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Carlos Alberto Sanches

Primeira Virtude
A Coragem 1
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© Copyright – BASE EDITORA E GERENCIAMENTO PEDAGÓGICO LTDA. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por
qualquer processo sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

S211 Sanches, Carlos Alberto.


O tigre de bengala : primeira virtude : a coragem / Carlos
Alberto Sanches ; ilustração Ademar dos Santos . – Curitiba
: Base, 2003.
24p. : il. ; 21cm. – (Encantamento das virtudes ; 1)

ISBN 85-7534-093-X.

1. Literatura infanto-juvenil. I. Título. II. Santos, Ademar


dos. III. Série. (Encantamento das virtudes)

CDD 808.899282

Coordenação P
Coordenação eda
Peda góg
edagóg ica
gógica
Carmen Lucia Gabardo
Grenilza Maria Lis Zabot
Valda Marcelino Tolkmitt
Revisão
José Ademir Santos
Ilustração
Ademar dos Santos
Projeto Gráfico e Editoração
Vicente Design

BASE EDITORA E GERENCIAMENTO PEDAGÓGICO LTDA.


Rua Antonio Martin de Araújo, 337 - Jd. Botânico
Fone (41) 264.4114 • Fax (41) 264.8471
CEP 80.210-050 • Curitiba • Paraná
2 e-mail: base-editora@base-editora.com.br

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Apresentação

A fantástica aventura de um menino que desco-


briu a mentira escondida na caverna da covardia e sua
luta pra fazer o rei pôr, de novo, no dicionário de seu
pequeno país, a palavra coragem
coragem.
País imaginário, mas que pode ser real. Em todos
os países reais e imaginários o medo aumenta os tama-
nhos, os mitos, as desculpas, as incompetências.
Como se encara um tigre, o último de Bengala,
cujas artimanhas o fazem feroz, destemido, assustador?
Um tigre de papel, no papel, de Bengala ou pelo
menino de cara de bolha com uma espingada de ro-
lha?
Num ringue ainda há lugar para estilingue?

“À minha neta, Ana Carolina, para que a ima-


ginação e a fantasia sempre façam parte do seu
mundo.”
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Ambiente: uma sala de aula ima-


ginária, na qual o narrador, a professo-
ra Sophia, uma coruja, lê os contos des-
ta Coleção:
“ENCANTAMENTO DAS VIRTUDES”.

(Para leitores de 14 a 80 anos - Magia e reflexão)

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“Os Professores”
Dona Sophia é uma coruja, já veterana, conhecida entre
a criançada porque conta histórias engraçadas, mas, ao mes-
mo tempo, dão o que pensar. Ela é professora de Língua pá-
tria, Literatura e Redação fora do Comum da Escola Imaginá-
ria Dragão Albino.
As aulas têm muita leitura, pouca gramática, são gosto-
sas, divertidas, cheias de coisas mágicas: por exemplo, nossos
lápis, além de ficarem suspensos fora do penal, nunca preci-
sam ser apontados. Também os cadernos são especiais: eles
“reclamam” sempre que escrevemos “errado” (coisas pouco
compreensíveis ou mal organizadas). A folha, nesse caso, se
auto-corrige e se reescreve e fala pelo sintetizador de voz
(computadorizada) “Consulte sua gramática invertida”, sem
virar a cabeça. As historinhas são cheias de fantasia, imagina-
ção e fazem a gente entender os textos e pensar. É por isso
que, às vezes, a gente “viaja”. “Viajando,” vamos pensando
em coisas mais sérias. Palavras novas e conhecimentos,
para amadurecer.
Quem disse (falou meio braba a profa.Sophia) que a
gurizada não pode se divertir e ao mesmo tempo pensar? Cri-
anças não são bobas: adoram o “faz de conta”, mas gostam
de ler “histórias-cabeça”, (como dizem) se distrair com o mun-
do mágico e irem se preparando para a vida, por meio da lei-
tura. “Bobão” é o adulto que tenta “entupi-las” de informações,
mas isso nem sempre as educa e torna mais críticas: falar
como elas para se enturmar, se aproximar, é também ridícu-
lo. Elas têm mais é que aproveitar essa fase maravilhosa da 5
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adolescência (junto com os colegas) para brincar, sonhar e


ampliar a visão do mundo, lendo. Os adultos acham que, quan-
to mais cedo os filhos deixarem a fase de brincadeiras infan-
tis, mais cedo poderão “competir” com os colegas. Sempre em
vantagem. Pura bobagem. Tudo tem seu tempo.
Adolescentes são pré-adultos que têm um pé na fanta-
sia e outro já na realidade: um pra cá; outro pra lá, num mo-
vimento de balanço, como os de parques infantis que os leva
da imaginação para a razão, desta para a imaginação...indo
e vindo...
Adoram, por exemplo, (e não se assustam) quando um
velho e feio Gnomo, chamado Gnooto, salta da página do li-
vro para fazer caretas, dar piruetas e sumir donde veio. Vibram
sempre que um dragão, em princípio de carreira, põe pra fora
da página a cabeça escamosa, olhos de fenda, dentes assus-
tadores, como os do jacaré. O bicho sapeca lança chamas.
Tem asas de morcego e cauda que termina em forma de ponta
de flecha... o fogo dele ainda é fraco, azulado como gás de
cozinha. É porque é novinho. Aprender história com os lances
do Rei Arthur e sua Corte, que vieram à Espanha fazer uma
peregrinação. São de uma época tão antiga quem nem nin-
guém se lembra; saber que Dom Quixote ainda anda “perse-
guindo” vilões, bandidos ou dragões, que prendem “donzelas”,
em belos castelos desenhados em papelão e cartolina; é bom
amadurecer, viajando por um deserto desconhecido e sem fim,
com a engraçada dupla: o menino e o seu cavalinho de pau,
o Rocino. Ver esse cavalinho de madeira, de brinquedo, subir
e correr (pode dizer-se “galopar”, D. Sophia? – Pode! é verbo
de cavalo, cavalgar”...) meio desengonçado pelas planícies e
6 dunas do papel. E o regato pensador que é pintado em azul,

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com corredeiras em folhas verdadeiras? Esta lá, parado, ao


lado, conversando, Jhim, desenhado em cor marfim. Se assus-
tam com a “bolha assassina” da Fernandinha. Se maravilham
sempre que um ursinho panda artificial? (não sei!) percorre
com muita vagareza as linhas de escrever... tão queridinho!
mesmo com pilhas! E que alegria ver um tigrinho de Bengala,
achado todo machucado e depois, já curado, imitar no topo
da página, o rugido igual ao do Rei Leão! Sem falar na pran-
cha larga do Rei-Cão surfista em busca da palavra “caridade”,
que estava no dicionário, mas ele não sabia. Um reizinho. Sua
prancha para surfistas de quatro patas, deslizando suave pelo
papel, com as macias rodinhas de polietileno... uma grande
abóbora que é um “palácio real”, em uma folha sem pautas...
Colorir de azul um menino infeliz... e a garotada de lá toda
amarela, com tinta de aquarela... Conhecer o fabuloso fabulista
La Fontaine, que dá vida a bichos, pensando em pessoas. Pon-
do o ouvido na página do caderno, podemos ouvir as falas
morais de seres imortais: a cigarra “filhinha de papai”; as for-
migas muito “caxias” no seu “vem e vai”...
Cadernos de linguagem e redação e livros são alçapões
para o mundo fantástico acima e abaixo do nosso chão...e
outras aventuras. Quem disse que meninos e meninas não po-
dem brincar e pensar? Só gente grande meio retardada, que
não teve uma infância normal!
Os professores dessa escola especial, “zoológica”, meio
encantada, são bichos-gente reais, com didáticas pra lá de
usuais (Já sei! Já sei! usuais quer dizer que não são comuns)
É isso! O professor de Matemática é o Sr. Esquilo Contador, que
ensina cálculo pela Teoria dos Conjuntos (de nozes, é claro);
a professora de Geometria é a senhora Ariadne, uma aranha,
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artista de linhas, casada com um Bicho da Seda, habilidoso


tecelão, mestre na aula de Trabalhos Manuais; o professor de
Ciências é seo Manuel, um Camaleão, com grande experiên-
cia no sertão; o de Geografia é João Coçador, um “bicho geo-
gráfico,” (daqueles que se pegam, andando descalço na praia,
onde há muito mijo de cachorro); História Geral só podia ser
ensinada pela traça Joana, habitante de bibliotecas, onde leu
e roeu desde os cadernos de redação de D. Pedro I até os
Suratas do Alcorão. História do Brasil só podia ser ensinada
pelo velho prof. Raimundo; tão velho que foi “testemunha ocu-
lar dos fatos”. Uma antiguidade! O mestre de Inglês é o papa-
gaio Lauro, que aprendeu e se formou mestre em língua in-
glesa, porque viveu durante muitos anos em uma casa de in-
gleses. Aprendeu de ouvir. Uma figura! E outros...

– Professora Sophia, o que é “retardada”?


– Vejam! a palavra não é muito legal, porque se refere a
qualquer pessoa com a cabeça “meio mole”, burra; mas, no
nosso caso, é meio de brincadeira. A gente fala assim para di-
zer que adultos podem parecer meio “palhaços”, quando imi-
tam vocês e aí parece que não cresceram: crianças grandes...
pronto!
– Nossa! Surata... Alcorão? D. Sophia, essas palavras a gen-
te nunca ouviu.
– É verdade! às vezes esqueço que são ainda meio crian-
ças; desculpem, mas eu explico: D. Pedro I, como já sabem, foi
nosso Imperador sem vir da lei. As redações dele até que eram
boazinhas, mas diferentes das minhas: eram histórias mais bu-
rocráticas: relatórios, descrições, dissertações, cartas, ordens, leis
etc. Suratas são divisões ou partes (livros) do Alcorão, livro sa-
8 grado ditado pelo profeta Maomé. É a Bíblia dos muçulmanos,
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daqueles árabes, panos enrolados na cabeça, camisolões...


(vocês já ouviram falar deles; os viram na televisão, em filmes
ou não, como em “Indiana Jones”). Por último, o mestre de Edu-
cação Física só podia ser o Tartarugo, José Antônio, o veloz (afi-
nal ganhou da lebre uma corrida para se lembrar pra toda a
vida).
– Professora, alguns de seus contos de faz de conta “ver-
dadeiros” estão na coleção de leitura: “O Encantamento das Vir-
tudes”, contos de Fantasia e de Sabedoria; “foi realmente a se-
nhora quem escreveu o livro?”
– Não! Achei a obra interessante para enriquecer as mi-
nhas aulas de Língua Pátria, estimular a leitura de toda a tur-
ma e reforçar a formação moral, o caráter de vocês, a refle-
xão... Gramática? Muito pouca. Muitíssima leitura com interpre-
tação e análise. Sinto que vocês vão gostar delas. Verdade! Va-
mos começar.
– Vamos combinar uma coisa? Durante a minha leitura
vocês podem fazer perguntas, mas que a história que estou len-
do não fique sem seqüência. Legal? combinado?
– Que tal começar com a história de O TIGRE DE BENGALA?
– O tema é a virtude da CORAGEM. Ok?

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O país era tão “pequeno” que parecia de mentirinha, mas


era de verdade. Para certas pessoas grandes só coisas gran-
des e bonitas podem existir, porque o que é pouco e menor
quase nada vale. Por que lugares assim não podem existir? Por
que são considerados impossíveis? Afinal, no mundo que a
gente vê e toca tudo tem que ser grande: prédios, estradas,
pontes, represas... do mesmo tamanho que as maldades que
as pessoas grandes fazem ao nosso mundo enorme e nada
imaginário?
Há coisas tão miudinhas, até difíceis de ver, que exis-
tem neste mundo, que são grandes em outro sentido. Enten-
dem? Debaixo do nosso nariz acontecem coisas (ou sob o
nariz de nossa imaginação) ocorrem fatos cheios de impor-
tância e a gente não dá a mínima. Quem disse que você não

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pode estar agora mesmo, pisando um trevo de cinco folhas?


Voltemos ao pequeno país distante. Ele existe em um
mapa, desses iguais aos do livro de geografia de vocês. Mas,
no caso deste, estão desenhados, sobre um pedaço
quadrangular de couro, riscos cheios de curvas e fininhos: os
rios e riachos, umas montanhas, brancas nos cumes e verdes
da metade para baixo.
Esse verde são as matas virgens, que não foram corta-
das ainda. Partes de cor de tijolo é terra mesmo, incluindo um
pequeno deserto (dunas, dizem). Dois lagos de formas dife-
rentes: um menor e outro maiorzinho em forma de berinjela;
a cor dos riscos dos rios e riachos e dos lagos é azul. Assim
estão nos mapas de verdade. Outros riscos pretos e marrons,
cheios de curvas são as estradas ou caminhos.

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Um leva para a fronteira e aí pára; outro, (interessante) sai


de uma bolinha amarela (a capital) e se espalha pelo reino em
várias direções, parando em pequenas bolinhas pretas, que devem
ser cidades pequenas, vilarejos, vilas...etc. Mas, tudo isso não é mai-
or do que um palmo no mapa. Um lugar assim é meio coisa de
fantasia. Não há mar e nem praias. Os reinos vizinhos não têm no-
mes, mas apenas emblemas e o nome de seus reis.
– E as montanhas?
– É para se ver mais alto, ou enxergar além do horizonte.
– Sabemos que além do horizonte há apenas outro hori-
zonte.
– Então que seja! era um pequeno país sem horizonte.
Nesse pequeno país, há uma área sem matas em uma par-
te alta de terra (um planalto) onde fica a capital.
Fora desse mínimo espaço para a capital, há uma floresta
tropical, que vai até a metade das Três Montanhas Coroadas. A
mata é muito fechada, com árvores de todos os tamanhos, arbus-
tos, clareiras de capim alto, palmeiras, coqueiros, ... tudo mistura-
do com cipós e muitos matos mais baixos, bonitos pra caramba,
com vários tipos de plantinhas parasitas (essas que vivem gruda-
das às árvores, mas não fazem mal): bromélias, lírios selvagens,
orquídeas, pés de xaxins, arbustos espinhentos de amoras... juncos
e capim alto, perto do charco, (um pequeno pântano)... Tudo pró-
ximo da cidade real ou espaço urbano, como define bem Oscar
(aqueles caras que organizam as cidades).
– Mas é cidade ou espaço urbano?
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– As duas palavras significam a mesma coisa. Cidade é


o nome mais usado para a gente se referir a lugares
onde vivem às vezes até milhões de pessoas. A expres-
são “espaço urbano” também pode ser usada no lugar
da palavra cidade, mas ela é mais usada pelos urba-
nistas (esses caras que organizam o espaço ocupado
pelas cidades). Legal?
– Nessa floresta de juncos, habita o único e último Tigre de
Bengala.
– Mas então é esse o nome do país, Bengala?
– Não! é apenas o nome da região onde viveram no passa-
do muitos deles.
Todos temem o tigre porque tem fama de “devorador de
pessoas e até de crianças”; e, por isso, nenhum habitante tem
coragem de caçá-lo. O animal, solto e à vontade, urra sempre
que tem vontade e assusta todo mundo. Esse urro é ouvido em
todo o pequeno reino. Estranho é que o rugido só é ouvido aqui.
Caçadores de todas as parte foram convidados para pegar
o bicho vivo.
Muitos vieram, mas na hora “H” sempre acontecem coisas
incríveis: ele “aumenta” de tamanho, parecendo enorme como
um elefante. (Dizem). Os dentes têm pelo menos um metro, (ju-
ram). Essas histórias sempre iguais são comuns entre caçadores
que não conseguem matar a caça. Há sempre a desculpa do ini-
migo ser do outro mundo ou grande demais.

– Não é assim que fazem os homens quando fracassam? In-


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ventam histórias que são desculpas, criam mitos para se


desculparem.

– Então? como se faz para encarar o tigre? o que significa


essa palavra difícil: mito?

– Não é preciso entendê-lo, desde que sua fama aterrorizante


não se espalhe: tigres são apenas animais comuns. O mito
(é bom que queira saber) é uma palavra difícil de expli-
car. Nele a gente coloca tudo que é meio imaginário: im-
possível de separar o que ele tem de verdade ou de fan-
tasia. Há também coisas do passado tão incríveis que po-
dem virar lendas, como pessoas especiais, heróis, deuses...
lendas também podem virar mitos. Mito pode ser simples-
mente tudo o que não entendemos, como este animal
“mítico”.

– Agora complicou mais um pouco, mas acho que entendo


mais ou menos, afirma a Margarida.

O rei fica furioso sempre que os caçadores voltam de mãos


vazias e inventam desculpas esfarrapadas.

O fato é que o tigre não deixa os habitantes passearem


fora da capital; muito menos de suas pequenas vilas. Estão “en-
jaulados” e o animal feroz, “solto.” Mais ou menos como acon-
tece hoje nas grandes cidades. Há tanta violência: crimes, as-
saltos, tiroteios, guerra de quadrilhas, raptos... que as pessoas
foram obrigadas a buscar modos de terem mais segurança.
Suas casas não parecem mais casas, mas fortificações. Estão
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“presas” dentro de seus lares, enquanto lá fora, andam livremen-


te os criminosos. Lar, por isso, pode ser sinônimo de cadeia. Lá
isso é vida, o medo que nos rodeia? O medo é o “tigre”.

Os altos rugidos do animal assustam durante noites inteiras


até as fronteiras. O pessoal dorme mal. Há boatos de crianças e
de adultos que sumiram sem deixar rastros.

O rei oferece uma recompensa a quem conseguir pren-


der a “fera”. Não quer que a matem, porque deve ser o último
da espécie.

– Por que o quer vivo? É só por que é o último?

– Talvez! Não é assim que as pessoas fazem com os animais?


Colocam eles em jardins zoológicos para ficarem guarda-
dos só para eles, assim como animais e pássaros são
engaiolados, em nome da preservação, acrescentou Sophia,
boca presa, transparecendo um toque de tristeza.

Com o reino acovardado, melhor enjaulado, o rei manda apa-


gar de todos os dicionários a palavra “coragem”, porque ela não
tem mais sentido nem lugar no reino.

Não é assim que as pessoas dizem: “falta coragem!” Tudo


aquilo que não se pode vencer ou entender vira lenda. Mas len-
das não rugem.

– E a recompensa?

– Era escolher entre as filhas do rei aquela que mais agra-


dar ao caçador.
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Então um jovem, pobre e meio magro, Rainaah, oferece-se


para capturar o “felino assassino.”
- É incrível! disse Joana, o jovem vai em busca do tigre, real
ou de mentirinha, com as mãos vazias! Os outros antes dele
vieram mais armados que os dentes da fera. Um até levou
uma bazuca, (uma arma para usar na guerra: geralmente,
para destruir tanques).
– Quer dizer que o jovem foi sem armas?

16 – A sua melhor arma, meninada, não despeja fogo com


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balas, não perfura, não corta... é apenas a coragem dele.


Não é só pela recompensa, que ele vai, como muita
gente pensa. Levou uma, sim: talvez uma arma de
impressionar, nova em folha: uma espingarda de
rolha.
– Ele queria mesmo era ter liberdade de ir onde quises-
se, como o povo, mas aquele tigre à solta... Afinal, al-
guém tinha de ver pessoalmente que bicho era esse
que mete medo a todos. Quando é assim, pessoas
como ele, são chamados de loucos, porque querem
saber se há verdade nos boatos.
– Todos já o imaginam morto com antecedência, porque a
covardia sempre trabalha contra o sucesso. O sucesso é
enfrentar a realidade sem medo e pôr tudo em jogo com
arte e esperteza. Enfrentar o novo e o desconhecido são
esses tigres que dão forma ao medo e alimentam a menti-
ra, concluiu a sábia Sophia.
– Você tem algum plano? Pergunta um velho sábio
do reino.
– Não! O negócio é não pensar nisso. Sei que a ansieda-
de é mais perigosa que o tigre. O medo também. Espe-
ro ainda que se assuste com o meu “armamento”, in-
cluindo o estilingue de último tipo, que meu pai com-
prou no armazém do seu Matusalém, falou Rainaah.
O temor afasta a coragem e coloca no lugar dela a covar-
dia. Pequenos detalhes nos derrotam muitas vezes: o jovem caça-
dor esqueceu as pelotas, a “munição” do estilingue.
– Vou na boa! diz o jovem, como se fosse apenas passear
na floresta e comer morangos silvestres.
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– Se eu pensar que o animal é descomunal, ele “crescerá”


tanto dentro de mim que não sobrará espaço para a co-
ragem.
– Primeiro vou me controlar, depois vou tentar fazer o mes-
mo com o felino. Se eu tremer, ele vai me mastigar. Sem
armas, terei que bolar uma plano inteligente, coisa que
o animal não pode fazer.

E some na floresta, com o corpo de adolescente, magro e


pernas finas .

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– É loucura! diz uma doninha, Teresinha, logo no iní-


cio da caçada: “volta, enquanto é tempo! Tua co-
ragem tem mais jeito de bobeira, bem comum
nessa fase de fazer muita besteira... ou você é um
irresponsável maluco!”
Haverá durante a vida do jovem muitos que o amedronta-
rão mais sobre perigos (para que ele desista) do que incentivar
Rainaah a encará-los. como neste caso. Para os medrosos, o peri-
go é que ele pode ter sucesso e ficar famoso. Os que vivem na
sombra da covardia querem que o corajoso não tenha sucesso.
Pura inveja!
A coruja Mariquinhas, que servia de sentinela, disse-lhe:
– Todos os bichos que moram aqui têm medo desse “fe-
roz” animal, mas vou ajudar você olhando tudo aqui do
alto, para o bicho não pegá-lo de surpresa. Enxergo mais
ou menos bem de dia.
E assim o jovem caçador, meio louco para todos, caminha
pela floresta, ainda só um pouco, mas já ouvindo aqui e ali incen-
tivos e avisos: um batráquio adverte:
– Ei, garoto! fica aqui no charco porque esses gatões meti-
dos a besta não gostam muito de água!
De um esquilo:
– Vá em frente, cara! É preciso mesmo enfrentar esse mons-
tro! Também tenho muito medo de sair da toca pra bus-
car comida. A minha “gurizada” está já com fome.
O jovem segue a trilha que vai até um capinzal, perto do
pântano. O animal costuma seguir por ela para matar a sede...
Começou então a preparar-lhe uma armadilha. Era uma enorme
jaula de grossos bambus, amarrados com cipós bem fortes. A par-
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te voltada para baixo era aberta. Ela ficará pendurada a alguns


metros do chão. Os macacos vão ficar segurando ela por quatro
cipós, para soltá-la quando o tigre estiver bem embaixo.
– E o que usará de isca para atrair o bichanão, caçador?
Pergunta um velho macaco, o Simão Roncador.
– Eu mesmo! ficarei à vista dele dentro da jaula, que ele
não vai ver lá no alto. Quando ele vier para me “triturar”,
vocês vão deixar cair sobre ele, enquanto rapidamente
salto para fora.
– É muito arriscado, comentou um veado, conhecido como
Givaldo. Ele pode ficar maior que a armadilha e você
não ter tempo de saltar pra fora!

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Tudo pronto. Ouve-se um rugido apavorante bem próximo.


E então, o pequeno caçador vê-se face-a-face com o assustador
“tigre de bengala”. Para surpresa geral, o animal é do tamanho
de um cachorro grande, manca de uma pata, apóia-se em uma
vara de bambu como “bengala”; só tem um dos caninos; anda
meio torto; está magro... (é sempre assim ou quase: o desafio a
enfrentar nunca é tão feio como parece). A jaula cai sobre ele.
Fica preso lá dentro, miando como um gatinho, andando de uma
lado para o outro, apavorado. Onde está o animal enorme e
invencível? Está na imaginação daqueles que preferem aumen-
tar as dificuldades da vida, como ferozes “Tigres de Bengala”, e
criam mentiras grandes para esconder a falta de iniciativa.
É !... nem sempre os perigos são tão grandes como pensa-
mos. Mas se todos do reino, incluindo o pequeno exército, tives-
sem tido a ousadia do jovem, logo se poderia separar a verdade
da lenda.
– Então, você é o terrível tigrinho que aterroriza a todos?
Como é que o seu rugido é tão forte e assustador, tão real?
Perguntou Rainaah.
– Uso a imaginação para criar efeitos sonoros: moro em
uma caverna, que tem uma entrada estreita que vai se
alargando para a saída. Por acaso, descobri que era pa-
recida com um grande megafone de pedra. Esse forma-
to aumenta pra caramba meus já fraquinhos rugidos. Fui
obrigado a usar truques, porque, além da pouca comida,
(cheguei até a comer baratas e capim: uma humilhação!)
tive amigdalite e faringite. Se não fosse a caverna, meus
rugidos naturais saíam fraquinhos e roucos e nem assus- 21
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tariam o Camaleão, José Corado (meio surdo) e o


Bicho Preguiça, “senta o pé”. É a lei da selva. Foi
assim que sobrevivi, disse o tigrinho, com um sor-
riso amarelo.
– Mas você, caçador, sem experiência, tem uma co-
ragem danada, é peitudo! Por isso, gostaria de ser
seu animal de estimação..., que acha?
– Não! Não é esse o seu papel na natureza. Obriga-
do, mas não quero! Disse com firmeza Rainaah
– O pequeno reino fez elogios ao corajoso e deste-
mido Rainaah.
– Desculpe a interrupção, profa. Sophia, mas, o que
quer dizer destemido? Ele não ficou muito “metido”?
– Não! destemido é corajoso, valente, sem medo e ele
continuou como era. O rei em pessoa foi recebê-lo,
levando sua filha mais nova Hamidranah. Casaram-
se, após namorarem oito meses e descobrirem que
realmente se amavam.
O tigre, depois de tratado, por ordem de Sua Alteza,
Reizinho Primeiro, foi devolvido à floresta, na qual todos podi-
am agora passear. Implantaram-lhes caninos novos e assusta-
dores (tudo supervisionado pelo veterinário real). A perna
machucada não pôde ser salva, mas um grande artesão do reino
fez-lhe uma prótese, (uma pata artificial), revestida com material
plástico, com as características listas rajadas desse felino. Dentro
puseram um mecanismo japonês mecânico-eletrônico (com um
chip), que o fazia andar, mas era preciso colocar pilhas alcalinas

22 novas, a cada 15 dias.


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Algumas listras rajadas foram recuperadas por um famoso


cirurgião plástico, chamado de uma clínica do país vizinho. A fa-
çanha do “caçador” causa admiração e orgulho, entretanto pro-
voca a inveja dos fracassados. Por isso, começam a fazer intrigas
contra ele na corte, dizendo que, na verdade, o animal já estava
quase no fim e que o jovem queria era mesmo poder e fama. “O
garoto pegou uma moleza: que esperteza que nada”!
Rainaah nunca deu bola para essas e outras calúnias, cau-
sadas pela inveja, talvez o mais forte sentimento que o homem
tenha em relação a outro. Nem o amor é igual a ele, porque é
mais mau e vira ódio. Mas neste caso, a pureza e a nobreza de
sentimentos do herói foram mais fortes.
O tigre fica seu amigo e costumam fazer caminhadas pela
floresta, quando o tigre lhe conta os sofrimentos que seus pais e
parentes também sofreram, mortos ou aleijados por caçadores. “In-
clusive”- disse ao jovem amigo: “a pele com a cabeça de meu
avô ‘decora’, como tapete, a sala de audiências do Rei. Um belo
animal que era, agora todo o mundo pisa no couro do coitado. Na
parede, uma cabeça empalhada e linda de um tigre de Bengala,
deve ser da minha avó.”
Assim, apenas a coragem de um jovem, puro, inexperiente,
sem nada a perder, poderia restabelecer a verdade. A partir da-
quele dia, o tigre ficou proibido de usar a caverna para não assus-
tar mais as pessoas. Foi levado a um distante Parque de Preserva-
ção Ambiental, parecido com seu verdadeiro habitat natural.
(Habitat, querido Sérgio, é uma palavra da Biologia. Diz-se
de ambientes onde formas de vida vivem adequadamente: seu
meio natural. Tá legal? foi logo se adiantando a professora e nar-
radora).
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Um viajante vendedor de animais para jardins zoológicos


de todo o mundo (prática ilegal), passando lá perto, ouviu o
rugido de outro tigre. Um morador vizinho disse que era fêmea.
Quem sabe os dois... Na verdade, as pessoas é que assustam o
tigre e outros animais. O medo ao homem é uma reação natu-
ral de todos os bichos. O Rei, satisfeito, por Decreto Real, man-
dou repor nos dicionários a palavra “coragem”.

O T ig
igrr e de Beng
Bengala:
ala: “ Os covardes e mentirosos
sempre acham justificativas para seus fracassos” ou o co-
rajoso nem sempre é aquele que parece mais poderoso:
as aparências enganam.”
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