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RETEXTUALIZAÇÃO E (RE)CONTEXTUALIZAÇÃO:
PROCESSOS DE MANIPULAÇÃO DOS LEITORES
Cleide Emília Faye Pedrosa1
1. INTRODUÇÃO
2. DESENVOLVIMENTO
1
Universidade Federal de Sergipe – UFS / Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. –
eliaspedrosa@uol.com.br
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Essa assimetria é bastante visível no gênero ‘Frase’, pois o editor manipula a ‘fala’
do Locutor ao retextualizá-la (primeiro processo) segundo sua escolha, que vai desde os
aspectos lingüísticos aos sociocomunicativos. Ao Locutor não lhe é facultado interceder na
produção, distribuição e consumo do texto. O editor controla a situação discursiva,
exercendo seu poder da forma como lhe apraz (PEDROSA, 2004).
No primeiro processo, o editor seleciona a ‘fala’ do locutor a partir de um evento
comunicativo mais amplo (PEDROSA, 2002) e a retextualiza segundo critérios bem
subjetivos, pois verificamos que as ‘falas’ não são transcritas, como o uso das aspas poderia
sugerir, mas retextualizadas segundo preferências lexicais, sintáticas, semânticas,
pragmáticas e, sobretudo, ideológica do editor.
No processo de (re)contextualização, o editor deixa transparecer que está
recuperando, para o leitor, o contexto lingüístico (cotexto) e situacional do evento
comunicativo de onde selecionou a ‘fala’, com o fim de que esse tenha condições de
entender a ‘frase’. Como tal prática/ intenção é apenas aparente, preferimos usar o termo
(re)contextualização em lugar de contextualização ou recontextualização, pois verificamos
que, para atender interesses editoriais da revista, a ‘fala’ é descontextualizada para depois
ser contextualizada, daí optarmos por (re)contextualização – o termo designa a releitura
que o editor faz para o evento comunicativo em foco.
Assim, podemos, resumidamente, afirmar que a produção, distribuição e consumo
desse gênero textual ‘frase’ são conduzidos pelo editor. Que, por sua vez, se liga a uma
rede mais poderosa que é a rede das grandes empresas editoriais.
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Verificamos que, na mesma semana, quatro revistas (Contigo, Veja, Tudo e Época),
veicularam ‘Frases’ do mesmo evento comunicativo. Não resta dúvida que há uma
‘uniformização de ofertas’, o leitor muda de revista, porém, não, de conteúdo. O aparente
poder de escolha do leitor é subjugado pela ‘onipotência da difusão’. Talvez o leitor possa
escolher onde ler, não o que ler.
Voltando aos processos de retextualização e (re)contextualização como práticas de
edição, daremos destaque a dois posicionamentos já indicados: os editores retextualizam as
‘falas’ dos locutores segundo critérios subjetivos; e os editores (re)contextualizam a ‘fala’
retextualizada a fim de situá-la em ‘seu’ contexto (com toda a carga semântica ambígua
que o pronome ‘seu’ traz nessa construção sintática e semântica).
Os editores retextualizam as ‘falas’ dos locutores segundo critérios subjetivos. O
processo de retextualização “envolve operações complexas que interferem tanto no código
como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem-compreendidos da
relação oralidade-escrita.” (Marcuschi, 2001:46). Os casos de retextualização apresentam
um grau de interferência muito grande, pois interferimos tanto na forma e substância da
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expressão como na forma e substância do conteúdo, sendo que neste segundo conjunto a
questão se torna muito mais delicada e complexa (MARCUSCHI, 2001).
Na prática da retextualização, observamos, em nosso objeto de análise, desde a
atividade de colagem, passando por acréscimos de termos e informações, mudança na
pontuação, pequenas alterações semânticas, até alterações semânticas mais acentuadas.
As alterações semânticas abordadas abaixo se ligam às estratégias discursivas
distintas, como alteração na estrutura sintática, uso de conectores, recorte na ‘fala’ etc.
EXEMPLOS COMENTÁRIOS
(Istoé (I) – 23/05/01) (Veja (V) – Em (I), com o uso de plural em ‘drogas’, o
“Drogas são 16/05/01) "Não efeito de sentido é que faz alusão a todo
prejudiciais à saúde” fumo, não bebo, não tipo de drogas (fumo álcool, etc); enquanto
Fernandinho Beira- cheiro, não jogo. em (V), como há, no primeiro período uma
Mar, traficante, em Droga é prejudicial listagem de ações’que se referem a drogas,
depoimento à à saúde." então provavelmente o uso no singular,
Comissão de Direitos Fernandinho refere-se a apenas um tipo.
Humanos no Beira-Mar,
Congresso traficante carioca
preso na Colômbia,
em depoimento na
Câmara dos
Deputados
(I – 07/11/01) “Temos (Tudo (T) – O uso da preposição ‘em’ e ‘de’ (‘nos/ dos
de pôr fim ao lobby 09/11/01) “Temos tribunais’), ocasionam uma leitura distinta.
nos tribunais” de pôr fim ao lobby
Eliana Calmon, dos tribunais”
ministra do STJ Eliana Calmon,
ministra do Supremo
Tribunal de Justiça
(IstoÉ – O5/12/01) (T - 07/12/01) “Eu Em (T) o acréscimo de informação
“Eu não sou apenas não sou um pedaço – ‘só que ele é pequenininho’ – vem
um pedaço de carne de de carne de prejudicar a ‘face’positiva do Locutor.
açougue. Também açougue. Também
tenho cérebro” tenho cérebro, só
Nana Gouvêa, que ele é
modelo, eliminada do pequenininho”
programa Casa dos Nana Gouvêa,
artistas e magoada com modelo eliminada
o SBT por ter exibido do programa Casa
as cenas em que ela dos Artistas
aparecia seminua
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EXEMPLOS COMENTÁRIO
(I – 31/01/01) (V - 31/01/01) (Época (E) - Há grandes diferenças
“Ele é lindo, frágil "Preciso de um ator 12/03/01) "Preciso semânticas entre (I) e (V).
e perfeito” despreparado para de um ator Em (I), a justificativa da
Gerald Thomas, viver um príncipe despreparado ‘fala’ recai sobre o ator
diretor teatral, despreparado." para mostrar uma (reforçando a
justificando por Gerald Thomas, pessoa retextualização) . Em (V),
que escolheu o ator diretor teatral, despreparada no a justificativa da ‘fala’
Reynaldo justificando a mundo de hoje." recai na peça (afastando-se
Gianecchini para montagem de O Gerald Thomas, da retextualização).
protagonizar a sua Príncipe de diretor de teatro, Em (E), de forma resumida
nova peça inspirada Copacabana, peça sobre Reynaldo (‘sobre Reynaldo
em Hamlet, de baseada em Hamlet, Gianecchini Gianacchini’) o editor
Shakespeare com o galã reforça o dito na ‘fala’ do
Reynaldo Locutor. Contudo, ficamos
Gianecchini sem saber a que peça se
refere.
da ‘fala’apresentado.
A hipótese levantada pelo
editor de (E) não é
autorizada pela
‘fala’retextualizada, pois o
Locutor afirma que está
‘feliz’
(T) – não faz uma leitura
interpretativa da ‘fala’, a
interpretação ou inferência
cabe ao leitor.
(I – 10/10/01) “O (E – 08/10/01) “Isso, As (re)contextualizações
Brasil não se sim, é um dão toda orientação de que
classificar para a problema.” se trata do mesmo assunto.
Copa do Mundo Fernando Há, em (E), um problema
será mais grave do Henrique Cardoso, semântico, deveria ser ‘não
que qualquer crise presidente da classificação’ ou
econômica” República, sobre a ‘desclassificação’.
FHC, em visita ao possibilidade de O ‘isso’ é catafórico, se
Equador, falando classificação do relacionarmos a
sobre uma eventual Brasil para a Copa retextualização com a
desclassificação da do Mundo (re)contextualização
Seleção Brasileira
nas eliminatórias
da Copa do Mundo
3. CONCLUSÃO
Este gênero textual ‘Frase’é hoje cada vez mais freqüente na mídia escrita e serve
como uma boa sugestão para que se consiga entender como as idéias alheias são repassadas
ao público através de estratégias discursivas e práticas sociais nem sempre satisfatórias e
condizentes com o texto original. As grandes alterações identificáveis nos processos de
retextualização e (r)econtextualização são a prova de manipulação da linguagem de quem
detém o poder em nossa sociedade.
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4. REFERÊNCIAS
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Editorial Popular.
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metodológicos e analíticos”. In: PEDRO, Emília Ribeiro (org.). Análise Crítica do
Discurso. Lisboa: Caminho, p. 19- 46.
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WODAK, Ruth. 2003. “De qué trata el análisis crítico del discurso (ACD). Resumen de su
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Michel. Métodos de análisis crítico del discurso. Barcelona: Gedisa, p. 17 – 34.
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