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2ª Vara Criminal - Zona Norte fl.

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE


JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL - ZONA NORTE DA COMARCA DE
NATAL
TERMO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Processo nº (APAGADO)
Acusado: Leandro (APAGADO) e KARLA (APAGADO)
Data e hora: 20/01/2011 às 08:30h

PRINCIPAIS INFORMAÇÕES E OCORRÊNCIAS


[s = sim | n = não] - Presenças: Ministério Público, Drª Sivoneide Tomaz do Nascimento - s;
acusado(a)(s) Leandro (APAGADO) e KARLA (APAGADO): - s; defensor, Defensor
Público, Dr. Manuel Sabino Pontes - s. Oitiva(s): vítima: - n; testemunha(s): - s. Nome(s)
da(s) testemunha(s) e declarantes ouvido(a)(s): WILSON SOARES DE LIMA e
RONILSON MOREIRA DOS SANTOS; Acusado(a)(s): - s. Caminho e nome do arquivo
multimídia: D:\Gravação de Audiências\2011\janeiro\(APAGADO). Alegações finais orais -
(s). Ocorrências dignas de nota: disse o MM Juiz: "Antes de proceder ao interrogatório do
acusado, entendeu o magistrado que o Estado Democrático de Direito repercute no âmbito do
Processo Penal através do Princípio Acusatório. Apregoa ele que as funções de acusar,
defender e julgar são atribuídas a órgãos diversos, bem como que a produção das provas
compete às partes e não ao magistrado. Outrossim, quando o magistrado produz as provas ele
perde sua imparcialidade, notadamente em favor da acusação, pois a tese é o primeiro
elemento que lhe chega às mãos. Na verdade, inconscientemente (e às vezes conscientemente
também), termina o magistrado por buscar nas provas apenas, e tão somente, a confirmação
do pré-juízo anterior condenatório que já possuía, culminando por despir-se da toga e a dividir
a vestimenta da beca de quem acusa, seja o Ministério Público, seja o querelante. Por isso o
interrogatório será procedido pelas partes e, ao final, complementarei com alguma dúvida que
tiver, sendo a última pergunta se a parte ré tem algo mais a dizer em sua defesa, cumprindo o
princípio da ampla defesa".. Deliberações finais: segue sentença.

SENTENÇA

RELATÓRIO
Trata-se de ação penal pública em que figura LEANDRO (APAGADO) e
KARLA (APAGADO), partes já qualificada nos autos, como acusadas pela prática dos fatos
violadores das regras penais previstas no(s) artigos(s) 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei
nº 11.343/2006.
Quanto às provas documentais e periciais, há o seguinte: o termo de exibição e
apreensão de fl. 13; o laudo de constatação de fl. 14 e o exame químico-toxicológico de fl.
110.
A denúncia foi recebida no dia 08/10/2010 (fl. 92). A citação se deu às fls. 93 e 94.
A resposta à acusação se encontra às fls. 105-107. O interrogatório ocorreu em audiência. As
testemunhas foram ouvidas em audiência.
Nas suas alegações finais a acusação disse, em suma, o seguinte: a materialidade e
a autoria estão comprovadas pelas provas juntadas aos autos, pelo menos em relação ao
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As informações processuais poderão ser acompanhadas através do sítio "www.tjrn.jus.br".
acusado LEANDRO (APAGADO), devendo ser condenado nos termos da inicial. Já em
relação à acusada KARLA (APAGADO), a mesma tinha pouca instrução, mas passou
sinceridade. Ela disse que nem consumia e nem sabia do envolvimento do marido com as
drogas. Pediu a absolvição por não haver provas de que praticou a infração. A acusação de
associação para fins de tráfico, em relação ao acusado LEANDRO (APAGADO), deve ser
rejeitada, uma vez que a acusada foi absolvida, faltando, agora, um dos elementos, o da
associação. Em, relação ao acusado LEANDRO (APAGADO), foram encontradas dorgas em
vários locais. No caso dos autos, ficou comprovado que o acusado guardava em sua casa, para
fins de mercancia, o crack. Pediu a condenação apenas do acusado por tráfico de drogas.
Nas suas alegações finais a defesa disse, em suma, que em relação à busca,
policiais disseram que a busca ser autorizada. Mas ela foi ilegal. Neste caso, não houve
autorização para a busca, pois teria obrigação. Os policiais disseram que havia uma denúncia
de que naquele local havia tráfico. Tem receio de denúncias anônimas. Infelizmente nosso
sistema tem aceitado. Começa a haver repulsa a essa prática. Quem sabia que havia droga não
pode ser questionado. Tem graves desconfianças. Mas o raciocínio que o faz acreditar na
legalidade. Disseram os policiais que havia uma denúncia anônima. Difere de um outro caso
em que não houve indicação de que havia tráfico de drogas. Nesse caso foi diferente.
Realmente sabiam da existência do tráfico. Não é verossímil que a pessoa indique onde estava
a droga. O acusado LEANDRO (APAGADO) alegou ter sido agredido. O delegado
determinou sua submissão a laudo. Constam várias lesões no laudo. Infelizmente é um padrão
triste a tortura pelos policiais. É necessária a investigação disso pelo MP, até porque o
acusado disse que havia sido agredido por policiais de outras viaturas. Não havia motivo que
justificasse as lesões. Tanto é que os policias não lavraram o auto de resistência. Em relação à
acusada, deve ser absolvida, o que leva à absolvição do acusado LEANDRO (APAGADO)
em relação à associação para fins de tráfico de drogas. Pediu a aplicação das atenuantes da
menoridade, da confissão e da co-culpabilidade. Haja vista a minorante do § 4º, não se trata
de crime hediondo, o que permite um regime inicial mais brando e a substituição por pena
alternativa. Pediu o encaminhamento do inquérito, da denúncia e das gravações realizadas
hoje, ao MP.
FUNDAMENTAÇÃO
Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e dando início à
formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e imputados à
parte ré, verifico a materialidade e a autoria.
No tocante à prova documental ou pericial, consta o termo de exibição e apreensão
de noventa e três pedras aparentando ser crack, onze trouxinhas e cinco tabletes pequenos
aparentando ser a droga maconha, dentre outros objetos.O laudo de constatação e o exame
químico-toxicológico concluíram que a erva apreendida era a droga conhecida popularmente
por maconha e que as pedras analisada continham em sua composição o alcalóide cocaína.
A testemunha WILSON SOARES DE LIMA, durante oitiva judicial, afirmou que
estavam patrulhando quando um oficial recebeu a informação de que no local funcionava uma
boca de fumo. Foram à residência e a proprietária permitiu que entrassem. Em diligências
encontraram trouxinhas de crack no telhado e maconha no quarto. Estava patrulhando na área.
Quem ligou não quis se identificar. A ligação foi direta para o oficial de serviço. Foi
apreendido dinheiro. Esse local é suspeito de tráfico de drogas, mas na Zona Norte é difícil
não encontrar uma boca de fumo. Achou droga no telhado. A droga estava entre duas telhas.
O acusado foi quem informou onde estava a droga. A entrada foi franqueada pela acusada
Karla, após o depoente ter dito que havia uma suspeita de tráfico de drogas. As outras drogas
foram encontradas pelos outros policiais. Não encontrou ninguém que dissesse que os
acusados vendiam drogas. Alguns eletrodomésticos foram levados no flagrante. Não havia
balança de precisão.
RONILSON MOREIRA DOS SANTOS, testemunha ouvida judicialmente,
relatou que estavam patrulhando o tenente recebeu um telefonema. Foram fazer uma
diligência, pois as informações davam conta de tráfico de drogas. Pediram para entrar. A parte
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do depoente foi procurar drogas. Encontrou drogas. Havia um microondas e material de
cabeleireiro. Encontrou drogas fracionadas. Encontrou pedras de crack em embalagens
pequenas para venda. Eram 93 pedras de crack. Ficou do lado de fora no momento da entrada.
No início eles negaram que houvesse drogas. Eles não chegaram a dizer se eram dependentes
químicos. A acusada estava assustada. O acusado inicialmente se negou a ir, tendo sido
preciso ser imobilizado. Mas ele não reagiu. Não chegou a ver o acusado lesionado.
Encontrou um forno microondas encostado e material de cabeleireiro. Os acusados assumiram
que a casa era deles, mas não chegaram a dizer, pelo menos ao depoente, que a droga seria
deles.
Durante interrogatório judicial, a parte acusada LEANDRO (APAGADO) disse
que é verdadeira a acusação. É dependente de maconha. A acusada chegou para pegar o
dinheiro da criança e foi quando a polícia chegou. Eles mandaram abrir o portão e a acusada
abriu. Colocaram um saco na cabeça do depoente e ele disse onde estava a droga. Na época
vendia batatinha e DVD. Já recebeu a maconha e a cocaína embalada. Vendeu umas dez
pedrinhas, só. Fazia um mês que tinha alugado. Morava sozinho. As pranchas de cabelo
estavam quebradas. O depoente comprou na feira.Comprava e vendia. O forno de microondas
era quebrado também. Comprava e quando chegava em casa via que estava quebrada.
Consome maconha desde 2006. Resolveu vender drogas porque estava aperreado, precisando
de dinheiro.Foi a primeira vez que vendeu drogas. Sua esposa não o ajudou em nada.
Guardava tudo nas telhas. Era uma quantidade só. A maconha era pra uso e o crack pra droga.
A polícia deu chute, paulada e sacos na cabeça. Quem bateu no depoente foi o pessoal das
outras viaturas. Está trabalhando como vendedor de tapiocas. Seu pai é aposentado. Foi criado
pelo seu pai e pela sua mãe. Não sabe ler. Ainda fuma maconha, de vez em quando. Consegue
passar até cinco dias sem fumar. Não consegue parar. Nunca fez tratamento contra
dependência química. Gostaria de fazer tratamento contra dependência química. Nunca foi
preso e nem processado antes.
Já KARLA (APAGADO) relatou em seu interrogatório que a acusação é
verdadeira. Não consome drogas. Não sabe sobre as drogas. Morava com sua avó e foi à casa
do acusado pegar o dinheiro pra criança e ficou conversando quando a polícia chegou. Eram
muitos policiais. Era próximo do meio-dia. Não saia que havia tráfico de drogas. Viu quando
acharam a droga da sala. Não consome drogas. Fazia mais ou menos um mês que o acusado
mudou. Na época o acusado ajudava a mãe dele na praia. Foi criada pela avó materna.
Estudou até a sexta série. Sabe ler e escrever. Nunca foi presa e nem processada antes. Em
síntese à tese da acusação e a antítese da defesa, concluo que a prova principal deve ser
declarada ilícita e os acusados devem ser absolvidos. Vou explicar.
Vivemos uma difícil realidade na Zona Norte de Natal. São tantas as
denúncias que vemos nos meios de comunicação, corroboradas pelos testemunhos aqui
colhidos, que comecei a me questionar acerca da legalidade, para não dizer
constitucionalidade das inúmeras prisões e apreensões em virtude de denúncias anônimas.
E passei a observar que o script é, quase que invariavelmente, o mesmo: diz a
polícia que recebeu denúncia anônima de que determinada pessoa estava traficando.
Dirigem-se ao local e visualizam o cidadão entrar em casa, geralmente correndo com
algo na mão. Numa situação de suspeita, pedem permissão para entrar na casa a um
morador e são atendidos ou a porta estava aberta. Alguns confessam que entraram à força
mesmo, pois tinham visto a droga com o suspeito.
Imagino quão difícil não deve ser avaliar se era realmente droga que estava o suspeito
trazendo consigo.
Foram inúmeros testemunhos dando conta de abusos de autoridade, extorsões, lesões
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corporais envolvendo tais tipos de abordagem policial, crescentes a cada dia. Somente ano
passado uma dezena de policiais foi presa pela 11ª Vara Criminal, acusados de tortura.
Qual credibilidade passa a ter o trabalho policial para mim e, acredito, para o
Ministério Público, para a Defensoria Pública e, principalmente, para a sociedade,
depois de tantas denúncias? Só para dar uma dimensão do que assisti recentemente nos
meios de comunicação, em relação à Zona Norte:
<http://www.nominuto.com/noticias/policia/grupo-de-exterminio-pode-estar-envolvido-em-
morte-de-mulher-de-traficante/48477/>; <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/pm-
patrulhava-area-sem-autorizacao/142222>; <http://tribunadonorte.com.br/noticia.php?
id=103573>; <http://janildoarante.blogspot.com/2009/10/pms-sao-presos-em-servico-na-
zona-norte.html>; <http://www.nominuto.com/noticias/policia/pms-sao-presos-sob-acusacao-
de-torturarem-usuarios-de-drogas/40381/>.
Passei a me questionar, e com muito mais atenção, acerca da licitude dos flagrantes de
tráfico de drogas que aqui me chegam.
Diz a Constituição Federal, em relação à questão:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XI - a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia,
por determinação judicial; (...) LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo
nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
(...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal; (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes; (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as
provas obtidas por meios ilícitos; (...) LVII - ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."
Nesse momento, para mim urge identificar qual tipo de processo penal quero
praticar, e quais direitos estarei eu garantindo através da atuação da Potestade Pública
pelo Poder Judiciário.
Como diz o colega Alexandre Morais da Rosa em suas decisões
(http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2010/03/trafico-sem-mandado.html), o trabalho
de um juiz não em muito diferencia do executado pelo historiador. Como não presenciei
os fatos, reproduzo em momento posterior, numa cadeia dos significantes que elejo como os
mais importantes para produzir uma imagem mental do ocorrido, a historicidade dos fatos,
para concluir qual a repercussão jurídico-penal que a eles devo atribuir. Para isso, preciso-
me valer das provas colhidas durante a instrução, provas essas que devem repercutir um
juízo de convencimento, após a filtragem hermenêutico-constitucional (significa dizer
respeito pelo devido processo legal, pelo contraditório e ampla defesa, presunção de
inocência, licitude das provas, etc.).
O que me intriga, por ora, é o comum fato de que as drogas são apreendidas com base
em denúncia anônima, sem mandado judicial prévio. Num Estado verdadeiramente
Democrático, o juiz aplica o direito e o processo penais garantindo ao acusado o respeito aos
seus direitos fundamentais. Um deles é o de não sofrer coação com base em denúncias
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anônimas. A relevância disso é grande, pois impede que haja abusos ou manipulações.
E alguém pode perguntar como é que a polícia vai trabalhar?
Ora, é fácil para uma boa parcela da população cobrar maior eficiência da polícia, pois
usualmente estão imunizados de possíveis abusos cometidos sob o pálio do denuncismo sem
rosto.
Nesse país, aliás, tem sido tônica a existência de três classes de pessoas, tal qual
alertado por Roberto Damatta: o cidadão, o sobrecidadão e o subcidadão.
O primeiro é aquele que cumpre seus deveres e pode cobrar seus direitos.
O segundo é aquele que não necessita do Estado, mas aufere deles vantagens não
muitas vezes indevidas, e que pela proximidade do poder, imuniza-se contra o Estado Polícia,
pois não raras vezes faz parte dele.
Por fim, temos o subcidadão, ou subintegrado, que necessita do Estado, mas só
conhece dele o Estado Polícia que não raras vezes o agride ou, finalmente, mata-o. Por isso
me preocupa esse efienciencitismo.
Sempre que me deparo com questões de cunho moral, quando o enunciador do
discurso se imagina um homem de bem e exige medidas duras, gosto muito de fazer um juízo
de alteridade com o interlocutor. Fazer com que ele possa sentir como é estar "do lado de lá":
se um procedimento como esse, de ingresso da polícia na casa de alguém por meio de
telefonema anônimo, de alguém completamente desconhecido da polícia e sem antecedentes,
como foi o caso dos autos, em um caso qualquer de delito permanente, se desse em um dos
inúmeros condomínios fechados da cidade? Qual seria a repercussão nos dias de hoje? Será
que o interlocutor concordaria com a medida e exclamaria, indignado: alguém pode
perguntar como é que a polícia vai trabalhar?
O que precisamos, na verdade, é fazer um exame de consciência e dizer se realmente o
princípio da isonomia realmente existe ou se é a Constituição, usando uma expressão de
Ferdinand Lassale, apenas "uma folha de papel".
Novamente rememorando as palavras do colega catarinense, não devo esquecer que a
inquisição seguia um roteiro de delatores sem rosto, envoltos em sobras, e foram essas
sombras responsáveis pela morte de centenas de milhares de pessoas (estima-se que
somente na Alemanha, durante esse período do terror religiosos, cem mil foram queimadas na
fogueira).
Visando evitar tais posturas, nossa Constituição elegeu entre um dos seus princípios o
de que
"é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato." (CF-88, art.
5º, IV).
Em recente decisão, entendeu o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, César Asfor
Rocha, no HABEAS CORPUS nº 159.159 - SP (2010/0004039-3), o seguinte:
"Cumpre observar que o sistema jurídico do País e o seu ordenamento positivo
não aceitam que o escrito anônimo possa, em linha de princípio e por si,
isoladamente considerado, justificar a imediata instauração da persecutio
criminis, porquanto a Constituição proscreve o anonimato (art. 5º, IV), daí
resultando o inegável desvalor jurídico de qualquer ato oficial de qualquer
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agente estatal que repouse o seu fundamento sobre comunicação anônima, como
o reconheceu o Pleno do STF no julgamento do INQ 1957, Rel. Min. Cézar
Peluso (DJU de 11.11.2005), ainda que se admita que possa servir para
instauração de averiguações preliminares, na forma do art. 5º, § 3º, do CPP, ao
fim das quais se confirmará – ou não – a notícia dada por pessoa de identidade
ignorada ou mediante escrito apócrifo. Nesta Corte Superior a orientação dos
julgamentos segue esse mesmo roteiro, destacando dentre muitos e por todos o
que decidido no HC 74.581 (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 10.03.2008) e
no HC 64.096 (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 04.08.2008)."
E como acentua Alexandre Morais da Rosa (em
http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/2010/03/trafico-sem-mandado.html),
"Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, como verdade, nem
justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação
preliminar e, se for o caso, requerer-se ao Juízo competente, o respectivo mandado
de busca e apreensão, apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se
verificar alguma das hipóteses do art. 302, I ou II, do CPP, estará autorizada a
agir. Mas esta ação precisa estar autorizada anteriormente, ou seja, o flagrante não
pode ser pressuposto, mas deve estar posto, a saber, não se pode achar que há
droga e se adentrar. É preciso que a droga tenha sido vista anteriormente ou sua
entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente."
E prossegue:
"Não basta que o agente estatal afirme que recebeu uma ligação anônima, sem que
indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que
havia chegado droga, na casa do acusado, bem como que "acharam" que havia
droga porque era um traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento
do agente "parecia" que havia droga. É preciso que hajam evidências ex ante.
Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do
domicílio do acusado. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa de
pessoas pobres, porque a polícia não entra assim em moradores das classes ditas
altas, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e
os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de
ninguém – pobre ou rico – sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante
próprio, o qual não existe com denúncia anônima. Nem se diga que depois se
verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada
inconstitucional no domicílio."
Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (Processo Penal e Constituição –
Princípios Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92)
aponta:
"Em conclusão, só é possível o ingresso em domicílio alheio nas circunstâncias
seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em caso de flagrante próprio
(CPP, art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o dia, com
mandado judicial, em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e
IV). Reconheço que a falta de estrutura do sistema investigatório brasileiro,
tornando inviável o contato próximo e a tempo com a autoridade judiciária, possa
fazer com que o entendimento exposto se transforme em mais um entrave
burocrático à persecução penal. Não é essa a intenção, mas não se pode aceitar
que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos governantes para dotarem a
polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o desempenho da
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função."
O juiz, enquanto aplicador das normas penais e garantidor dos direitos constitucionais
dos acusados em juízo, não pode admitir qualquer tipo de violação de Direitos Fundamentais
em nome do resultado, pois os direitos humanos são inegociáveis, intransigíveis. Infelizmente,
porém, nossa práxis judiciária acaba compactuando, fazendo vista grossa a tais abusos,
estimulando-os, inegavelemente. É como se existissem, duas "normalidades": a da
Constituição e do dia-a-dia. Mas normalidade, caro cidadão, só existe uma! Fora disso, não há
sustentação jurídica, há ilegalidade ou, mais grave, inconstitucionalidade. No mesmo caminho
se fossemos admitir tais violações, pelo mesmo argumento, como destaca Alexandre Morais
da Rosa, seria legítima a tortura, a qual, no fundo não é tão diferente da ação iniciada
exclusivamente por denúncia anônima, à margem da legalidade e com franca violação dos
Direitos Fundamentais. E ele arremata:
"Qualquer um agora pode plantar droga em quem quiser e depois ligar para polícia
denunciando anonimamente o depósito de drogas no terreno e a polícia, sem mais,
vai até o local, sem mandado, e prende o proprietário. Não dá para tolerar isto! (...)
Claro que o argumento seguinte é: mas o proprietário autorizou a entrada!
Será que alguém acredita mesmo que o acusado autorizou? Não há
verossimilhança, ainda mais com o constante acolhimento jurisdicional desta
prática, mormente em se tratando de crime permanente, como de tráfico. A
prevalecer esta lógica, a garantia do cidadão resta fenecida."
Ana Maria Campos Tôrres (A busca e apreensão e o devido processo. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 153-154) sustenta:
"Ora, sabendo que alguém tem em depósito drogas, vende droga, ou outras
situações de permanência é que pode, conforme a Constituição, penetrar em
domicílio sem o consentimento do morador. Sabe, logo tem indícios que
permitam solicitar ao juiz o mandado, imprescindível contra o abuso. Não
basta a mera desconfiança, pois corre o risco de responder por descumprimento da
lei, logo, impossível considerar válida a apreensão nesses casos, sem ordem
judicial. Seria, como o é de fato, fazer vista grossa aos abusos policiais (..)
Como entender urgente o que se protrai no tempo? É possível, graças à
presença diuturna do Judiciário guardião da lei, requerer e ser atendido em pouco
tempo, o direito constitucionalmente previsto de entrar em domicílio. A facilidade
do arguir-se urgência é forma espúria de desconhecer direitos, é subterfúgio para o
exercício de força, é descumprimento do dever de acatar as diretrizes políticas
assumidas pelo Estado. Impossível legalizar o ilícito. Deve, nestes crimes
chamados permanentes, especificamente por durarem, não se reconhecer a
urgência do flagrante próprio, pois nem se evita sua consumação, nem se impede
maiores consequências, e, sobretudo, arrisca-se sequer determinar a autoria,
interesse maior nesses casos. O argumento de urgência deve fundamentar pedido à
autoridade judiciária, inclusive, modos legais de realização. Nada impede o
respeito à intimidade nessa hipótese. (...) No caso do flagrante em crime
permanente, vê-se com muita frequência não só o descumprimento da lei, mais
que isto, um caminho perigoso a permitir retornem as más autoridade o modelo
inquisitorial, buscando provar a qualquer custo, não se preocupando com mais
nada, senão com a punição pela punição."
Cabe aqui destacar um julgado relatado pelo Des. Geraldo Prado, do Tribunal de
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Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 2009.050.07372): ele diz que o ingresso não
pode decorrer de um estado de ânimo do agente estatal no exercício do poder de polícia. Ao
revés, é necessário que fique demonstrada a fundada – e não simplesmente íntima – suspeita
de que um crime esteja sendo praticado no interior da casa em que se pretende ingressar e que
o ingresso tenha justamente o propósito de evitar que esse crime se consuma.
E finalizo com as palavras do colega juiz em Florianópolis, dizendo que se assim não
fosse, seria permitido ingressar nas casas alheias, de forma aleatória, até encontrar substrato
fático, consistente em flagrante delito, capaz de ensejar a formal instauração de procedimento
investigatório criminal. Mais que isso, seria incentivar que a autoridade policial assim fizesse
e, com a intenção de se livrar de uma eventual imputação de abuso de autoridade,
"encontrasse" à força o estado de flagrância no domicílio indevidamente violado.'
Diante das condições em que a droga continua sendo apreendida neste país, em franca
violação dos direitos fundamentais (art. 5º da CF - LVI - são inadmissíveis, no processo, as
provas obtidas por meios ilícitos), a prova deve ser declarada ilícita, especialmente nos
casos de ilegal denúncia anônima, bem assim quando a atuação dos policiais acontece sem
mandado judicial, implicando, pois, na ilegalidade da apreensão da droga e, por via de
consequência, da ausência de materialidade. Agora não se pode é se acovardar em nome do
resultado. A função do Judiciário é de garantia!
A droga apreendida era ilícita. Por conseguinte, o laudo químico toxicológico
também deve ser declarado nulo. E nulo quer dizer o mesmo que inexistente nos autos, para
qualquer feito. E diz a lei de drogas:
Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará,
imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto
lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e
quatro) horas.
§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da
materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e
quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa
idônea.
Se não há laudo válido no momento do julgamento, não há suporte para a
condenação, pois não se admite a materialidade por meras ilações ou conclusões de
experiência, nos mesmo termos em que a legislação processual penal não admite, nos crimes
que deixam vestígios, que se ignore a prova pericial.
E faltando o sustentáculo probatório mínimo,os lastro para a persecução penal,
também chamado de justa causa, passo ao dispositivo, cabendo destacar que sem esse lastro,
dá-se a hipótese do art. 386, II, do CPP:
"Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde
que reconheça:
II - não haver prova da existência do fato;"
Em razão de todo o exposto e fundamentado, com fulcro na Constituição Federal, mais
especificamente o art. 5º LVI, da Carta Maior, resolvo declarar nula a prova da materialidade
dos autos e, consequentemente, ausente o lastro probatório mínimo, julgar improcedente a
pretensão punitiva do Estado, absolvendo Leandro (APAGADO) KARLA (APAGADO), com
base no art. 386, II, do CPP.
Tendo em vista a ilegalidade dos bens apreendidos, determino sua destruição.
omo o sursis.
Do estado de liberdade do acusado
Se absolvi as partes rés, não motivo para decretação de prisão.
Da destruição da droga
Determino que a autoridade policial providencie a destruição da droga apreendida,
preservando apenas 1,0g, até o trânsito em julgado (32, § 1º, da Lei nº 11.343/2006).
2ª Vara Criminal - Zona Norte fl. _____
Do perdimento de bens
Diz o art. 63 da lei 11.343/2006 QUE O JUIZ, Ao proferir a sentença, decidirá
sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado
indisponível. No tocante aos bens apreendidos, determino a devolução de todos cuja
propriedade não for ilícita. Aos demais, determino seu perdimento em favor da União,
devendo-se oficiar ao SENAD a relação dos ditos bens.
Da submissão do acusado a tratamento
Os operadores do direito têm se preocupado muito mais em punir do que em
prevenir. Por isso a reiteração de práticas criminosas é tão alta em se tratando de tráfico,
esquecendo o que diz o art. 47 da lei de drogas: Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz,
com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para
tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei,
determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.
Diante do caso, mesmo sendo caso de absolvição, mas sendo a Saúde um direito
social, e declarando o acusado que é dependente químico e que deseja ser tratado, fica
desde já autorizada a Secretaria Judiciária a oficiar aos órgãos públicos encarregados, para
que estes recebam o acusado, que levará ofício em mãos, visando avaliar a necessidade de
submissão do acusado a algum tratamento, como forma de evitar que volte ao vício e à
necessidade de praticar crimes ou traficar para manter o vício.
Sem custas.
Por fim, determino a remessa de peças ao Ministério Público, nos termos do
que foi solicitado pena Defensoria Pública.
E como nada mais houve, determinou que fosse encerrado o presente termo que, lido e achado
conforme, vai devidamente assinado. Eu, _______, Técnico Judiciário, digitei e vai assinado
pelas partes e pelo MM. Juiz.

Juiz:_________________________________ MP:_________________________________
_
Defesa:_______________________________ Acusado:_____________________________

Acusado:_____________________________ Vítima:_______________________________

9
Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º Andar, Potengi - CEP 59.112-560, Fone: 84 3615-4663, Natal-RN
- E-mail: zn2cri@tjrn.jus.br
As informações processuais poderão ser acompanhadas através do sítio "www.tjrn.jus.br".

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