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LITERATURA DE CORDEL

A importância da tradição
assim: “[...] pelo fato dos folhetos se- ilustrados com xilogravura, mas não Caro educador, a minha intenção
rem expostos pendurados em barban- trabalham com as rima, métrica, tradi- não é só somente indicar o erro que
tes e vendidos em feiras em Portugal”. ção ou a oralidade do cordel. as pessoas publicam em saites e livros
Ou seja, este nome e essa tradição são Todo cordel tem ilustração em xi- para desmerecer as pesquisas anterio-
ibéricos, não nordestinos. logravura. Muitos têm; outros, não, res, mas alertar e orientar para que os

na cultura popular
No Brasil, muitos cordelistas não embora a xilogravura esteja umbilical- equívocos diminuam cada vez mais e
perpetuaram a tradição de pendurar mente ligada aos folhetos de cordel, que possamos chegar, algum dia, às
folhetos em barbantes e vendiam principalmente a partir dos anos 1930. informações que mais se aproximem
seus folhetos em bancas, no chão A literatura de cordel e o repente ao real universo dos poetas cordelistas
etc. Neste ponto devemos tomar mui- são as mesmas manifestações. A lite- e repentistas.
to cuidado, pois alguns educadores ratura de cordel é impressa, já o repen- Analisando bem, muitas dessas
César Obeid penduram em barbantes os folhetos te é o canto com versos improvisados. informações (e aqui eu só cito algu-
A literatura de cordel já entrou Os primeiros cordelistas brasileiros mas por falta de espaço) muitas ve-

Klévisson Viana
com força total nas escolas! Inúme- eram também repentistas. E até hoje zes, minimizam o amplo universo da
ros livros didáticos e paradidáticos todo bom cordelista, mesmo não sen- literatura de cordel, podendo inclusi-
procuram tratar deste rico universo, do repentista, conhece profundamente ve reduzi-lo a um “folclore” distante
os educadores e alunos estão se en- as regras e as estruturas do repente. no tempo e no espaço.
cantando com o sabor das rimas e O poema “Vaca Estrela e Boi Sei que é difícil contradizer um
o colorido da oralidade das estrofes Fubá” do mestre Patativa do Assaré é conceito previamente estabelecido,
dessa incrível narrativa brasileira! literatura de cordel. O Poeta Patativa mas é que muitos dos pontos que
Vamos saber um pouquinho mais escreveu lindos cordéis, mas tam- descrevi foram deslizes de interpre-
sobre o assunto e os cuidados que de- bém publicou muito “poesia matuta”, tação de algum escritor ou conceitos
vemos ter para não perpetuar as infor- outro estilo da literatura sertanejo-nor- muito antigos, que necessitam ser
mações equivocadas que circulam na destina, que é diferente do cordel. O repensados e atualizados.
internet (e em alguns livros também!) cordel utiliza as modalidades da can- Nas oficinas que ministro, vejo os
para que todos possam aproveitar ao toria de viola e rimas com exatamente educadores impressionados ao sa-
máximo o cordel em sala de aula. Exis- o mesmo som. A Poesia Matuta pode berem da multiplicidade e riqueza de
tem algumas informações equivocadas usar rimas com o som parecido e ou- estrofes e rimas do cordel (sextilha,
sobre o cordel que não conferem com tras modalidades de estrofes. setilha, oitava, décima, martelo, galope
a realidade, como as seguintes: O cordel costuma ser vendido em e muitas outras) e de como essas ferra-
“Existem criações de cordel em mercados e feiras pelos próprios auto- mentas podem ser úteis no desenvolvi-
prosa”. A literatura de cordel brasi- res. O cordel já foi muito mais vendido mento do leitor.
leira, chamada de “folheto” ou “ro- em feiras e mercados. Percebe-se hoje Este é o momento de refletir o por-
mance” pelo povo é invariavelmente a presença de poetas em escolas, fa- quê da chamada cultura erudita não
escrita em versos rimados e metrifi- culdades, centros culturais, etc. Mas a dar a devida atenção às manifestações
cados. A literatura de cordel ibérica é tradição do próprio poeta vender seus espontâneas que nascem para repre-
que poderia ser escrita na forma de folhetos se mantém. sentar um anseio de uma comunidade
prosa ou em verso. Os temas tratam sobre as façanhas e não os desejos e vontades de um só
“Os folhetos de cordel são feitos do cangaceiro Lampião e do suicídio artista, pois o artista popular é um re-
em papel de péssima qualidade”. Os de Getúlio Vargas. Esses temas e ou- presentante do povo, dos seus costu-
poetas do passado utilizavam o melhor tros ligados ao universo do imaginário mes e desejos.
recurso gráfico disponível da época nordestino ainda são tratados pelos Se alguns pesquisadores eruditos
para a impressão dos seus folhetos, o poetas, mas a infinidade e a diversida- insistem em “folclorizar” pejorativa-
que poderia até ser um papel de baixa de de assuntos também fazem e fize- mente as manifestações populares,
qualidade, devido à escassez de recur- ram parte das narrativas de cordel. O eliminando sua contemporaneidade,
sos. Hoje, a vontade de fazer o melhor limite é a imaginação de cada poeta, nós, educadores e poetas, devemos
não mudou e, para isso, os poetas uti- qualquer assunto pode virar cordel nas ter coragem para mostrar a cultura
lizam todos os recursos gráficos dispo- mãos de um poeta habilidoso. sem qualquer medo ou receio. Mas
níveis. De modo geral, a produção está toda mudança exige coragem, e sin-
“A literatura de cordel é assim cha- em declínio. Declínio? Temos inúme- ceramente espero que esta coragem
mada pelo fato de os folhetos serem ros e excelentes poetas atuantes de vista a fala e as ações de todos que lu-
expostos pendurados em barbantes e todas as idades, espalhados por todo tam pelas culturas tradicionais popu-
vendidos em feiras do nordeste brasilei- o Brasil, como pode ser uma arte em lares e, se eu estiver equivocado, fico
ro”. A frase estaria certa se terminasse declínio? de coração aberto para me corrigir.

* César Obeid é pesquisador e escritor


44 MARÇO / ABRIL 2008 (www.teatrodecordel.com.br). VIDA E EDUCAÇÃO 45

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