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0. Considerações Iniciais
Seja como for, desde 1970, temos assistido a debates em torno de questões que
envolvem a língua inserida em determinado período ou em fases de mudanças e em
articulação com fatores socioculturais. Impulsionados pela noção de paradigma colhida,
inicialmente de forma distorcida, da obra de Thomas S. Kuhn (1962), A Estrutura das
Revoluções Científicas, alguns pesquisadores, àquela época, tentaram construir um
quadro epistemológico em que se incluíssem questões históricas e historiográficas da
língua. Boaventura de Souza Santos (1987:10) expressa assim a concepção de
paradigma, com base em T. S. Khun:
Por fim, podemos entender que K. Koerner revela ser bem provável que haja eco
das concepções de E. Durhkeim e outros estudiosos em F. de Saussure, pois as idéias do
sociólogo impregnaram o clima de opinião da época. Vale lembrar que, naquele
momento, elogiava-se não somente a brilhante trajetória intelectual de E. Durhkeim,
mas, sobretudo, sua excepcional contribuição para a Sociologia. É preciso não perder de
vista também a importância das abordagens sociológicas, no final do século XIX,
quando se voltou contra o tradicionalismo e se reforçou o nacionalismo. Salientamos,
ainda, que no início do século XX, se divulgavam novos elementos de investigação
científica adequados à ciência Lingüística, que acabara de nascer. E. Durhkeim já havia
postulado a importância do social na abordagem de qualquer fenômeno, fato que pode
ter causado impacto em F. de Saussure, ao aceitar uma função social para a langue, por
exemplo.
O objetivo inicial de K. Koerner consistia em fazer exemplificações em torno de
alguns autores, cujos argumentos propostos deixam transparecer influências de idéias
em circulação no instante de produção de suas obras. Ressalta, ainda, o autor a
necessidade de maiores esclarecimentos sobre a questão da influência em HL, bem
como a necessidade de conceituá-la e incluí-la como uma categoria de análise
fundamental para a interpretação do documento.
Por trás de toda essa discussão, K. Koerner propõe critérios que podem subsidiar
o estabelecimento de um conceito do termo “influência”, permitindo, portanto, sua
aplicação na pesquisa historiográfica. E destaca, primeiramente, que a verificação da
formação intelectual de um autor é significativa no processo de investigação de
possíveis influências em suas idéias e teorias, pois permite estabelecer relações entre o
que ele assimilou de sua formação e do clima intelectual em manifestação. Neste
sentido, cartas familiares, correspondências, histórico escolar e cursos universitários
que um autor tenha feito podem servir de fontes ao historiógrafo, afirma K. Koerner.
Além disso, há que estabelecer paralelos textuais entre teorias e entre conceitos,
a fim de que se possam fazer remissões às fontes, bibliográficas ou sociais, em que o
autor se inspirou para a sua produção. Por fim, K. Koerner esclarece que a evidência
mais importante a favor da influência recebida por um autor está na referência explicita
às idéias e concepções de um autor ou de trabalhos de outros. E alerta sobre a
necessidade de ir à fonte primária e constatá-la, antes de qualquer declaração de
influências não passíveis de comprovação. As dificuldades apontadas nos exemplos
propostos por K. Koerner, principalmente aquelas que revelaram distorções, podem ser
resolvidas se observados os critérios propostos.
Vemos que a problemática da influência não se deixa esgotar no domínio único e
exclusivo de observações superficiais, pois ela se situa no ponto de interseção do
individual e do social. Assim, no processo de verificação da formação intelectual do
historiador, o cotidiano, meio no qual as influências se cristalizam, desenvolvem e
repercutem, configura-se uma relação entre o interno e o externo, os valores pessoais do
produtor e os de seu tempo. Nesse sentido, o documento se abre ao pesquisador, que
deve ser capaz de estabelecer relações entre a visão de mundo ali apresentada e o clima
intelectual passado e presente. As influências individuais e contextuais se manifestam
ao historiógrafo da língua pelo universo onde se articulam e em que se desvendam no
processo de fazer história.
Por tudo que apontamos acima, a concepção de argumento de influência em HL
deve ser observada na análise do documento. O que geralmente acontece com o
historiógrafo da língua é um esquecimento de que o produtor e ele mesmo estão
contaminados por diferentes influências que, associadas a outros fenômenos, interferem
no processo de interpretação do documento.
Considerações Finais
Os tópicos aqui apresentados são evidentemente muito sumários e, por isso, não
se esgotam e nem tampouco esclarecem todas as questões epistemológicas e
metodológicas da HL. Não era nossa intenção. Quisemos apenas evocar orientações que
se fazem possíveis de aplicabilidade àqueles que pesquisam nessa área.
Propositadamente, negligenciamos abordar outros temas internos à HL, tais como,
metalinguagem, documento com suas modalidades e questões de leitura, mudança vs
continuidade, evolução vs revolução, crônica vs história que estão por merecer
discussões bem amplas no âmbito da Historiografia Lingüística.
É inevitável, pela conseqüente aproximação entre Lingüística e História, a
consideração da importância que o historiógrafo da língua deva dar aos avanços das
ciências sociais. A questão mais importante para a epistemologia da HL é o enfoque do
objeto lingüístico em si que deve ser estudado como fonte de conhecimento.
De qualquer maneira, a HL está aí, constrói sua história, propõe uma pesquisa
inter e multidisciplinar pertinente e exige de seu pesquisador, no processo de
investigação, conhecimento lingüístico em diversos níveis, profundo conhecimento
histórico e uma visão ampla de cultura. Na atividade de interpretação, as marcas
textuais, associadas a dados histórico-culturais, conferem, sem dúvida, fidedignidade ao
documento como fonte de construção e legitimação do saber histórico e, por conta
disso, é que ele se faz ponto de partida para a pesquisa em HL, uma área de
conhecimento promissora no campo da Lingüística.
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