09 (por uindendi) — cf. donandi L09, Inmitendi LO9 numlo LO9 (por nullo) propim/quis L09-10 (por propinguis) talemtum L12 (por ralentum) gumsalbo Cl (por gunsaluo) — cf. gunsalbus C4 Omissio de n pré-consonantico setemtja LO3 (por sententia) setentja LO8 (por sententia) (con)fmas C4 (por confirmans) A forma numilo é a mais interessante e concludente: reflecte plausivelmente uma forma fonética [ni£o] com vogal nasal devido a nasalizagio progressiva. No étimo latino nao havia consoante nasal p6s-vocélica, e por isso a forma numlo mostra duas coisas: que havia jit em portugues vogais nasais nao seguidas de consoantes nasais, e que a grafia m funcionava como um diacritico para representar a nasalidade vocélica Neste aspecto grafo-fonémico 0 notério mostra-se razoavelmente inovador, os seus desvios & ortografia latina apontam indiscutivelmente para o galego-portugués como sua lingua nativa, € como lingua que determinou as suas escolhas gréficas. 2.2.7 Queda de intervocdlico ‘A queda de /I/ intervocdlico nao se encontra representada directamente no documento, i.e, ndo ocorre nenhuma forma gréfica da qual que se possa dizer que -I- tenha sido omitido”®: pelo contrario, ocorrem diversas formas que contém -I-, apesar de a forma galego-portuguesa correspondente apresentar supressdo da consoante lateral. E 0 caso de L03, L05, L05, LOS, C4. 76 As formas mais antigas com queda de -I- apontadas por Sacks 1941 sio os antropénimos de origem germanica Froia froiaz, ambos de um documento de 919 (DC 22), queda da liquida neste contexto pode receber outra explicaglo, relaciona’ com a presenga do iode (representado por i). Quanto ao valor testemunhal da forma palasio apontada por Sletsjo (1959), também em um documento de 919 (DC 23), e correspondente a0 topénimo Pacd, & necessério levantar a objecgio de que ocorre numa e6pia do sée. XII do Liber Testameniorum de Lorvio. O DC 22, também de 919, original proveniente do cartério de Lorvao (referente ‘ag mesmo lugar e &s mesmas pessoas) tem palatiolo. VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 35 Ha no entanto duas formas que podem reflectir indirectamente a queda de /l/ no vernéculo: trata-se de L14 e L03. Relativamente a , a duplicagdo da letra consonantica pode ser um indicio de que a pronunciagio habitual de palavras latinas com -I- seria sem consoante??: a grafia Il constituiria uma “adverténcia” grafémica para preservar ou garantit a articulagao da liquida, pelo facto de que a consoante longa / I: /do latim, grafada IU, tinha evolufdo em galego-portugués para / 1 / simples. Quanto a (por tumulandum), estamos, penso, perante um testemunho mais directo. Ao contrério de J. G. Freire, que interpreta 0 d como um lapso escribal motivado por antecipagao da consoante da sflaba seguinte -dum (Freire 1988-89a:4) , penso que se trata de uma grafia intencional, a qual se pode explicar quer pela dificuldade grafémica de restaurar na escrita uma consoante que na prontincia nao existiria, quer (embora menos provavelmente) por hipercorrec¢ao’8 . Em qualquer dos casos a gratia d por I releva de uma dificuldade grafo- fonémica que se prende com a existéncia de formas vernaculas com um hiato resultante da queda de uma consoante: ou seja, a realizago fonética com hiato [tumu'ado] é fonologicamente plausfvel, e a escolha de d em vez. de I reflecte alguma inseguranga escribal na “restauragiio” de consoantes inter-vocdlicas sineopadas. Assim sendo, as duas formas referidas podem ser consideradas, com as devidas reservas ¢ cautelas, como testemunhos gréficos indirectos da queda de /V/ inter-vocélico em territ6rio portugués no séc. IX, 0s quais, pela sua antiguidade, devem ser devidamente notados e considerados, 2.2.8 Ditongos galego-portugueses A Carta de 882 ndo apresenta nenhum caso de representagio directa de um ditongo galego-portugués, i.e. um digrafo inovador composto de duas letras vocdlicas”. Uma vez. que na época em questdo existiam jé no galego-portugués diversos ditongos que nio existiam no latim classico, cabe perguntar sob que convengao grifica latina se escondiam. Como mostra a Noticia de torto de ca. 1214, a representaco grafémica de ditongos fez-se até uma época tardia por reinterpretacdo e reutilizacdio de sequéncias grificas latinas jé existentes, do tipo to era possfvel porque em muitos casos as oclusivas ¢ a lateral / 1 / vogal + consoante; 77 Leif Sletsjo formulow a hipotese de a grafia I! representar uma realizacao fonética com velarizado ({4]), mas 6 seu estudo, haseada na documentagio publicada nos Diplomara et Chartae no é muito conclusive. 7 Deve considerar-se a possibilidade de a forma rumudamdum reflectir um vulgarismo antigo que consistia na substituigdo de d por 1 e viceversa, que o Apendix Probi regista («adipes non alipes»), e que Grandgent assinala, citando a Ars Grammatica de Victorino (séc-1V): «Mario Vietorino (Keil, VI, 8) dice: “Gn. Pompejus Magnus et scribebat et dicebat kadamitarem pro calamitate.” (Grandgent 1970:187, §274.3)..A forma LOS, apresenta a metitese antiga de ~d-e -- que esté na base da forma portuguesa patil-patis, € € assim a atestagdo mais antiga dessa forma num texto portugu Os documentos particulares do sée. IX sio muito conservadores no que respeita a representagiio dos ditongos galego-portugueses, Neles encontram-se apenas trés formas com ditongo ei: inleigato DC 12 (de 897, original de Pedroso), balteiro (antropénimo mase.) ¢ eilo (antropsnimo fem.) DC 10 (de 883, apégrafo do sée. X1). 36 Anténio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (882 a. D.)... latinas em posigao final de sflaba foram vocalizadas e passaram a glides em galego-portugués Por isso, siio de facto raras na documentacio latino-portuguesa as instncias de represent: de ditongos galego-portugueses através de digrafos nao latinos. © tinico digrafo latino representando um ditongo latino que evoluiu para um ditongo galego-portugués é au, como em L12 ['oure]. Em LO1 (= [lar(e)'doza]), de *lauretésa, 0 ditongo por ftona evoluiu para /a/, como sucedeu regularmente noutras formas estar em posig: portuguesas, e como mostra o top6 Assim, formas como LOS (= [frui'tozas]), LOS (= ['leitos]), LOS (= [ka'dejras]), L06 (= ['kaifa]), L06 (= [tej'Jado)), L11 (= [regure'ts6]) tinham ditongo resultante de vocalizacao de oclusiva, 0 moderno Lardosa. enquanto as formas com terminagao -ariu / -oriu apresentavam ditongo por atracgao do j para a silaba t6nica: LOL (= [dze'Brejro}), LO7 (= [ou'tejro}), LO2 (= [teri'dojro]). A possibilidade de reinterpretagdo das convengGes gréficas latinas explica a resisténcia a utilizagdo generalizada de grafias inovadores para os ditongos no O conservadorismo do notério de 882 é desta forma mais conjunto da documentagao notari uma vez posto em evidéncia. 2.2.9 Fendmenos vérios A Carta de 882 contém formas que representam dit maior ou menor antiguidade, e que documentam pontualmente distanciamento do notario em do 4 norma latina, e nalguns casos, clara aproximagdo a Ifngua falada da época: -clamente diversos fendmenos, de rela Simplificagdo consonantica annes L02 (por amnes) eclesia L03 L06 L12 (por ecclesia) sesicas LOS (por sessicas) Inmitendi LO9 (por immittendi) danatjone L10 (por damnatione) tentaberjt L10 (por temptauerit) resurectione L11 (por ressurrectione) ressusitandi L11 (por ressuscitandi) percus[us] L11 (por percuss[us]) gutierjt C1 (por gutierre) Omissao de h- inicial {omis} L06 (por hominis) une L10 (por hunc) omine L09 (por hominem) VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 37 abeant L11 (por habeant) anc L13 (por hanc) abea L13 (por habeat) Recomposiga0 Inmouiles LOS (por immobiles) Inmitendi LOO (por immittendi) Redugiio de ns. as (con)fmas C4 (por confirmans) Assimilagio e dissimilagiio vocdlica tolorandum Lot (por tolerandum) sirores LO7 (por sorores) Rodorjgus C4 (por rodericus) Geminagdo (ou recomposigdo) hipercorrecta comnide L09 (por comite) A ocorréncia de uma tinica grafia inversa (por hipercorrec¢do), os casos escassos de simplificagaio de -ss- e -rr- mostram mais uma vez 0 conservadorismo geral do escriba. Por outro lado, as formas inclufdas na pentiltima alinea assinalam de forma directa aspectos do vocalismo do galego-portugués que outros documentos antigos também atestam. 3. CONCLUSAO De uma forma geral pode considerar-se a Carta de 882 como ortograficamente conservadora, i.e. sem grandes ou notérios desvios &s grafias latinas tradicionais: ha poucos factos scripto-gréficos compardveis, em quantidade e em substancia, aos que Menéndez Pidal encontrou na documentagao leonesa antiga, Neste sentido, 0 documento portugués mais antigo contrasta com o diploma hispanico mais antigo, 0 Diploma do Rei Silo, e com a documentagao dsture-leonesa do séc. X em geral. Em todo 0 caso, ¢ apesar de alguns aspectos marcantes da fonologia galego-portuguesa nao terem representagdio grafémica especifi aspectos grafémicos apontados acima mostram que a lingua nativa do notério era uma lingua romanica, ¢ as formas consideradas a propésito da queda de -I- e -n- e da nasalidade vocélica, mostram que se tratava de uma variedade de galego-portugués. Note-se, no entanto, que a maioria dos romanismos grafo-fonémicos levantados nao permite distinguir particularmente a lingua do notério da Carta de 882 da lingua de outros documentos hispanicos coevos ou proximos. + OS 38 Ant6nio Emiliano: O mais antigo documento latino-portugués (862 a. D.)... Ainda que concordando com Herman, Banniard, e Pérez Gonzalez. sobre a menor importancia tipolégica dos aspectos fonético-fonolégicos, nao posso deixar de fazer notar que esta menor importancia € obviamente relativa, e diz respeito ao seu potencial cardcter diferenciador em confronto com outros aspectos lingufsticos no contexto da escrita notarial. Por exemplo, a representagao grifica do vozeamento das obstruintes surdas inter-vocdlicas & um fenémeno importante no estudo da documentacio notarial, enquanto indice de vernacularizacao da ortografia latina, E no entanto necessério notar que a alteragdo da tradigéio ortogréfica latina nao se fez apenas através de mudancas visiveis. H4 mudangas que sao formalmente invis/veis, mas nao deixaram de alterar profundamente o sistema representacional: refiro-me a mudangas de cardcter estrutural, que, levando a uma reinterpretagio dos padrdes grafémicos existentes, permitiram que as formas ou elementos ortogréficos permanecessem em uso ainda que associados a representages fonémicas diferentes das representagdes fonémicas latinas ‘originais”. Veja-se acima os casos das consoantes e vogais nasais, dos ditongos, ou da terminagio -us. Os importantes estudos de Puentes Romay (q.v.) sobre as grafias dos diplomas alto-medievais séo particularmente esclarecedores a este respeito. Concluindo, a Carta de 882, apesar dos desvios que apresenta & norma latina, desvios correntes na restante documentagao, ¢ em alguns documentos com bastante maior incidéncia, mostra, pelo seu conservadorimo geral, que as grafias latinas podiam manter-se linguisticamente funcionais num ambiente linguistico romance, € que a necessidade de uma reforma ortografica estava longe. A titulo de exemplificagdo de alguns aspectos acima referidos oferego uma transcrigdo fonética larga de um excerto da Carta de 882 (de acordo com os critérios e convengdes da International Phonetic Association), com base numa reconstrucao possivel da fonologia do portugués antigo setentrional: (04)... et fora dextruos Ipsa uilla p(er) ubi Mla obtinuim(us) d(e) presurja € 'fo.ra 'des.tros e.sa'fila peru a oy.te.'Be.mos de pre.'zui.ra p(er) suis locis et-terminus antiquus cum: pa[s]cuis padulibus montes fontes per sous 'lo.gos e ‘ter.mii.os 3.'ti.gos kG 'pas.kos pa'u.es 'md.tes 'fd.tes {L05] petras mobiles {ul} Inmouiles aquis aquarum (ul} sesicas — molinarum 'pe.dras ‘ms.Be.es Bel i'mo.Be.es 'ay.gas au.'ga.ro fel 'se.se.gas moi.'a.r0 terras_ruptas {ul} barbaras arbores _fructuosas {ul} Infructuosas ‘te.ras 'ro.tas Bel bar.'Ba.cas 'ar.Bo.ces fruj.'to.zas Bel 1.fruj'to.zas accessum {ul} regressum cub(us) cubals! lectus kad(e)dras mensas signum a'tse.so Bel re.'gre.so.'ku.Bos ‘ku. Bas ‘ej.tos 'ka.dej.cas 'me.zas 'si.no VERBA, 1999, vol. 26: 7-42 39 [L06] de-medalo cruce kapsa calice d(e)- arjemto cum quamtumg(ue) Ibidem de me.'da.lo 'krudz 'kaj.fa 'kalidz da.'ré.to kG 'ka.to.ke ‘id’ a prestamo (omis) est. .. a 'pres.ta.mo 'o.mé.es € 4, REFERENCIAS ALVAREZ MAURIN, Maria del Pilar 1994. Diplomdtica Asturleonesa. Terminologia Toponimica, Le6n: Universidad de Leén. AZEVEDO, Rui de1932. “O mais antigo documento latino-portugués”, Arquivo Historico de Portugal 1, pp. 500-502. BASTARDAS PARERA, Juén 1953. Particularidades Sintdcticas del Latin Medieval. Cartularios espafoles de los siglos VIII al XI, Barcelona-Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas. CASTRO, Ivo de & Ana Maria RAMOS 1986, “Estratégia e tactica da transcrigdo”, in Actes du Colloque Critique Textuelle Portugaise, Paris: Centre Culturel Portugais / Fondation Calouste Gulbenkian, pp. 99-122. CINTRA, Luis F. 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