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ARTE RUPESTRE DO NORTE DE PORTUGAL: UMA PERSPECTIVA Anténio Martinho Baptista * EM MEMORIA DE JORGE PINHO MONTEIRO 1. CONSTATAGOES Este_ texto visa essencialmente uma reflexdo sobre o impropriamente chamado grupo Galaico- -Portugués. Sem veicular certezas e procurando nio cair no lugar comum da critica fil ou na repetigao de teses consabidas, quase sempre arqueologicamente por fundamentar. Trabalho dificil, pois é cedo ‘ainda para se tentar uma sintese documentada da arte pré- e proto-histérica do NW, ou mesmo do N. de Portugal, onde, de hi muito, vinha sendo sentida a auséncia de estudos sobre a matéria. Com efeito, pode dizer-se que 0s documentos permanecem, na sua maioria por redescobrir. Paradoxo que um século de Pesquisas alimentou com o inventirio de milhares de penedos, insculturados ou, mais raramente, pinta- dos, distribuidos por centenas de estagées. O trabalho inventariante que, desde a ultima década, vem sendo desenvolvido, especialmente na provincia de Pontevedra (GARCIA ALEN E PENA SANTOS, 1980), sendo meritério, é, porém, ainda um débil contributo para a necesséria sistematizacao epistemols- zgica de uma das mais controversas problemiticas da arqueologia peninsular. A perturbante auséncia de Consenso entre 0s principais investigadores, deve-se, para além da natural dificuldade que levantam as cronologias € corologias de toda a arte esquemética ¢ abstracta, a factores varios que, sinteticamente, se podem enunciar do seguinte modo: 4) Auséncia quase absoluta de estudos monogrificos, etapa fundamental de uma tarefa que se pretende cientifica e que permitiria uma visio consequente ¢ rigorosa dos micleos previamente inventa- Fiados, concorrendo para a sua inter-relagao arqueologica (anilise endotica, distributiva ¢ cultural) que ultrapasse 0 mero jogo tipoldgico. Na verdade, esta auséncia tem favorecido 0 recurso facil aos paralelos tipol6gicos que, embora pontualmente possam nao ser impréprios, conduzem geralmente a simplificagao da problematica e a enquadramentos definiveis em «culturas» ou , que Anati estruturou ea generalidade da investigacao actual continua a defender. Cremos, assim, que sera pela revisio deste conceito, que deveri principiar 0 debate necessirio sobre a arte na pré-historia recente do NW. 2. OS GRUPOS RUPESTRES NA PRE-HISTORIA RECENTE DO NORTE DE PORTUGAL «Il est presque impossible de penser Phomme préhistorique sans apporter de jugement de va- leur, sans en faire Phéritier posthume de notre pensée du XX" sidele. (LEROI-GOURHAN, 1971, 2) Em 1980, num primeiro trabalho a propésito das gravuras do Gido (BAPTISTA, 1980), colocavamos «em diivida 0 conceito corrente de «Grupo do NW: e manifestivamos reservas, posteriormente acentuadas, quanto a integragao plena daquela grande estacao nas etapas clissicas do citado grupo (BAPTISTA, 1981 a). Recentemente, Vitor O. Jorge, secundando aquele nosso propésito critico, voltou a por em davida, ainda que em termos de mera hipétese de trabalho, aquele mesmo conceito (JORGE, 1982), no ultrapassando, porém, idénticos propésitos critcos, ha jé c. de 30 anos, manifestados por Sobrino Lorenzo-Ruza (1952 © 1955). Na verdade, & a Ramén Sobrino que se deve a primeira grande tentativa de isolamento temiético € técnico daquilo a que chamaremos o grupo I, antigo ou clissico, do NW. As suas observagées «in loco», Permitiram-the isolar um determinado tipo de gravuras que, sob a designacio de «galego-athnticas», abrangeriam uma vasta area, epicentrada na Galiza (SOBRINO LORENZO-RUZA, 1952 ¢ 1955). Com ‘compreensiveis eros de pormnenor, caso das suas apreciagdes ao Gio e a outras estagdes portuguesas, que nao conhecia directamente (SOBRINO LORENZO-RUZA, 1956), Sobrino nio percebeu, porém, 0 carac- ter igualmente homogéneo de um segundo grupo, posterior a0 primeiro, com uma expanso menos costeira € mais continental, reflectindo talvez as suas influéncias ou origens meridionais e sobrepondo-se parcialmente as etapas finais do primeiro. As suas apreciagdes as gravuras do tipo cruciforme, classe de figuras que engloba um leque muito variado de motivos,classificando-as uniformemente como momentos de cristianizagao medieval ou posterior, relegando para segundo plano outros tipos de insculturas que parecer. sempre associadas aquelas, induziram em erro grande parte da investigagio posterior, erro enfim de uma arqueologia mais livresca que de campo, que utiliza levantamentos antigos ou deficientes, € que, ainda hoje, se repercute nas anilises que vao sendo dadas a estampa (V., por ex., JORGE, 1982, 11-12), Também o aparecimento, na mesma altura, da inaceitivel tese de Ferro Couselo (1952), funda- ‘mentando, porém, documentalmente, a presenca de alguns dos motivos deste tltimo grupo, especialmente como marcas de’termo (uma possivel reminiscéncia, como lembrava 0 Abade de Bacal, da propria tradigio do caricter sagrado dos termos, que vem da pré-histéria recente, martelando-se, a partir de certo ‘momento, os temas de mais facil reprodugao na pedra: a cruz ¢ a cévinha), contribuiu decisivamente para a subalternizacdo das gravuras esquemitico-simbslicas deste outro grupo. Por outro lado, Anati, embora tecuperando muitas destas gravuras na sua tese amplamente divulga- dda, nao as sistematizou convenientemente, englobando-as naguilo a que chamou 0 «amplo ciclo do NW», ‘cujas bases metodolégicas assentavam em critérios meramente tipoldgicos e nas sobreposigdes pouco representativas da Pedra das Ferraduras (ANATI, 1964 ¢ 1968) Ora, um aspecto pouco seguido e, porventura, uma das chaves para a apreciagio compreensio palevetnol6gica das gravuras do NW, prende-se com a distribuigdo geogrifica dos seus diferentes tipos e técnicas. Na auséncia de mapas actualizados, socorramo-nos ainda do mapa apresentado ha c. de 4 ¢ classificando-a como a sua rocha «mais tardia e mais a sul atribuivel ao grupo dos idolos € punhais~ (ANATI, 1968, 78-79). ‘A presenga desta tdenica de gravagdo em muito poucas rochas, levou Anati a considerar que aquela teria sido «gradualmente abandonada> (ANATI, 1968, 79). Uma posigéo comoda, que nao atendia igualmente as diferencas de estilo, de tipos e até da propria distribuigdo geogrifica das diversas rochas toriadas. Estas razoes e a sistematizagao, que temos em curso, das gravuras do Vale da Casa (a que aludiremos seguidamente), so argumentos muito fortes que inviabilizam a integracao plena destas rochas nos clissicos ciclos galaico-portugueses, pelo menos sem um conhecimento mais ponderado das origens deste tipo de gravuras e das suas manchas de influéncia. E, aqui, & bom nio esquecermos que estas incisdes s6 aparecem em xistos, estando totalmente ausentes entre os milhares de gravuras da Arte do Vale do Tejo, toda ela em xistos ‘A descoberta do Vale da Casa, sem diivida a mais notivel estagdo de gravuras filiformes até hoje conhecida no Noroeste, vem langar uma nova luz sobre estes motives e, sintomaticamente, acentuar de forma decisiva o seu caricter heterogéneo 2.3.1, © COMPLEXO DO VALE DA CASA (VILA NOVA DE FOZ COA) (Figs. 9-10-11) ‘Uma equipa da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho descobria, em meados de 1982, ‘na margem esquerda do rio Douro, menos de 5 km para montante da barragem do Pocinho, entao em fase ARTE RUPESTRE DO NORTE DE PORTUGAL: UMA PERSPECTIVA, ” de acabamento, as primeiras 5 rochas gravadas. Perante a ameaga do encerramento da barragem, realiza- ‘mos, com 0 apoio do L-P.P.C., uma imediata campanha de levantamento das rochas historiadas. Estes trabalhos, realizados em Outubro seguinte, permitiram o inventirio e estudo de 23 rochas gravadas, 2 das 4quais apenas com tragos modernos (®). ‘Com uma implantagao topografica em tudo idéntica as grandes estagbes litostticas do Vale do Tejo (€ igualmente ameacadas por uma barragem), as gravuras do Vale da Casa estio disseminadas plas lisas, plataformas dos bancos xisto-grauvaquicos rompidos pelas aguas do rio Douro e que, n0 local, se inscrevem num vasto plateau, onde 0 banco pétreo se alargou consideravelmente. Neste plateau seria entio também identificada ¢ parcialmente escavada, uma necrépole de cistas, cobertas por pequenas ‘mamoas de pedras, 0 que, aparentemente, dava um importantissimo enquadramento cultural as gravuras. Para além das 23 rochas estudadas, muitas outras deveriam estar historiadas, mas o elevado curso do rio no nos pemitiu o seu estudo atempado, pois a barragem encerraria as suas comportas logo em Janeiro seguinte. A importancia das gravuras estudadas é, no entanto, relevante e, particularmente as da rocha 10 (Fig. 9), um pequeno mas espantoso painel de motivos sobrepostos, justifica que nos detenhamos, desde Jd, Sobre este complexo (*) No Vale da Casa hi trés tipos diferentes de técnicas de execugio: 1) as predominantes, de trago continuo fino, cuja largura pode variar entre 1/4 de mm e 3 mm; 2) as obtidas por fric¢io, mas com trago mais grosso € fundo a meio e afilado nos extremos; 3) e, finalmente, as picotadas ou litostiticas, mais taras. O tipo 1) pode ser obtido com pontas aceradas de silex, quartzo ou ferro. Em corte, tem um nnegativo com um lado recto € outro subvertical ‘*, O tipo 2) € idéntico aos chamados «polidores neoliticos» de S. Jiinior e tem agora bons paralelos em abrigos recentemente descobertos perto de Mogadouro (inf.°, que agradecemos, do Dr. F. Sande Lemos). 0 tipo 3), idéntico as téenicas do Vale do Tejo, é uma lascagem subvertical, com picotagem directa, batida da direita para a esquerda. Concentradas nna mesma estagio, estas técnicas reflectem 2 fases cronolégico-culturais distintas ‘A tipologia das figuras filiformes, dominantes, abrange, pelo menos, 5 tipos distintos: antropomor- fos, zoomorfos, armas, geométricos ou abstractos ¢ alfabetiformes (uma inscrigao) Os antropomorfos dominantes so de um tipo até agora desconhecido no NW. Concentram-se quase todos na r. 10 (Fig. 9). Com pequenas cabecas circulares e sem qualquer outro trago facial, bragos ppemnas assinalados por linhas paralelas que thes dio a sensagéo de volume, os membros inferiores, alguns decorados junto aos joelhos por 2 tracinhos paralelos, prolongam-se até meio do tronco. Com pés rmarcados, as extremidades dos bragos terminam como dentes de serra, imitando 0s dedos. Dois tém na ccabeca estranhos chapéus ou capacetes, que se assemelham a turbantes: uma forma subcircular que cenvolve toda a cabeca, encimada por um pequeno semi-circulo. Dois outros seguram armas: um pequeno arco e uma espada, curva na extremidade. As figuras zoomérficas so predominantemente cavalos, largas dezenas s6 na r. 10 (Fig. 9), € muitos ‘outros espalhados pelas rochas vizinhas, que vio desde os tipos mais naturalistas, com larga cauda, estriada na extremidade, até simples gravagdo da sinuosa linha cérvico-dorsal, sem qualquer outro atributo ou complemento anatémico. Fenémeno curioso, que regista no final dos tempos pré-histricos, tum insdlito regresso ao estilo das origens da Arte, E, com efeito, nestas linhas eérvico-dorsais sinuosas & adaptaveis a varias espécies, que no Aurignacense se tacteiam as primeiras formas zoomérficas, tio profundamente marcantes na arte do Paleolitico Superior (LEROI-GOURHAN, 1982, 81-83). Aqui, elas Pertencem a fase final da estacao, ‘Quanto & concepgao geral’ do estilo dos cavalos mais naturalstas, estes partem da gravagio em perspectiva distorcida ‘da parte posterior, através de um esquema idéntico em todos eles fj. Daqui arrancam depois as linhas eérvico-dorsal ¢ do ventre, completadas pelas pemas anteriores e por pescogos longos e esbeltos, encimados por pequenas cabecas, um pouco & maneira Ibérica, Algumas figuras incompletas da r. 10, provam esta curiosa concepgao estilistica (Fig. 9, ao alto e em baixo, a esquerda). Porém, na r. 15 (Hig. 10), um cavalo associado a um sinal rectangular estriado subverticalmente por uma infinidade de linhas paralelas, tem uma caracterstica que vale a pena apontar. O pescoco é superior- mente constituido por uma linha semicircular muito ateada, que lhe confere um aspecto pouco esbelto, linha que se continua em arco até as pernas anteriores, curtas e atarracadas. Um estilo, portanto, muito semelhante ao cavalo de Mazouco (um pouco a montante do Vale da Casa), Estando este cavalo da r. 15 rum contexto claramente da Id. do Ferro, parece-nos assim, que, sem outro contexto ou paralelo local, muito dificilmente se poder continuar a’ manter a cronologia paleolitica que foi sugerida para aquele (©) Esta campanda dtectou tmbém uma curiosaestagio com gravuras da Idade Moderna, picotadas juno a fz doo Céa, ‘com motivos datveisente os sees. XVIILXX. Para o bom resultado de tos estes trabalho, coneore 0 excelente apoio logistico {ue nos fr facultado pela E-D.P.e, também posteriormen, pela Camara Municipal de Vila Nova de Foz Coa, enigades a quem Sgradecemes vivamente 1) A leitura deste captlo referete a0 Vale da Casa, fcari melbor complementads com a iustasio mais abundante publicada in BAPTISTA, 1983, 80 PORTVGALIA JORGE ef alii, 1981 ¢ 1982). Aliés, nio fossem as armas, as sobreposigdes e certos pormenores de Conjunto nos intimeros cavalos do Vale da Casa, e seria estilsticamente defensivel para alguns (raros) deles, essa eronologia paleolitica. Por ex., para 0 belissimo exemplar da r. 7, uma notavel cabeca de crina esfiada. De qualquer forma, um alerta para o enganoso de atribuigées cronol6gicas ou culturais baseadas ‘em meros conceitos estlisticos, e uma prova mais de que estamos muito longe de uma sistematizagao da nossa arte pré-historica. Outros motivos zoomérficos gravados figuram cervideos ¢ canideos. O melhor conjunto destas figuras esté na cena da r. 23 (Fig. 11), onde um cavaleiro montado, segurando com a mao esquerda as rédeas do cavalo e erguendo um dardo com a direita, caga um disforme cervideo, auxiliado por um grupo de cies de caudas afiladas ¢ longos pescocos. Estes tém, ainda, a particularidade de apresentarem as patas tem forma de «pés de galinha». Ao lado desta cena e manifestamente a ela associada, surge uma inscriglo, com caracteres que lembram os Ibéricos. As armas identificaveis no Vale da Casa concentram-se quase todas nas rochas 6 ¢ 10. Sio modelos atribuiveis, na sua generalidade, a Id. do Ferro. Sao elas: falcatas (2 das quais embainhadas na r. 6). dardos ou armas de arremesso, lancas, algumas de compridissimos cabos e outras $6 gravadas as laminas (uma destas estrangulada a meio), arcos e setas, uma espada ou machete de comprida limina e alguns possiveis escudos, um redondo e outros rectangulares. Uma panéplia variada de armas, que nos permite datar, com alguma seguranga, pelo menos a fase filforme do complexo, a mais importante, como Pertencendo certamente a Idade do Ferro. Entretanto, as figuras geométricas so raras e pouco significativas, pouco mais havendo a registar além do rectingulo citado da r. 15 (Fig. 10) ¢ de alguns tragos ¢ linhas. Registe-se, por fim, a inscrigao, também citada, da r. 23 (Fig. 1). ‘Ar, 10 (Fig. 9), a mais importante do complexo, nao 6 pela qualidade ¢ tipos das suas gravuras, ‘mas, acima de tudo, pelas suas sobreposigées, fornece-nos uma ideia clara da evolucao dos tipos gravados e, comparativamente com as restantes rochas e sobreposigGes nestas evidenciadas, uma sistematizacdo estilistico-cronolégica do grupo filifome. Assim, numa superficie que nao chega a atingir 1 m2, foram zgravados c. de 2 centenas de motivos! As gravuras mais antigas, sobrepostas por todas as demais, sio os estranhos antropomorfos, alguns mesmo de muito dificil detec¢ao. Alguns cavalos poderio ja pertencer a este primeiro momento. Entretanto, estes tipos antropomrficos nao tornam a aparecer em quaisquer das foutras rochas. Ultrapassada esta tendéncia antropocéntrica inicial, abre-se um periodo de clara predomindncia zoomérfica, em que se grava uma infinidade de cavalos, com a caracteristca inédita do estilo (ou técnica) dda perspectiva distorcida das zonas posteriores. Nao hi cenas. As figuras parece sobreporem-se anarquica- ‘mente, preenchendo todos 0s espacos, livres ow nao, da rocha. Finalmente, continuando-se ainda e sempre a gravacao de cavalos, insculpem-se as armas. Paralela- mente, a gravacio dos cavalos limita-se agora a0 desenho singular da linha cérvico-dorsal. Nao fora a evolugio tipoldgica tao clara destes motivos e dificilmente se poderiam considerar estas linhas sinuosas como estilizagées de cavalos (conf. p. anterior). Entretanto, as sobreposigoes indicam-nos que as primei- ras armas gravadas foram um pequeno arco, a longa espada ou machete e dois possiveis escudos (Ceticulados). © ultimo momento de gravagdo da r. 10 é assinalado pelas langas ¢ dardos e, muito especialmente, por 4 grandes falcatas, as armas maiores ¢ mais profundamente gravadas do painel. Estas, ocupando grande parte da superficie historiada, sobrepdem-se a todos os restantes motivos. Nas restantes rochas da estagdo a evolugao é semelhante, notando-se a auséncia da 1.* fase (antropo- morfos), € a presenca de algumas raras figuras muito posteriores, como duas estrelas de cinco pontas, ainda pouco patinadas. ‘Menos representativas e devendo pertencer a uma fase ou mesmo a um grupo estlistico anterior, sio as gravuras picotadas. Estas sio predominantemente consttuidas por tipos antropomsrficos, quer esque- fticos de membros arqueados e tronco linear, a lembrarem alguns modelos da pintura esquemitica, quer semi-esquemiticos, com longos corpos rectangulares €, na sua maioria, fiicos, como 0 belo conjunto da rocha 4, Outras figuras esquemiticas, como os trés exemplares tinicos da rocha 11, integram-se numa categoria zoomérfica, devendo representar estilizagdes de bovideos (BAPTISTA, 1983, Fig. 16). Sao 0 primeiros bucranios inventariados no Norte de Portugal. Entretanto, um outro leque de motivos, como pequenos circulos isolados a lembrarem idénticas formas da Arte do Tejo, completam a tipologia das picotagens da estagio, mas 0 conjunto das gravuras do Vale da Casa afasta-se de qualquer das fases estilisticas do nosso mais importante complexo inscultérico (BAPTISTA et ali, 1978; BAPTISTA, 1981 b), sendo dificil, neste pequeno grupo de picotados, detectar qualquer influéncia ou contacto seguro. O estilo, os tipos e a técnica afastam-nos igualmente da gramatica figurativa filiforme atras enunciada. Cremos que os picotados do Vale da Casa, na sua maioria, devem pertencer a um momento anterior a Id. do Ferro, possivelmente a um estidio indeterminado da Id. do Bronze. Podera também ser esta a fase a que estio ligadas as gravuras do tipo 2, 0s hipotéticos «afiado- [ARTE RUPESTRE DO NORTE DE PORTUGAL: UMA PERSPECTIVA 8 res». Poder esta fase conotar-se com 0 grupo humano que implantou a necrépole de cistas no mesmo local das gravuras? Uma das cistas escavadas deu materiais de tipologia Calcolitica ou do Bronze Antigo. A publicacio destas escavagées aclarard, porém, melhor este ponto. 3. © SIMBOLO E O RESTO Esta “digressio” muito sumariada pela arte do NW, provando, segundo cremos, o seu caricter heterogéneo, traz igualmente alguns dados novos a esta arrastada problematica. A guisa de conclusio € tultrapassando em muito o limite do texto que nos fora solicitado, do que nos penitenciamos, serd talvez ainda pertinente enumerar algumas das pincipais interrogagdes que a sua leitura podera suscitar: 4) Poder-se-a continuar a manter a tese de um longo ciclo no NW, frente a grupos inscultricos e Pict6ricos tio diferenciados nas suas tradigGes, influncias e mesmo zonas de expansio tio dispares? 'b) Nao vird a descoberta de novos abrigos pintados no Leste transmontano ¢ a sistematizagio de stages como 0 Giio ¢ o Tripe, entre outras, fornecer os elementos necessérios para uma melhor ‘compreensio das origens ou influéncias meridionais das gravuras do nosso grupo II? ©) Poder-se-i ainda continuar a sustentar, como o vem fazendo toda uma arqucologia de base livresca, a tese de que todos os cruciformes sao medievais ou modernos, quando, pelo menos no N. de Portugal, estagdes como 0 Gido, o Tripe, o Outeiro do Salto... provam a sua originalidade a partir de tipos antropomérficos imediatamente anteriores? 4) O ciclo filiforme, nitidamente tardio no Vale da Casa e, até agora, apenas identificado nas zonas ‘mais interiores a Ocidente da Meseta, reflectindo uma grande heterogeneidade nas poucas esta es conhecidas, podera assinalar um grupo paralelo, mas eoevo, no nosso grupo II? Se atribuivel ‘os seus inicios a um Bronze Médio, podera continuar a mantet-se uma cronologia tio recuada, como a proposta por S. Jinior ¢ C. Nunes e seus colaboradores, respectivamente para Ridevides ¢ Pedra Letreira, frente fragilidade das provas por si aduzidas? ©) Finalmente, um sitimo aspecto, nao focado neste trabalho, qual a influéncia do megalitismo (ou dos megalitismos) na génese ou desenvolvimento dos grupos do Noroeste? Aspecto particular- ‘mente importante, a pesquisar em futuros trabalhos, pois sera talvez aqui que tradicio e invengao mais se confrontam, BIBLIOGRAFIA CITADA ALVES, Pe P.M. (1934), Memiriat Arqueoliico-isiricas do Distrito de Braganga, IX, Pore. ANATI, E., (964), The rock-carvings of “Pedra das Femaras- at Fenans (Ponteveda), Homenaje al Abate Henri Breull Barcsiona, pigs. 123-152 ANATLLE. (1968), Arte rapesie nelle Region! occidental delta PensolaIberica, Ed. del Centro, Capo di Ponte BAPTISTA, A. 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Port. de Amr. e Einologia, W (3), Pot, Sep de 16 pags VASCONCELOS, Leite de, (1910), Esulturas pri-hstrcas do Museu Etnoligico Porugués, 0 Archeslogo Portugués, XV. Lisboa, pigs. 31-39, Braga, Agoso{Setembro 1983 1 — Giiio (Arcos de Valdever). Pormenor da rocha grande (17), onde 6 perceptivel uma figura antcopomérfica de tipo fi, com mio direita naturalisticamente marcada pela palma e cinco dedos. Para lém de outras provas, hi muito evidenciadas por Breuil, para a caracterizagio antzopoméstica dos motivos em fie seus derivados, esta gravura, com um atributo anatémico tio claro, é suficientemente esclarecedora, acentuando essa riquissima variante tipolégica dos ‘antropomorfos em fi, cujas esiizagdes podem atingir formas altamente abstractas. 2— Gio, Rocha 15. Predominancia de reticulados ¢ fis, uma constante nesta estagio. Ao centro, dois, cruciformes sobrepsem-se a tragos da retfcula. 3—Tripe (Mairos, Chaves). Rocha 1. De notar a distribuicio aleatria das figuras, preenchendo todos os espagos vazios da superficie granitica 4—Tripe, Rocha 13. Neste conjunto, de tracos muito gastos, dStaca-se a tnica figura montada 4a estagio, um tema compositive raro nas gravuras do grupo II. De notar © convencionalismo {dos braces e tronco do eavaleiro, esquematizados como nas figuras em fi, comuns na estagio. Es 1 1 — Tripe, Rocha 24. Figura de tipo fi, cujos atributos na zona supetior da cabeca (toucado?) se poder relacionar com idéntices motives da pintura esquematica 2—ripe, Rocha 6. Um dos mais sugestivos paintis com varias combinagSes antropomérficas de tipo fi 3—Vale da Casa (Vila Nova de Foz Coa). Rocha 10, A desmontagem das sobreposigges desta ‘otivel superficie historiada, permitiu compreender a evolusio da fase filiforme do complexo. Note-se a predomindncia das figuras de cavalos a grande profusio de linhas céevico-dorsais simples, especiaimente a meio da rocha. As armas, nomeadamente as grandes falcatas, da ‘metade superior do painel, representam a fase final de gravacio. 4— Vale da Casa. Rocha 15. Ao alto, um cavalo, cujo estilé arcaico, se liga, nko obstante, A Idade do Ferro. (Potografias do autor, Redupto dos desenhos de Ana Pinto)

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