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Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar: NEUROCIRURGIA

UNIFESP/Escola Paulista de Medicina


Fernando Menezes Braga e Paulo M. Porto de Melo
Capítulos 64, Páginas 607-615

ABSCESSOS CEREBRAIS

Definição

São infecções focais únicas ou múltiplas, que se iniciam com cerebrite e


se desenvolvem formando uma coleção purulenta intracerebral, circundada por
uma cápsula bem vascularizada. Conceitualmente, os abscessos cerebrais não
devem ser confundidos com empiema (extra ou subdurais), que são coleções
purulentas formadas em espaços preexistentes ao redor do parênquima
cerebral.

Epidemiologia

Antes da AIDS, os abscessos cerebrais representavam aproximadamente


1:10 mil internações nos EUA, e atualmente ocorrem 1.500 a 2 mil novos casos
por ano. Nos países em desenvolvimento, estima-se uma incidência maior,
associada principalmente ao tratamento inadequado de infecções bacterianas da
orelha média ou dos seios paranasais.
Na maior parte das séries estudadas, a idade média para incidência de
abscessos cerebrais está entre 30 e 45 anos, mas com pico de incidência em
crianças entre 4 e 7 anos de idade. Quanto à distribuição por gênero, a
predominância no sexo masculino varia de 1,2 a 3:1.

Fatores de Risco

Algumas doenças se associam a um risco maior para o desenvolvimento


de abscessos cerebrais: doença cardíaca cianótica congênita, endocardite
bacteriana, infecções pulmonares (empiemas ou abscessos), bronquiectasias,
deficiência imunológica congênita ou adquirida, terapia imunossupressora etc.
Em relação a sítios contíguos como fonte primária de abscessos cerebrais,
tem-se: otite média e mastoidite, sinusites, infecção dentária, trauma craniano
penetrante, infecção pós-cirúrgica e mais raramente como complicação de
meningites bacterianas.
A definição de um sítio primário como fonte do abscesso cerebral tem
grande importância na escolha dos antibióticos a serem ministrados,
principalmente quando não se consegue isolar um agente.

Microbiologia

Abscessos cerebrais podem ser causados por uma grande variedade de


bactérias, fungos e parasitas. Nos últimos 50 anos, a microbiologia dos
abscessos cerebrais mudou muito. Em literatura do período anterior aos
antibióticos, estreptococos (viridans, beta-hemolítico), pneumococo e
principalmente Staphylococcus aureus eram os microrganismos mais
freqüentemente isolados.
Estudo mais recente demonstra um aumento de organismos anaeróbios
isolados nos abscessos, aparecendo como os mais freqüentes em algumas séries
da literatura.
A baixa incidência de anaeróbios em relatos mais antigos deve-se
provavelmente a meios inadequados de manipulação do material purulento.
Com a melhora das técnicas para cultura de anaeróbios, houve uma diminuição
acentuada de culturas negativas, sendo mais comumente encontrados em
abscessos cerebrais o Bacteroides spp (B. fragillis e B. melanogenicus), os
estreptococos anaeróbios (peptoestreptococos), o Fusobactetrium spp e o
Propionumbacterium spp.
A despeito do aumento da presença dos germes anaeróbios, os germes
aeróbios continuam prevalecendo nas estatísticas. Os aeróbios mais
freqüentemente encontrados são: Streptococcus spp, Enterobacteriaceae spp,
Staphylococcus spp e Haemophilus spp.
A maioria dos abscessos é produzida por um único agente, sendo que a
flora mista aparece em 1/3 dos casos e é especialmente comum em abscessos
de origem otogênica. A incidência de culturas negativas permanece alta,
variando de 25 a 30% em muitos relatos.
Abscessos cerebrais em pacientes com shunts arteriovenosos são mais
freqüentemente causados por Streptococcus spp. Abscessos fúngicos são mais
comuns em pacientes imunocomprometidos, como aqueles causados por
Candida albicans, Aspergillus spp, Cryptococcus neoformans, Blastomyces
dermatidis, Hystoplasma capsulatum e os zigomicetos. Em pacientes com AIDS,
o Toxoplasma gondii é a infecção não-viral mais comum do sistema nervoso.
A flora bacteriana encontrada em neonatos difere da flora da população
adulta, sendo que os agentes mais freqüentemente encontrados são o Proteus
spp e o Citrobacter spp. Os abscessos cerebrais em população neonatal ocorrem
freqüentemente como complicações de meningites, o que é incomum em
crianças mais velhas e nos adultos.

Patogênese e Histopatologia

O pré-requisito para formação de abscesso cerebral é uma área de


necrose colonizada por um microrganismo. Britt et al. baseados em estudos
experimentais em cães, dividiram a formação dos abscessos em 4 estágios,
tendo como base modificações histológicas:

1. Cerebrite inicial: 1º ao 3º dia, caracterizada por centro necrótico e


inflamação local ao redor da adventícia dos vasos sangüíneos, resultando
na formação de edema.
2. Cerebrite tardia: 4º ao 9º dia, quando ocorre a alteração histológica mais
significativa.
3. A formação de pus leva ao aumento do centro, o qual é circundado por
uma área de células inflamatórias e macrófagos.
4. Fibroblastos dão início a uma rede de reticulina que é a precursora da
cápsula de colágeno; o edema é mais acentuado nesse estágio.

Durante a fase inicial da formação da cápsula (10º ao 13º dia), ela se


torna mais desenvolvida ao redor do centro necrótico; é o evento mais
importante para evitar a disseminação pelo parênquima. A cápsula desenvolve-
se menos na sua região medial ou face ventricular, em razão da menor
vascularização da substância branca.
A fase tardia da formação da cápsula (após o 14º dia) é caracterizada por
5 áreas histologicamente distintas:

• Centro necrótico;
• Área periférica de células inflamatórias e fibroblastos;
• Cápsula densa de colágeno;
• Região de neovascularização próxima à cápsula;
• Zona de edema e gliose reacional externa à cápsula.

Apresentação Clínica

A apresentação clínica dos abscessos cerebrais não se modificou em


relação às descrições clássicas. Os sintomas do abscesso cerebral não se
diferenciam daqueles encontrados em tumores ou em outras lesões expansivas,
em que é importante o fato de progredirem mais rapidamente. Os sintomas
estão presentes em cerca de 75% dos pacientes com menos de 2 semanas.
Cefaléia é o sintoma mais freqüente, presente em 70 a 90% dos casos;
náuseas e vômitos por hipertensão intracraniana ocorrem em 25 a 50%. Febre
aparece em 50% das vezes e febre alta é incomum. Na maioria das séries,
menos de 60% dos pacientes têm sinais focais. Convulsões ocorrem em 30 a
50% dos pacientes pré-operatoriamente. Outros achados comuns incluem
papiledema e meningismo.
Em pacientes imunocomprometidos, a evolução dos sintomas tende a ser
mais lenta quando comparados a pacientes com imunidade normal. A tríade
clássica de febre, cefaléia e sinais focais ocorre em menos de 50% dos casos, na
maioria dos estudos.

Diagnóstico

TC e RM constituem os exames de escolha para diagnóstico dos abscessos


em suas fases iniciais e também nas demais fases.

Tratamento

Na maioria dos casos, a drenagem do abscesso por punção após


trepanação, ou a excisão, fazem parte do tratamento. O tratamento clínico
exclusivo pode ser empregado, em algumas situações como:

• Estágios iniciais da cerebrite (antes da formação da cápsula);


• Lesões muito pequenas, menores que 3 cm de diâmetro;
• Abscessos múltiplos, especialmente os menores que 3 cm;
• Abscessos localizados em regiões eloqüentes ou no tronco cerebral;
• Pacientes em condições clínicas de alto risco;
• Meningite ou ependimite.

As condições para um tratamento inicialmente cirúrgico são: efeito de


massa significativo; diagnóstico diferencial com tumores primários, metástases
cerebrais ou outras infecções não-bacterianas; proximidade com ventrículos
laterais, pois a ruptura intraventricular do abscesso é uma complicação
extremamente grave; abscessos fúngicos, multisseptados, e traumáticos
associados a corpo estranho, como fragmentos de projéteis, espículas ósseas,
cateteres etc.

 Antibióticos
Quando o agente etiológico é desconhecido, o tratamento inicial mais
comumente recomendado é a associação de vancomicina, cefalosporina de 3ª
geração e metronidazol ou cloranfenicol. Caso haja fonte primária conhecida,
recomendam-se associações (Tabela 64.1).
Tabela 64.1 – FONTE DE INFECÇÃO E TRATAMENTO ANTIBIÓTICO
Sintoma Associação
Otite média ou mastoidite Penicilina cristalina, cefalosporina de 3ª e
metronidazol
Sinusite (frontoetmoidal ou Vancomicina e cefalosporina de 3ª geração
esfenoidal)
Foco dentário Penicilina cristalina e metronidazol
Trauma penetrante Penicilina cristalina e cefalosporina de 3ª
geração
Doença cardíaca congênita Penicilina cristalina e cefalosporina de 3ª
geração
Endocardite bacteriana Vancomicina e gentamicina

A antibioticoterapia deve ser administrada durante 6 a 8 semanas. O uso


de corticosteróides pode ser considerado por curto período, pois reduz a
penetração dos antibióticos no abscesso. Reserva-se para pacientes com
hipertensão intracraniana grave decorrente de edema perilesional.

Tratamento Cirúrgico

 Trepanação e aspiração por agulha


Método mais utilizado, podendo ser feito sob anestesia local. Em lesões
profundas, pode ser realizado por estereotaxia.

 Excisão do abscesso
Método realizado apenas na fase mais tardia quando o abscesso está bem
encapsulado e em área não-eloqüente. É pouco utilizada atualmente, sendo mais
recomendada nos casos de abscessos associados a corpo estranho.

Seguimento

A TC de crânio deve ser realizada semanalmente ou mais freqüentemente,


caso haja piora clínica. Após o término da antibioticoterapia, deve-se repetir a TC
a cada 2 a 4 semanas, até o desaparecimento da lesão, a qual pode permanecer
de 3 a 11 meses.

Prognóstico

Antes do surgimento da TC, com uso de antibióticos, a mortalidade era de


40 a 60%. A TC proporcionou diminuição deste índice de mortalidade para cerca
de 10%, mas mantendo níveis altos de morbidade, com incapacidade de 45% e
epilepsia tardia em torno de 25%.
Os piores prognósticos relacionam-se aos casos em que há
comprometimento do nível de consciência no início do tratamento e aos casos
com ruptura intraventricular do abscesso.

Figura 64.1 – Abscessos cerebrais múltiplos secundários à endocardite


bacteriana por Staphylococcus spp.
Figura 64.2 – Abscesso cerebral da fossa posterior (cerebelo) pós-mastoidite.
Figura 64.3 – (A) Abscesso frontoparietal: pré-tratamento. (B) Imagem após
tratamento medicamentoso com grande diminuição do abscesso. (C) TC após
extirpação cirúrgica do granuloma. (D) Formação de granuloma inflamatório
responsável por crises convulsivas de difícil controle.
Figura 64.4 – TC com contraste. (A) Grande abscesso temporal. (B) Após
punção evacuadora e tratamento com antibióticos. (C) Após 2 vezes de
tratamento com antibióticos.
Figura 64.5 – TC de crânio: corpo estranho no lobo frontal (couro da ponta de
taco de sinuca ) e abscesso.

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