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  Tiragem: 50121   Pág: 14

  País: Portugal   Cores: Cor

  Period.: Semanal   Área: 29,32 x 37,87 cm²

ID: 31063731 16­07­2010 | Ípsilon   Âmbito: Informação Geral   Corte: 1 de 4

“Coimbra não sa
– e por isso não va
Tem duas companhias de teatro profissionais, um realizador de cinema instalado num ovni,
músicos que levaram longe o nome da cidade. E, no entanto, não está no mapa cultural do país.
Sabemos o que Lisboa fez no Verão
Reportagem

passado e talvez o que o Porto fez há


duas semanas. Mas quando foi a úl-
tima vez que tivemos notícias cultu-
rais de Coimbra? Vinte valores para
quem disse 2003: era ano de Capital
Nacional da Cultura (CNC), a primei-
ra do país, e a cidade onde, dizem,
se fala o melhor português de Portu-
gal, acontecia hora sim, hora sim.
Houve até quem se queixasse de tan-
ta fartura. “Que era oferta cultural a
mais”, recorda Abílio Hernández,
que foi o comissário da CNC.
De então para cá, foi a travessia no
deserto – ok, este ano há U2, os bilhe-
tes esgotaram-se enquanto o diabo
esfregou um olho, mas esgotar-se-iam
na mesma se o concerto fosse em Lis-
boa ou em Freixo de Espada à Cinta.
Isto somos nós que dizemos, que de
então para cá foi a travessia no deser-
to – porque a quem lá está apetece
dizer que quem está fora racha lenha.
Que é como quem diz que em Coim-
bra se passam coisas, muitas coisas
até, mas não passam na comunicação
social. E o que não está na comunica-
ção social não existe para o país.
E Coimbra existe para o país?
Existe, e foi por isso que lá fomos,
saber o que se passa com a cultura
de uma cidade a que se associa de
imediato, para o bem e para o mal,
a sua universidade. E aqui estamos
nós, numa tarde sufocante de uma
quinta-feira, sentados numa espla-
nada, a ver Coimbra e a sua univer-
sidade passarem. Isto é a Praça da
República, as Escadas Monumentais
são ali ao virar da esquina e vamos
olhando estudantes trajados e dei-
tando o ouvido às conversas de café.
Fala-se essencialmente da Queima
das Fitas, que acabou há uma sema-
na (estivemos lá dois dias em Maio).
E isso explica muita coisa. Explica,
por exemplo, que a cidade esteja ain- Teatro da Cerca de S. Bernardo, Escola da Noite A Escola da Noite tem 15 profissionais
da a ressacar dos excessos – e que em permanência, mas, na opinião de Pedro Rodrigues, precisaria de pelo menos mais dez. “Temos a mesma
por isso não haja grande coisa para estrutura de pessoal para a programação e para a criação artística, o que nos obriga a uma grande ginástica.”
fazer nesta primeira noite. Abrimos Excluindo os seus próprios espectáculos, a companhia programa na área do teatro desde Janeiro de 2009
o “Diário de Coimbra”, um dos dois
jornais diários da cidade, e a oferta
cultural para hoje é praticamente do Ípsilon; o mesmo dia em que ha- do país e manteve-se como a terceira conseguiu olhar para cima, para a
nula. Sim, há cinema (Lusomundo, verá concerto no Salão Brazil. cidade de Portugal até aos anos de universidade – nada se fazia em Coim-
em dois centros comerciais), mas Sentimo-nos tentados a encolher 1960. A partir de meados do século bra sem pedir autorização à universi-
nada que nos estimule. E depois há os ombros e a dar por terminada a passado, as outras cidades do país dade”. “Nas últimas duas décadas tem
o lançamento de um livro de Leonel nossa missão: Coimbra é invisível pa- mudaram muito: Leiria, Aveiro, Guar- havido tentativas de reconciliação e
Cosme na Livraria Almedina; fado ra o país, porque aqui não se passa da. Cresceram e sentiram necessida- agora há uma boa relação institucio-
no Centro Cultural D. Dinis; uma con- nada. Mas perceberemos que tivemos de de crescer contra o modelo central nal entre a cidade e a universidade”,
ferência de João César das Neves e apenas azar na noite. de cidade que era Coimbra. Não po- acrescenta Hernández, que foi pró-
finalmente as Jornadas de Cultura demos esquecer-nos que foi daqui reitor da cultura entre 1994 e 1998.
Popular do Grupo de Etnografia e Lisboa e a paisagem que saiu Salazar e essa foi uma marca Estes são problemas que “ainda
Folclore da Academia de Coimbra. Sorte tivemos com o sítio onde mar- que as outras cidades usaram em seu não estão totalmente resolvidos” e
O vizinho Teatro Académico de Gil cámos encontro com Abílio Hernán- benefício.” que se reflectem na dinâmica cultural
Vicente (TAGV) está a zeros; a com- dez. O café do TAGV está quase de- Coimbra reagiu da pior maneira a es- da cidade. “Coimbra tem-na, e tem-na
panhia de teatro Escola da Noite saiu serto e o ar condicionado competen- ta concorrência: “ensimesmou-se”. através da acção dos produtores e dos
com um espectáculo para Braga; O tíssimo talvez ajude a uma conversa “Reagiu como o fidalgo que não vê a dinamizadores culturais, que existem
Teatrão ocupa-se por enquanto com mais fluida. O ex-comissário da CNC, decadência em que mergulhou. E vi- e têm uma acção de relevo: o CAPC,
a Mostra de Teatro Escolar; no Cír- professor da Faculdade de Letras, veu durante muito tempo à sombra que foi muito importante para o lan-
culo de Artes Plásticas (CAPC) ulti- serve-se do passado para enquadrar da universidade – e dando-se mal com çamento da arte conceptual em Por-
ma-se uma exposição que há-de o presente da cidade. “Coimbra teve a universidade, o que é um mistério.” tugal nos anos 1970, as companhias
inaugurar-se no dia seguinte à visita durante séculos a única universidade Durante vários anos, a cidade “não A Escola da Noite e O Teatrão, a Bo-
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  País: Portugal   Cores: Cor

  Period.: Semanal   Área: 28,33 x 37,19 cm²

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be para onde vai


i a lado nenhum”
um antigo salão de jogos que agora é restaurante-bar-sala-de-concertos-e-tudo-o-mais-que-vier,
Afinal, o que é que Coimbra não tem? Sandra Silva Costa (texto) e Paulo Pimenta (fotos)
pouco, quando comparados com os lar. “Temos muita dificuldade em cha- bra, no centro da cidade, mas já não
de outras companhias”, realça Isabel mar a atenção das pessoas para o que “Há uns tempos, tínhamos condições para lá estar. Se
Craveiro –, o ritmo de produção e pro-
gramação da companhia é assinalável.
aqui vamos fazendo. Neste momento
não há um crítico de teatro que venha
recebi um ‘mail’ estivéssemos em Lisboa, não sei até
que ponto conseguiríamos produzir
O relatório de actividades de 2009 assistir aos espectáculos.” E mais: dando conta da ao custo a que conseguimos produzir
(olhámos para este ano por incluir tratando-se de companhias subsidia- aqui. E no ano passado produzimos
uma compilação definitiva e fiável dos das, a directora d’O Teatrão entende presença de Valentin três longas-metragens, três curtas, aí
dados) da companhia assinala a pro- que a actividade deveria ser escruti- uns dez ‘videoclips’.”
dução de quatro espectáculos: “Cenas nada. “Se os dinheiros são públicos, Teplyakov ‘pela Tudo isto para dizer que sim, fa-
de Espera I e II”, na Tabacaria, com então por favor fiscalizem-nos.” zem-se coisas em Coimbra. “Há certos
91 espectadores em duas apresenta- Antes de cortarmos o microfone ao primeira vez em agentes que, por sua conta, têm dado
ções; “Refuga”, com os adolescentes
como público-alvo; “Fios e Labirin-
teatro e o abrirmos ao cinema, mais
duas achas para a fogueira. António
Portugal’. Ele já tinha alguma visibilidade à cultura na cida-
de. Não é, seguramente, à custa da
tos”, um projecto pedagógico em co- Augusto Barros: “A Escola da Noite estado duas vezes câmara”, diz António Ferreira – e ago-
laboração com a Câmara Municipal e faz muitas digressões pelo país, mas ra está definitivamente posto o dedo
a Escola Superior de Educação de não vai ao Porto e a Lisboa porque em Coimbra. Não veio na ferida. “Temos tido apoio zero. No
Coimbra; “Boa Alma de Setzuan”, um não há salas disponíveis para acolher ano passado filmámos uma longa to-
regresso d’O Teatrão a Brecht que le- os nossos espectáculos.” Isabel Cra- a Lisboa? Então não da em Coimbra e nem sequer nos li-
vou à OMT 562 espectadores; e “D. veiro: “Há uns tempos recebi um ‘e- vraram das taxas de ruído e de ocu-
Quixote (de Coimbra)”: 72 apresen- mail’ dando conta da presença de aconteceu”, desabafa pação da via pública. Só temos quei-
tações que entraram por Janeiro des-
te ano, com uma média de 94 espec-
Valentin Teplyakov [professor da Aca-
demia Russa de Artes de Moscovo]
Isabel Craveiro xas a fazer. Andamos há dez anos a
produzir em Coimbra e ainda nos per-
tadores por noite. E depois houve um ‘pela primeira vez em Portugal’. Ele guntam se somos de Coimbra.”
não mais acabar de acolhimento de já tinha estado duas vezes em Coim- Mais de Coimbra não há – este po-
espectáculos – desde Ana Deus aos bra. Não veio a Lisboa? Então não deria muito bem ser o slogan da RUC,
Gaiteiros de Lisboa, passando pela aconteceu.” a rádio que, em 107.9 FM e desde
companhia de Paulo Ribeiro. Ao todo, 1989, põe a cidade e os seus estudan-
passaram em 2009 pela OMT 15. 452 Navegar à vista tes no mapa. Aqui estamos nós no
espectadores – uma média de 71 por E a nós o que nos aconteceu? daqui saem filmes para o mundo ou edifício da Associação Académica, a
espectáculo. “Nós não fazemos só es- Andámos perdidos em Cernache, “videoclips” para a Disney. A Persona ouvir pedaços de Origami, o progra-
pectáculos, fazemos espectáculos a uns 15 quilómetros de Coimbra, de- Non Grata está ligeiramente fora do ma que, às 17h30, se dedica à música
para chegarem às pessoas, e percebe- baixo de um calor ainda mais sufo- contexto: rodeada de campos de mi- electrónica. Mas para Alexandre Le-
mos que elas estão disponíveis para cante, à procura de um ovni. A custo, lho, implantada numa zona comple- mos, o actual director da RUC, agora
ser trabalhadas enquanto público”, chegamos à Rua Ribeira de Casconha, tamente rural, onde a vida acontece a música é outra. “Em muitos aspec-
observa Isabel Craveiro. mas nem sombras da Persona Non devagar – nas ruas, na igreja e no café tos, a cultura em Coimbra é basilar
E o público também encara “com Grata, a produtora de cinema que o ali do lado. É por isso que lhe chama- para a cultura portuguesa, mas quan-
muita simpatia” o trabalho que A Es- realizador António Ferreira instalou mos “ovni”. Como também podería- do nos pomos a pensar quando foi a
cola da Noite vem fazendo em Coim- num antigo lagar de azeite. Perdemo- mos chamar (mas não chamamos) última vez que tivemos notícias cul-
bra há 18 anos, informa, por sua vez, nos, andamos às voltas, usamos o te- extraterrestre a António Ferreira – ele turais de Coimbra, aí temos razões
António Augusto Barros, director ar- lemóvel. Lá está António, ao fundo que detém a única produtora de ci- para ficar preocupados”, diz.
tístico da companhia, que há menos da rua, de calções e t-shirt, a acenar- nema fora de Lisboa e do Porto. Agora em velocidade de cruzeiro
de dois anos é a residente do Teatro nos. Chegamos finalmente ao ovni. Circunstâncias da vida: “Estou aqui comenta: “Passaram sete anos desde
da Cerca de S. Bernardo, uma bela Visto de fora, este é apenas um edi- porque sou de Coimbra, se não não a CNC e não aconteceu nada a seguir.
sala de espectáculos que ainda cheira fício agrícola recuperado e, não se estaria, isso é óbvio. Mas de qualquer Aliás, perderam-se coisas: o TAGV, a
a novo. Regra geral, assistem aos es- tivesse dado o caso de António Fer- forma estou aqui um pouco por tei- grande sala de espectáculos que te-
pectáculos d’A Escola da Noite cerca reira ter convidado a freguesia a visi- mosia. Chegámos a Cernache há qua- mos, passou de uma sala com progra-
de 100 pessoas, quando a sala tem tar a produtora, ninguém diria que tro meses, antes estávamos em Coim- mação própria para uma sala que
nifrates, que tem um percurso na área capacidade para 180, adianta Pedro acolhe espectáculos apenas – e às ve-
do teatro amador muito consistente. Rodrigues, produtor da companhia. zes de qualidade duvidosa.”
Mas os protagonistas não chegam.” “Coimbra é uma cidade boa para tra- Alexandre Lemos, director da RUC Licenciado em Abrimos um parêntesis para dar
Voz aos protagonistas, então. A Isa- balhar, boa para experimentar, boa Programação Cultural, Alexandre Lemos é o representante em Portugal voz a Isabel Vargues, directora do TA-
bel Craveiro, directora artística d’O para um projecto se desenvolver”, da editora Bubok. Para além disso, integra a companhia de teatro GV desde Setembro de 2008: “Quan-
Teatrão, que nos abre a porta da Ta- considera António Augusto Barros, Marionet, que tem residência no Centro de Neurociências e explora as do entrei, estávamos num processo
bacaria, uma das salas de espectáculos mas esbarra num problema funda- relações entre o teatro e a ciência de arrumar a casa. Agora somos uma
da Oficina Municipal do Teatro (OMT), mental: o “feedback”. fundação, com tudo o que isso impli-
para onde a companhia se mudou no Discurso directo: “Um dos grandes ca. Continuamos a colaborar muito
final de 2008. “Coimbra ainda sofre problemas da área artística é a ques- com a Associação Académica, corres-
um bocado do mito de estar parada tão do ‘feedback’. Nós não somos mui- pondemos aos pedidos das escolas.
no tempo, mas acho que é só conver- to bafejados pela sorte, não temos cá E duvido de qual seja o interesse de
sa. Do meu ponto de vista, é possível comunicação social, temos muita di- termos peças de teatro com duas ou
fazer cá coisas, e com resultados bem ficuldade em meter notícias. Os jor- três pessoas a assistir. Creio que aí
conseguidos. O problema é que ainda nais só falam de Lisboa, para eles o estamos a falar de grandes criações
há uma espécie de folclore à volta da resto é paisagem. Quem manda nos narcísicas. Se o TAGV hoje já não ocu-
cidade que a torna um bocado ana- jornais nunca tira o cu de Lisboa, pa o lugar que ocupava? Hoje há uma
crónica. Isso condiciona a visão de aconteça o que acontecer, mesmo o oferta enorme: o Teatro da Cerca de
Coimbra, que parece uma cidade on- Porto tem muita dificuldade em meter S. Bernardo, o Salão Brazil, o Café
de as coisas não acontecem, como se notícias. A informação cultural é mui- Santa Cruz... Há uma febre de produ-
a tradição a sufocasse.” to regionalista, muito colonizada em ção de acontecimentos culturais em
A verdade é que acontecem: veja-se termos de amiguismo e de clientela. espaços que antes não se dedicavam
o caso d’O Teatrão. Com subsídios Costumo dizer: Jorge Silva Melo a sul tanto a isso. São públicos diferentes,
anuais de 150 mil euros da Direcção- e Ricardo Pais a norte. E isto significa e o TAGV não está preocupado com
Geral das Artes e 60 mil euros da Câ- uma perda para o país todo.” protagonismo.”
mara Municipal de Coimbra – “muito Isabel Craveiro faz uma leitura simi- Fechamos o parêntesis e volta-
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  Period.: Semanal   Área: 29,03 x 37,19 cm²

ID: 31063731 16­07­2010 | Ípsilon   Âmbito: Informação Geral   Corte: 3 de 4

Não é o caso esta noite, o que há


esta noite é um jantar de curso – e
também é por isso que o Salão Brazil,
“um espaço que conta quando se tra-
ta de fazer cultura em Coimbra”, é
um lugar estranho. Por aqui tanto
passam estudantes barulhentos, co-
mo músicos como António Zambujo,
que se incomodou “com o ruído dos
frigoríficos”. “Talvez tenha sido um
dos melhores concertos que já aqui
tive”, conta Telmo Costa, que já teve
no seu Salão Brazil nomes tão díspa-
res como Ena Pá 2000 ou Henry Gri-
mes, músico de jazz que regressou ao
mos à RUC e a Alexandre Lemos, Oficina Municipal do Teatro, O Teatrão Isabel Craveiro, directora artística d’O Teatrão, mundo dos vivos em Maio de 2003,
que estudou programação cultural. reconhece que a itinerância dos projectos da companhia é ainda “um bocadinho residual”. “O nosso é um projecto depois de 35 anos afastado dos palcos
“Se Coimbra está como está é por que ainda não é muito conhecido. Alguns programadores preferem ter nos seus espaços apenas um espectáculo – o Salão Brazil é palco habitual do
uma questão de opção. A câmara não por mês, mas um espectáculo que marque, em lugar de se abrirem a outras abordagens teatrais.” Festival Jazz ao Centro.
faz opções, a Fundação Bissaya Bar- Quem também já passou pelo Salão
reto não marca a agenda nacional, a foi JP Simões – ainda este ano, em Mar-
própria universidade também não depois da CNC”, refere Abílio Hernán- Cinema em Língua Portuguesa vai banalíssima sala de restaurante. O pé ço, para apresentar o seu álbum “Bo-
consegue fazer nada, sabemos como dez. E esse papel, na opinião de An- este ano para a sua quarta edição e direito é assinalável, as janelas ofere- ato”. Foi em Coimbra que nasceu, foi
estão as universidades.” Resultado: tónio Barros, deveria passar “pela nunca teve um euro de apoio da câ- cem uma bela vista para o emaranha- em Coimbra que acordou para a mú-
se à equação tirarmos “todos os agen- acção da autarquia”. “Há falta de am- mara. É revelador”, comenta António do de ruelas da Baixinha de Coimbra, sica – e foi em Coimbra que “a fúria
tes naturais da cidade, o que vamos bição cultural na cidade”, sublinha. Ferreira. E Alexandre Lemos solta mas não simpatizamos muito com as boémia e alienista dos anos 80” o es-
encontrar é o vazio de investimento”. A Câmara Municipal de Coimbra aquela que será, provavelmente, a cadeiras de napa vermelhas, nem clareceu sobre “a importância da arte
“Não há ninguém que tenha capaci- tem outra visão. Por “e-mail”, Joana tirada mais cáustica: “Coimbra é uma com as toalhas de papel. O que é o e da atitude como forma de resistência
dade e vontade para marcar severa- Loureiro, a adjunta da vereadora cidade que não sabe para onde vai e Salão Brazil?, apetece-nos pergun- ao morno caldo social que nos convida
mente a agenda de Coimbra”, acusa da Cultura, Maria José Azevedo San- que consequentemente não vai a lado tar. a morrer em vida”, recorda, por “e-
o director da RUC, para logo a seguir tos, explica ao Ípsilon que, apesar dos nenhum.” Perguntamos mesmo e Telmo Cos- mail”. Agora radicado em Lisboa, JP
avançar com uma sugestão. “O que constrangimentos financeiros que ta responde: “Abriu há seis anos e Simões lembra que, vista da A1, “Coim-
faz falta é uma superestrutura que afectam praticamente todas as autar- “Cidade do Conhecimento” resultou da recuperação de um anti- bra começou por ter uma placa ilus-
pegue nas várias coisas que aconte- quias do país, a câmara não deixa “de Nós sabemos muito bem onde vamos go salão de jogos muito popular. No trativa que a designava como ‘Cidade
cem em Coimbra e lhes dê um senti- ter planos concretos, e nalguns casos – jantar ao Salão Brazil. Anda nas bo- início era apenas um restaurante, ago- Museu’”. Agora é a “Cidade do Conhe-
do comum. A cidade não sabe atrair. ambiciosos”, para atingir o seu “gran- cas do mundo em Coimbra, mas, con- ra é muita coisa. É um lugar onde se cimento”. “Institucionalmente, isto
Todos conhecemos cidades menos de objectivo”. Que não é um, são vá- fessamos, não percebemos logo por- almoça por cinco euros, onde à noite quer dizer que os pensadores da edili-
interessantes de ‘per si’ do que Coim- rios. A saber: “melhorar considera- quê. Estamos no primeiro andar de se pode jantar por nove ou por 30 ou dade não apreciaram a morbidez da
bra, com património edificado menos velmente a difusão da leitura e do li- um edifício de 1896 no Largo do Poço 40 e onde há uma programação mu- primeira sugestão, ou seja, de Coimbra
atractivo, que sabem vender-se. Aqui vro no concelho”; criar “um arquivo e o que temos à nossa frente é uma sical de qualidade.” ser uma cidade morta, museu de si
não é falta de ‘hardware’. É falta de municipal constituído por toda a me-
fôlego, de agressividade e de estraté- mória escrita, que remonta à Idade
gia. A vereação da cultura, mesmo Média e vem até à actualidade – uma
sem um tostão para programar, tem das grandes estratégias [da autar-
de ser capaz de gerir a agenda cultu- quia]”; defender e preservar “o patri-
ral da cidade.” mónio municipal”; promover e dina-
Neste ponto, toda a gente concor- mizar “uma acção cultural multímo-
da. “Coimbra teria todas as condições da, de qualidade, atractiva, que, nas
para se constituir como um ‘cluster’ suas várias expressões, desde o teatro
cultural. É maneirinha, ‘cosy’. Mas ao cinema, à música, à dança, ao fol-
para isso era preciso que houvesse clores e às artes plásticas, passando
quem se responsabilizasse por asse- por ateliers e ‘workshops’ de poesia,
gurar a dinâmica cultural que nasceu contos, gastronomia e artesanato,
cative vertical e transversalmente os
públicos (urbano e rural) e de todas
as faixas etárias”; e, finalmente, “fa-
zer um esforço cada vez maior para
trabalhar em rede com todas as ins-
tituições e agentes culturais da cidade
“Já estamos noutra e do país”.
Este argumentos não convencem
era que não quem lá está. “No que toca à cultura,
a câmara não tem visão, navega à vis-
a de Pedro e Inês ta. Estamos na cidade dos doutores,
e Coimbra ainda não mas uma cidade que não percebe que
o mundo mudou, que já estamos nou-
percebeu isso”, tra era que não a de Pedro e Inês. Lis-
boa e Porto são cidades criativas, vi-
considera o radas para a modernidade. Aqui não,
dá-se maioria a pessoas conservado- Teatro Académico Gil Vicente Já foi “a” sala de espectáculos de Coimbra, mas nos últimos anos
realizador António ras, que apostam nas rotas gastronó- o TAGV foi perdendo o brilho. A directora, Isabel Vargues, diz que, com a passagem a fundação, há novos desafios
micas e nas viagens medievais. O Mos- pela frente. “Não somos a Gulbenkian, nem Serralves, nem temos um mecenas por trás, temos antes a
Ferreira tra Língua – Festival Internacional de universidade, mas vamos fazendo o nosso caminho.”
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  País: Portugal   Cores: Cor

  Period.: Semanal   Área: 12,09 x 37,33 cm²

ID: 31063731 16­07­2010 | Ípsilon   Âmbito: Informação Geral   Corte: 4 de 4


Salão Brazil “O que é que fazias, se isto fosse teu?”, perguntou
Telmo Costa aos amigos. Eles foram respondendo e o Salão Brazil agora
dá cartas em Coimbra. É uma sala de concertos por onde tanto podem
passar os Ena Pá 2000, como nomes importantes da cena jazz mundial

própria, presa de uma mítica vitalida- inquérito – e se calhar devíamos ter


de intelectual muito associada ao facto feito. “Se for perguntar às pessoas na
de ter uma das mais antigas universi- rua, provavelmente 80 por cento de-
dades da Europa e reiterada pelas lutas las não sabe que o CAPC existe e se
estudantis que exaltam a ligação da sabe não sabe onde ele está.” Para que
academia ao fado dito ‘erudito’, à vida conste, está na Casa Municipal da Cul-
boémia, poética e pró-revolucionária tura, ao cimo do Jardim da Sereia, e
da massa estudantil.” está a “entrar numa espécie de nova
Para JP Simões, isto quer dizer que euforia”, informa, por telefone, An-
“há também uma enorme expectati- tónio Olaio, artista plástico emocio-
va, mesmo do resto do país, sobre nalmente ligado ao CAPC, mas que
aquilo que Coimbra poderá dar à cul- não tem nele qualquer função direc-
tura portuguesa”. O problema, acre- tiva.
dita, é que isso “tem estagnado a cria- “Até agora, o CAPC fazia um traba-
ção artística e a produção cultural, na lho muito mais interessante do que a
medida em que fortalece a mera e divulgação do trabalho que fazia.
constante auto-homenagem que as Parece-me que pode haver um refor-
classes políticas tanto apreciam, em ço na sua visibilidade, com a direcção
detrimento da força crítica e do com- que tomou posse há pouco tempo”,
bate estético-ideológico que qualquer junta o também professor na Facul-
comunidade precisa para intensificar dade de Arquitectura, que gostaria
a sua forma de se compreender”. que a própria cidade “estivesse mais
A boa notícia é que a cidade “conta familiar” com o Círculo de Artes Plás-
com uma série de irredutíveis do tea- ticas. “É importante aproximar a ci-
tro, da fotografia, da música e da po- dade do CAPC, o que não passa por
esia, que vão serenamente construin- uma mudança de estratégia de pro-
do o seu futuro e, possivelmente, o gramação, no sentido de imaginar
futuro da criação artística da cidade”. uma estratégia mais populista. O im-
A má notícia: “O grosso da população portante é que reforce a relação com
da cidade não se constitui num públi- a universidade e através dela com os
co suficientemente interessado para estudantes e com a cidade.”
garantir a exequibilidade e a continui- E como é que o ex-Repórter Estrá-
dade de projectos culturais minima- bico vê a cultura em Coimbra? “Há
mente excitantes: trata-se de uma muitas cidades dentro da cidade. Eu
cidade muito conservadora que pre- lido mais com a parte dela que é exi-
cisa de renascer intelectualmente.” gente em termos culturais e que está
naquele grupo que não está satisfeito,
Desgraça não, justiça mas já me cansei de fazer o discurso
Hoje já é sexta-feira, continua o mes- da desgraça. Se há tanta gente a fazer
mo calor, e subimos a custo até ao esse discurso, no mínimo essas pes-
Pátio da Inquisição. Ainda não são soas já compõem uma cidade interes-
13h00, estamos filados em ir espreitar sante”, considera. E diz mais: “Coim-
o Centro de Artes Visuais de Coimbra, bra vive numa contradição: tem uma
herdeiro dos célebres Encontros de produção cultural que nasceu muito
Fotografia. Damos com o nariz na por- do meio estudantil e ao mesmo tem-
ta: na Internet tínhamos lido que abria po uma imagem de alguma boçalida-
das 10h00 às 19h00, esta porta infor- de ligada sobretudo às praxes. Viveu
ma que abre das 14h00 às 19h00. Te- muito tempo à sombra da excelência
mos pena, mas não podemos esperar. da sua universidade e depois ridicu-
Como não podemos esperar pelo fim larizou-se a própria pretensão da ci-
da tarde, que marca a inauguração da dade. Acho que já é tempo de olhar-
exposição “Um olhar sobre a colecção mos com mais justiça para ela.”
do CAPC”. Foi dica de Abílio Hernán- Apetecia-nos dizer assim seja, mas
dez, mas não chegámos a fazer este dizemos antes ponto final.

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