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Mulher e o Pagode da Bahia

Joiciane dos Santos Gomes¹

Tiago Santos Silva²

Resumo

A Bahia é berço de uma infinidade de arte, expressada das mais variadas formas, sendo o
Pagode uma delas. Esse ritmo é uma expressão cultural que atrai pessoas de diversas
classes sociais. É sabido que estar no mundo é produzir e vivenciar cultura. O pagode é um
produto cultural legitimado que constrói identidades sociais, crenças e valores, criando uma
demarcação cultural. Neste artigo buscou-se compreender no universo das letras de
pagode, qual o discurso predominante, identificando como a “figura” feminina é descrita e
traçar um perfil das mulheres que estão inseridas no movimento, compreendendo os
estereótipos e sua influência no cotidiano das mesmas. Notou-se que o discurso produzido é
genuinamente masculino e que as mulheres são a representação do desejado e símbolo do
pecaminoso. Considerando que a sua sexualidade é objeto de apreciação das letras de
pagode, o que pensam as mulheres inseridas neste movimento? Obter esta resposta foi
uma das motivações desse estudo.

Palavras-Chave: Bahia; Pagode; Mulher; Estereótipos.

Abstract

Bahia is home to a infinity of art, expressed in more different forms, and the “Pagode” of
them. This rhythm is a cultural expression that attracts people from different social classes. It
is known being in the world is produce and to live culture. “Pagode” is a legitimate cultural
product that builds social identities, beliefs and values, creating a cultural demarcation. This
article sought to understand the universe of “pagode” lyrics, which identifies the dominant
speech as the "figure" of women is described, drawing a profile of women who are
embedded in the movement, including stereotypes and their influence on the daily lives of
these people. It was noted that the speech is genuinely produced by men and women are a
representation of the desired, but also a symbol of sinful. Their sexuality is the object of
appreciation on “pagode” lyrics, but what do women inserted in this movement think about?
Get this answer was one of the motivations for this study.

Keywords: Bahia; “Pagode”; Women; Stereotypes.

1. Introdução

A música na Bahia sempre esteve presente no cotidiano da população como já dizia Nizan
Guanães (2010) na sua música: We Are Carnaval “... o baiano é: um povo a mais de mil ele
tem Deus no seu coração e o diabo no quadril”. Atualmente temos uma diversidade de
ritmos descendentes principalmente da música negra, do samba, da chula, dos tambores
africanos. A Bahia é sinônima de ritmos, cores, movimentos e através da música encontra-

¹ Graduada em Contabilidade pela UNEB, MBA em Planejamento Tributário pela UNIFACS,


Auditora, e-mail: joicy_anne@yahoo.com.br
² Graduado em Administração pela FSLF, MBA em Recursos Humanos pela UNIFACS,
Analista de Recursos Humanos, e-mail: tiago.adm.rh@gmail.com

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se a forma de estabelecer relação com outras culturas e de difundir pensamentos e
ideologias, foi assim com a tropicália, os novos baianos, o universo chamado de axé music e
recentemente a explosão do pagode baiano.
As músicas de origem baiana são denominadas axé music nos demais estados brasileiros
contrariando a cultura local. Compreendemos o pagode como gênero musical oriundo do
samba tradicional misturado a cantigas de rodas e cantos de terreiros de candomblé, além
disso, mescla inovação tecnológica, sons regionais, funk, músicas eletrônicas, rap e hip hop.
O pagode na Bahia, expressão genuinamente popular, nasceu na periferia de Salvador e é
instrumento de entretenimento e lazer da camada empobrecida além de representar para
aqueles envolvidos no movimento uma forma de inserção na sociedade elitista. Com o
crescimento da representação baiana no espaço fonográfico as mais variadas classes
brasileiras passaram a “curtir”, dançar e se divertir com esse novo som.
Analisando as letras de música de pagode nota-se a presença constante da “figura” da
mulher seja com palavras de duplo sentido e/ou afirmações que denigrem a sua imagem.
Esse contexto leva-nos a questionar: Como a “figura” feminina é descrita nas letras de
música de pagode?
O objetivo desse estudo é compreender o universo das letras de pagode, qual o discurso
predominante identificando como a “figura” feminina é descrita, traçar um perfil das mulheres
que estão inseridas no movimento popularmente conhecido como pagodão e compreender
os estereótipos e sua influência no cotidiano dessas pessoas.
Nesse sentido acredita-se que exista uma inversão de valores, auto-afirmações, baixa
estima e dominação do gênero masculino.
Sabe-se que o pagode como expressão de massa está presente na vida de boa parte da
sociedade baiana, tornando-se elemento marcante da cultura social. A forma de viver e se
relacionar dizem muito sobre quem somos e no que acreditamos. Sonhos, desejos,
pensamentos estão presentes também nas letras de pagode que é uma expressão do modo
que vivemos refletindo sobre nossas crenças, valores e ideais.

2. Referencial Teórico

A partir da década de 1980 surgiu uma nova “onda” que invadiu a periferia de Salvador,
trazendo novos ritmos e sons. A percussão começa a ascender na música baiana, seja pelo
Olodum, bandas de axé music e bandas de pagodes. Nesse período a música oriunda da
periferia começa a ocupar destaque na sociedade baiana, que com o carnaval transcende
do Brasil para o mundo.
Para Clebemilton Nascimento (2009, p. 50), “o pagode baiano é um gênero híbrido oriundo
do samba que mescla a tradição do Recôncavo baiano [...]”. O pagode foi criado nos bairros

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periféricos de Salvador, nos tradicionais ensaios geralmente nos finais de semana e que
com o crescimento do público foi aderido por outras classes. Para Ari Lima (1999) o pagode
é uma decorrência do samba que ganhou autonomia do estilo há pouco tempo. Podemos
dizer também que o pagode é uma evolução das músicas dos terreiros de candomblé, onde
essa matriz africana é incorporada a esse som, com batuques e danças.
A grande explosão do pagode baiano se deu com o sucesso do grupo É o tchan na década
de 90. Uma banda formada por dois vocalistas, duas dançarinas e um dançarino que
transformaram o samba em um produto de grande repercussão pela mídia. O grupo gerou
uma série de polêmicas, mas foi uma “explosão” que ultrapassou as fronteiras brasileiras
invadindo o mercado internacional. Nesse sentido:
As letras do É o tchan chamavam a atenção pelo apelo explícito à
sensualidade, com base no próprio samba de roda do Recôncavo,
suas performances envolviam música, dança e teatralidade e a
intensa participação do público em apresentações e festas,
programas de televisão e shows... (NASCIMENTO, 2009, p. 57).

Para Guerreiro (2000) o sucesso do “É o Tchan” está ligado ao jogo coreográfico, no


desfrute corporal das danças, criadas nas ruas e festas populares. Carla Perez foi uma das
grandes revelações da banda em virtude de ter aparência branca, loura e dançava como
uma negra, quebrando assim alguns paradigmas sociais.
A música do “É o Tchan” não é apenas um produto de massa, mas sim o resultado de
processos diálogos de negociação da cultura e da sociedade (BAKHTIN, 1988), criando
assim o que Jesús Martin-Barbero (2008) denominou demarcações culturais.
Com a abertura mercadológica para esse gênero musical surgiram inúmeras bandas, a
saber: Harmonia do Samba (1993), Pagodart (1998), Parangolé (1998) Saiddy Bamba
(1998), Oz Bambaz (2001), Guig Ghetto (2001), Psirico (2003), Black Style (2006),
Fantasmão (2007), O Troco (2008) e Caldeirão (2010).
Como estratégia investiu-se em grande produção de eventos buscando a máxima união do
público e grupos diferentes abrindo espaço para outros artistas e bandas de expressões
regionais (DIAS, 2000). Além disso, o pagode encontrou espaço em emissoras rádios que
em sua maioria aluga sua programação aos empresários de bandas e as produtoras
(VELOSO, 2010).
Buscou-se as letras de música tendo como temática a mulher e por isso focou-se nas
bandas: Oz Bambaz, Black Style e O Troco.
O grupo Oz Bambaz foi formado por parte da antiga banda Raça Pura e alguns músicos do
bairro do Engenho Velho da Federação em Salvador, idealizada pelo ex-jogador de futebol
Edilson Ferreira, a banda mantém a mesma linha sonora do Pagodart e Parangolé.

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A banda Black Style foi influenciada pelo funk e hip hop carioca e mistura esses sons com o
pagode baiano produzindo o denominado pagofunk. Formada por jovens negro-mestiços,
moradores da Fazenda Grande (subúrbio de Salvador) começou a ganhar popularidade em
2006.
Nascida em setembro de 2008, a banda O Troco vem crescendo a cada dia, tendo sua
“explosão” com a famosa música: Todo Enfiado. É formada por Mário Brasil (ex-Swing do p)
que vem como cantor e outros músicos de bandas conhecidas como: Thimbahia, o Rodo,
etc.
A música referida acima foi aquela divulgada através do youtube onde além de levar o nome
da banda, expôs a professora de ensino infantil, que como conseqüência foi demitida. O
vídeo apresentava a mesma dançando ao lado da banda, expressando movimentos eróticos
que repercutiu principalmente na população baiana pelo papel social exercido de educadora.
Ruth Sabat (2005, p. 93) define que: “estar no mundo é estar produzindo cultura e estar
sendo produzida por ela”. Nesse sentido pode-se dizer que as letras das músicas de pagode
retratam a cultura da qual fazem parte seus compositores como autores ou participantes. O
discurso produzido da imagem da mulher na análise das letras das bandas acima citada é
predominantemente expressada por um olhar masculino. Existe: “uma prática tanto de
representação quanto de significação do mundo, constituindo e ajudando a construir as
identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crenças”
(MAGALHAES, 2001, p. 17).
Nesse contexto pode-se citar a mais recente música lançada pela banda Black Style que
diz: “Eu tô afim, ela não tá, não dá pra mim, quer é pirraçar/ É de cima pra baixo, é de cima
pra baixo/ Relaxa/ Fique quieta/ Calma, calma/ Que eu encaixo.” (OS HAWAIANOS, 2010).
O discurso é produção e reprodução da visão masculina e nota-se na primeira frase da
música a mulher sendo descrita como objeto do desejo masculino, fonte de satisfação
sexual. Observa-se um “movimento para o alto sendo, por exemplo, associado ao
masculino, como a ereção, ou a posição superior no ato sexual” (BOURDIEU, 1989, p. 16).
Em seguida fica evidente a posição que os personagens assumem, estando o homem no
comando, “é de cima pra baixo” é a materialização da submissão da mulher frente o poder
de dominação masculina, que se confirma na expressão “fique quieta”. Percebe-se que “a
relação do macho face à fêmea é naturalmente, a do superior para o inferior; o macho é
governante, a fêmea, o súdito” (VIEZZER, 1989, p.97). O refrão termina com a realização
sexual do homem, neste ato sua necessidade fisiológica foi satisfeita.
Para Moura (1996), os atuais compositores de pagode aproveitaram a brecha da sociedade
e através das ondas do rádio nos reapresentaram evidentemente reformatadas, as vilas do
Recôncavo e os quintais de Salvador. Desse modo pode o movimento ser visto

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positivamente como instrumento de inserção da população empobrecida, pois torna
nacionalmente conhecido o universo da periferia.
Existe uma função social nessas letras que dialoga com valores, envolvendo ideologias,
significações que os sujeitos começam a comungar trazendo novas identidades coletivas.
Para Tarallo (1997, p. 7) “podem ser chamados de sociolingüistas todos aqueles que
entendem por língua um veículo de comunicação, de informação e de expressão entre
indivíduos da espécie humana”. Nesse sentido pode-se dizer que há relação entre letra e
sociedade, onde as expressões tornam-se inseridas na cultura, pois “a linguagem não
apenas reflete o que existe, mas ela própria cria o existente” (GOELLNER, 2003 apud
LOPES; MATOS, 2007, p.8).
Muitos admiradores do movimento dizem que a empolgação é com o ritmo (a batida) sendo
o discurso insignificante. A seguir traz-se o depoimento de uma jovem a respeito do pagode
que neste ato ela define como swingueira:
Swingueira...
Confesso que sou apaixonada por ela. Não que eu ache as letras
super interessantes, os cantores super inteligentes e o som
acalentador. Sou apaixonada pela batida forte que me leva e
envolve. Não há como ficar parado, é um som que mexe com a
libido, incita desejos e é pura sensualidade. Se isso é bom? Sei lá...
Mas se deixar levar pela batida é gostoso demais! (SANTANA, 2009
p.1).

Para Veloso (2010) a música baiana que está sendo produzida atualmente revela uma
completa inversão de valores musicais e morais, com ataques constantes à figura feminina.
A letra da música Ela é Dog cantada pelos Oz Bambaz diz: “toda noite ela quer fazer
esquema/ pega um, pega geral, pra ela não é problema/ no carro, no cinema, ou no meio do
mato/ estilo cachorra, ela fica de quatro/ ela é dog (dog, dog, dog) / she is dog [...]” (OZ
BAMBAZ, 2010). Nessa canção percebe-se o que Moura (1996, p. 58), declara: “As letras
trazem gozações [...]. Cultua-se a mulher gostosa e escarnece-se da mulher por demais
oferecida”. Pode-se pensar que:
Ao mesmo em que a "mulher fatal" é desejada e ostensivamente
representada em diversos meios pelo homem, para sustentar uma
masculinidade forjada (que ele sequer percebe), ela é depreciada por
também representar aquilo que não pode ser pertencido e que
também expõe fragilidade e limitações humanas sexuais. Por isso
essa mulher aparece desejada e desqualificada ao mesmo tempo.
(LEIRO, 2009, p.2).

O fato é que, em pleno século XXI, há muito que se conquistar. A mulher ainda ocupa
poucos cargos de liderança nas organizações e muitas vezes para alcançar o topo
incorporam um personagem masculinizado, ganham salários inferiores aos dos homens e
sua sexualidade ainda é questionada, “a vivência livre da sexualidade ainda não é vista”,

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pela sociedade brasileira, “como um direito que a mulher conquistou a partir das lutas
feministas” (MATSUNAGA, 2007, p.6).
Foucault (1998) discute que em toda reflexão moral sobre o comportamento sexual, as
mulheres são adstritas, o autor também diz que a moral é definida por homens, sendo
assim, é pensada, escrita e feita em virtude do mesmo.
Nesse sentido percebe-se que a mulher brasileira ainda é retratada como sensual por
natureza e que convive com representações sociais de sua sexualidade incongruente. Tais
discursos, em sua essência, contraditórios encontram-se embasados também numa
definição religiosa da imagem da mulher, que em determinado momento da história é aquela
que descobriu e apresentou o pecado (o proibido), ao homem.
Conforme texto da Bíblia (1993) a serpente era mais sagaz que todos os animais que o
Senhor Deus tinha feito. Ela disse para a mulher: Deus sabe que, no dia em que vocês
comerem o fruto, os olhos de vocês vão se abrir, e vocês se tornarão como deuses,
conhecedores do bem e do mal. Então a mulher viu que a árvore tentava o apetite, era uma
delícia aos olhos e desejável para adquirir discernimento. Pegou o fruto e comeu; depois o
deu também ao marido que estava com ela, e também ele comeu.
E em outro é apresentada como a virgem pura e iluminada, escolhida para gerar o Salvador
do mundo (Jesus). No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da
Galiléia chamada Nazaré. Foi a uma virgem, prometida em casamento a um homem
chamado José. O anjo disse: Não tenha medo, Maria porque você encontrou graça diante
de Deus. Eis que você vai ficar grávida, terá um filho, e dará a ele o nome de Jesus. Ele
será grande, e será chamado Filho do Altíssimo (BÍBLIA, 1993).
Rompendo com os pensamentos citados acima e com as grandes transformações sociais
surgiram movimentos que buscaram “quebrar” o paradigma instituído. As lutas traçadas pelo
movimento feminista objetivavam a valorização da mulher como ser pensante, autônomo e
capaz de produzir e participar da história da sociedade como agente ativo. A conquista pelo
direito do voto, a descoberta da pílula anticoncepcional entre outros, foram grandes vitórias
desse movimento.
Uma das linhas do feminismo, das décadas de 1920 e 1930, reafirmava a principal função
da mulher como mantenedora do lar.
Lutando veementemente pelo direito do voto e pela educação,
acreditava que a mulher deveria continuar sendo a dona efetiva do
lar, conclamando-a para que tivesse o direito de pensar e concorrer
mais diretamente para o aperfeiçoamento moral da sociedade.
(RAMOS, 2002, p. 15).

Por outro lado o movimento feminista dito anarquista pretendia segundo Bárbara Heller apud
Ramos (2002, p. 15), “subverter o equilíbrio das nações e masculinizar a mulher”. As

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divergências entre as diferentes linhas de pensamento do movimento, talvez, seja o
precursor da “imagem que se tornou pública de que o movimento feminista seria de uma
minoria de mulheres masculinizadas e estéreis, que não sabiam direito o que queriam” (p.
16).
Após décadas de luta do movimento feminista percebe-se ainda hoje uma visão tradicional e
machista quando o assunto é liberdade sexual da mulher.
Entendemos que a sexualidade ainda continua sendo um forte “tabu”,
e a vivência desta sexualidade sendo regida pelos valores
tradicionais, conformando a construção da representação da mulher
e sua identidade “sexual” em aspectos conservadores de uma ordem
social estabelecida pelo: “patriarcalismo”; pela “religião”.
(MATSUNAGA, 2007, p. 6).

Portanto observa-se que mesmo com toda luta a mulher ainda vive em um modelo social
representado pela dominação do gênero masculino. As letras de pagodes muitas vezes
remontam uma imagem deturpada da mulher e criando assim uma nova forma de viver
(cultura).

3. Procedimentos Metodológicos

Utilizou-se como estratégia metodológica a pesquisa de levantamento survey que tem como
objetivo estabelecer a incidência de determinadas características e sua distribuição. De
acordo com Babbie (1999) o levantamento survey examina uma amostra de população. O
survey foi supervisionado, onde tivemos um mediador que fez as perguntas e obteve todas
as respostas requeridas.
Desejou-se produzir uma idéia concreta dessa população tendo ênfase na análise da
“figura” feminina no universo do pagode.
A amostra foi composta por 150 questionários aplicados no mês de outubro de 2010 nos
movimentos (ensaios e shows) das bandas de pagode: Oz Bambaz, Black Style, Caldeirão,
O Troco e Saiddy Bamba. Buscamos através deste feito, captar a opinião desse público
para identificar um possível perfil. Nesse sentido confrontamos os dados para obtenção da
análise.
Dentre as citadas constatou-se uma maior incidência de músicas fazendo referência
depredatória a imagem da mulher na análise das letras das bandas OZ Bambaz, Black Style
e o Troco, seja de forma direta ou com palavras em duplo-sentido. Através dessa
abordagem busca-se compreender o discurso por traz do ritmo, da batida e o que ele
representa enquanto difusor da cultura baiana.
Como dados primários utilizaram-se: questionários e observação direta. Já os dados
secundários foram: vídeos e documentos sobre o assunto. Como fonte de dados buscou-se

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além da revisão na literatura, letras de músicas, e as próprias festas (ensaios e shows) de
pagode e onde tivemos como foco mulheres entre 17 e 30 anos. Para tratamento dos dados
realizou-se análise de estatística.

4. Resultados

A aplicação do questionário a 150 mulheres em ensaios e shows das bandas descritas


acima, gerou-se os seguintes resultados:

Figura 01. Construída Pelos Autores.


No quesito idade observou-se que as mulheres que freqüentam esses ambientes têm
geralmente entre 17 e 39 anos, conforme demonstrado na figura 01 acima. Constata-se uma
maior incidência da faixa etária de 20 até 29 anos.
A figura 02 comprova que o nível médio (antigo segundo grau) é o mais dominante com 58%
de representação da amostra. Analisou-se também que em quatro e/ou cinco anos – se
concluírem no tempo pré-determinado para o curso - o nível de escolaridade mudará, visto
que 21% das entrevistadas estão estudando algum curso superior. Os cursos citados com
maior freqüência foram: administração, enfermagem, nutrição e pedagogia. O nível
fundamental representou-se por 14% e o nível superior 7%.

Figura 02. Construída Pelos Autores.

A figura 03 apresenta os bairros ou municípios onde residem as entrevistadas. Identifica-se


claramente conforme discutido no referencial teórico que o pagode conquista não apenas a
periferia de Salvador, mas pessoas dos mais variados bairros e classes sociais. Residentes
de Brotas constatou-se 28,67% das entrevistadas, seguido da Federação com 16,67%.
Esses dois bairros foram as maiores representações na amostra.

Figura 03. Construída Pelos Autores.

Nesse universo 94% são solteiras e apenas 6% são casadas. As solteiras por sua vez,
expressaram serem “livres para curtição”. Apenas 21,34% possuem filhos, sendo 8 com
apenas 1 filho, 14 com 2 filhos e 8 com 3 filhos.
Foi constatado também que 61% das entrevistadas trabalham com carteira assinada, 11%
informalmente e 28% não trabalham (figura 6). Determinou-se (figura 07) que 6% ganhavam
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até R$ 509,00, 55% declararam ter renda entre R$ 510,00 até R$ 700,00, 6% entre R$
701,00 até 900,00 e 5% acima de R$ 901,00.

Figura 06. Construída Pelos Autores. Figura 07. Construída Pelos Autores.
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Aplicando questões relativas às letras de pagode, que de uma maneira ou de outra relatam
a mulher seja: definindo-a, descrevendo suas ações, seus movimentos, ditando padrões de
beleza, nota-se que as respostas mais freqüentes em relação ao discurso presente nas
músicas: não incomoda, causa baixa estima, denigre a imagem (mulher) e o machismo,
conforme figuras 08, 09 e 10 apresentadas abaixo:

Figura 08. Construída Pelos Autores.

Figura 09. Construída Pelos Autores.

Figura 10. Construída Pelos Autores.


Comparando os gráficos acima sobre análise das letras, sintetizou-se o seguinte percentual:
36%, 31%, 25% e 14% respectivamente: não incomoda, causa baixa estima, denigre a
imagem e o machismo.
Podemos dizer que 14% que declararam a existência do machismo concordam com o que
Viezzer (1989) e Bourdieu (1989) expressaram como a idéia de macho governante (posição
superior) e fêmea súdita. Já 36% que declararam não se incomodar com as expressos
relaciona-se com o discurso de Santana (2009) que diz que a batida que envolve e leva, não
dando ênfase ao que se canta.
Para as mulheres inseridas no movimento, as letras em sua maioria não causam
constrangimento ou qualquer tipo de desconforto, pois elas não assumem incorporar o
estereótipo da piriguete – presença constante nas letras de pagode – este fato confirma-se
em pequenas amostras quando declarou-se que: “curtem e não sentem-se cachorras,
piriguetes” que na verdade “é apenas uma música”. Porém, essa posição se inverte quando
elas escutam a letra dissociada do ritmo, neste momento, as palavras provocam o que elas
descrevem como baixa estima, machismo e é instrumento para denegrir as mulheres. A
baixa estima provocada pela letra das músicas está visivelmente retratada no resultado da
pergunta representada pela figura 09, onde a mulher é definida como cachorra. Verificou-se,
conforme afirma Leiro (2009) que a mulher aparece desejada (para satisfazer a sexualidade
masculina) e desqualificada ao mesmo tempo e é esse aviltamento que causa baixa estima.
Verificou-se que algumas letras descrevem uma relação de violência do homem para com a
mulher, porém com o consentimento da mesma, ver: “mas você só pede porradinha e dor...”
nesse sentido de 15 mulheres entrevistadas estabeleceu-se que: 40% acreditam que a
música não tem poder de influenciar a violência contra a mulher; por outro lado 33% das
entrevistadas disseram que “a música diz tudo” e é sim apologia à violência e 27% relataram

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que mesmo que a música incentive a violência, o ato estar relacionando principalmente a
postura que a mulher assume, ou seja, apanhar ou não “depende da mulher” e/ou como
uma entrevistada descreveu “se bater apanha”.
Em relação as expressões utilizadas nas músicas para referir-se ás mulheres, de 10
entrevistadas constatou-se que: 40% disseram que as expressões cachorra, canhão são
palavras difamatórias que denigrem a imagem da mulher, outras 40% afirmaram que as
mulheres não precisam dessas definições para obterem liberdade e 20% acreditam que com
as músicas, as mulheres sentem-se mais soltas, mais liberais. Notou-se neste contexto o
que Leiro (2009) defende ao citar que as músicas de pagode, em sua maioria, depreciam a
mulher para sustentar uma masculinidade forjada.
Percebe-se que as mesmas mulheres que afirmam sentirem-se execrada pelo discurso, ao
ouvirem as letras em companhia do ritmo esquecem o que ele representa e assumem o
swing, a batida, como elemento de curtição, de entretenimento, espaço da paquera e do
encontro.

5. Considerações Finais

O presente estudo teve como objetivo de compreender o universo das letras de pagode,
qual o discurso predominante identificando como a “figura” feminina é descrita, traçar um
perfil das mulheres que estão inseridas no movimento popularmente conhecido como
pagodão e compreender os estereótipos e sua influência no cotidiano dessas pessoas.
Notou-se que a mulher está presente no pagode, contudo as mesmas não o constroem, ou
seja, são agentes passivos nessa cultura, isso porque a mulher torna-se foco para muitas
bandas, seja por sua super valorização ou degradação. Observa-se a inexistência de
bandas formadas pelas mesmas, bem como compositoras. A participação torna-se ativa
apenas nas danças quando é explorado o sensualismo feminino, isso é, ela (pagodeira)
empresta seu corpo para reproduzir as ações ordenadas nas músicas.
Antagonicamente um percentual muito pequeno acredita que o pagode proporciona mais
liberdade, tornando-as mais desejadas pelo homem e mais “poderosas”, enfim, piriguetes.
Através do resultado do questionário aplicado pode-se traçar um perfil das mulheres que
curtem o pagodão. Constatou-se que a maioria das entrevistadas não se incomoda com o
descrito nas músicas. Em contra-ponto vê-se que sociedade cria estereótipos sobre esse
público que é fruto do desconhecimento sobre essa cultura.
O pagode hoje é um produto cultural legitimado, pois representa e demonstra o viver de um
determinado grupo social. A letra das músicas é expressão do pensamento, crença, valor e
ideais dos que comungam com movimento.

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A principal limitação da pesquisa refere-se ao tamanho da amostra. Pelos resultados
obtidos, sabe-se que o perfil estabelecido será modificado em pouco tempo. Acredita-se
também que uma amostra maior pode-se acentuar outras questões não discutidas.
Para trabalhos futuros sugere-se que seja feita a mesma pesquisa com o público das
bandas citadas com a finalidade de realizar comparações entre as pesquisas realizadas.
Vale salientar que os resultados apresentados refletem apenas as percepções da mulher
pagodeira faz-se necessário ouvir a versão dos pagodeiros e da sociedade baiana. Essa
última carrega de pré-conceitos que apesar de vivenciar ou não essa cultura cria
estereótipos da mesma.

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