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AS MANIFESTAÇÕES DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Cleusa do Rocio Batista de Aguiar


Emérico Arnaldo deQuadros
earnaldo@onda.com.br

Trabalho apresentado na 7ª semana pedagógica 2010 – Entre a educação e a inclusão e I


Encontro de Psicologia e Educação: Implicações no processo de ensino aprendizagem
(realizado pelo departamento de Educação da Fafipar, Paranaguá. .ISSN 2177-546X

Um tema muito debatido em educação nos últimos tempos é a


indisciplina. Ela tem sido o alvo de inúmeras discussões entre os educadores
brasileiros dos diferentes níveis de ensino, desde a Educação Infantil até o Ensino
Superior, conforme podemos comprovar com os estudos realizados por (GARCIA,
2008).
Este fenômeno, além de não limitar-se a determinados níveis de
escolaridade, também não se restringe a países ou culturas. Estrela (1992)
constatou em suas investigações que a indisciplina tem se propagado nas escolas
e preocupado governos, inclusive de outros países, levando-os a adoção de
medidas para conter suas influências prejudiciais à práxis educacional. A autora
aponta a indisciplina como uns dos problemas mais difíceis com que se defrontam
atualmente as escolas. A indisciplina é uma realidade vivenciada no mundo todo,
suas manifestações podem adquirir nuances diferenciada em função dos valores
culturais estabelecidos por esses países.
Vivemos hoje no Brasil, e no mundo, situações de violência, de
corrupção, de "desmando", de impunidade, que vêem se alastrando de forma
espetacular no imaginário social e que repercute nas instituições de ensino e na
sociedade como um todo. E de acordo com Aquino (2002), não há dúvida de que
o cotidiano escolar é herdeiro direto do entorno social e de que os reveses da
relação professor-aluno (especialmente a indisciplina) seria conseqüência, mais
ou menos imediata, de entraves estruturais de múltiplas ordens - culturais
econômicas e políticas.
Considerando que esse é o âmbito em que os professores estão
educando e formando crianças, adolescentes e jovens, é importante frisar que as
influências culturais não são recebidas passivamente pelos sujeitos, na medida
em que o indivíduo internaliza de modo ativo e singular, os valores morais
transmitidos a eles e que são incorporados ou que formam a identidade desses
indivíduos.
Em outras palavras, segundo Rego (2007) o comportamento (in)
disciplinado é aprendido, ninguém nasce rebelde ou disciplinado, o
comportamento indisciplinado não resulta de fatores isolados como, por exemplo,
exclusivamente da educação familiar, influência da TV, da falta de autoridade do
professor, da violência da sociedade atual, mas da multiplicidade de influências
que recaem sobre a criança e o adolescente ao longo do seu desenvolvimento.
De modo geral a indisciplina é uma constante nas salas de aula,
tornando-se um obstáculo no processo ensino-aprendizagem, prejudicando o
exercício da função docente e o aproveitamento dos conhecimentos por parte dos
alunos envolvidos. De fato, a questão da indisciplina necessita de uma reflexão
urgente e coletiva, e cabe a nós educadores buscarmos caminhos, começando
por analisar os conceitos "O que é indisciplina?” e "Qual disciplina se deseja
conquistar?".
Iniciamos com uma reflexão a respeito da origem e o significado da palavra
indisciplina. O dicionário elaborado por Ferreira (2003) define o termo como um
procedimento, ato ou dito contrário à disciplina. Complementando a explicação o
autor define a palavra disciplina como: (1) regime de ordem imposta ou mesmo
consentida, (2) ordem que convém ao bom funcionamento de uma organização,
(3) relações de subordinação do aluno ao mestre, (4) submissão a um
regulamento, etc. Pesquisando-se o verbo disciplinar encontramos como
sinônimos: sujeitar (-se) ou submeter (-se) à disciplina, castigar (-se) com
disciplinas.
Para Gotzéns (2003), disciplina é o conjunto de procedimentos, normas e
regras através da qual a escola mantém a ordem, favorecendo assim o processo
ensino aprendizagem.
Para ampliar nosso entendimento sobre o termo consultamos outros
autores. Contrapondo o conceito anterior, encontramos nos estudos de Parrat-
Dyan (2008) que a disciplina não é um conceito negativo, pois ela permite entrar
na cultura da responsabilidade e compreender que a nossa ação tem
conseqüências.
Disciplina aqui é vista como um instrumento de libertação humana e não
de repressão, como às vezes é concebida. A autora ultrapassa as compreensões
proibitivas e punitivas imprimindo um significado de obediência consciente, no qual
o sujeito participa ativamente no estabelecimento de regras de conduta
considerando os valores e objetivos que se pretende atingir.
Observamos que no primeiro conceito a obediência era obtida, por meio
de práticas coercitivas oriundas dos regimes autoritários do passado. O conceito
de disciplina neste momento é justamente o contrário. Disciplina é a sintonia que
deverá existir entre a liberdade de escolha, autonomia e responsabilidade,
Ainda, Vasconcelos, afirma que “a disciplina escolar é a necessária
condição para o trabalho coletivo, desenvolvendo a autonomia e a solidariedade”.
É algo necessário para o processo de construção da aprendizagem dos
educandos, como pudemos observar, a disciplina é indispensável na escola, e
nenhuma instituição poderá sobreviver e muito menos progredir sem ela.
(VASCONCELOS, 1991)

ORIGEM E CONCEITO DE INDISCIPLINA


A origem etimológica da palavra indisciplina vem do latim, prefixo in.
Entretanto, o dicionário Ferreira refere-se ao termo indisciplina como sendo “[...]
procedimento, ato ou dito contrário à disciplina” (FERREIRA, 2003 p.432).
Em resumo o termo indisciplina refere-se à desobediência, desordem e
rebelião. O indisciplinado é aquele que se rebela que não acata e não se submete,
nem tão pouco se acomoda e, agindo assim, provoca rupturas e questionamentos.
Segundo Fortuna (2002), indisciplina é o não-cumprimento de regras; é
rebeldia contra qualquer regra construída; é desrespeito aos princípios de
convivência combinados, sem uma justificativa viável; é o não-cumprimento de
regras criando transtornos; é a incapacidade de se organizar e de se relacionar de
acordo com normas e valores estabelecidos por um grupo.
Para Silva (2004), o termo indisciplina é quase sempre empregado para
designar todo e qualquer comportamento que seja contrário às regras, às normas
e ás leis estabelecidas por uma organização. No caso da escola, significa que
todas as vezes que os alunos desrespeitarem alguma norma desta instituição
serão vistos como indisciplinados.
Há várias definições para a indisciplina. Esses conceitos variam de
acordo com cada autor, no entanto, a grande maioria concorda em muitos
aspectos. Basicamente, muitos definem a indisciplina como quebra de uma
conduta esperada e a demonstração de insatisfação do educando em relação a
algo.
Esta temática, com multiplicidade de causas e efeitos, tem sido estudada
ora sob o enfoque psicológico, ora sob o enfoque sociológico. Esta investigação
pretende examinar a questão da indisciplina pedagogicamente, considerando os
limites e restrições deste olhar, procura contextualizar a temática entendendo-a no
cotidiano da escola.
Além de toda transformação histórico-social e das mudanças pedagógicas
que interferiram na escola, nas atitudes dos professores e no comportamento de
nossos alunos, ainda deparamo-nos com outros fatores determinados por essas
condições, que prejudicam a relação professor/aluno e que por vezes acabam
culminando em indisciplina.
Rego (2007), Oliveira (2005), Vasconcelos (2001), demonstraram que as
causas da indisciplina são atribuídas a diversos fatores que vão desde problemas
familiares, influência da mídia, diversidade cultural, baixa auto-estima, alunos que
desistem, uso de metodologias inadequadas, falta de diálogo, relacionamento
professor-aluno, aluno-escola, aluno-aluno, falta de regras ou clareza das
mesmas, os cursos de formação de professores; currículo; rotatividade de
professores; turmas super lotadas; falta de apoio da equipe técnico-pedagógica;
espaço no calendário escolar para reflexão e discussão no coletivo escolar;
desmotivação profissional; dificuldades de aprendizagem, drogas, bebidas
alcoólicas, agressões físicas, verbais e o “bullying”, dentre outras dificuldades,
com as quais a escola tem que lidar.
Além desses fatores, Ferreira (2006) esclarece que a situação enfrentada
pela escola de hoje foi se instalando ao longo do tempo, ao tentar combater o
analfabetismo e democratizar o ensino, propagou a idéia de escola obrigatória,
aumentando o número de alunos e consequentemente o número de professores,
sem que estes, estivessem preparados para lidar com essa diversidade. Diante
deste contexto a escola passou a ser encarada como uma imposição, contribuindo
assim para a desmotivação e o comportamento indisciplinado, visto que não estão
na escola apenas os alunos interessados.
Há vários autores que apontam como origem da indisciplina a exclusão
social. Conforme Rucheinscky (2004) os “... desajustes são produtos de relações
sociais excludentes, que, de forma violenta, atingem setores da população que
foram ou estão sendo relegados”. Muitas vezes a escola esquece desses
detalhes, ou seja, que ela tem um compromisso com a classe trabalhadora, que
ela deve ser a instituição onde o saber seja algo que transforme o existir desse
aluno e que expresse seus interesses junto à classe dominante.
A indisciplina é percebida de maneira diferente pelos alunos e
professores, um ato indisciplinar para um professor, pode não ser para outro
professor. Enfim, a indisciplina vem se tornando um desafio para professores que
não sabem o que fazer para impedir ou minimizar estes conflitos.
Segundo Vasconcellos (2001), para solucionar essa questão, é
necessário uma reflexão por parte da escola, professor e do próprio aluno, pois
para o professor a indisciplina de seu aluno é um indicativo de que suas aulas não
estão sendo bem encaminhadas, seja pela sua metodologia utilizada, ou por
atitudes tomadas; sendo assim cabe ao pedagogo ajudar este professor na
reflexão para a melhoria do processo ensino-aprendizagem e das próprias aulas.
Para que não se instale a indisciplina em sala de aula Vasconcelos (2004)
sugere: é necessário “não ver o aluno como um inimigo, procurar ver o ato de
indisciplina como um sinal a ser decodificado”, ter regras bem definida para os
alunos, distinguindo as regras morais das convencionais, gerirem os conflitos de
maneira justa, conquistar autoridade com o saber e o respeito ao aluno, ter como
objetivo construir um ambiente cooperativo, planejar suas aulas com metodologias
voltadas para o interesse e necessidades destes; é também necessário que haja
incentivo e respeito à autonomia do aluno, para que os alunos sejam responsáveis
pelos seus atos.
O que se percebe é que apesar do quadro de indisciplina escolar que se
apresenta, é notória a ausência de uma cultura disciplinar preventiva nas escolas,
bem como a falta de preparo adequado por parte da comunidade escolar para
lidar com os distúrbios de sala de aula, onde a indisciplina facilmente se expressa
e que a própria escola pode estar ensinando e reforçando. (GARCIA, 2006).
A escola deve e precisa assumir o papel de garantir as condições
apropriadas ao processo ensino-aprendizagem, a partir da sua realidade, e,
portanto das condições, das necessidades e do desenvolvimento dos alunos.
Dessa forma, segundo Garcia (2006) as expectativas da escola precisam estar
consensuadas entre toda a comunidade escolar e não apenas pelos profissionais
da educação. A disciplina requer um aprendizado. "... Ninguém educa ninguém.
Ninguém se educa sozinho. Os homens se educam em comunhão, mediados pela
realidade”. (FREYRE, apud: VASCONCELOS, 1981, p. 79).
A indisciplina escolar não é um fenômeno estático que tem mantido as
mesmas características ao longo das últimas décadas. Ao contrário, está
“evoluindo” nas escolas. Sob diversos aspectos, a indisciplina escolar, hoje, se
diferencia daquela observada em décadas anteriores. Para Aquino (1996) as
expressões e o caráter da indisciplina, por exemplo, apresentam mudanças. Não
se trata apenas de uma ampliação quanto à intensidade de manifestação. A
indisciplina escolar apresenta, atualmente, expressões diferentes, é mais
complexa e “criativa”, e parece aos professores mais difícil de equacionar e
resolver de um modo efetivo.
Segundo Antunes (2002), a questão da indisciplina é sempre assunto que
preocupa e, nos dias de hoje, ainda mais, pois assume a perfídia em situações de
"bullying" ou avança para registros policiais quando evolui para a violência.

A VIOLÊNCIA
A violência é uma transgressão da ordem e das regras da vida em
sociedade. É um atentado contra a pessoa cuja vida, saúde e integridade física ou
liberdade individual correm perigo a partir da ação de outros. Entendemos assim a
violência como ausência de respeito aos direitos do outro. (SILVA, 2004).
São inúmeros os tipos de violência: contra o patrimônio, física, verbal,
simbólica, pedagógica. Segundo Charlot (2002) devemos fazer distinções
conceituais necessárias sobre a violência na escola, a violência à escola, e a
violência da escola.
Violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar,
sem estar ligada à natureza e as atividades da instituição, fazem parte da vida da
comunidade. Quando um grupo de jovens entra na escola para resolver as
questões de conflito, resolver as contrariedades, as diferenças, acertar contas de
disputas de bairros, brigas de rua etc, a escola é apenas o lugar em que ocorre a
violência que poderia ter acontecido em qualquer outro (CHARLOT, 2002).
A violência à escola está ligada à natureza e às atividades da instituição
escolar; quando os alunos insultam os professores, quando danificam carteiras,
cadeiras, vidraças e paredes, quando usam boné, óculos de sol, celular, durante a
aula, quando são desrespeitosos com os que ali prestam serviço etc. Muitas vezes
os alunos se entregam as violências que visam diretamente à instituição e aqueles
que a representam. Essa violência contra a escola deve ser analisada junto com a
violência da escola (CHARLOT, 2002).
Violência da escola é uma violência institucional, simbólica, que os jovens
sofrem através da maneira como a instituição e seus representantes os tratam
como exemplo: quando as escolas impõem conteúdos destituídos de interesse e
de significado para a vida dos alunos, ou quando professores se recusam a
proporcionar explicações suficientes, abandonando os estudantes à sua própria
sorte, desvalorizando-os com palavras e atitudes de desmerecimento (CHARLOT,
2002).
Para Abramovay a violência também pode ser contra o professor, são
identificadas diversas situações desrespeitosas de ofensa e até humilhação, a que
professores são submetidos na sua rotina diária de trabalho. Há casos de
professores e diretores que foram ameaçados de morte, ou então tiveram o
constrangimento de sofrer ameaças físicas, sem contar os danos causados a seus
veículos. Aparecem muitas ocorrências de pneus furados, carros arranhados, quer
dizer, além da própria pessoa, o bem material do professor também é um alvo; os
professores não têm formação para enfrentar esse tipo de ocorrência, isso não é
discutido, as ações que se poderiam planejar, para equacionar esse tipo de
comportamento, simplesmente não são tratadas. (ABRAMOVAY, 2002).
Os efeitos dessa violência vêm crescendo de forma visível, ao longo dos
últimos anos, várias são as medidas adotadas para preveni-la e mesmo contê-la:
muros, grades, seguranças, monitoramento através de câmaras de vídeo, patrulha
escolar. Neste processo de armamento/desarmamento, a escola vem perdendo
seu caráter educativo, passando a reproduzir um modelo de estrutura social
degradado e corrompido. Dentro desses princípios, a escola é parte da sociedade
e reproduz a violência cotidianamente através de mecanismos de opressão e de
diferenciação dos seus integrantes.
Precisamos conceituar o que de fato constitui violência. Definir violência
hoje se tornou algo muito complexo. Para Silva (2005), há violência quando um ou
vários atores agem de maneira a causar dano – em graus variáveis - a uma ou
várias pessoas, podendo ser ele físico ou moral.
Segundo Candau (2000), a violência não pode ser reduzida ao plano
físico, mas abarcar o psíquico e o moral. O que especifica a violência, na verdade,
é o desrespeito, a coisificação, a negação do outro, a violação dos direitos
humanos. A violência, neste sentido, resulta da ação transgressora exercida por
um ou mais indivíduos, para negar a liberdade de outrem, obrigando a vítima à
submissão da força física e psicológica exercida numa relação desigual de poder.
A violência colocada nos meios de comunicação de forma simplista e
sensacionalista provoca uma sensação de insegurança. Faz parecer como se
todos os acontecimentos fossem originados de uma mesma fonte e se
desenrolassem em todos os cenários da mesma forma e proporção. T
Essa banalização e simplificação da violência impedem uma análise mais
minuciosa e passam a assumir uma dimensão tão ampla que acabam por gerar
um sentimento de impotência, o que dificulta a busca de soluções para os
problemas. Muitas vezes esses sentimentos são incorporados como normais e
deixamos de reconhecê-los como agressões ao bem estar individual e coletivo.
Por este princípio de paralisia emocional tornamo-no indiferentes a tantas
situações como a miséria, a fome, a condição desumana que as pessoas vivem
nas ruas, a devastação do meio ambiente, dentre tantos outros fatos que vão
sendo internalizados como naturais (MUNARIN, 2007).
Essa postura do ser humano afasta-o da sua própria racionalidade e
acaba gerando um ser alheio às próprias emoções, que para fugir da dor, esconde
a sua subjetividade e revela sua irracionalidade. Este processo de alienação e
comodismo para enfrentar os problemas de convivência traz conseqüências
desastrosas, pois educam gerações despreparadas para o convívio em sociedade.
Na atual conjuntura, a aceitação da banalização da violência ou sua
negação não são aconselháveis. A primeira amedronta e paralisa as atitudes
racionais e mobilizadoras de ações transformadoras de uma sociedade em
constante mutação. A segunda favorece a fuga e isola o homem num campo
estéril de atitudes reducionistas do viver e sobreviver em sociedade. Ambas as
reações sociais não levam à compreensão do fenômeno em suas especificidades
e impedem a busca de medidas estratégicas para a superação das violências em
suas formas e origens.
Diante deste cenário, Munarin (2007) diz que a violência é enfocada sob
diferentes aspectos. Não podemos deixar de reconhecer que o nosso dia a dia
tem sido marcado por violências brutais (explícitas) e violências simbólicas
(implícitas). Porém se faz necessário que todos os membros da sociedade e,
mais especificamente os educadores, reconheçam a importância do seu papel na
formação de crianças, adolescentes, e jovens para que possam apresentar um
quadro diferente do atual.
Se a violência é produzida pela sociedade e por ela mantida, precisamos
conhecer melhor os constituintes desses conflitos para revertermos esse quadro
de paralisia emocional, procurando praticar ações que levem a um mundo menos
violento.
A violência que se encontra nas relações humanas, seja ela percebida
explicita ou implicitamente, adentra os muros da escola e cria uma situação de
desequilíbrio entre a função informadora da escola, consagrada tradicionalmente à
incorporação do saber socialmente acumulado, e a função formadora do ser
humano, necessária nos dias atuais para repensar a educação dos valores de
convivência, de solidariedade e de tolerância. É importante não pensar essas
funções como dicotômicas, mas como partes que se articulam para atingir um
objetivo comum (MUNARIN, 2007).
As situações de violência comprometem o que deveria ser a identidade da
escola-lugar de sociabilidade, de aprendizagem de valores éticos e de formação
de espíritos críticos, pautados no diálogo, no reconhecimento da diversidade e na
herança civilizatória do conhecimento acumulado. Essas situações repercutem
sobre a aprendizagem e a qualidade de ensino tanto para alunos quanto para
professores (ABRAMOVAY, 2003).
No Brasil, os inúmeros casos de violência envolvendo alunos, professores
e a própria instituição geram um mal estar coletivo e introduzem a insegurança e o
medo dentro da comunidade escolar, uma vez que já não se sentem seguros e
protegidos pelos muros da escola. Esse mal estar deve levar a sociedade à
mobilização de esforços para compreender a dinâmica da violência escolar, suas
causas e conseqüências, bem como vias alternativas para a sua prevenção e
redução (MUNARIN, 2007).
A violência escolar deve ser vista principalmente dentro de dois espaços
de delimitação, revelando suas causas externas e internas. Muitos educadores
atribuem o resultado da violência escolar a um prolongamento da violência
existente na sociedade. Limitar-se a esta análise dificulta a compreensão e o
enfrentamento do problema, pois pode ser interpretada como problema externo –
solução externa, deixando a equipe escolar à espera de soluções miraculosas
vindas de outras instituições ou de órgãos governamentais (MUNARIN, 2007).
Segundo Candau (2000), não se pode dissociar a questão da violência na
escola da problemática da violência presente na sociedade em geral. Para se
compreender a violência é preciso partir de sua complexidade e multicausalidade.
O fenômeno da violência apresenta não só uma dimensão estrutural, mas também
uma dimensão cultural, ambas articuladas e interconectadas. Para a autora, a
relação entre a escola e a violência não pode ser concebida como processo
exterior, mas também interno. A escola também produz violência.
Por isso considerar a violência gerada pela dinâmica da própria escola
possibilita a análise e reflexão dos envolvidos no processo escolar e, por
conseqüência, a prevenção e a redução do fenômeno. A escola é o espaço, a
instituição, que tem como objetivo maior educar/ensinar, não se omitir, visto que a
ela foi confiada a autoridade do conhecimento acumulado pela humanidade para
que este seja repassado às gerações presentes e futuras (MUNARIN, 2007).
A escola, como organizadora das práticas educativas, é, em alguns
aspectos, responsável pela produção de um comportamento agressivo ao
estabelecer normas de conduta autoritárias, repressivas e violentas, por não abrir
um canal de comunicação entre os diversos atores do processo educacional, por
se omitir em intervir nas práticas violentas adotadas nos relacionamentos
interpessoais, por desenvolver um método de ensino ineficaz e inadequado à
clientela escolar e por excluir os alunos que não se adaptam à forma de ensinar e
de avaliar a aprendizagem. Muitas dessas ações autoritárias e improdutivas
ilustram o cenário de nossas escolas, onde crianças e jovens são submetidos no
cotidiano escolar (MUNARIN, 2007).
Quando crianças, adolescentes e jovens conseguem estabelecer vínculos
afetivos concretos com seus colegas, professores e demais funcionários, a escola
passa a ser o espaço mais importante para o exercício do ser e do conviver.
Porém, quando essas relações não são estruturadas por laços fraternos de
amizade, solidariedade e respeito mútuo, a escola passa a ser percebida como um
lugar indesejável para se estar e conviver, resultando em conflitos interpessoais,
agressões contra a própria instituição, prejudicando a qualidade das relações
educativas, o equilíbrio emocional dos envolvidos e a qualidade do processo
ensino-aprendizagem. A violência tende a se fortalecer pelas atitudes dos seus
participantes e, muitas vezes, justificada pela organização e estrutura da
sociedade, que passa despercebida, aumentando consequentemente o número de
vítimas e agressores (MUNARIN, 2007).
Sendo muitos os tipos de violência existentes, os objetos deste estudo
recairão sobre a violência implícita nos relacionamentos interpessoais,
caracterizada como bulismo e indisciplina escolar, como produto das relações que
se estabelecem dentro e fora do contexto da escola.
Ao lado dessa violência explicita existe uma outra forma de violência, que
também precisa ser motivo de preocupação para os profissionais da educação: a
violência implícita nos relacionamentos interpessoais que gera e alimenta a
violência explícita e causa profundos traumas psicológicos.
Este tipo de violência, com suas conseqüências devastadoras sobre a
personalidade em formação de muitas crianças e jovens, é conhecido como
“bullying” escolar.
BULLYING
A palavra “bullying” é de origem inglesa derivada do verbo inglês “bully”.
Segundo o dicionário Webster a palavra significa tratar de forma abusiva ou afetar
(alguém) por meio de força ou coerção. O termo “bullying” não encontra uma
tradução exata na Língua Portuguesa, por isso a utilização constante da palavra
original. Em outros países, o bulismo recebe denominações diferentes, por
exemplo, na Noruega, se denomina “mobbing”, na França, “harcélement
quotidién”, na Itália, “prepotenza” ou bulismo; no Japão, como “yjime”, na
Alemanha, como “agressionen unter shülern”; na Espanha, como “acoso y
amenaza entre escolares”, e, em Portugal, como maus - tratos entre pares.
O termo pode ser traduzido por zoar, gozar, tiranizar, ameaçar, intimidar,
humilhar, isolar, perseguir, ignorar, ofender, sacanear, bater, ferir, roubar, quebrar
pertences ou usurpá-los, discriminar e apelidar pejorativamente. Também adota
aspecto de adjetivo, referindo-se a “valentão”, “tirano”. Como verbo ou como
adjetivo, a terminologia “bullying” tem sido adotada em vários países.
Segundo Fante (2005), o bulismo é um conjunto de atitudes agressivas,
intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um
ou mais alunos, causando dor, angústia e sofrimento a indivíduos mais fracos e
incapazes de se defenderem.
Nesse mesmo sentido, Constantini (2004), define bulismo como um
comportamento ligado à agressividade física, verbal ou psicológica. Para ele é
uma ação de transgressão individual ou de grupo, que é exercida de maneira
continuada com uma vítima predestinada.
De acordo com Olweus (2004), um aluno é vítima de bulismo quando é
exposto de forma sistemática e continuada a ações negativas por parte de um ou
mais colegas. É uma ação negativa quando alguém intencionalmente inflige ou
tenta infligir injúrias ou causar desconforto em alguém. As ações negativas podem
ser verbais, por exemplo, ameaças, escárnio, provocações e apelidos, ou físicas,
quando empurram, batem, chutam, beliscam, ou controlam alguém pelo contato
físico.
Não são caracterizados como bulismo os conflitos e agressões que
ocorrem entre alunos com capacidade física semelhante e com habilidades
mentais e sociais idênticas. De forma geral o que caracteriza o bulismo, é o
comportamento agressivo, e a sua natureza repetitiva e o desequilíbrio de poder
existente entre a vítima e o agressor.
Considerando a desigualdade de habilidades, sejam elas físicas
psicológicas ou sociais, o bulismo pode ser caracterizado como um
comportamento cruel, camuflado sob a máscara de brincadeiras, mas que
disfarçam o propósito de maltratar e intimidar.
As simples “brincadeirinhas de mau-gosto” de antigamente, hoje
denominadas “bullying”, podem revelar-se em uma ação muito séria, transformam
as vítimas em objeto de diversão e prazer por meio de brincadeiras maldosas e
intimidadoras. Causam desde simples problemas de aprendizagem até os sérios
transtornos de comportamento, responsáveis por índices de suicídios e homicídios
entre estudantes.
Este fenômeno mantém um caráter oculto, pelo fato das vítimas não
terem coragem suficiente para denunciar. Isso contribui com o desconhecimento e
a ignorância sobre o assunto por parte dos profissionais ligados à educação.
Estudos realizados até o momento apontam para alguns traços de
comportamentos sociais comuns a vítimas e agressores e justificam a divisão dos
envolvidos em categorias e subtipos. Assim, de acordo com Olweus (2004) as
vítimas podem ser classificadas:
- vítima passiva: caracteriza-se pelo medo do confronto e pela
incapacidade de encontrar ajuda de colegas;
- vitima cooperante: pretende chamar a atenção do grupo e para isso,
adota uma estratégia de vitimação;
- vitima provocatória: intencionalmente provoca e atrai reações
agressivas, mas não consegue lidar com as retaliações;
- pseudovítima: declarar-se alvo de agressões dos outros sem que o ato
agressivo ocorra;
- vitima agressora: a vitima passa a reproduzir os maus-tratos sofridos,
vitimando os mais novos ou da mesma idade.
Há uma idéia preconcebida de que as vítimas são escolhidas por
apresentarem alguma característica que as diferencia dos demais (ser gordo,
magro demais, usar óculos, ter espinhas, nariz e orelhas que se destacam etc).
Porém, nos estudos realizados por Olweus (2004) constatou-se que não
é uma regra geral. Para Olweus a única característica individual que interfere nas
agressões é a força física; as vítimas são fisicamente mais fracas do que os
agressores. A passividade da vítima faz com que os agressores sintam-se
poderosos, com poder e superioridade que os tornam lideres e temidos pela
maioria dos alunos da classe e às vezes da escola.
O agressor pode ser de ambos os sexos. Tem caráter violento e
perverso, com poder de liderança obtido por meio da força e da agressividade.
Age sozinho ou em grupo. Apresenta aversão às normas, não aceita ser
contrariado, geralmente está envolvido em atos de pequenos delitos. Seu
desempenho escolar é deficitário, mas isso não configura dificuldade de
aprendizagem, já que muitos apresentam nas séries iniciais rendimento normal ou
acima da média.
Segundo Olweus (2004), há três motivos que causam a conduta dos
agressores: Em primeiro lugar, os agressores sentem uma necessidade imperiosa
de poder e domínio, desfrutado na relação desigual. Em segundo lugar, a carência
afetiva típica dos contextos familiares em que foram educados os agressores,
produz satisfação ao causar dor ou sofrimento em alguém. Em terceiro lugar, a
recompensa pela ação transgressora pode vir através de dinheiro, objetos, ou
através da popularidade entre os companheiros.
Estudos mostram que os contextos familiares de onde provêm vítimas e
agressores também apresentam características e traços peculiares. As famílias da
vitimas possuem uma coesão interna, porém, falta aos membros uma
sensibilidade para captar o sofrimento das vitimas ou, quando declaradas, não
conseguem oferecer ou buscar ajuda para resolução dos conflitos. As famílias dos
agressores geralmente, não valorizam a afetividade e desconhecem a importância
dos valores necessários para a convivência social, demonstrando uma quebra dos
laços parentais ou pela inexistência deles (CONSTANTINI, 2004; FANTE, 2005).
Os agressores frequentemente vêm de lares onde a punição física e
psicológica é usada, e as crianças são ensinadas a agredir fisicamente como uma
forma de lidar com os problemas. Os agressores custam a adaptar-se às normas
escolares e procuram desafiar as autoridades, demonstrando um comportamento
anti-social (OLWEUS, 2004; FANTE, 2005).
Olweus (2004) aponta quatro fatores importantes no desenvolvimento
de um modelo de reação agressivas: 1- carência de afeto nos relacionamentos
interpessoais; 2) permissividade (excesso de liberdade e falta de limites); 3)
castigos físicos como forma de demonstrar a autoridade; 4) temperamento da
criança e do jovem.

Espectadores ou testemunhas
Por fim, temos os espectadores/testemunhas, estudantes que não
participam necessariamente de forma ativa do “bullying”. Podem ser subdivididos
em quatro grupos: os auxiliares (os quais ajudam o autor a efetuar o abuso), os
incentivadores (que instigam o autor a praticar a agressão), os observadores (só
observam ou simplesmente se afastam) e os defensores (protegem o alvo ou
chamam alguém que possa intervir em favor deste, como um professor). Lopes
(2005) chama a atenção para a importância da figura da testemunha: seu silêncio
legitima as ações do agressor, enquanto sua ação pode ser decisiva para o fim
dos abusos.
Na atualidade, a internet passou a propagar o bulismo, através de blogs,
orkuts e programas de mensagens instantâneas. Muitos jovens ocupam estes
espaços virtuais para fazerem comentários maldosos sobre as pessoas, fazerem
gozações, ameaçarem, chantagearem e revelarem segredos, divulgarem
informações mentirosas ou boatos cruéis sobre os colegas e seus familiares e até
mesmo sobre os profissionais da escola. (FANTE, 2004).
Esse comportamento ganha dimensões imensuráveis, já que grande
parte dos casos inicia no ambiente escolar e extrapola os muros da escola. Muitas
dessas ações são anônimas e, em alguns casos, não é possível descobrir quem é
o agressor. Essa forma de violência é denominada de “cyberbulismo” (FANTE,
2004).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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