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RESPONSABILIDADE CIVIL

Dr. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino1

1 CONCEITO
O Código Civil, no art. 927, abre o Título IX referente à responsabilidade civil. Estabelece
que responsabilidade civil é a atribuição que se dá a alguém da obrigação de reparação de danos
produzidos à outra pessoa em decorrência de atos ilícitos.
O art. 927 demonstra claramente o que é responsabilidade civil: a obrigação de reparação
de danos, ou ainda, como diz o Capítulo I, a obrigação de indenizar.

2 PRESSUPOSTOS
No entanto, essa obrigação de indenizar não é atribuída arbitrariamente pelo legislador;
há certos critérios, requisitos, pressupostos. Os pressupostos da responsabilidade civil são os
elementos que devem estar presentes no ato ilícito. Assim, a “ponte” da responsabilidade civil é o
ato ilícito. Os elementos do ato ilícito vêm antes da própria a responsabilidade civil, e são
qualificados como seus pressupostos.
Podemos identificar o conceito básico de ato ilícito, no art. 186, do CC:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Esse conceito corresponde ao do art. 159, do CC/1916:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano”.

Então, a partir do art. 186, do CC, podemos identificar cinco pressupostos para a
responsabilidade civil, que são:

 o fato;
 o nexo de imputação;
 a ilicitude;
 o nexo causal;
 o dano.

2.1 O FATO
É um conceito bastante amplo, e abrange todos os acontecimentos da vida que tenham
aptidão para a causação do dano. Portanto, abrange os fatos próprios, os fatos praticados por
terceiros, bem como aqueles fatos praticados por animais, por coisas, por imprevistos, enfim, as
mais diferentes situações possíveis. Então, o conceito de fato é bastante amplo, abrangente.

2.1.1 FATO PRÓPRIO


Fato próprio é a responsabilidade civil por excelência. Cada pessoa deve ser responsável
pelos fatos que pratica; pelos atos que comete. Dessa forma, se alguém, eventualmente, pratica
um ato ilícito, deve ser responsável pelos fatos cometidos (ex.: quem agride moralmente alguém

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Desembargador do Tribunal de Justiça do RS. Palestra proferida no dia 30.08.2008, em Sant’Ana do Livramento/RS.

1
[ato ilícito] deve ser responsável pelos fatos cometidos).
É importante ressaltar que o fato próprio, segundo o Código Civil, pode ser comissivo ou
omissivo. Comissivos são aqueles praticados por atos positivos, por uma ação. Eventualmente,
porém, o dano pode ser causado por um ato omissivo, por uma omissão; o que é mais improvável,
já que o nexo causal nesse caso é mais complexo, visto que não há apenas uma causa, mas uma
multiplicidade de causas. Então, dentro dessa multiplicidade de causas, uma delas poderá ser uma
omissão. Dificilmente a omissão causará um dano, mas deixa de impedir o dano, quando deveria
fazê-lo.
Veja o exemplo: Michael Phelps, campeão de natação, vai à praia. Fica amigo de um salva-
vidas, e os dois ficam conversando na praia. Ficam os dois ali, até que, de repente, uma pessoa que
resolveu dar um mergulho, é levada pelo repuxo do mar. Ocorre que, tanto o salva-vidas como o
campeão não socorrem essa pessoa, que acaba morrendo por afogamento. Nesse caso, haverá a
conduta de omissão do campeão, que deveria, ao menos, tentar salvar a pessoa; bem como uma
conduta de omissão do salva-vidas, que tem por dever salvar os banhistas.
A pergunta é a seguinte: os dois poderão ser responsabilizados pela morte dessa pessoa?
Não, ainda que o art. 927 fale em omissão. O responsável, nesse caso, será apenas o salva-vidas,
pois o campeão tinha apenas dever moral de agir, enquanto que o salva-vidas tem dever jurídico.
Dessa forma, a omissão, para efeitos de responsabilidade, deve conter o dever jurídico, e
não apenas o dever moral.

2.1.2 FATO DE TERCEIRO


Excepcionalmente, pode-se atribuir responsabilidade a alguém por um fato cometido por
outra pessoa; não é a regra, pois o normal é a responsabilidade civil por fato próprio. Ocorre,
basicamente, quando a lei estabelecer essa responsabilidade. As principais regras que estabelecem
a responsabilidade por fato de terceiro estão previstas no art. 932, do CC:

A) OS PAIS, PELOS DANOS CAUSADOS PELOS FILHOS MENORES QUE ESTIVEREM SOB SUA AUTORIDADE E EM
SUA COMPANHIA (ART. 932, I, DO CC)
O pai é responsável pelos atos praticados pelo filho menor. No entanto, é importante
observar este seguinte exemplo: um filho maior, já com 19 anos de idade, após servir ao Exército,
compra um carro com suas economias. Volta a morar com os pais para fazer faculdade. Certo dia,
ao voltar de uma festa, acaba se envolvendo em um acidente de trânsito. É culpado, já que tinha
bebido demasiadamente e passou no sinal vermelho, destruindo o seu, e o carro de outra pessoa.
Essa pessoa ingressa com uma Ação Indenizatória contra o filho e contra o pai (alegando
dependência econômica). Nesse caso, o pai será responsável? Não. Observe-se que o carro estava
em nome do filho, que o comprou com seus rendimentos. De fato, o filho é dependente
econômico do pai, mas não é dependente jurídico.
No entanto, com base no mesmo exemplo acima, haveria responsabilidade civil do pai se
este tivesse emprestado seu carro ao filho. Observe-se que, nesse caso, o pai seria
responsabilizado não por ser pai, mas por ser o dono do carro.

B) OS TUTORES E OS CURADORES, PELOS ATOS PRATICADOS, RESPECTIVAMENTE, PELOS SEUS PUPILOS E


CURATELADOS (ART. 932, II, DO CC)

C) O EMPREGADOR (PESSOA NATURAL OU PESSOA JURÍDICA) OU COMITENTE, PELOS ATOS PRATICADOS


PELOS SEUS EMPREGADOS, SERVIÇAIS E PREPOSTOS, NO EXERCÍCIO DO SERVIÇO OU EM RAZÃO DELE (ART. 932, III, DO
CC)
Na relação de empregador/empregado, não se exige mais a prova da culpa, superada pelo

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Código Civil de 2002: o art. 9332 claramente estabelece que a responsabilidade é objetiva,
independentemente de culpa. Então, não há mais necessidade da comprovação de culpa nessa
relação. Assim, culpa in vigilando e culpa in eligendo na relação empregador/empregado estão
superadas pelo CC de 2002, pois a responsabilidade é objetiva. É claro que isso não impede o
direito de regresso do empregador contra o empregado.

D) O DONO OU DETENTOR DO(S) ANIMAL(IS), PELOS DANOS CAUSADOS POR ESTES (ART. 936, DO CC)
É importante falar sobre a responsabilidade por fatos causados por animais, fato comum
nos Juizados Especiais. Ex.: acidentes de trânsito causados por um cavalo, danos causados por uma
galinha que invade e causa danos no terreno vizinho etc. Nesses casos, a responsabilidade é do
dono ou detentor do animal, pelo art. 936. Note-se que o detentor é responsável solidariamente
com o dono do animal. Importante também ter cuidado com as regras específicas e especiais para
fins de responsabilidade por fato de animal. Um erro, na prática, é tentar provar a culpa do
dono/detentor do animal, pelo art. 186, do CC. Isso não é necessário, pois há uma regra especial
de responsabilidade civil – o art. 936, do CC.
A responsabilidade do dono/detentor é objetiva, independente de culpa. Assim, não há
necessidade de comprovação de culpa do dono do animal. No entanto, este pode se defender pelo
nexo causal, alegando culpa exclusiva da vítima (a vítima provocou seu próprio dano), ou por força
maior (por um temporal, uma tempestade, não se teria como evitar). É uma situação excepcional,
mas o ônus da prova é de quem alega, ou seja, do dono do animal, o réu da Ação de Indenização;
quem deve demonstrar a ocorrência dos fatos.
Ex.: certo dia, uma vaca pára no meio de uma estrada. Uma pessoa, ao passar pelo trecho,
atropela a vaca. O carro fica completamente amassado e a vaca morre. A ocorrência é atendida
pela Polícia Rodoviária Estadual. São tiradas fotos, inclusive da marca da vaca. O dono do carro,
então, ingressa com uma Ação Indenizatória contra o fazendeiro dono da vaca, sendo que suas
provas são, basicamente, a marca da vaca e os depoimentos dos policiais que atenderam à
ocorrência, ou seja, sem provas de culpa do dono do animal, apenas dos danos sofridos. O réu
(fazendeiro), em contestação, alega que não tem culpa, e que isso não foi provado pelo autor. A
ação é julgada procedente. Em recurso, o réu alega a necessidade da prova de sua culpa. O
julgamento do recurso, é simples: como o réu não demonstrou a culpa exclusiva da vítima (no
caso, o autor) ou por força maior, ele é o responsável, em razão da regra específica do art. 936, do
CC.

E) O DONO DE EDIFÍCIO OU CONSTRUÇÃO PELA RUÍNA DESTE (ART. 937, DO CC)


O art. 937, do CC, trata dos casos da ruína de prédio, onde a responsabilidade pelos danos
causados é do dono do prédio (quando não demonstrar que realizou as obras de manutenção e
reparo). A ruína total de um prédio é um caso raro; já a parcial é bastante comum. Ex.: uma
pessoa, caminhando pela rua, é gravemente ferida pela queda de uma marquise. Nesse caso, se o
dono não demonstrar que realizava manutenção no imóvel, será o responsável. Porém, se este
prédio for novo, o dono não será responsável, mas o ônus da prova caberá a ele, e a sua culpa será
presumida.

F) OS EMPRESÁRIOS INDIVIDUAIS E EMPRESAS, PELOS DANOS CAUSADOS PELOS SEUS PRODUTOS


DEFEITUOSOS/PERIGOSOS (ART. 931, DO CC)
Essa responsabilidade civil, no Código Civil, teria sido uma grande novidade se ele tivesse
entrado em vigor nos anos 80, já que o seu anteprojeto (presidido por MIGUEL REALE) começou a ser
feito no início da década de 70. No entanto, em 1990, entrou em vigor o Código de Defesa do

2
“(...) ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

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Consumidor, que no seu art. 12 estabelece a responsabilidade civil pelos danos causados por
produtos defeituosos. Ex.: a Ford colocou no mercado automóveis com problema de fabricação
nos pneus, que, a certa velocidade, acabavam se desmanchando, ocasionando em acidentes. Pois
bem, isso poderia ser resolvido pelo CC; porém, a resolução do CDC é muito melhor, pois protege
muito mais o consumidor e trata especificamente desses casos de responsabilidade civil pelos
danos causados por esses produtos, o que, aliás, é muito comum. Cada vez mais produtos são
retirados do mercado por apresentarem defeitos. Dessa forma, além de ter que retirar esses
produtos do mercado, coube à Ford indenizar pelos acidentes causados.

G) RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO (CDC)


Também prevista no CDC, refere-se aos danos causados por serviços defeituosos.
Atualmente, a questão dos serviços é muito delicada, já que os serviços têm uma capacidade de
produção de dano cada vez maior. Ex.: uma senhora reserva um quarto num hotel. Ao chegar, tem
que esperar na sala de recepção para que desocupem seu quarto. Nisso, um funcionário do hotel,
ao passar com um carrinho, fere gravemente o tendão dessa senhora. Eis o dano causado pelo fato
do serviço.

2.2 NEXO DE IMPUTAÇÃO


O segundo pressuposto é o nexo de imputação, que é a vinculação do fato a uma pessoa
natural ou jurídica, que pode se dar pela culpa ou pelo risco.

2.2.1 INDEPENDENTE DE CULPA


Temos a questão da culpa entre os pressupostos da responsabilidade civil, mas cuidado. A
culpa, realmente, é um dos pressupostos, mas da responsabilidade subjetiva (que exige a
comprovação da culpa). Porém, a responsabilidade objetiva pelo risco é independente de culpa,
ou seja, não se cogita o elemento culpa (ex.: danos causados por animais em que o dono deverá
reparar o dano independente de culpa).
O art. 927, parágrafo único diz que:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de


culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”.

O legislador, nesse artigo, consagra uma responsabilidade objetiva pelo risco como regra
geral. Como já dito, quando se trata de responsabilidade objetiva, não importa o elemento culpa;
pode até estar presente, mas é dispensada pelo legislador. Dessa forma, a parte não precisa alegar
que houve culpa ou não.
Uma das primeiras modalidades de responsabilidade objetiva que tivemos no Direito
Brasileiro foi a responsabilidade civil do Estado (risco administrativo), consagrada definitivamente
pela Constituição de 1946. A partir daí, o Estado passou a responder pelos danos sofridos em
decorrência de serviços públicos, assegurado o direito de regresso contra os seus funcionários no
caso de culpa ou dolo. E essa regra continua freqüente até hoje, presente também na CF/88, no
art. 37, § 6º.
Ex.: uma pessoa está dirigindo, e é parada em uma blitz. Sai do carro, e é revistada por um
policial. Ocorre que, durante esta revista, recebe um tiro no pé – que pode ter sido doloso (por ser
um desafeto do policial), culposo (imperícia) ou acidental. Para efeitos de responsabilidade civil,
não importa se esse tiro foi doloso, culposo ou acidental; o importante é que haja um dano
resultante de uma atividade vinculada ao serviço público.

4
No entanto, para efeitos de responsabilidade penal ou de direito de regresso, será, sim,
importante a análise da culpa ou dolo: no caso de responsabilidade penal, se o ato for doloso, a
pena será maior; se culposo, menor; e acidental, haverá absolvição.
Mesmo nos casos de responsabilidade tipicamente objetiva, a maioria dos julgadores tem
a tendência de verificar se há culpa ou não, ainda que seja dispensável. Isso porque ainda há a
idéia impregnada de responsabilidade subjetiva. Somente para efeitos de argumentação da
decisão é que se justifica esse tipo de construção.

2.2.2 ATIVIDADE NORMALMENTE DESENVOLVIDA


Esse é o ponto central. Eventualmente, se for feita uma interpretação ampliativa, esse
conceito será mais abrangente; agora, se feita uma interpretação restritiva desse conceito jurídico,
o número de situações será reduzido. Ex.: o automóvel coloca em risco o direito das pessoas. Se for
feita uma interpretação ampliativa, todos os acidentes de trânsito serão abrangidos. No entanto,
essa não é a tendência da jurisprudência num primeiro momento, pois abrange apenas situações
específicas. O importante é observar que a responsabilidade pelos riscos é independente de culpa,
e está presente em leis especiais, por exemplo, CF/88, CDC, regras especiais do CC (fato de animais,
da coisa etc.).
Na prática, como se resolve a questão? Como se estabelece a regra aplicável a esse caso?
Afinal, aplica-se o art. 186, o art. 927, § único, uma regra especial da CF/88, ou do CDC? É
aconselhável aplicar de trás para frente, ou seja, primeiramente, procura-se a regra especial de
responsabilidade civil (ex.: se for um dano causado por animal, temos a regra específica do art.
936, do CC). Eventualmente, se não houve nenhuma regra específica sobre a matéria, procura-se
enquadrar no parágrafo único, do art. 927, do CC. Em último caso, no art. 186, do CC.

2.3 ILICITUDE
É a contrariedade do fato ao direito, ao ordenamento jurídico. É a antijuricidade.
A presunção de que todo fato que causa um dano é relativa, não é absoluta, pois podem
ocorrer causas de exclusão da ilicitude, previstas no art. 188, do CC, quais sejam: legítima defesa,
estado de necessidade e exercício regular de direito reconhecido. Esta última é a menos trabalhada
na teoria e a mais importante na prática.
O exercício irregular de direito, que já era previsto no CC/1916, foi ampliado no CC/2002,
que estabeleceu um conceito próprio para o abuso de direito, o art. 1873, do CC. O CC/1916 já
tinha uma noção de abuso de direito extraído de uma leitura a contrario sensu da regra de seu art.
188, I; mas assim, estabelecia-se uma regra subjetiva de abuso de direito, que exigia dolo, malícia
ou má-fé. Já o art. 187, uma das regras mais importantes do CC/2002, adota um conceito objetivo
para o abuso de direito, exigindo o excesso manifesto do exercício de direito, como também a
relação com os princípios fundamentais do direito privado (função social do contrato, função social
da sociedade, boa-fé objetiva [postura ética, de probidade], bons costumes etc.).
Ex.: um padeiro resolve alugar sua padaria por três anos. Tira férias, e procura exercer
nova atividade. Acontece que, depois, descobre que sua verdadeira “vocação” é ser padeiro
mesmo. Ao procurar seu locatário para desfazer o contrato, este não aceita, pois ainda faltam dois
anos de locação. O padeiro, então, abre uma nova padaria em frente à padaria de seu locatário. A
pergunta é a seguinte: ele pode fazer isso? A CF/88 não proíbe, pois prevê a livre iniciativa. No
entanto, nesse caso, a concorrência com o locatário não é uma postura ética, proba, pois viola a
boa-fé objetiva. Seria, então, um exemplo prático de violação manifesta de boa-fé, constituindo-se,
assim, em ato ilícito – abuso de direito.

3
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

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2.4 NEXO CAUSAL
São os danos sofridos pela vítima do ato ilícito, causados por um fato imputável ao
agente, que é o réu da Ação Indenizatória. O conceito de nexo causal é um dos mais complexos
dentro da responsabilidade civil. Freqüentemente, o nexo causal é um processo, uma
multiplicidade de causas, e toda a interligação é tentar descobrir o que é causa e o que não é. Aí,
surgem as teorias: da Equivalência, da Causalidade Adequada etc.

2.4.1 EXCLUDENTES DO NEXO CAUSAL


As causas de exclusão do nexo causal afastam a responsabilidade civil. Freqüentemente,
nas ações indenizatórias, o objeto, o centro da discussão são as causas de exclusão do nexo causal,
que são as seguintes:

A) CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA (OU MELHOR, FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA)


Ocorre quando a conduta da vítima é a causa exclusiva do evento danoso, isto é, entra no
processo causal e assume com exclusividade a missão de causa do evento danoso. Ex.: um
motorista está dirigindo seu automóvel em estrada extremamente movimentada, em dia chuvoso
e à noite. Um pedestre, então, em vez de passar pela passarela para atravessar a estrada, passa por
baixo. O motorista, então, atropela essa pessoa, que vem a falecer. Nesse caso, o pedestre
cometeu conduta imprudente. De fato, a causa do óbito foi o atropelamento (pelo carro do
motorista). Entretanto, dentro do processo causal, a conduta imprudente da vítima assume a
condição de causa exclusiva do evento danoso.
Pode acontecer também na responsabilidade objetiva (como a do Estado). O diferencial, é
que não se discute a culpa como nexo de imputação, mas sim a culpa da vítima como excludente
do nexo causal. Nesse caso, o ônus da prova é do réu, do demandado que, demonstrado, rompe o
nexo causal e afasta a responsabilidade civil.

B) CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA


Nesse caso, há a culpa da vítima, porém não é a causa exclusiva do evento danoso; é uma
causa que ocorre para o agravamento do dano, uma causa concorrente. Ex.: o mesmo exemplo
citado acima, só que, neste caso, o motorista estava dirigindo com excesso de velocidade. Assim,
há culpa do demandante e culpa do demandado.
Neste caso, o juiz deve reduzir o montante da indenização considerando a culpa
concorrente da vítima, na medida de sua participação, o que está expressamente previsto no
Código Civil, em seu art. 945.

C) FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO


Neste caso, o fato é atribuído à conduta de uma terceira pessoa. É um fato de terceiro que
entra no nexo causal e rompe-o, afastando, assim, a responsabilidade civil.
SÉRGIO CAVALIERI FILHO4 exemplifica: um ciclista, andando por uma estrada estadual, cai por
um buraco do acostamento e colide com um ônibus, ocasionando em seu óbito. A sua família,
então, ajuíza Ação Indenizatória contra a empresa de ônibus. A empresa alega que o motorista
estava em velocidade normal pela rodovia, e refere que o ciclista caiu na rodovia por um buraco do
acostamento não sinalizado feito por uma companhia de luz (o terceiro). Feita essa prova, é
acolhida a excludente do fato exclusivo de terceiro, ou seja, não há dúvidas que a morte do ciclista
foi em razão do atropelamento pelo ônibus; porém, a relação causal foi interrompida pelo fato
atribuído com exclusividade a esse terceiro.
Eventualmente, o fato de terceiro pode ser um fato concorrente, ou seja, no mesmo caso
acima, o ciclista vinha andando e cai no buraco; no entanto, o motorista do ônibus estava dirigindo

4 Programa de Responsabilidade Civil, ed. Atlas.

6
acima da velocidade na rodovia, que não consegue frear, e atropela o ciclista. Nessa situação, não
é fato exclusivo, mas fato concorrente, porque o motorista também teve sua participação no
evento danoso. E como fica? Desconta-se da indenização, como nos casos de culpa concorrente da
vítima? Cuidado. Sabemos que a culpa concorrente da vítima é causa de redução da indenização, e
que o fato exclusivo de terceiro rompe o nexo causal e afasta a responsabilidade civil. Agora, se o
fato é concorrente de terceiro, não se afasta o nexo causal, nem se reduz a indenização. Isso
porque a responsabilidade, nesses casos, é solidária, segundo o art. 9425, do CC. Tem-se, assim,
uma multiplicidade de causadores, onde todos são solidariamente responsáveis. É importante
lembrar que a obrigação solidária é em benefício da vítima. A vítima, assim, é a credora da
obrigação de indenizar, e os agentes responsáveis são os devedores solidários. A vítima, então, na
situação de credora, pode escolher contra quem demandar: contra um, contra o outro, ou contra
todos. Ela escolhe contra quem é mais conveniente demandar, seja por questões financeiras, seja
por questões de proximidade etc.
Assim, temos que:
- o fato exclusivo de terceiro rompe o nexo causal e afasta a responsabilidade civil;
- e o fato concorrente de terceiro não altera a responsabilidade civil, mas gera obrigação
solidária de indenizar.
É comum, em ações indenizatórias de acidente de trânsito, o réu dizer que tem culpa
(confissão de culpa), mas que um terceiro também, o que, dependendo do caso, pode lhe dar o
direito de regresso. Ou então, alegar que a culpa é toda do terceiro (fato exclusivo de terceiro).

D) CASOS FORTUITOS OU DE FORÇA MAIOR


Também rompem o nexo causal e afastam a responsabilidade civil. Têm previsão expressa
no CC, em seu art. 393, e parágrafo único:

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de


caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no
fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

O legislador, nesse dispositivo legal, equipara essas duas figuras. Normalmente, tais
figuras são vislumbradas como sendo expressões sinônimas, como se fossem a mesma coisa. No
entanto, são institutos jurídicos distintos: caso fortuito é uma coisa, e força maior é outra. Essa
equiparação do CC foi meramente por questões pragmáticas, pois tentar distinguir os dois é uma
dificuldade que veio desde o Direito Romano.
Recentemente, foi proposto um critério no sentido da presença ou não da vontade
humana. Em outras palavras, se a vontade humana está presente, é força maior; se ela não está
presente, mas apenas eventos da natureza em geral, é caso fortuito. Esse critério é o mais didático
de todos.
No entanto, esse não é o critério mais prestigiado na doutrina brasileira. O critério que
tem mais prestígio é feito pelo professor AGOSTINHO ARRUDA ALVIM6, que sustenta que se o fato é
externo, é força maior (fortuito externo); se o fato é interno, é caso fortuito (fortuito interno). Com
isso, os eventos da natureza, segundo sua classificação, são de força maior.
Já para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, principalmente na área do Direito Administrativo,
somente a força maior rompe o nexo causal na responsabilidade civil do Estado. Para ele, caso

5
“(...) se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”
6
Professor da PUC/SP. Participou da comissão do Anteprojeto do Código Civil Brasileiro, especialmente na parte
relativa às obrigações, aos contratos e à responsabilidade civil. Autor de “Inexecução das Obrigações”.

7
fortuito seria, por exemplo, o caso de uma ambulância do Município levando um paciente para
outra cidade, que, no meio do caminho, envolve-se em um acidente, vindo o paciente a falecer.
Nesse caso, o Município responderia ou não? Como foi caso fortuito interno, o Município
responde, pois faz parte do risco da atividade administrativa. Agora, se há uma greve de
caminhoneiros e sem-terras que impedem a entrada da ambulância na cidade, sendo um fato
externo, de força maior, conseqüentemente, o Estado não responde.
O importante é que qualquer um dos dois seja causa exclusiva do evento danoso. Não
pode ser causa concorrente. Uma questão que dividiu a jurisprudência foi a questão dos assaltos à
mão armada em ônibus intermunicipais. Várias pessoas ingressavam com ações nos juizados
especiais cobrando prejuízos, e as empresas alegavam que não eram responsáveis, pois o assalto
era caso fortuito ou de força maior, o que rompia o nexo causal. Ressalte-se que aqui não se
discute se é fato de terceiro ou situação de força maior; a discussão é se é causa exclusiva ou
concorrente. Pois bem. O STJ, que tem a função de uniformização da interpretação das leis
infraconstitucionais, depois de reiteradas decisões divergentes entre suas Turmas, e de diversos
embargos de divergência, chegou ao consenso no sentido de afastar a responsabilidade civil da
empresa de ônibus.

2.5 DANO
É o pressuposto mais importante da responsabilidade civil.
Em primeiro lugar, sem dano, não há responsabilidade civil; tem que haver dano. Pode, no
entanto, haver responsabilidade penal ou administrativa. Ex.: uma pessoa, embriagada, dirige em
alta velocidade numa rodovia. Aí, temos uma infração administrativa e penal. Mas, se essa pessoa
não causar nenhum acidente, e for parada pelos policiais rodoviários, não haverá responsabilidade
civil, pois não há dano, sendo sua conduta irrelevante.
Dano são todos os prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos pela vítima do ato
ilícito, isto é, engloba tanto danos morais como materiais.
O problema mais delicado dentro do dano é como quantificar a indenização
correspondente ao dano. O CC, no art. 944 e seguintes, estabelece várias regras que procuram
orientar a questão relativa à quantificação da indenização.

2.5.1 CRITÉRIOS PARA ANALISE DA EXTENSÃO DO DANO


O caput do art. 944 estabelece que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. É
nada mais que uma regra óbvia positivada pelo CC/2002, mas tradicional dentro do Direito
Brasileiro. Ou melhor, é quase óbvia, porque poderia o julgador tomar como referência para a
quantificação da indenização a culpa, o dolo ou a situação econômica do ofensor/vítima: “se o ato
é doloso, a pena é maior; se o ato é culposo, a pena é menor”, “se o réu é rico, pode pagar mais; o
réu é pobre, então deve pagar menos”, ou ainda, “a vítima é rica, portanto não precisa receber a
indenização”. O critério é a extensão do dano. A indenização é medida pela extensão do dano.

A) PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO


O legislador acolhe o princípio da reparação integral do dano, princípio este muito
importante que tem duas funções: servir como piso para a indenização e servir como teto para a
indenização, ou seja, “todo o dano, mas não mais que o dano”7.
Com isso, a responsabilidade civil não pode ser pretexto para o enriquecimento sem causa
da vítima do ato ilícito. Na prática, o que isso significa? Nos juizados especiais, uma situação que é
muito comum em acidentes de trânsito é o seguinte exemplo: o autor, por meio de seu advogado,
ajuíza ação indenizatória e junta três orçamentos com a inicial: um de R$ 3.000,00, um de R$

7
Do francês: “Tout le dommage, mais rien que le dommage”.

8
4.000,00 e outro R$ 5.000,00. Na instrução desse processo, são formuladas as seguintes perguntas
ao autor:

Juiz: O senhor já consertou o seu carro?


Autor: Já.
Juiz: Consertou em alguma dessas três oficinas?
Autor: Não, pelas minhas condições econômicas, eu consertei com
meu amigo pela metade do preço, por R$ 1.500.

Pergunta-se: qual a indenização que o autor tem direito? O valor que ele gastou no
conserto, efetivamente, ou o valor do menor orçamento? Não há dúvidas. É o valor efetivamente
gasto, pois, senão haverá um enriquecimento sem causa do autor, com base na responsabilidade
civil. Agora, nas situações em que as pessoas não têm dinheiro para consertar, a indenização será a
do menor orçamento será a referência.
Por fim, se a parte, antes de ajuizar a ação, já tiver consertado seu veículo, o total dos
recibos contabilizados – o prejuízo efetivo – será o valor da indenização, pela aplicação do princípio
da reparação integral do dano.

B) PRINCÍPIO DA EQÜIDADE
Na função “teto”, o princípio da reparação integral do dano não tem exceções; já na
função de piso, tem exceções. A mais importante delas está no parágrafo único, do art. 944, do CC,
quando permite a redução eqüitativa da indenização, quando houver manifesta desproporção
entre a gravidade da culpa e a extensão do dano. Então, nesses casos, o juiz pode reduzir
eqüitativamente a indenização. E quando isso ocorre? Quando uma culpa leve causa danos de
grandes proporções.
Eventualmente, a responsabilidade civil pode se transformar em um exagero, um império
de severidade. Por esse motivo, o legislador se preocupou em permitir essa redução eqüitativa da
indenização quando houver culpa leve que cause danos de grandes proporções. Ex.: uma pessoa
deseja comprar um carro. Com suas poupanças, compra um carro popular, sem rádio, sem ar
condicionado, praticamente sem nada. Ocorre, então, que essa pessoa, por descuido, passa no
sinal vermelho, e pecha por trás em uma Mercedes nova, importada, último modelo. O carro dessa
pessoa não servirá nem para consertar o farol da Mercedes. Nessa situação, verifica-se que uma
culpa leve causou um dano de grandes proporções. Assim, o magistrado poderá reduzir o valor da
indenização equitativamente.
Na prática, como isso deve ser aplicado? A “peça-chave” aqui é a palavra eqüitativamente,
que significa eqüidade, isto é, a justiça no caso concreto, um conceito antigo da filosofia grega.
Quando o legislador elabora uma lei, ele está preocupado em tratar igualmente todas as pessoas,
ou seja, o conceito de justiça legal está ligado à idéia de igualdade, de tratamento igual a todas as
pessoas. Agora, eventualmente, elas podem se mostrar injustas, iníquas, razão pela qual, também,
o mesmo legislador concede poderes aos juízes para comedir esses exageros, essas iniqüidades da
aplicação concreta das leis; e isso é a eqüidade – a justiça mais perfeita, a justiça no caso concreto.
Ex.: os professores devem tratar igualmente todos os alunos, especialmente na hora das
avaliações. Mas como e fica a situação dos alunos cegos? Devem receber um tratamento especial
nas suas avaliações. Seria, então, uma desigualdade perante aos outros alunos? Não, pois o critério
de avaliação é para todos, excetuando-se aqueles alunos com deficiências, limitações, a serem
analisadas no caso concreto.
É importante ressaltar que o CC/2002 abriu várias janelas para a eqüidade dentro da
responsabilidade civil. Como já dito, o art. 944, § único é uma delas, que confere poderes ao juiz
para reduzir ou não a indenização. Entretanto, há casos em que essa regra não pode ser aplicada,

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como, por exemplo, nos danos pessoais. Muitas vezes as pessoas agem com culpa leve, causando
danos de grandes proporções, como a morte. Geralmente, a culpa do empregador é leve; a do
médico é leve etc. Nesses casos, é possível aplicar a eqüidade? Não, pois nesses casos de danos
pessoais há um princípio maior, a o princípio da dignidade da pessoa humana, o art. 1º, III, da
própria CF/88. E quando deve ser aplicado, então, o princípio da eqüidade? Em danos puramente
patrimoniais.

C) SITUAÇÃO ECONÔMICA DO OFENSOR/OFENDIDO


A situação econômica do ofensor e do ofendido pode ser analisada também para fins de
quantificação da indenização, ainda no plano da eqüidade. Ex.: um motorista de uma BMW agiu
com culpa leve e causou danos de grandes proporções. Nesse contexto, a situação econômica do
responsável não carece que se faça essa redução. Agora, se a pessoa é pobre, em situações
precárias, e causa danos de grandes proporções com uma conduta culposa leve, seria possível a
redução pelo art. 944, § único, do CC.

2.5.2 DANO MORAL


Normalmente, conceitua-se dano moral como aqueles prejuízos sem conteúdo econômico
ou patrimonial. Na verdade esse conceito não diz muita coisa, ou melhor, diz o que o dano moral
não é. Ocorre que, há situações como os aborrecimentos que acontecem na vida em sociedade, os
dissabores cotidianos, que nem sempre configuram como dano moral. Ex.: o locatário não paga o
aluguel ao seu locador no dia de pagamento. O simples fato de que, por esse motivo, o locador
tenha tido o seu final de semana “estragado”, por ter ficado preocupado com suas dívidas, não
caracteriza dano moral, pois isso é um acontecimento normal da vida em sociedade.
Então o que é o dano moral? São prejuízos sem conteúdo econômico ou patrimonial
decorrentes de uma ofensa aos direitos da personalidade. E quais são os direitos da
personalidade? Vida, integridade física, honra, vida privada etc.
O conceito acima ganhou grande atualidade no Direito Brasileiro a partir da edição do
CC/2002, que consagrou, em sua parte geral, uma proteção aos direitos da personalidade. Fazendo
uma conexão entre os arts. 186 e art. 11 e seguintes, é possível, dentro do CC, fazer a construção
desse conceito substantivo de dano moral.
O jurista PAULO LUIZ NETTO LÔBO faz a relação entre dano moral e direito da personalidade.
Já a jurista MARIA CELINA BODIN DE MORAES, que trabalha com o Direito Civil Constitucional, faz a
conexão de dano moral com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. As
relações que esses autores fazem dos princípios da dignidade da pessoa humana e personalidade
com o dano moral, no fundo, têm uma função semelhante: a construção de um conceito positivo,
substantivo, que resolve algumas questões práticas. Os juizados especiais, certamente, hoje em dia
enfrentam os maiores exageros de acepções do que seja dano moral. São milhares de ações
ajuizadas, onde tudo gera dano moral, a chamada “indústria do dano moral”.
Vale destacar que o dano moral é um instituto nobre, fruto de uma lenta conquista da
comunidade cívica, pois, até 1988, embora houvesse consenso na doutrina e na jurisprudência, o
dano moral não tinha acolhida no STF; que somente aceitava indenização por dano moral nos
casos previstos em lei. Foi a partir da CF/88, no art. 5º, incisos V e X, que o dano moral ficou
consagrado. A CF/88, além disso, criou o STJ, que, em suas primeiras súmulas – a Súmula nº 37 –
admitiu a possibilidade de cumulação de danos morais e materiais oriundos do mesmo fato,
questão polêmica de outrora. Para tanto, é preciso restringir a interpretação de dano moral para
preservar esse instituto.
Ainda, é importante destacar que as pessoas jurídicas podem sofrer dano moral – não o
subjetivo, mas o objetivo – pois, embora não tenham esfera íntima, elas têm um nome e um bem
social a preservar, a chamada honra objetiva. Ex.: o protesto indevido de uma duplicata. Mesmo

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que não tenha causado dano material, pode ocasionar dano moral à pessoa jurídica, tendo seu
nome “marcado” no mercado.

A) QUANTIFICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS


Sendo o dano moral um direito subjetivo, como é possível quantificar o valor da
indenização, transformar o valor de uma ofensa à honra, à vida privada, à integridade física em
uma indenização em dinheiro? Não há solução senão pelo arbitramento (que não é sinônimo de
arbitragem). O CC trata, em seus art. 944 e seguintes, da indenização. Após algumas regras gerais,
no art. 948, ele especifica a indenização no caso de homicídio e assim por seguinte. Já no art. 953,
refere que:

“Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia


consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material,
caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na
conformidade das circunstâncias do caso”.

Esse artigo refere-se ao dano moral decorrente de uma ofensa contra a honra. Assim, em
casos semelhantes, para fins de quantificação de danos morais em geral, essa regra pode ser
aplicada analogicamente. Como já visto, o artigo acima também menciona a eqüidade, a justiça no
caso concreto, considerando as circunstâncias do caso. E quais são essas circunstâncias?
- a gravidade do ato ilícito – se o ato é muito grave ou se é menos grave. Ex.: se a pessoa
ficou por um ano ou apenas por um dia inscrita indevidamente no SERASA/SPC. Haverá, nesses
casos, sim, dano moral, mas na segunda hipótese, o valor da indenização será bem mais baixo;
- a conduta do agente – se agiu com dolo intenso ou com culpa leve. Ex.: a pessoa falou
mal de outra “a torta e direita”, com dolo intenso, ou então, agiu com culpa leve, por uma falha
acidental, por responsabilidade subjetiva (aqui, pode se enquadrar a culpa concorrente da vítima);
- situação econômica do ofensor – se o ofensor tem ótima situação econômica, a
indenização não lhe causará maiores prejuízos; agora, tendo situação precária, se a indenização for
muito alta, este será prejudicado de forma extrema;
- situação econômica do ofendido – esta circunstância pode ser considerada? Esse é um
ponto a ser analisado com extrema cautela, a fim de evitar discriminações socioeconômicas. Ex.: A
e B, separadamente, ajuízam ações no juizado especial, pretendendo indenização contra uma
editora de revistas por inscrição indevida no SPC. A e B contratam o mesmo advogado. Os fatos são
exatamente iguais: o mesmo valor, o mesmo dia, a mesma hora etc. A única diferença entre A e B é
a situação econômica. Nesse caso hipotético, as indenizações teriam valores diferentes? Deve ser
aplicado o critério da isonomia. Essa é uma matéria controvertida, pois tem posições favoráveis e
contrárias.
Pode, entretanto, ser aplicada analogicamente, no que tange à responsabilidade civil, a
Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), que em seu art. 53, estabelece critérios para a indenização pelo
dano moral:

“Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano


moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a
natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua
situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível
fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do

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pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação
penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de
retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção
judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido”.

Pois bem. Com as circunstâncias, é possível fundamentar a indenização. Agora, quais são
os parâmetros? No Direito Penal, temos as penas mínimas e as penas máximas, onde a pena
mínima servirá de referência na quantificação. E no juízo cívil? Não há esse parâmetro. Para tanto,
o juiz cível construiu a referência: “justiça é tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na medida em que se igualam”. Assim, são feitas tabelas para cada tipo de ação
indenizatória. No TJ, é semelhante: quatro componentes das Câmaras reúnem-se em sessões
semanais para fixar, coerentemente, o valor das indenizações para fatos mais graves e menos
graves. No STJ é a mesma coisa. Assim, foi feito um “tarifamento judicial”, de acordo com o
interesse jurídico lesado.
Mas há o seguinte problema: no dano moral, a indenização tem que ser equitativa.
Pergunta-se: como é feito no Direito Penal? Primeiro, faz-se a pena base; após, a definitiva. E no
juízo cível para indenização por danos morais? A primeira etapa é fixar a indenização básica, de
acordo com o bem jurídico atingido e interesse jurídico lesado. Para isso, verifica-se como o TJ está
julgando em casos semelhantes, como o STJ está julgando... Num segundo momento, é feito o
arbitramento equitativo, considerando as circunstâncias, a peculiaridade do caso concreto, onde se
eleva ou se reduz o valor da indenização. Esse é o critério mais aconselhável e mais justo para o
arbitramento.

- FIM -

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