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Uma breve história dos mapas

Elvis Christian Madureira Ramos 1

RESUMO: Uma história breve e concisa dos mapas, dos avanços e mudanças
pela qual esse instrumento de representação gráfica passou ao longo de sua
trajetória até nossos dias. Destaca de forma pontual pensadores e
determinados períodos que possibilitam vislumbrar alguns pontos de mutação
desse saber acumulado historicamente e constrói uma perspectiva cronológica
da cartografia.

Unitermos: História da Cartografia, Ciência cartográfica, Mapas, Representação


gráfica.

ABSTRACT: A brief and concise history of the maps, advances and changes for
which this instrument of graphical representation passed throughout its
trajectory until our days, detaches of prompt form thinking and determined
periods that they make possible to glimpse some points of mutation of this to
know historical accumulated, in this way, making possible a chronological
perspective of the cartography.

Keywords: History of the Cartography, Cartographic Science, maps, graphical


representation.

O que se escreveu aqui é uma autêntica síntese, cujo intento é enfatizar


personagens e contextos temporais que visam representar sinteticamente o
devir histórico e significativo da arte e ciência cartográfica. Trabalhou-se com
poucas fontes, e dessas encetou-se esforço de análise naquela que se inscreve
na linha de histórias gerais que pontuam linearmente a história cartográfica. O
que se pretende é oferecer aos leitores uma referência pontual dessa história.
De início, é preciso definir o que se entende por conhecimento
cartográfico. Em 1966, a Associação Cartográfica Internacional estabeleceu a
seguinte definição: "conhecimento cartográfico é o conjunto de estudos e
operações científicas, artísticas e técnicas, tendo por base os resultados de
observações diretas ou de análise de documentação com vista à organização e
preparação de mapas, projetos e outras formas de expressão, bem como sua
utilização".
Deve-se esclarecer que, ao se mencionar a história da cartografia, se
estará igualmente fazendo menção à história dos mapas. Erwin Raisz (1969),
cartógrafo norte-americano, afirma que o uso de mapas é mais antigo que o
aparecimento de documentos escritos antigos, ou seja, seu aparecimento situa-
se na pré-história.

Harley (1991) destaca que desde o século XIX predominou a visão


eurocêntrica, ou seja, mapas não-europeus ou mapas antigos que não
apresentassem uma objetividade inerente ao estilo gráfico e semiológico 2

europeu eram “considerados indignos de atenção científica” . Segundo Harley,


“somente há alguns anos” essa visão sofreu uma revisão conceitual, para uma
cosmovisão multicultural que busca focalizar, além do uso prático dos mapas,
também os usos “míticos, psicológicos e simbólicos” destes.
Harley (1991) também aponta comparações eivadas de reducionismo,
como a de atribuir à cartografia chinesa caráter mais científico que a indiana,
cujos mapas antigos, contêm signos desconhecidos e estilo pictórico
A representação gráfica de mapas é uma produção cultural por meio da
qual os povos exprimiram suas peculiaridades geográficas e suas concepções
de espaço e tempo. Nesse aspecto, mais que meros instrumentos técnicos, os
mapas são um produto cultural, pois são visões de épocas, representações de
entorno e registro de informações geográficas. Subjacentes aos pontos, traços
e ilustrações há nos mapas uma perspectiva cultural, uma linguagem que
merece análise histórica.
Ao se estudar os povos da Antigüidade, é significativa a preocupação
com o registro das marcas espaciais e/ou territoriais: distribuição de vilas,
relevo, rios, vias de acesso ou rotas de intercâmbio comercial. Contudo, cada
sociedade desenvolveu sua maneira particular de representar seu espaço
geográfico.O contraste entre essas representações, num mesmo período
histórico, é geralmente significativo.
Há certamente vários fatores para o aparecimento de discrepâncias, e é
na compreensão desses fatores que o estudo da história dos mapas se torna
relevante. Isso porque todo mapa traduz uma expressiva e durável forma de
linguagem criada pelos homens que mostra sua íntima relação com o espaço
terrestre e celeste. O primeiro é essencial nessa jornada, pois, a partir de certa
fase, e daí progressivamente, o homem passou a transformar espacialmente a
natureza e sua geografia de forma cada vez mais intensa. Quanto ao segundo,
revela a profunda convicção de que é possível conhecer os mistérios do
firmamento e dele fazer objeto de conhecimento.
Cabe identificar aspectos comuns às formas de cartografia que existiram
e cujas funções ainda são atuais. Expressos numa linguagem capaz de
sintetizar e generalizar a espacialidade geográfica (dimensão territorial,
elementos do relevo, acidentes geográficos, meio urbano, agrário, etc.) servem
de instrumento estratégico tanto no aspecto civil e militar, voltados à
segurança, logística e apropriação de recursos naturais. E, englobando todas
essas funções, tornam-se documento histórico e cultural tanto de uma
civilização em particular, como de uma determinada época.
Registros históricos, relatos, gravuras e fragmentos arqueológicos são
valiosos objetos de estudo para pesquisadores entenderem o desenvolvimento
das representações gráficas dos diferentes povos.
São várias as formas de representações nesse gênero.Os povos da
Antigüidade, engenhosamente desenvolveram desenhos cartográficos por meio
de diferentes materiais e configurações. Os habitantes das ilhas Marshall, no
Oceano Pacífico, por exemplo, confeccionavam formas de representação do seu
espaço geográfico com varas de bambu, conchas e fibras de palmeiras. Tais
referências funcionavam como cartas náuticas: a armação de bambu eram
atadas por fibras de palmeiras, colocando-se nela conchas que, devidamente
posicionadas, representavam ilhas, atóis, arquipélagos, etc. Havia até o uso de
artefatos para representar as correntes marinhas, engenho que contribuiu para
que os polinésios pudessem percorrer grandes distâncias no Oceano Pacífico.
Os povos pré-colombianos também possuíam formas singulares de
representação espacial. Os astecas elaboravam mapas em linguagem pictórica,
dando ênfase mais nos registros históricos do que em detalhes do relevo. Os
povos do altiplano sul-americano, na atual região do Peru, faziam mapas em
relevo em trabalhos sobre pedras.
Na América do Norte, os povos das pradarias elaboravam mapas em pele
de animais empregando uma escrita ideográfica o que facilitava a comunicação
e o entendimento: um cavalo significava um caminho, um homem cruzando um
rio representava um local mais raso para passagem, etc.
Outra menção da engenhosidade dos povos está registrada na obra
Entre os Nativos do Brasil Central do etnólogo Karl Von Den Steinen (1855-
1929), publicada na Alemanha em 1886. Além de fotos, levantamentos
cartográficos e dados da distribuição geográfica das várias tribos da região do
Xingu, essa obra ainda revela um esboço das nascentes do rio Xingu feito pelos
ameríndios dessa região com pedaços de junco (Mirador Internacional, 1987).
Um registro remoto de representações gráficas que merece destaque é o
mapa babilônico da cidade de Ga Sur encontrado por meio de escavações
arqueológicas na área central do antigo império babilônico (atual território
iraquiano). Grafado com símbolos e caracteres cuneiformes em tabuleta de
argila, foi datado entre 2300 a.C. a 2500 a.C., tem uma dimensão pequena (7,6
´ 6,8 cm). A superfície da tabuleta mostra um distrito limitado por duas
cadeias de montes que, segundo alguns arqueólogos, representa o vale
situando entre a cadeia de montanhas Zagros a leste e o Anti-Líbano a oeste
(Anti-Líbano é uma cadeia de montanhas situadas à oeste da cadeia de
montanhas Monte-Líbano).
Fig. 1 Esta figura mostra os traços na tabuleta de Ga sur, em
Cartographic Image, slide/monografia 100.

Ainda em relação ao registro de mapas encontrados na Antigüidade, a


revista de historia cartográfica Imago Mundi divulgou em 1964 um mapa
estampado em rocha (petróglifo). representando um ordenamento de
habitações ou sítio urbano, possivelmente de uma comunidade denominada
Camunos, no norte da atual Itália. Tal representação situa-se em meados do II
milênio, na Idade do Bronze. Contudo, a mais antiga representação gravada
encontrada até agora é de Çatal Höyük, achada em 1963, em uma escavação
no planalto de Anatólia. Datada entre o período de 6000 a 6300 a.C.,
aproximadamente, está grafada em uma parede e retrata algumas construções,
tendo ao fundo um vulcão em erupção (Mirador Internacional, 1987) .
As grandes civilizações antigas também desenvolveram formas de
linguagem cartográficas, muitas vezes conseqüência de sua própria evolução
tecnológica. É o caso da civilização egípcia, cuja necessidade de estabelecer
correções territoriais sobre os férteis lotes cultivados ao longo do importante
rio Nilo, fez com que se desenvolvessem cálculos geométricos, técnicas de
agrimensura e planilhas cadastrais. Tal desenvolvimento técnico contribuiu
para feitura de mapas peculiares à sua cultura, da qual os mapas da região
mineira da Núbia — área de exploração mineral do império egípcio — são um
exemplo. Fragmentos (papiros) dessas plantas e mapas encontram-se
atualmente no museu de Turim.
Por seu turno, a necessidade mercantil influenciou os fenícios a
desenvolverem uma cartografia muito conhecida entre os povos do
Mediterrâneo. Esses mapas, futuramente denominados cartas náuticas, lidam
com aspectos de localização marítima.
Deve-se ressaltar ainda o elevado grau de desenvolvimento técnico da
cartografia chinesa cujos primeiros registros datam de 227 a.C. Nos mapas
dessa civilização, por demanda administrativa e militar, ganharam relevância as
descrições geográficas precisas de seu território. Muitas inovações técnicas dos
mapas chineses são atribuídas a Pei-Xiu (223-271), o qual sistematizou e
incorporou vários elementos aos mapas. Nessa fase os mapas apresentam
quadrículas, uso da orientação, medição de distâncias e indicação de cotas
altimétricas semelhantes ao conjunto gráfico dos mapas contemporâneos
(Harley, 1991).
As bases da ciência geográfica e cartográfica, tais como as conhecemos
nos dias atuais, foram em grande parte plasmadas pelos gregos da
Antigüidade. De início, a forma da Terra aceita entre os gregos era a
concepção homérica: um disco com um platô no centro circundado pelas águas.
Hades, o reino da morte, estava no meio do platô, abaixo da superfície;
Tarturus, o reino da escuridão eterna, e as águas que circundam as terras
emersas denominavam-se Oceanus, o rio do mundo. Erguendo-se da periferia
desse disco, a abóbada celeste com o Sol e as constelações. Outras concepções
surgiram entre os próprios gregos, embora todas apresentassem semelhanças
entre si.
Até por volta do final do século II a concepção do mundo se assentava
na teoria consagrada por Platão e Aristóteles. A Terra era considerada um
corpo imóvel e esférico no centro de uma esfera estrelada que se movia
uniformemente; entre a Terra e essa esfera celeste, os sete planetas
descreviam órbitas variáveis incluindo o Sol (Beaujeu, 1959).
. Várias contribuições técnicas e científicas, resultado dos esforços de
observações e registros metódicos além do aprimoramento da linguagem
matemática empregada como instrumento de mensuração e sistematização,
alicerçaram gradualmente o sistema cartográfico grego.
Convém destacar algumas das maiores contribuições helênicas: a
concepção da esfericidade da Terra, a projeção gráfica, os sistemas de
coordenadas (latitude e longitude), as linhas e referenciais geográficos
(trópicos, pólos e equador), as zonas climáticas e as primeiras medidas da
circunferência terrestre, estas um passo importante para o desenvolvimento
da astronomia e da geodésica (ciência que faz análises e mensurações sobre a
forma e tamanho da Terra). De modo geral, propunham o entendimento do
espaço; não somente em registrar e fabular, mas também transformar em
saber estruturado tudo que registravam e calculavam.
Atribui-se a Anaximandro de Mileto (610 - 547 a.C.) o primeiro mapa do
mundo que contempla o universo geográfico conhecido pelos gregos, uma
tentativa de representar o ecúmeno (regiões do mundo habitado), que
correspondia à orla mediterrânica: Ásia e norte da África. Outros pensadores,
tais como; Parmênides (séc. V a.C.), Hecateu de Mileto (550 - 480 a.C.),
Pitágoras (582 - 500 a.C.), Erastóstenes (276 - 197 a.C.), Hiparco (190 -120
a.C.) e Posidônio (135 - 51 a.C.) fizeram relevantes contribuições no campo da
matemática, geografia e astronomia que se estenderam até a cartografia.
A inovadora maneira de representar no plano uma superfície esférica
(forma de projeção) utilizando linhas paralelas e perpendiculares foi resultado
dos esforços de Estrabão da Amásia (a.C. 64 – 20 d.C.). Marino de Tiro (c. 70 –
130 d.C), aperfeiçoou o método, compondo de forma cilíndrica a projeção e
linhas eqüidistantes, configurando uma rede quadriculada (Guedes, 1992). Ao
se comentar a história da cartografia e da geografia é inescapável a alusão ao
astrônomo e cartógrafo grego Cláudio Ptolomeu que viveu em Alexandria
possivelmente entre 90 - 150 d. C. Sua obra síntese, Tratado de Geografia,
incorpora os estudos matemáticos e geográficos no estudo do espaço terrestre,
o que torna possível o desenvolvimento dos primeiros princípios da ciência
cartográfica, em realidade, ao longo do tempo sofreu vários acréscimos na
versão original (Guedes, 1992).
Embora dois séculos antes já houvesse sido apresentada a concepção
heliocêntrica proposta por Aristarco de Samos (310 a.C. - 230 a.C.), Ptolomeu
apresenta sua teoria geocêntrica no Almagesto (grande obra). Estudiosos
persas traduziram essa obra posteriormente, difundindo com mais força a
teoria geocentrica, contribuindo para eclipsar a teoria heliocêntrica por mais de
1500 anos.
O Tratado de Geografia foi uma tentativa de mapear o mundo conhecido
na época de forma mais abrangente. Baseado nos trabalhos de Hiparco, dividiu
o equador em 360 partes iguais definindo os meridianos e os paralelos e
estabeleceu um sistema de coordenadas utilizado ainda hoje . Não considerou
o trabalho de Erastóstenes, uma avaliação do comprimento do equador que,
em medições atuais, corresponde a 41663 km muito próximo do valor
conhecido hoje em dia, 40077 km. Em vez disso, adotou as medidas de
Posidônio, 30 % inferiores, um erro que chega até ao século XV e Cristóvão
Colombo a supor que chegara à Ásia, quando descobriu a América.
O erro de Ptolomeu o levou a representar as latitudes de forma
alongada. Pelos seus cálculos, a Ásia estendia-se muito mais a leste e a Europa
estaria muito próxima da extremidade oriental da Ásia. Não obstante, o Tratado
de Geografia será, até a renascença, fonte de inspiração cartográfica e
geográfica, ponto de partida para aperfeiçoamentos e acréscimos trazidos por
outros cartógrafos e geógrafos.
Distantes de elucubrações profundas e dos cálculos que os gregos
realizavam acerca do espaço terrestre e celeste, os romanos usaram os mapas
para fins militares e administrativos. A cartografia romana é bem representada
pela Tábua peutingeriana, conjunto de mapas que cobria vasta região
dominada pelo império romano abrangendo em que são mostradas estradas e
pousadas em cerca de cinco mil lugares geográficos, do sudeste da Bretanha
até regiões da Índia.
Deve-se destacar também a qualidade dos trabalhos topográficos
realizados nas povoações romanas, inclusive em Roma. No reinado do
imperador Sétimo Severo entre 203 e 211 d.C., encontra-se um registro
gravado em mármore, medindo 13 x 18 metros e localizado no Fórum Romano
do qual ainda se conservam 600 fragmentos. Resta destacar a adoção do
modelo discóide proposto pelos gregos, por parte dos romanos. Esse modelo
que leva à representação do espaço terrestre em projeção circular e plana,
será conhecido como Orbis terrarun. Representando o mundo conhecido da
época, esse mapa continha itinerários de todo o império e grande número de
dados geográficos (Mirador Internacional, 1987) .
O apogeu e declínio do processo de sistematização do conhecimento
geográfico aparece de forma significativa em alguns dos mapas do cartógrafo
europeu Ambrosius Aurelius Theodosius (395 a 423 d.C.). Com o colapso do
império romano, grande parte dos conhecimentos técnicos acumulados pelo
mundo helênico e pela contribuição de outras civilizações foi dispersada. Em
um dos mapas de Ambrosius, pode-se verificar algumas concepções da
geografia grega, tais como o mundo habitado do hemisfério norte e desabitado
do hemisfério sul, as linhas e zonas climáticas derivadas da visão ptolomaica e
a orientação para o norte, esta última contrária à adotada por muitos mapas
medievais.
Na metade do século VII d.C, um anônimo clérigo de Ravena (Itália)
escreveu uma descrição do mundo em cinco livros. Resultado de um esforço
compilatório, esse trabalho é considerado o mais elaborado e interessante livro
geográfico do início do período medieval ocidental (Cartographic Images,
monograph 203, 2002). Esse livro apresenta citações de vários geógrafos
importantes até aquele período, tais como Isidoro, Ptolomeu, Aristarco e
informações geográficas extraídas da Tabua peutingeriana. A figura abaixo
mostra uma reprodução de uma imagem na forma circular romana encontrada
na compilação do clérigo de Ravena.

Fig. 2 Reconstrução (Avezac/Beazley) do mapa do mundo pelo anônimo


geógrafo de Ravena, imagem gerada a partir de slide/monograph 203
<http://www.henry-davis.com/MAPS/EMwebpages/203mono.html>

A cartografia ocidental da Idade Média será objeto da atenção religiosa


como elemento ilustrativo, material bíblico e trabalhos históricos geográficos
para fins teológicos, confeccionados nos conventos. Na Idade Média
predominam distorções e novas singularidades em relação às concepções de
Ptolomeu, pois o Tratado de Geografia ainda não havia sido traduzido para o
latim. O que se vê em Cartografia é a continuação do modelo discóide: os
mapas, conhecidos mais tarde como mapas T-O, ou mapas em roda, são
orientados para leste e sul e os continentes conhecidos apresentam uma
representação rígida geometricamente como mostra a figura abaixo:

Fig.3 Etymologiarun sive Originum libri XX : mapa do século VII d.C. cujo autor
seria Santo Isidoro (600 - 636 d.C) gerado de CARTOGRAPHIC IMAGES (2002)

Esses mapas esquemáticos vão ganhando ornamentação ao longo da


Idade Média. Fruto da cosmovisão cristã, são retratados o Éden e outros locais
como Jerusalém e Roma além de freqüentes inclusões de cenas bíblicas.
No período de 800 a 1300 verifica-se uma produção árabe expressiva,
destacando-se o geógrafo Al-Idrisi (1100-1154) que elaborou a Tábua
Rogeriana, obra que contém setenta mapas e sintetiza o saber cartográfico da
época. Muitas das informações geográficas colhidas por Al-Idrisi foram
gravadas num planisfério em prata, uma maravilha da época.
A partir do século XIII os mapas começam a adquirir maior objetividade,
mudança devida, por um lado, às informações geográficas trazidas pelos
cruzados e, por outro, às conquistas da astronomia e da navegação na época,
além do contato maior entre as tradições cristã e muçulmana, via rotas
comerciais e zonas limítrofes entre as duas culturas.
A cartografia chinesa apresenta avanços importantes na Idade Média,
destacando-se o astrônomo Su Song (séc. XI). Além do estudo das esferas
armilares que possibilitou a elaboração de cartas celestes, confeccionou cartas
com projeções cartográficas polares e cilíndricas, estas últimas com uma
projeção muito próxima da projeção de Mercator no século XVI (Haudricourt,
1959).
Em 1193, é confeccionado um planisfério celeste, gravação em pedra
dessa carta que se encontra no templo confuciano de Su Tcheu. Por sua vez,
em Si-Ngan (região chinesa) conservam-se duas cartas terrestres datadas de
1137, nas quais se nota o uso de quadrículas, escalas e raios. Os mapas
chineses dessa época já definem o norte como ponto de orientação. Nos
séculos posteriores estancaram-se os avanços significativos na cartografia
chinesa tal como aconteceu com outras áreas, talvez em decorrência do
processo de isolamento dessa civilização.
Até o século XIX persiste na China modelo de mundo em forma de disco ,
com o Império do Meio no centro, circundado por um oceano contendo
numerosas ilhas de entorno. No século XVII, o contato dos jesuítas com a
cultura chinesa deu origem a um mapa do império chinês, concluído com a
ajuda das observações e dados específicos coletados a partir de mapas
chineses antigos.
A cartografia náutica desenvolveu-se muito na Idade Média, o que a liga
diretamente ao core comercial do mundo antigo e medieval, o Mediterrâneo,
então a grande área de comércio. As cartas-portulano, representantes dessa
cartografia náutica, em vista da sua importância estatal e estratégica (militar e
comercial), já apresentavam evolução técnica em comparação com a
cartografia dos conventos, como a rosa-dos-ventos, teia de rumos e escalas
gráficas. Foram confeccionadas em importantes centros comerciais da Itália
(Veneza, Gênova, Piza e Ancona) e da Península Ibérica (Barcelona e Maiorca).
Também foi relevante nesse período o Atlas Catalão, coletânea de mapas
náuticos dessa época, ricamente detalhado e adornado, organizado por Carlos
V, O Sábio (1338-1380), rei da França.
Em consonância com o Tratado de Geografia, a cartografia islâmica da
época aplica muitos dos conceitos ptolomaicos, no entanto o ocidente só teria
contato com essa obra depois da sua tradução para o latim, no século XV, o
que desencadeou um renascimento cartográfico no mundo ocidental.
Em comparação com a cartografia ocidental da Idade Média , densa em
colorido e ilustrações bíblicas, os mapas islâmicos desse período valorizam
traços e linhas em seus contornos. Tal como a sua caligrafia, contém um viés
artístico iconoclástico, além de elementos da cultura persa (Harley, 1991).
Porém, ambas as culturas aferram-se à concepção plana e circular do mundo
tal como a havia vislumbrado a tradição greco-romana.
A profunda renovação da cartografia no mundo ocidental surgida a partir
da redescoberta do Tratado de Geografia originou-se sobretudo das inovações
na arte de gravação e impressão. Essa obra já vinha sendo alterada
qualitativamente ao longo do tempo com relação às suas cópias, não obstante,
no período renascentista há uma reformulação mais profunda dos seus mapas
e das sua concepções cartográficas. Várias impressões foram feitas e nelas
incluídas alterações para corrigir distorções em suas edições seqüenciais,
assim, uma atmosfera de renovação cartográfica varreu a Europa. Decerto, o
invento da gravação também resultou na popularização e no incremento do
comércio de mapas.
No século XV surgem importantes cartógrafos portugueses tais como
Lopo e Andre Homem, Gaspar Viegas, Diogo Ribeiro. Os aperfeiçoamentos do
instrumental náutico e de navegação astronômica, mais o substantivo grau de
informações geográficas conseguidas com as incursões náuticas na costa
africana, se amalgamam possibilitando maior precisão na medida de
coordenadas e no delineamento de rotas, além de uma cartografia mais
elaborada na qual as posições dos astros auxiliavam na determinação das
latitudes com razoável exatidão; tudo isso corroborava o arrojo das navegações
ultramarinas portuguesas.
A cartografia portuguesa dos séculos XV e XVI reflete uma precisão até
então não atingida. É provável que tenha sido influenciada pela cartografia
catalã do século XIII. Esta última utilizava o sistema de rumo e estima, desse
modo, cálculos de distâncias, direções e rumos feitos com o recurso da bússola
possibilitavam maior precisão nos contornos litorâneos, tão importantes para a
navegação.
A partir do século XVI a aceitação da esfericidade terrestre consolida-se
com a viagem de Fernão de Magalhães; nessa época, o conhecimento
geográfico torna-se mais amplo fornecendo informações mais precisas que
permitiram aos cartógrafos a produção de mapas regionais com maior
detalhamento. O planisfério português de Cantino, concluído em 1502, já
apresenta ampla representação do globo até aquele período. Nele, além do já
conhecido continente europeu e sua orla mediterrânea, aparecem também o
continente africano, com boa correção, e terras americanas, incluindo o Brasil.
Estão incluídos também o Oceano Indico, a Índia e terras além do sudeste
asiático, embora com algumas incorreções.
Ainda no século XVI o geógrafo e matemático flamengo Gehard Mercator
(1512-1594) desenvolve um sistema aperfeiçoado de projeção, no qual as
longitudes são representadas por linhas retas paralelas eqüidistantes e as
latitudes por linhas retas paralelas, perpendiculares aos meridianos. Os mapas
adquirem importância estratégica tanto para grandes empresas e frotas
comerciais, quanto para parte das coroas européias; a cartografia torna-se
saber fundamental para a delimitação territorial dos domínios coloniais e para a
exploração ultramarina.
O século XVII foi um período de fértil produção da cartografia holandesa,
que se destacou pelo detalhamento e acabamento com a publicação de
milhares de cartas cartográficas e centenas de atlas, gravados em cobre e
ricamente ornamentados com belos frontispícios e motivos heráldicos.
Destacam-se nesse período Abraham Ortelius, Jodocus Hondius , Guilielmus
Jansonius Blaeu , Jan Blaeu e Cornelis Blaeu.
O florescimento cartográfico dos Países Baixos deve-se aos exploradores
e navegadores holandeses das empresas de navegação que faziam incursões
em vastas áreas do mundo estabelecendo importantes rotas comerciais. Essas
empresas mercantes eram, ao mesmo tempo, consumidoras e fornecedoras de
informações geográficas. Sua ousadia e espírito comercial deram origem a
vários mapas, inclusive das regiões do ártico, das Américas e do leste do
Japão. Não obstante, inaugura-se na Europa uma fase de mapas mais objetivos
e de menores custos, fruto da necessidade de mapas mais baratos e em maior
quantidade.
Isso resultou numa profusão de mapas com informações imprecisas e
repetição de erros em série. As empresas de navegação e o estado já não
estavam mais interessados em investir dinheiro em trabalhos de campo,
medições onerosas e demoradas. Em síntese, houve um salto quantitativo mas
não qualitativo.
Os avanços cartográficos, porém, não cessaram em outras regiões da
Europa. A França já produzia mapas de refinado estilo, semelhantes às cartas-
portulano. No século seguinte ganham relevo os nomes de Guillaume Deslisle
(1675-1726) e Jean-Baptiste Bourguignon d'Anville (1697-1782). A veracidade
e autenticidade das fontes de informação permitiram uma cartografia mais
próxima à realidade geográfica.
No final do século XVII avanços na ciência astronômica provocaram
reformas na Cartografiapor causa da Academia das Ciências de Paris. De início,
foram feitas observações e mensurações para determinar astronomicamente as
longitudes e elevou-se o número de pontos de referência longitudinais. Por
meio dessa descoberta, Jean Dominique Cassini (1625 - 1712) realizou a
sobreposição desses pontos no mapa-múndi obtendo maior precisão de cálculo
para a localização de pontos geográficos nos mapas.
Nesse período surgiu uma divergência entre os modelos propostos por
Isaac Newton (1642-1727) e Jacques Cassini (1677 - 1756), sobre a forma
exata da Terra nos pólos (extremidades do eixo de revolução). Para Newton a
Terra seria ligeiramente achatada, enquanto Cassini sugeria o oposto, ela seria
ligeiramente alongada nos pólos. Em 1743 duas expedições enviadas pela
Academia de Ciências de Paris, uma ao Peru e outra à Lapônia para medir um
arco de meridiano em cada uma dessas regiões confirmou a hipótese de
Newton. Essa confirmação, segundo Grenot (1992), marca o início da
cartografia moderna que passou a incorporar essa forma geométrica nos seus
cálculos cartográficos e estudos geodésicos.
Significativa, nessa época, é a obra cartográfica de João Teixeira
Albernaz, cosmógrafo da família real portuguesa. Seu trabalho é um registro
histórico e compreensivo da imagem lusitana das terras brasileiras, 36 cartas
gráficas ricamente ornamentadas onde estão delineados os contornos do litoral
descritos por meio de uma semiologia gráfica que ressalta as peculiaridades
tropicais das novas terras. O conjunto da obra cartográfica da família Albernaz
tem profunda relevância na história cartográfica brasileira, há mapas e atlas
que identificam marcas do desbravamento e da ocupação do Brasil
desconhecido e selvagem que se inserem na cartografia do século XVII ; 3

Merecem menção os notáveis mapas confeccionados por cartógrafos


holandeses por ocasião da invasão holandesa no nordeste brasileiro.
No período moderno o estado passa a financiar as pesquisas geográficas,
principalmente os exércitos que se preocupavam cada vez mais com o
planejamento logístico e estratégico. Levantamentos fisiográficos e
topográficos possibilitaram maior precisão e detalhamento das cartas em
diferentes escalas; mais uma vez a França saiu na frente com a Carta
Geométrica, 186 folhas de mapas na escala 1:86000 cobrindo todo o território
francês. Tal empreendimento foi um marco significativo para o avanço técnico
e científico, no âmbito geográfico, topográfico e cartográfico, dada a acuidade
das descrições, das mensurações e da projeção espacial. Desde então se
estabeleceu esse tipo de mapeamento em diversas escalas de um território.
Entre o século XVIII e XIX verifica-se alta produtividade cartográfica. Os
grandes estados realizam extensos e sistemáticos mapeamentos de seus
territórios. Surgem mapas ou cartas oficiais, desdobramento direto da
expansão dos impérios ocidentais em todo mundo, das expedições geográficas
e viagens exploradoras. A geografia e a cartografia foram favorecidas por
instrumentos topográficos aperfeiçoados e critérios descritivos mais bem
definidos. Além disso, a cartografia se beneficia da revolução industrial que
proporciona o desenvolvimento da arte gráfica, com destaque para a litografia.
A ciência cartográfica ganha novas especializações, como a cartografia
temática. Publicam-se nessa fase atlas de grande qualidade. Adolf Stieler, Vidal
de La Blache e Vivien de St. Martin são referências nas ciências cartográfica e
geográfica dessa fase.
Ainda no século XIX, verifica-se a difusão maior dos mapas entre a
população em geral. Enquanto na Idade Média o mapa era artigo raro, nessa
época já se transforma em artigo comum. O negócio de venda de mapas se
expande muito nesse período. A variedade de apresentações dos mapas
também se diversifica: aparecem os mapas dobráveis (portáteis) e mapas de
estradas ricamente ilustrados.
Em 1860, fotografias áreas tiradas de balão proporcionaram notável salto
qualitativo, pois permitem melhor percepção visual dos contornos e melhor
definição de marcas espaciais.
Os avanços técnicos na aviação, por volta de 1930, aperfeiçoam essa
técnica e permitem melhor qualidade das imagens do terreno; métodos de
medição precisos auxiliam na acurácia das dimensões do espaço, contribuindo
significativamente qualidade dos mapas e no trato das informações
geográficas pelo cartógrafo. Já começam a surgir mapas que lidam com os
fenômenos atmosféricos; mapas meteorológicos e climáticos.
Essa evolução técnica foi acompanhada por trabalhos de cartografia
teórica, estudos que inicialmente se direcionam para os processos de
mapeamento topográfico, projeções e representações gráficas, além de
trabalhos que se preocupam com as formas de comunicação gráfica. O enfoque
de estudos particulares no campo da geomorfologia e geologia iria demandar,
de forma paralela, representações gráficas aplicadas a esses estudos,
instigando novas propostas semiológicas. Esse tipo de trabalho particulariza o
objeto de estudo e contribui para o entendimento de sua espacialidade;
decorre igualmente dessas especificidades o surgimento de maior número de
produtos cartográficos como mosaicos, foto-índices, cartogramas,
detalhamento de cartas marinhas, etc.
Obras como The Look of. Maps (1952) e Elements of Cartography (1953)
do norte-americano Arthur H. Robinson, reforçaram assuntos relacionados à
importância dos mapas e discussão dos métodos empregados no fazer
cartográfico. Em 1959 a reunião de várias associações cartográfica mundiais
deu origem à ACI (Associação Cartografia Internacional), o que possibilitou
maior intercâmbio de trabalhos e avanços quanto à pesquisa teórica e técnica.
Atualmente, a cartografia vem se modernizando incorporando avanços da
tecnologia informacional e aeroespacial, beneficiando-se da geoinformação, ou
seja, da coleta de dados digitais, tendo por base as fontes de imageamento de
satélites e tecnologia fotogramétrica, além de outros sistemas de informação
geográfica, novos recursos gráficos e formatos digitais, além de dispor de vasta
plêiade de informações sobre territórios e dados de diferentes ramos do
conhecimento.
Concorrem para essa melhoria novos equipamentos computacionais além
dos esforços da comunicação cartográfica no aperfeiçoamento da semiológica
gráfica dos mapas. Joly (1990) empregou o termo infografia para se referir ao
fato da cartografia estar sendo assessorada operacionalmente em quase todos
os seus estágios na elaboração de mapas.
A generalização do uso de mapas em sala de aula constitui ferramenta
essencial para o estudante refletir sobre o espaço geográfico. O estudo e/ou
maneiras de se usar o mapa em sala de aulas é tratado por pesquisadores na
área do ensino de geografia no Brasil. São pesquisas que buscam, em geral,
compreender os processos cognitivos implícitos na linguagem cartográfica e em
tornar mais efetivo processo de ensino e aprendizagem por meio do trabalho
com mapas (Souza & Katuta, 2001).
Por fim, a Cartografia é uma linguagem que contém valiosa carga de
conhecimento adquirido. Sua importância cultural é indiscutível, pois é produto
do saber humano. Assim como para o cartógrafo representar e/ou simbolizar a
realidade geográfica constitui um desafio, também ler e interpretar mapas
exige do leitor sensibilidade para a sua decodificação e análise. Os mapas
adquiriram inúmeras funções ao longo do tempo. Suas características
intrínsecas — cores, traços, símbolos, legendas, etc. — modificaram-se muito,
pois também mudou a tecnologia de sua elaboração, principalmente, se
ampliaram as necessidades e finalidades da sociedade nos tempos atuais e a
forma como o homem intervém no espaço geográfico.

FONTES INFORMATIVAS

BEAUJEU, Jean. As ciências no mundo Greco-romano: astronomia e geografia


matemática (Cap. III). In.: A ciência antiga e medieval (vol 1), direção Rene
Taton. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1959.
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< http://www.cartograma.com/>Acesso em 20 a 30 de junho de 2002
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the ancient period 6,200 B.C to 400 A.D. Disponível em: <http://www.henry-
davis.com/MAPS/AncientWebPages/AncientL.html>Acesso em : 20 a 30 junho
de 2002
CARTOGRAPHIC IMAGES: Index of cartographic images ilustrating maps from
the ancient period 400-1400 A.D. Disponível em: <http://www.henry-
davis.com/MAPS/EMwebpages/203mono.html>: 20 a 30 junho de 2002).
CARTOGRAFIA TEÓRICA ,
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Disponível em :<http://www.ihrinfo.ac.uk/maps/imago.html>. Acesso em 20 a
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Novembro de 2002
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1987. 4v.
SOUZA, J. G; KATUTA, A M. Geografia e conhecimentos cartográficos: a
cartografia no movimento de renovação da Geografia Brasileira e a importância
do uso de mapas. São Paulo; UNESP, 2001. 162p.
RAISZ, Erwin. Cartografia Geral. Rio de Janeiro: Científica. Editora Científica,
1969.
Notas
1
Elvis Christia n Madureira Ramos, mestrando pela UNESP Campus Bauru no
pro gr ama de pós- graduação em Educação para Ciência, orientad o pelo Prof. Dr.
A lb erto Gasp ar docente desse programa de pós- gra duação
2
Conj unt o de signos ine rentes à ling uagem cartográ fica que permitem expre ssa r
conteúd o de informação
3
Na Map ot eca da Itamarat i acham-se manuscritos e originais das obras dos Alb ernaz

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