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Chomsky: "Nacionalizações são um passo para a democratização"

Em entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações nos Estados
Unidos e que as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a
participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões,
discussões nas quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que, no atual
contexto de crise, os sindicatos "são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-
se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas."
The Real News Network/Esquerda.Net

Nesta entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações e que
as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a participação de
conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas
quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que os sindicatos "são um dos
poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas
públicas."

Paul Jay: Benvindo à The Real News Network. Estamos no MIT, em Cambridge, com o
professor Noam Chomsky, que julgo não precisar de apresentação. Muito obrigado por
aceitar estar connosco. Há uns dias, a administração Obama e Geithner anunciaram o seu
plano para os bancos. Qual é a sua opinião sobre ele?

Chomsky: Bem, na verdade há vários planos. Um é a capitalização. O outro, o mais recente,


é o resgate dos ativos tóxicos através de uma união pública-privada. Essa medida fez subir
imediatamente a bolsa de valores. E compreende-se porquê: é extremamente boa para os
banqueiros e investidores. Significa que um investidor pode, se quiser, comprar estes ativos
sem valor. E se por acaso eles subirem, ótimo, ganha dinheiro; se caírem, o governo
garante-os. Assim, pode haver uma pequena perda, mas também pode haver um grande
ganho. Um gestor financeiro disse esta manhã no Financial Times que "é uma situação de
ganhar-ganhar."

Uma situação de ganhar ou ganhar, se for investidor.

Chomsky: Sim, se for investidor. Para o público, é uma situação de perder-perder. Este
plano é uma reciclagem das medidas de Bush-Paulson, com pequenas alterações, mas
essencialmente a mesma idéia: manter igual a estrutura institucional, tentar iludir a
gravidade da situação, subornar os banqueiros e investidores, mas evitar as medidas que
podiam ir ao cerne do problema, impondo mudanças da estrutura institucional.

Que plano o senhor apoiaria?

Chomsky: Por exemplo, veja a questão dos bônus da AIG que estão causando tanto justo
repúdio. Dean Baker mostrou que havia uma forma fácil de tratar da questão. Já que o
governo, de qualquer forma, é o dono da AIG (só não usa esse poder para tomar decisões),
podia separar a seção de investimentos financeiros, que causou todos os problemas, e deixá-
la ir à falência. Depois disto, os executivos podem procurar obter os seus bônus de uma
empresa falida, se quiserem. Isso resolveria muito bem o problema da falência, e o governo
manteria ainda o seu controlo efetivo em larga-escala, se quisesse exercê-lo sobre a parte
viável da AIG.

E com os grandes bancos, como o Bank of America, um dos maiores problemas é que
ninguém sabe o que se passa lá dentro. São aparelhos muito opacos e que fazem muitas
manipulações - não são eles que vão falar. Por que o fariam? De fato, quando a Associated
Press enviou jornalistas para entrevistar os gestores do banco e lhes perguntaram o que
fizeram com o dinheiro do TARP (programa governamental de recuperação de ativos
problemáticos), eles simplesmente riram-se. Disseram: "Não têm nada com isso. Somos
empresas privadas. A vossa tarefa, a do serviço público, é de dar-nos fundos, mas não de
saber o que estamos fazendo." Mas o governo podia descobrir facilmente - nomeadamente,
assumindo o controle dos bancos.

Todas estas maquinações políticas são para evitar a nacionalização?

Chomsky: Não é preciso usar a palavra "nacionalização" se ela incomoda as pessoas, mas
alguma forma que permitisse que investigadores independentes, investigadores do governo
tivessem acesso aos livros e descobrissem o que eles estão fazendo, quem deve o quê a
quem, que é a base de qualquer forma de mudança. Não há uma lei da natureza que diga
que as empresas têm apenas de se dedicar a dar lucro aos seus acionistas. Nem sequer está
na lei. Na sua maioria são decisões de tribunais e decisões de gestão e por aí adiante. É
perfeitamente concebível que as empresas, se existem, sejam responsáveis diante dos
acionistas, da comunidade, dos seus trabalhadores.

Especialmente quando é o dinheiro público que está fazendo o sistema funcionar...

Chomsky: Veja, o fato é que é quase sempre dinheiro público. Veja o homem mais rico do
mundo, Bill Gates. Como é que ele se tornou o mais rico? Muito do que ganhou veio de
dinheiro público. De fato, lugares como este onde estamos agora...

O MIT...

Chomsky: É onde foram desenvolvidos os computadores, a Internet, software sofisticado,


aqui ou em lugares semelhantes, e quase inteiramente financiados por dinheiro público. No
essencial, o sistema funciona assim: o público paga os custos e assume os riscos, e os lucros
são privatizados.

Que é o que está acontecendo com todos os planos de resgate.

Chomsky: Bem, fala-se muito disso agora porque são as instituições financeiras e é tudo
muito visível, mas isto acontece o tempo todo. Quer dizer: computadores e Internet foram a
base para a revolução das tecnologias de informação no final dos anos 90.

Quando fala em "desafiar a estrutura institucional" o que gostaria que acontecesse?

Chomsky: Para começar, empresas, bancos e outros deveriam, penso, ser responsáveis
diante de todos os interessados, não só dos acionistas. Não é uma grande mudança. De fato,
já foi até levado aos tribunais. Há cerca de 30 anos, as maiores empresas siderúrgicas
queriam destruir as fábricas de aço de Youngstown - o núcleo central da comunidade fora
construído em torno delas - e os trabalhadores e a comunidade queriam mantê-las e
achavam que podiam geri-las privadamente. Levaram o caso aos tribunais, argumentando
que as regras de gestão tinham de ser mudadas de forma a que todos os interessados e não
só os acionistas tivessem o controle da empresa. Bem, perdeu nos tribunais, naturalmente,
mas é uma idéia perfeitamente factível. Podia ser uma maneira de manter viva a
comunidade e as indústrias.

Assim, se olhar agora para o sistema financeiro e aplicar esse princípio, de representar os
interesses gerais, e não só os dos acionistas, o que significaria isso em termos de política?

Chomsky: Antes de mais nada, para começar, significaria que o governo não resgataria os
bancos, aplicaria capital mas exerceria o controle. E controle começa com a fiscalização.
Assim, descobrimos o que eles estão fazendo. Em seguida, mantemos as partes viáveis. E se
são viáveis deveriam ser postas sob controle público. O governo poderia ter comprado a AIG
ou o Citigroup por muito menos do que está gastando agora. Numa sociedade democrática, o
governo deveria seguir os interesses do povo, e haver um compromisso público direto no
que estas instituições devem fazer e como elas devem distribuir o seu dinheiro, em que
termos, etc. Podiam ser democraticamente geridas pelos seus trabalhadores, pela
comunidade.

Mas, use-se ou não a palavra, isso não requer uma espécie de nacionalização? O banco não
se torna uma instituição de propriedade pública?

Chomsky: Tornam-se instituições de propriedade pública que servem o público e cujas


decisões são tomadas pelo público. É uma via longa. É preciso aproximar-se dela passo a
passo. Quando se pensa em nacionalização, o sistema doutrinal, por razões históricas,
associa nacionalização a uma espécie de Big Brother que toma o controle e dá ordens ao
público. Mas não tem de ser necessariamente assim. Há muitas instituições nacionalizadas
que funcionam de forma bastante eficiente. De fato, veja, digamos, o exemplo do Chile, que
é suposto ser a imagem de marca das economias de livre-mercado
Thatcheristas/Reaganistas. Uma grande parte da economia é baseada na muito eficiente
produtora de cobre, a Codelco, que foi nacionalizada por Allende, mas era tão eficiente que
durante os anos de Pinochet nunca foi desmantelada.

Na verdade, está de certa forma sendo enfraquecida mas penso que ainda é a maior
produtora de cobre do mundo, recolhe a maior parte dos ganhos do Estado. Noutros lugares
também há empresas nacionalizadas com muito sucesso. Mas a nacionalização é só um
passo em direção à democratização. A questão é quem as gere, quem toma as decisões,
quem as controla. Agora, nas instituições nacionalizadas, as decisões ainda são tomadas de
cima para baixo, mas não tem de ser assim. Não há uma lei da natureza que diga que não
podem ser administradas democraticamente.

Como seria feito?

Chomsky: Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da


comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas - é assim que,
supostamente, funciona a democracia. Claro que ainda estamos muito longe disso, mesmo
no sistema político. Veja o exemplo das eleições primárias. Da forma como funciona o nosso
sistema, os chefes de campanha dos candidatos vão a alguma cidade de New Hampshire e
fazem uma reunião, e o candidato vai e diz: "Vejam como sou um cara simpático. Votem em
mim. E as pessoas ou acreditam nele ou não, e vão para casa. Imagine que tínhamos um
sistema democrático que funcionava ao contrário. O povo da cidade de New Hampshire se
reuniria em conferências, reuniões, organizações públicas, etc., e delinearia as políticas que
queriam ver aplicadas. Depois, se alguém se candidatava, podia ir lá; se quiserem, podem
convidá-lo e ele iria ouvi-los. Eles diriam: olhe, eis as políticas que queremos que
implemente; se pode fazê-lo, vamos aceitar que nos represente, mas vamos destituí-lo se
não o fizer.

Como disse, isso está muito longe em termos da política de hoje.

Chomsky: Não está tão longe, acontece.

Mas em nível nacional...

Chomsky: Nesse nível está mais distante. Mas vejamos aquele que é provavelmente o mais
democrático país do hemisfério ocidental, apesar de as pessoas não gostarem de pensar
dessa forma: a Bolívia. É o país mais pobre do hemisfério. É o mais pobre da América do Sul.
Houve eleições nos últimos anos nas quais a grande maioria da população, que é o povo
mais reprimido do hemisfério, a população indígena, entrou pela primeira vez em 500 anos
na arena política, determinou as políticas que quis, e elegeu um líder das suas próprias
fileiras, um camponês pobre. E as questões são muito sérias - o controle sobre os recursos,
a justiça econômica, os direitos culturais, as complexidades de um sociedade multiétnica
muito diversa. As políticas vêm do próprio povo, e é suposto que o presidente as
implemente. Há todo o tipo de problemas, nada funciona tão perfeitamente, mas é a
democracia a funcionar. É quase o oposto da forma como funciona o nosso sistema.

Voltando aos EUA, pensa que os atuais planos para o setor financeiro, o setor
automobilístico, o plano de estímulo geral vão funcionar? E se não, para onde estamos
caminhando em termos de intensidade de crise? E o que significa em termos de democracia
americana?

Chomsky: Não creio que alguém saiba se vão funcionar. É uma espécie de tiro no escuro. O
meu palpite é que não vai ser a Grande Depressão, mas pode haver anos difíceis pela frente
e muitos remendos se as atuais políticas forem aplicadas. O núcleo central das atuais
políticas é manter a atual estrutura estável, decisões tomadas de cima.

E pôr dinheiro para os planos de resgate.

Chomsky: Pode entrar com o dinheiro para os planos de resgate, mas sem fazer parte do
aparelho de decisão. É certo que vai haver alguma forma de regulação. A mania de
desregulação dos últimos 30 anos, baseada em conceitos religiosos realmente
fundamentalistas sobre a eficiência dos mercados em grande parte desapareceu, e muito
rapidamente. Veja por exemplo Lawrence Summers, que é hoje praticamente o principal
conselheiro econômico de Obama, conseguiu reconstruir o sistema regulatório que ele
destruiu há poucos anos. Ele foi um dos principais a impedir o Congresso a regulamentar os
derivados e outros instrumentos exóticos, sob a influência destas idéias sobre eficiência dos
mercados e escolha racional, etc. Essas idéias estão agora muito abaladas, e parte do
aparelho regulatório vai ser reconstruído. Mas a história disto é muito clara e fácil de
entender: os sistemas de regulação tendem a ser tomados pelas empresas que deveriam
regulamentar. Foi o que aconteceu com as ferrovias e outros casos. E é natural. Elas têm o
poder, poder concentrado, capital concentrado, influência política enorme - de certa forma
regem o governo. Acaba que eles assumem o controle do aparelho regulatório no seu próprio
interesse. Assim, por exemplo durante o que muitos economistas chamam a época de ouro
do moderno capitalismo de estado, entre os 50 e meados de 70, não havia grandes crises.
Havia um sistema regulatório, havia regulação dos fluxos de capitais, taxas de câmbio, etc.,
o que levou ao maior crescimento em época de paz da história. Mudou em meados dos 70,
quando a economia foi em direção à desregulamentação e financeirização, enorme
crescimento dos fluxos de capital especulativo, mitologias sobre a eficiência dos mercados.
Houve, é claro, crescimento, mas concentrado em poucos bolsos, e estamos há 30 anos em
relativa estagnação de salários reais para a maioria da população.

E como é que isso muda?

Chomsky: Há um pequeno aspecto distributivo na política fiscal, chamam-lhe socialismo,


comunismo, etc., mas mal regressa aonde estava há poucos anos. Por outro lado, a melhor
maneira de chegar a um sistema mais igualitário seria, simplesmente, ampliar a
sindicalização. Os sindicatos tradicionalmente não só melhoraram as vidas e os benefícios e
as condições de trabalho e os salários dos trabalhadores, mas também ajudaram a
democratizar a sociedade. Os sindicatos são um dos poucos meios que permitem ao povo
comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas. Houve um grande exemplo
disto há umas semanas. O presidente Obama queria demonstrar a sua solidariedade ao povo
trabalhador; foi a Illinois e falou numa fábrica. A escolha foi marcante; escolheu a
Caterpillar. Teve de se contrapor às objeções da igreja e dos grupos de direitos humanos,
devido ao efeito devastador que as máquinas da Caterpillar estão tendo nos territórios
ocupados por Israel, onde estão destruindo terra agrícola, estradas e aldeias. Mas ninguém,
que eu saiba, noticiou algo ainda mais dramático. A Caterpillar tem um papel na história do
trabalho nos EUA. Foi a primeira fábrica, em gerações, a usar fura-greves para destruir uma
greve. Foi, se não me engano, em 1988, como parte dos ataques de Reagan aos
trabalhadores, mas foi a primeira instalação industrial a fazê-lo. Isso é um fato grande,
importante. Nessa altura, os Estados Unidos eram os únicos, junto com a África do Sul, a
permitir uma coisa dessas. E isso destrói na essências o direito de associação do povo
trabalhador.

O Employee Free Choice Act (lei de livre-escolha do empregado) supostamente é algo que
facilita a sindicalização, mas não ouvimos muito falar dela desde as eleições.

Chomsky: Não ouvimos falar muito dela. Não ouvimos quando Obama foi à fábrica, que é o
símbolo de destruição do trabalho por práticas injustas, porque isto foi tirado da memória
das pessoas. O Employee Free Choice Act é sempre mal interpretado. É descrito como um
esforço para evitar eleições secretas. Não é isso. É um esforço para permitir que os
trabalhadores decidam se deve haver eleições secretas, em vez de deixar as decisões
inteiramente nas mãos dos empregadores. Durante a campanha, Obama falou nisso, mas
rapidamente o tema foi deixado de lado. Mas um passo muito maior para superar a
redistribuição radical para os mais ricos, que ocorreu nos últimos 30 anos, seria
simplesmente facilitar os esforços de sindicalização. Mas cada presidente desde Reagan
atacou isto. Reagan disse diretamente: "não vamos aplicar a lei". Assim, a demissão de
trabalhadores - demissão legal - por organizar os trabalhadores triplicou, de acordo com a
Business Week, durante os anos Reagan. Quando chegou Clinton, havia basicamente um
dispositivo diferente. Chamava-se Nafta. O Nafta oferecia aos empregadores uma
maravilhosa forma de impedir a organização dos trabalhadores: bastava pôr um grande
cartaz a dizer: "Operação de transferência para o México". É ilegal, mas se o governo é fora
da lei, pode ter sucesso nisto. E nem vale a pena falar dos anos Bush. Mas pode-se reverter
isto, e isso seria um passo significativo não só para reverter a enorme redistribuição de
rendimento para os de cima, mas também para redemocratizar a sociedade, fornecendo
mecanismos pelos quais o povo possa atuar politicamente no seu próprio interesse. Mas isso
mal está sendo discutido, até agora, nas margens. E coisas como, por exemplo, o controle
dos interessados sobre as instituições, trabalhadores e comunidade, não está muito abaixo
da superfície no espírito das pessoas. Está sendo empurrado para o lado. Mas se olharmos
para trás, para os anos 30, quando questões semelhantes - não as mesmas, mas questões
bastante parecidas estavam sendo levantadas, o que realmente causou medo nos corações
do mundo dos negócios foram as greves de ocupação (sit-in strikes). Foi quando os
empresários começaram a falar sobre o risco de que enfrentavam e sobre o poder das
massas.

Mas o que tem de ameaçador uma greve de ocupação? Bem, uma greve de ocupação está
apenas a cinco segundos de fazer emergir a idéia: "Por que nós devemos sentar aqui? Por
que não dirigir a fábrica? Podemos fazê-lo, melhor que os gerentes, porque sabemos como
tudo funciona". Isso assusta. E está começando a acontecer. Há um mês, houve uma greve
de ocupação numa fábrica de Chicago, a Republic Windows and Floors. A multinacional
proprietária queria fechá-la ou transferi-la para outro lado. E os trabalhadores manifestaram-
se e protestaram, mas finalmente fizeram uma greve de ocupação. Bem, tiveram uma meia-
vitória; não venceram totalmente. Muitos mantiveram os empregos. Uma outra empresa
comprou-a. Mas não deram o passo seguinte, que era: "Bem, por que não dirigimos a
fábrica, junto com a comunidade, que se importa com a fábrica, e talvez uma comunidade
mais ampla, que também se importa, no público em geral?" Essas eram questões que
deviam ser discutidas.

Tradução de Luis Leiria/Esquerda.Net

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