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Em especial:
À Vera Lúcia Gonçalves de Sousa, aos colegas e alunos da Escola de Música Lila C.
Gonçalves pela compreensão e estímulo.
The proposal of this work is to carry out a study on the ornamentation in the
Pianoforte Method by José Maurício Nunes Garcia taking into consideration the
practice of free ornamentation. To fulfill this purpose, the method’s ornaments
are identified, analyzed, and put into context. A comparative analysis study is
also carried out between the ornaments found in the Method and those present in
the rest of the work by José Maurício using sampling. Theoretical reference
work from the period is used as well as works by authors considered as reference
in the study of ornamentation and improvisation. The objective of this research
is to give musicians the necessary information for the interpretation of pieces of
the Pianoforte Method, demonstrating its true adequacy for the usage of free
ornamentation.
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................1
Conclusão.....................................................................................................................126
Bibliografia...................................................................................................................131
Anexos
Capítulo I
Capítulo II
− Pág. 53 – Figura 31: APOGIATURA longa, superior, simples, no 1º tempo. Lição 7ª
– I Parte.
− Pág. 53 – Figura 32: APOGIATURA longa, superior, dupla, em terças . Lição 1ª –
II Parte. Moderato.
− Pág. 53 – Figura 33: APOGIATURA longa, superior, dupla, em sextas. Lição 3ª –
II Parte. Andante Moderato.
− Pág. 54 – Figura 34: APOGIATURA longa, superior, dupla, em oitavas. Fantezia
3ª. Moderato.
− Pág. 54 – Figura 35: APOGIATURA longa, inferior, simples, no 1º tempo. Lição 8ª
– I Parte. Andante.
− Pág. 54 – Figura 36: APOGIATURA longa, inferior, simples, no 1º tempo. Lição
11ª – I Parte. Allegretto.
− Pág. 55 – Figura 37: APOGIATURA longa, inferior, dupla, no 1º tempo. Lição 5ª
– I Parte. Moderato.
− Pág. 55 – Figura 38: APOGIATURA longa, inferior, dupla, em oitavas, no 1º
tempo. Fantezia 2ª. Moderato
− Pág. 55 – Figura 39: APOGIATURAS longas, superiores, tempo fraco . Lição 7ª – I
Parte.
− Pág. 56 – Figura 40: APOGIATURAS longas, inferiores, tempo fraco. Lição 2ª – I
Parte. Moderato.
− Pág. 56 – Figura 41: APOGIATURAS curtas, superiores, 1º tempo. Lição 4ª – II
Parte. Andantino.
− Pág. 56 – Figura 42: APOGIATURA curta, superior, tempo fraco. Lição 2ª – II
Parte. Allegretto.
− Pág. 57 – Figura 43: APOGIATURA precedida por grupeto. Lição 8ª – I Parte.
Andante.
− Pág. 57 – Figura 44: GRUPETO conectivo. Lição 8ª – I Parte. Andante.
− Pág. 58 – Figura 45: GRUPETO intensificador. Lição 9ª – I Parte. Andantino.
− Pág. 58 – Figura 46: GRUPETOS intensificadores, superiores e inferiores. Fantezia
6ª. Moderato.
− Pág. 58 – Figura 47: GRUPETOS intensificadores. Fantezia 6ª. 1ª Variação.
Moderato.
− Pág. 60 – Figura 48: TRINADOS. Lição 3ª – II Parte. Andante Moderato.
− Pág. 60 – Figura 49: TRINADO. Lição 6ª – II Parte. Allegro Maestoso.
− Pág. 61 – Figura 50: TRINADOS com preparação e terminação. Fantezia 5ª.
Moderato.
− Pág. 61 – Figura 51: ESCORREGADELA. Lição 8ª – I Parte. Andante.
− Pág. 62 – Figura 52: ESCORREGADELA combinada com grupeto. Fantezia 1ª.
Moderato.
− Pág. 62 – Figura 53: ARPEJO. Lição 3ª – II Parte. Andante Moderato.
− Pág. 63 – Figura 54: OITAVAS QUEBRADAS. Lição 6ª – II Parte. Allegro
Maestoso.
− Pág. 63 – Figura 55: OITAVAS QUEBRADAS. Lição 6ª – II Parte. Allegro
Maestoso.
− Pág. 64 – Figura 56: ESCRITA ORNAMENTADA na seção A (a’). Lição 10 – I
Parte. Allegretto.
− Pág. 64 – Figura 57: ESCRITA ORNAMENTADA em a’. Lição 12 – I Parte.
Allegretto.
− Pág. 65 – Figura 58: ESCRITA ORNAMENTADA em b’. Lição 3 – II Parte.
Andante Moderato.
− Pág. 67 – Figura 59: FERMATA NO FINAL DE SEÇÃO. Lição 12 – II Parte.
Allegro Moderato.
− Pág. 67 – Figura 60: FERMATA SOBRE PAUSA. Lição 5 – I Parte. Moderato
− Pág. 68 – Figura 61: REPETIÇÃO DE COMPASSO. Lição 8 – I Parte.
− Pág. 68 – Figura 62: REPETIÇÃO DE COMPASSO. Lição 8 – I Parte.
− Pág. 69 – Figura 63: ESTRUTURA SIMPLIFICADA e ESPAÇOS VAZIOS.
Fantezia 4. Moderato
− Pág. 70 – Figura 64: ESPAÇOS VAZIOS. Lição 3 – II Parte. Andante Moderato
− Pág. 70 – Figura 65: ESPAÇOS VAZIOS. Lição 8 – II Parte. Allegro Moderato
Capítulo III
− Pág. 74 – Figura 66: GRUPETOS. O Triunfo da América. Aria – América.
− Pág. 75 – Figura 67: GRUPETO. O Triunfo da América. Aria – América.
− Pág. 75 – Figura 68: APOGIATURAS. O Triunfo da América. Coro final do drama.
− Pág. 78 – Figura 69: APOGIATURA longa. Vésperas de Nossa Senhora – 1797
(CPM 178). 1º Salmo. Dixit Dominus.
− Pág. 78 – Figura 70: APOGIATURAS longas. Beijo a mão que me condena.
Modinha
− Pág. 79 – Figura 71: APOGIATURAS longas. Gloria. Missa de Santa Cecília
− Pág. 79 – Figura 72: APOGIATURAS longas. Moteto Domine, tu mihi lavas
pedes. Soprano
− Pág. 79 – Figura 73: APOGIATURAS longas. Tota pulchra es Maria. Violino I
− Pág. 80 – Figura 74: APOGIATURAS curtas superiores. Gloria. Missa Pastoril.
− Pág. 81 – Figura 75: APOGIATURAS curtas superiores. Gloria. Missa de Santa
Cecília
− Pág. 82 – Figura 76: APOGIATURAS curtas com e sem corte. No momento da
partida. Modinha
− Pág. 83 – Figura 77: APOGIATURAS longas e curtas. Gloria. Missa de São Pedro
de Alcântara – 1808.
− Pág. 83 – Figura 78: APOGIATURAS longas. Laudamus – Missa de São Pedro de
Alcântara – 1808.
− Pág. 84 – Figura 79: APOGIATURA longa representada como curta. Popule Meus.
Soprano
− Pág. 84 – Figura 80: APOGIATURAS longas. Popule Meus. Soprano
− Pág. 85 – Figura 81: APOGIATURAS. Crux Fidelis. Soprano
− Pág. 85 – Figura 82: APOGIATURAS. Crux Fidelis. Soprano
− Pág. 86 – Figura 83: APOGIATURAS inferiores por graus disjuntos. Benedictus.
Sanctus – Missa Pastoril.
− Pág. 86 – Figura 84: APOGIATURAS por graus disjuntos. Qui Tollis. GLORIA –
Missa de Santa Cecília. Tenor Solo
− Pág. 87 – Figura 85: TRINADOS. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178).
1º Salmo. Dixit Dominus.
− Pág. 87 – Figura 86: TRINADO. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178).
IIº Salmo. Laudate Pueri.
− Pág. 88 – Figura 87: TRINADO com preparação. Laudamus. Missa de São Pedro
de Alcântara – 1808
− Pág. 88 – Figura 88: TRINADOS com terminação. Qui tollis. GLORIA – Missa de
Santa Cecília. Tenor solo.
− Pág. 89 – Figura 89: TRINADOS. Quoniam. GLORIA – Missa de Santa Cecília.
Baixo solo.
− Pág. 89 – Figura 90: TRINADO longo. Flautas. O Triunfo da América – Coro que
se ha de cantar dentro.
− Pág. 89 – Figura 91: TRINADO. Abertura Zemira.
− Pág. 90 – Figura 92: TRINADO curto. Abertura Zemira.
− Pág. 90 – Figura 93: TRINADO. Gloria – Missa de Santa Cecília.
− Pág. 91 – Figura 94: GRUPETO superior conectivo. Beijo a mão que me condena.
Modinha
− Pág. 91 – Figura 95: GRUPETO inferior conectivo. Beijo a mão que me condena.
Modinha.
− Pág. 92 – Figura 96: GRUPETOS. O Triunfo da América – Ária.
− Pág. 92 – Figura 97: GRUPETO superior conectivo. KYRIE. Missa Pastoril. Coro
em uníssono.
− Pág. 92 – Figura 98: GRUPETO superior intensificador. Domine Deus. GLORIA –
Missa de Santa Cecília.
− Pág. 93 – Figura 99: GRUPETO combinado com arpejo. Laudamus – Missa de
Santa Cecília.
− Pág. 93 – Figura 100: GRUPETO combinado com escorregadela. Domine Deus.
Missa de Santa Cecília.
− Pág. 93 – Figura 101: GRUPETO. Gratias. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 94 – Figura 102: MORDENTE. No momento da partida. Modinha.
− Pág. 95 – Figura 103: ESCORREGADELA. Laudamus – Missa de São Pedro de
Alcântara – 1808.
− Pág. 95 – Figura 104: ESCORREGADELA. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 95 – Figura 105: TIRATA descendente. Kyrie. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 96 – Figura 106: TIRATA descendente. Gloria. Missa de Santa Cecília.
− Pág. 96 – Figura 107: TIRATA ascendente. Gloria. Missa Pastoril. Cum sancto
spiritu.
− Pág. 97 – Figura 108: ARPEJO descendente. Laudamus – Missa de Santa Cecília.
Oboé solo.
− Pág. 97 – Figura 109: CADENZA. Quonian – Missa de Santa Cecília.
− Pág. 98 – Figura 110: FERMATA. Tota Pulchra es Maria – soprano.
− Pág. 99 – Figura 111: ORNAMENTAÇÃO. Kyrie. Missa Pastoril. Clarineta em Sib
− Pág. 100 – Figura 112: ORNAMENTAÇÃO. Laudamus. Missa Pastoril. Soprano
solo
− Pág. 101 – Figura 113: ORNAMENTAÇÃO – FERMATA. Laudamus. Missa
Pastoril. Soprano solo.
− Pág. 102 – Figura 114: ORNAMENTAÇÃO. Qui Tollis. GLORIA – Missa de
Santa Cecília. Tenor Solo
Capítulo IV
− Pág. 105 – Figura 115: Lição 10 – I Parte. Allegretto – Método de Pianoforte.
− Pág. 106 – Figura 116: Lição 10 – I Parte. Allegretto. Esquema formal.
− Pág. 106 – Figura 117: Lição 10 – I Parte. Seção A – a1.
− Pág. 107 – Figura 118: Lição 10 – I Parte. Seção A – a1. Variação I
− Pág. 107 – Figura 119: Lição 10 – I Parte. Seção A – a1. Variação II
− Pág. 108 – Figura 120: Lição 10 – I Parte. Seção A – a2.
− Pág. 108 – Figura 121: Lição 10 – I Parte. Seção A – a2. Variação I
− Pág. 109 – Figura 122: Lição 10 – I Parte. Seção A – a2. Variação II
− Pág. 109 – Figura 123: Lição 11 – II Parte. Figuração em tercinas.
− Pág. 110 – Figura 124: Lição 10 – I Parte. Seção B.
− Pág. 111 – Figura 125: Lição 10 – I Parte. Seção B. Variação.
− Pág. 112 – Figura 126: Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 1
− Pág. 113 – Figura 126: Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 2
− Pág. 114 – Figura 126: Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 3
− Pág. 115 – Figura 127: Lição 7 – I Parte – Método de Pianoforte.
− Pág. 116 – Figura 128: Lição 07 – I Parte. Esquema formal.
− Pág. 117 – Figura 129: D. Scarlatti. Sonata em Ré Maior.
− Pág. 117 – Figura 130: D. Scarlatti. Sonata em Lá Maior. Allegro.
− Pág. 118 – Figura 131: Carlos Seixas. Sonata em Ré menor nº 27. Allegro.
− Pág. 118 – Figura 132: Carlos Seixas. Sonata em Mib Maior nº 32. Moderato.
− Pág. 118 – Figura 133: Carlos Seixas. Sonata em Mib Maior nº 33. Moderato.
− Pág. 119 – Figura 134: Lição 07 – I Parte. Seção A
− Pág. 120 – Figura 135: Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação I.
− Pág. 121 – Figura 136: Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação II.
− Pág. 122 – Figura 137: Lição 07 – I Parte. Seção B.
− Pág. 123 – Figura 138: Lição 07 – I Parte. Seção B. Variação.
− Pág. 124 – Figura 139: Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 1
− Pág. 125 – Figura 139: Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 2
INTRODUÇÃO
O emprego de ornamentos1 na música pode ser considerado tão antigo quanto a própria
música2. Eles têm sido representados de maneiras diferentes pelos compositores de
diversas épocas. Vários símbolos podem ser utilizados para representá-los, assim como
pequenas notas colocadas ao lado daquela que se ornamenta, que não fazem parte da
contagem de tempo do compasso. Alguns compositores também optam por escrevê-los
por extenso na música. Seu uso varia de acordo com cada compositor e com o período
em que ocorre. Muitos autores escrevem toda a ornamentação, tanto por símbolos e
pequenas notas quanto por extenso. Outros deixam a cargo do intérprete a aplicação dos
ornamentos. Essa variedade na utilização da ornamentação constitui um conceito muito
amplo. Considera-se, portanto, ornamentação a aplicação de símbolos ou pequenas
notas que já vêm propostos na partitura pelo compositor, assim como as divisões ou
variações aplicadas à melodia. A livre ornamentação é o acréscimo de ornamentos ou a
variação melódica realizada pelo intérprete.
1
Ver item 1.1 – Ornamentos. Capítulo I, pág. 9.
2
SCHOTT, Howard. Playing the Harpsichord. London: Faber and Faber, 1973. p. 118.
na interpretação3 de suas músicas. Acredita-se que um dos grandes equívocos
usualmente cometidos pelos intérpretes no estudo dos antigos tratados seja a respeito da
ornamentação4. Em muitas obras os ornamentos não foram fixados justamente para que
não se limitasse a fantasia criativa do intérprete, necessária para a realização da livre
ornamentação e do improviso5. Então, num erro gerado pela tentativa da interpretação
histórica, muitos músicos atuais procuram tocar na íntegra o que está escrito, ignorando
o fato de que o usual naquela música era a liberdade interpretativa e, conseqüentemente,
a inclusão de ornamentos.
3
Interpretação é a forma como o músico compreende a obra a ser executada. Difere-se de performance
(ver nota 6), que seria a forma como o músico apresenta a obra ao público.
DAVIES, Stephen; SADIE, Stanley. Interpretation. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy,
<http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004)
4
NEUMANN, Frederick. Interpretation Problems of Ornament Symbols and Two Recent Case Histories:
Hans Klotz on Bach, Faye Ferguson on Mozart. In: New Essays on Performing Practice. Rochester:
University of Rochester Press, 1992. p. 121.
5
HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons – Caminhos para uma nova compreensão musical.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. p. 34-39.
6
O termo performance é usado não só no sentido de desempenho, mas também como a forma do
intérprete comunicar ao ouvinte sua compreensão da obra que está executando.
DUNSBY, Jonathan. Performance. In: Grove Music Online. <http://www.grovemusic.com> Ed. L. Macy
(Acessado em 15 de abril de 2004).
7
A palavra original refere-se à interpretação da música por um contemporâneo do compositor,
familiarizado com todos os aspectos culturais que envolvem uma maior compreensão da obra.
8
Op. cit. 1988, p. 34-39.
cabia a músicos contemporâneos dos autores, muitas questões podem ter sido omitidas
dos tratados por serem recorrentes naquela música. Para ele, a partitura fornece indícios
de como devemos interpretar a obra, mas a chave para a interpretação dessas indicações
estava ao alcance apenas dos músicos contemporâneos do compositor, devendo o
intérprete moderno estudar profundamente o assunto para chegar a uma leitura correta.
O fato de a improvisação ser profundamente ligada à prática musical até fins do século
XVIII não pode ser deixado de lado pelo intérprete. Harnoncourt chama ainda atenção
para a questão da notação e estabelece dois princípios para a sua utilização: a notação da
obra em si, sem indicação de execução; ou a notação da execução, indicando de que
forma a peça deve ser tocada sem preocupação com a forma ou a estrutura da obra, que
se apresentaria por si mesma durante a execução. O primeiro caso é o mais comum na
música até fins do séc. XVIII. Um músico que execute obras desse período deve estar
atento a esse fato e procurar extrair dessa música elementos além da notação. Segundo
Harnoncourt,
9
HARNONCOURT, N. Op. cit., p. 37.
10
Mattos e Neves consideravam como influências na obra de José Maurício os mestres europeus do séc.
XVIII da chamada escola napolitana – Durante, Jomelli, Pergolesi, Cimarosa, Zingarelli – além de
Haydn, Mozart, Rossini e o jovem Beethoven.
MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia – Biografia. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional, 1997.
NEVES, José Maria. José Maurício e os compositores setecentistas mineiros. In: Estudos Mauricianos.
Rio de Janeiro: Funarte, 1983. p. 55-63.
ornamentos a serem utilizados e também na maneira correta de executá-los,
principalmente quando se tratam daqueles que possivelmente estavam disponíveis no
Rio de Janeiro à época de José Maurício, ou daqueles que faziam parte do conhecimento
musical vigente.
A proposta deste trabalho vai um pouco além da simples interpretação dos ornamentos,
buscando apresentar soluções práticas para a livre ornamentação das peças do Método
de Pianoforte. Embora Fagerlande12 já apresente em seu trabalho uma Fantasia
ornamentada, considera-se o presente trabalho um desdobramento das propostas
apresentadas por esse autor. Neste trabalho a reconstituição da livre ornamentação no
Método de Pianoforte será apoiada nas evidências da fama de José Maurício como
grande improvisador, em suas influências artísticas, nas obras de importantes autores de
música para teclado presentes na Península Ibérica, como Domenico Scarlatti e Carlos
Seixas e nos estudos feitos por teóricos sobre ornamentação no período em que ele
viveu. Também serão levadas em conta as possíveis obras teóricas disponíveis para
consulta no Rio de Janeiro à sua época e que podem ter lhe servido como modelo.
Considera-se que o estudo da ornamentação no Método de Pianoforte possa auxiliar o
11
Podem ser encontradas diversas edições do Método de Pianoforte, dentre as quais destacam-se a de
Marcelo Fagerlande, edição fac-similar com amplo estudo, resultado de sua pesquisa de mestrado e a de
Giulio Draghi, edição revisada publicada pela Irmãos Vitalle. Além dessas podemos citar as de Elisa
Wiermann (1995) e Paulo Brandt (1989). No site http://members.tripod.com/bvmusica/ encontra-se em
arquivos PDF todas as peças do Método editadas por J. Luna.
12
FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de
Janeiro: Relume Dumará/Rio Arte, 1996.
preenchimento de uma lacuna na interpretação de obras de José Maurício, podendo
servir como apoio a músicos de diversas áreas e a estudiosos de Práticas Interpretativas.
Este trabalho tem como objetivo uma melhor compreensão da ornamentação de José
Maurício com ênfase no Método de Pianoforte. Além disso, pretende-se fornecer aos
músicos subsídios para a interpretação de suas peças e demonstrar sua real adequação
para a utilização de livre ornamentação. Para isso os ornamentos presentes no Método
serão identificados, analisados e contextualizados. Através de uma amostragem dos
ornamentos encontrados no restante da obra de José Maurício, será feito um estudo
comparativo, amparado nos conhecimentos reunidos em alguns dos mais importantes
tratados do período, relacionados direta ou indiretamente a ele, e na bibliografia
específica do assunto. Finalmente, pretende-se recomendar a utilização didática das
peças do Método de Pianoforte para a prática da livre ornamentação e da improvisação
e apresentar propostas de ornamentação para algumas de suas peças, como exemplo
para os músicos que desejarem seguir esse caminho. O presente estudo poderá ser útil
tanto a músicos práticos (pianistas, cravistas, organistas, cantores, regentes) quanto aos
estudiosos da música do compositor e da música brasileira do período, de um modo
geral.
I – ORNAMENTAÇÃO E IMPROVISAÇÃO: ESTUDO DAS PRÁTICAS
1. 1 – Ornamentos
Neste capítulo é feito um breve estudo dos ornamentos mais usados no período que
engloba fins do século XVIII e princípio do XIX, época em que viveu o Padre José
Maurício Nunes Garcia, utilizando-se como fontes primárias obras de importantes
autores da época, como Carl Philipp E. Bach16 e Johann Joachim Quantz,17 que têm seus
tratados, ao lado do de Leopold Mozart18 dentre os mais importantes do período19; os
autores portugueses Domingos de S. José Varella20, Manoel de Moraes Pedroso21,
Rafael Coelho Machado22 e Francisco Ignácio Solano23, por serem fontes escritas em
13
“Elementos musicais que são mais decorativos que estruturais e que incluem tanto a livre ornamentação
quanto ornamentos específicos, indicados por notas ou sinais na notação ou deixados para serem
improvisados de acordo com o gosto do intérprete.”
DONNINGTON, Robert. Embellishment. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, Disponível em
<http://www.grovemusic.com>
14
DONNINGTON, Robert. Ornaments. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London:
Macmillan publishers limited, vol. 13, 1980. p. 827.
15
BROWN, Clive. Classical and Romantic Performing Practice 1750-1900. Oxford: Oxford University
Press, 1999. p. 415
16
Ensaio sobre a maneira correta de tocar teclado. Tradução de Fernando Cazarini. Assis: UNESP, 1996.
355 p.
17
On Playing the Flute. A complete translation with na introduction and notes by Edward R. Reilly.
London: Faber and Faber, 1976. 412 p.
18
“Gründliche Violinschule”, 1756 (1770 – 2ª edição)
19
LEISINGER, Ulrich. Bach. III. 9. Carl Philipp Emanuel Bach In: Grove Music Online. Ed. L.
Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004)
20
Compendio de Musica, theorica e prática, que contém breve instrucção para tirar musicas. Liçoens de
acompanhamento em orgão, cravo, guitarra ou qualquer outro instrumento em que se póde regular a
harmonia.Porto: Typ. de Antonio Alvarez Ribeiro, 1806. 104 p.
21
Compendio Musico ou arte abreviada, em que se contém as regras mais necessárias da cantoria,
acompanhamento e contraponto. Porto: Officina Episcopal de Capitão Manoel Pedroso Coimbra, 1751.
22
Breve Tratado d’harmonia contendo o contraponto ou regras da composição musical e o baixo cifrado
ou acompanhamento d’orgão. Rio de Janeiro: Narciso e Arthur Napoleão, 1851. 125 p.
língua portuguesa que provavelmente estavam disponíveis para consulta no Brasil24 e
aos quais, possivelmente, José Maurício teve acesso; Francisco Manuel da Silva25, o
mais conhecido de seus alunos, que escreveu obras didáticas em que se pode vislumbrar
uma continuidade dos ensinamentos do Padre Mestre e a Arte da Muzica para uzo da
mocidade brazileira por hum seu patrício26, obra de autor anônimo publicada pouco
depois do Método de José Maurício. Também foram consultadas obras de autores mais
recentes como Edward Dannreuter27, que realizou extensa compilação da prática da
ornamentação em diversos autores, Robert Donnington,28 e Frederick Neumann,29 autor
de importante estudo sobre ornamentação de quem será usada a classificação dos
ornamentos, para esta pesquisa.
Neumann30 afirma que tanto na música como nas artes visuais um ornamento é
concebido como uma adição à estrutura, servindo para realçar elementos considerados
pouco artísticos ou pouco expressivos, dando a eles mais graça, elegância, leveza e
variedade. No entanto, ornamento e estrutura como elementos puros, separados em seus
significados ocorrem apenas teoricamente, pois, na prática, esses elementos são
freqüentemente misturados, não havendo como se estabelecer uma linha divisória entre
eles. Muitos fatores, como o tempo de duração de uma figura, podem ser determinantes
ao analisarmos uma melodia. Uma semínima pode ser estrutural numa melodia em que
seja a unidade de tempo e ornamental, num contexto em que a unidade de tempo seja de
maior valor. A identificação desses dois elementos – estrutura e ornamento – é
apontada pelo autor como uma grande dificuldade para se analisar uma obra.
23
Novo Tratado de Musica, Metrica e Rythmica, o qual ensina a acompanhar no Cravo, Orgão ou
qualquer outro instrumento em que se possão regular todas as especies, de que se compõe a harmonia da
mesma musica. Demonstra-se este assumpto prática e theoricamente, retratão-se também algumas
cousas parciais do Contraponto e da Composição. Lisboa: Regia Officina Typografia, 1779. 301 p.
24
O Tratado de Solano, disponível para consulta na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, possui o carimbo
da Real Biblioteca.
25
Compendio de Princípios Elementares de Musica. Para uso do Conservatório do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: E. Bevilacqua & C. [s.d.]
26
Rio de Janeiro: Typografia de Silva Porto, & Cia., 1823. Autor Anônimo.
27
Musical Ornamentation. Part II – From C. PH. E. Bach to the present time. 3rd Edition. London:
Novello and Company & New York: Novello, Ewer and Co. [s.d.]
28
The Interpretation of Early Music. Faber and Faber. New York, 1963.
29
Ornamentation in baroque and post-baroque music – with special emphasis on J. S. Bach. New Jersey:
Princeton University Press, 1978. 630 p.
30
Ibid. p. 3
12). Analisando o desenho melódico, identifica duas categorias em que os ornamentos
aparecem em pares contrastantes. Na primeira, os “pequenos e grandes”31 e na segunda,
os “mélicos e repercussivos”32. No que diz respeito aos primeiros, “pequenos e grandes”
se referem à quantidade de notas envolvidas. Uma apogiatura é um ornamento
“pequeno” enquanto que um trinado ou uma tirata são ornamentos “grandes”, por
conterem muitas notas. Para o autor existe uma diferença crucial entre esses dois tipos
de ornamentos, pois os que têm muitas notas têm muito menos possibilidades de
apresentar diferentes variações do que aqueles com umas poucas notas, que podem ser
inseridos com mais facilidade na melodia. Os ornamentos “repercussivos” são os
trinados e mordentes, em que a nota principal se alterna com outra adjacente ou a
mesma nota é repetida.33 “Mélicos” são todos os outros desenhos, de uma simples
apogiatura a escorregadelas ou grupetos.
Outra importante categoria é extraída por Neumann das relações rítmicas entre os
ornamentos e a nota a que estão ligados. Há aqueles que são tocados no momento do
ataque34 da nota principal, sendo seu valor retirado da nota a que estão ligados. Esses
são chamados pelo autor de “ornamentos no tempo” 35. Há também aqueles que são
tocados fora do tempo da nota principal, os chamados “ornamentos fora do tempo” 36.
Esses podem ser de três tipos: Os que são tocados antes da nota principal –
“ornamentos antes do tempo ou antecipados” – ligados à nota anterior; os que são
tocados após a nota principal – “ornamentos depois do tempo” – e estão ligados a ela; e
os que são tocados entre duas notas – “ornamentos entre tempos”37 – , estando
igualmente ligados a ambas.
31
“Small and large”
32
“Melic and repercussive”
33
Há ornamentos que consistem na rápida repetição da mesma nota, usuais no Séc. XVII.
34
A palavra “ataque” é usada aqui significando o momento em que o som é executado.
35
“Onbeat graces”
36
“Offbeat graces”
37
Respectivamente: “prebeat (or antecipated) graces”, “afterbeat graces” e “interbeat graces”
38
“Conectives and intensifying”
39
“Melodic and harmonics”
“intensificador”. Pode-se identificar entre eles alguns trinados ou mordentes,
apogiatura ou grupetos e geralmente, aqueles que iniciam uma frase. Os “conectivos”
têm a função de fazer a ligação entre duas notas vizinhas. Podem variar de uma a muitas
notas. Os ornamentos “melódicos” se referem àqueles que aparecem numa frase de
forma linear, acomodando-se entre duas notas vizinhas como uma simples nota ou
ocupando vários tempos e os “harmônicos” são aqueles que, por ocorrerem
verticalmente, no momento do ataque de uma nota, interferem na harmonia,
modificando um intervalo consonante num dissonante, ou uma dissonância leve numa
forte.
Antes
Entre
Depois
Carl Philipp Emanuel Bach40, em seu Ensaio de 1753, faz uma classificação bem mais
simples que a de Neumann, embora haja uma semelhança entre elas quanto à função dos
ornamentos. Para ele os ornamentos são indispensáveis por conectarem notas, dar vida,
acento ou peso especial, chamar atenção para uma nota, ajudar a expressão e melhorar
uma música considerada medíocre. Ele os divide em duas classes: os “sinalizados”,
40
Op. cit. 1996 p. 43-48.
indicados por sinais ou pequenas notas, considerados de primeira classe e os “restantes“,
não sinalizados, consistindo em “muitas notas curtas”, considerados de segunda classe,
portanto quase desnecessários, dependendo do bom gosto na música e suscetíveis a
mudanças. Esses últimos podem ser identificados com a livre ornamentação, deixando
Carl Philipp bem claro que devem ser utilizados com moderação.
1.1.1 – Apogiaturas42
Identificam-se nesse grupo os ornamentos formados por uma única nota, representados
por uma pequena nota colocada ao lado esquerdo da principal. Essa pequena nota é
sempre tocada ligada à principal. Seu valor é retirado preferencialmente da nota
seguinte, à que está ligada, embora existam casos em que retiram seu valor da nota
anterior.
41
A palavra afeto é utilizada significando caráter (dolce, vivace, giocoso, gracioso, etc.)
42
Inglês: appoggiatura, grace note; Italiano: appoggiatura; Francês: appogiature, port de voix; Alemão:
vorschlag.
NEUMANN utiliza o termo alemão Vorschlag (pl. Vorschläge) para denominar aquelas notas
ornamentais simples que precedem uma nota principal ligada a ela. Utiliza appoggiatura para aquelas
Vorschläge que são tocadas no tempo e grace note (nota de enfeite) para aquelas que são tocadas antes do
tempo. Segundo ele, as appoggiaturas são enfatizadas, enquanto que as grace notes não (Ornamentation
and Improvisation in Mozart. New Jersey: Princeton University Press, 1986, pág. 6).
43
Op. cit. 1996, p. 49-59.
44
Op. cit. 1976, p. 91-100.
quanto a harmonia. Sua finalidade principal é ligar as notas umas às outras. Podem ser
escritas de duas formas: como notas da melodia ou como pequenas notas que precedem
àquela da qual retiram seu valor. Alguns autores, como Quantz, escrevem as pequenas
notas com valores indistintos, muitas vezes representando-as por colcheias, não se
preocupando com a real duração. Em Carl Philipp essas pequenas notas já são escritas
com seu valor real. Segundo Brown45, a questão envolvendo a representação ou não do
valor real das apogiaturas causava grande dificuldade aos músicos no período
abordado, pois a falta de uma indicação clara dificultava o reconhecimento da sua
verdadeira função, se harmônica, para provocar uma dissonância, devendo retirar uma
boa porção do valor da nota real, ou simplesmente a de uma nota de enfeite, sendo
tocada bem rápida, retirando o mínimo valor da nota principal46.
45
BROWN, Clive. Ornaments. 9. Late 18th century and 19th. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy,
<http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004)
46
Carl Phillip classifica as apogiaturas como variáveis – aquelas que retiram parte do valor da nota
principal, de acordo com variações em seu próprio valor, no valor da nota principal ou no andamento da
peça – ou invariáveis, sempre notas curtas e rápidas.
47
Para Carl Phillip, mesmo quando há intervalos maiores que a segunda – caso em que seriam chamados
de portamentos – esses ornamentos são identificados como apogiaturas.
Carl Philipp considera inaceitáveis as apogiaturas antes do tempo48, enquanto que
Quantz49, assim como Leopold Mozart50, além das apogiaturas tocadas no momento do
ataque da nota principal, identificam as “apogiaturas de passagem”,51 que são ligadas à
nota principal mas retiram seu valor da nota anterior.52
Pode-se notar que Varella chama de mordente as apogiaturas curtas inferiores, assim
como aquelas separadas da nota real por intervalo maior que 2ª, embora em seu
exemplo sejam claramente identificadas como apogiaturas. Fig. 3.
Figura 3: APOGIATURAS
Varella, Ex. I, nº 8
48
Carl Philipp se refere assim a essas apojaturas: “Este último erro é que deu origem a horríveis
apojaturas antes do tempo, que estão muito em moda”. (Ensaio, pág. 58) O erro em questão é o de separar
a apogiatura da nota principal, tocando-as desligadas.
49
Op. Cit. 1976. p. 91-100.
50
DANNREUTER, E. Op. cit. [s.d.], p. 63-68.
51
Identificadas por Neumann como “grace notes”. Ver nota 42, p. 13.
52
O exemplo dado por Quantz em seu tratado pode ser identificado com o ornamento francês chamado
“coulé de tierce”, que preenche intervalos de terças com pequenas notas que retiram seu valor da nota
precedente mas são ligadas à nota seguinte.
53
Ponto é o mesmo que intervalo de 2ª. Meio ponto seria a 2ª menor.
54
VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806, p. 10-11.
Quando os Apoios são muitos, estes tiraõ o seu valor da figura
ordinaria, que se lhes segue, e algumas vezes á figura antecedente.
Chamaõ-se ordinariamente Portamentos. Se os Apoios são bem
escritos na Musica, representaõ pelas suas figuras o valor, que se deve
tirar á figura ordinaria.55
Tanto a descrição acima como o exemplo apresentado por Varella dos chamados
“portamentos” se aproximam muito mais do que comumente pode ser chamado de
grupeto.56 Deve-se notar que Varella afirma que as apogiaturas (apoios) bem escritas
são as que representam em suas figuras, o valor real que irão retirar da nota principal.
Pode-se também observar que, para Varella, a palavra apoio aparece significando não só
apogiatura, como também outros ornamentos.
Solano não apresenta exemplos em seu Tratado, mas faz a seguinte descrição das
apogiaturas:
Pode-se notar que Solano se refere a dois tipos de apogiaturas – longa e curta –
chamando a última de “accento”, termo utilizado por outros autores com diferentes
significados.58 Ele também afirma que as apogiaturas devem ser tocadas ligadas, “para
o portamento dos Dedos”.
55
VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806, p. 11.
56
Ver item 1.1.3 Grupetos. p. 23.
57
SOLANO, F. I. Op. cit. 1779, p. 59.
58
Varella (Op. cit. 1806, p. 12-13) chama de accentos os “varios sinaes com os quaes se altera o valor
das figuras: Apoiaturas, Ligados, Picados” e afirma que muitos autores utilizam o termo referindo-se a
ornamentos como “Apoiaturas e Mordentes”
59
Op. cit. 1823, p. 19-20.
acrescenta: “Esta figurinha, a que chamamos Apojo, as mais das veses assigna Signo
acima da figura expressa que lhe precede; porém tambem se acha na de baixo, em
distancia de meio ponto.” Ele não deixa claro se a notinha deve ser representada por seu
valor real, como em Varella, nem cita as apogiaturas curtas.
O Breve Tratado D’Harmonia de Coelho Machado60 traz descrição apenas do uso das
apogiaturas mas, ao contrário dos demais tratados em língua portuguesa, sua descrição
é minuciosa. Para Coelho Machado, as apogiaturas precedem “a um gráo inferior ou
superior, uma nota real.” As apogiaturas superiores podem ser separadas por tons ou
semitons, enquanto que as inferiores apenas por semitons. Podem ser empregadas nos
tempos fortes e no primeiro tempo fraco e são escritas como pequenas notas ou como
notas da melodia. Seu Tratado traz não só exemplos de apogiaturas como a forma de
executá-las. Suas apogiaturas podem ser representadas por pequenas notas, não só
colcheias cortadas como outros valores, mas são sempre executadas como apogiaturas
longas. Na Fig. 4 encontram-se exemplos de apogiaturas longas representadas por
pequenas colcheias cortadas.
O autor utiliza uma mesma definição para os três tipos de ornamentos e não faz
distinção entre suas formas de execução, embora os indique separados nos exemplos.
Silva apresenta também dois tipos de apogiaturas, longas e curtas, como pode ser visto
60
Op. cit. 1851, p. 62
61
SILVA, F. M. Op. cit. [s.d.], p. 10.
na Fig. 5. No primeiro tipo as apogiaturas são representadas por pequenas notinhas em
seus valores reais e no segundo são representadas por colcheias cortadas, executadas
muito curtas. No segundo compasso ele apresenta duas formas de execução para as
colcheias cortadas, uma retirando metade do valor da nota principal e outra, um
quarto62. Pode-se deduzir que a primeira opção ocorre em um andamento mais rápido e
a segunda em um andamento mais lento.
1.1.2 – Trinados67
Para Carl Philipp69 os trinados são indispensáveis por darem vida à melodia. Quantz70
também os considera indispensáveis e afirma que um instrumentista ou cantor, por
melhor que seja, se não sabe fazer bons trinados, não é completo. Ambos concordam
que é necessário muito estudo para se obter a técnica necessária para tocá-los bem. Os
trinados ocorrem em várias situações: após apogiaturas Fig. 8 (a); quando há repetição
da nota precedente (b); em notas presas (c); em fermatas (d); em cesuras com (e) e sem
apogiaturas (f).
66
Op. cit. 1851, p. 62.
67
Inglês: trill, shake; Italiano: trilo; Francês: trille,tremblement; Alemão: triller
68
NEUMANN, F. Op cit. 1978, p. 241.
69
Op. cit. 1996, pág. 60-71.
70
Op. cit. 1976, pág. 101-108.
Figura 8: TRINADOS. Carl Ph. E. Bach, Figura 90
- Simples71: inicia-se com a nota superior que não precisa ser indicada, a não ser
que esta seja uma apogiatura. É representado pelo sinal . Às vezes é acrescido de
uma terminação72, que o torna ainda mais rápido. Na Fig. 9 podemos identificar, no
primeiro exemplo, duas formas de grafia, com a linha ondulada e com o símbolo tr, e a
execução iniciando com a nota superior. No segundo exemplo é acrescentada uma
terminação.
71
“Ordentlichen”
72
Carl Philipp cita várias exemplos de trinados com terminação e afirma que “um ouvido mediano saberá
sempre sentir onde a terminação pode ser acrescentada e onde não pode.”
73
“Von unten”
Figura 10. TRINADO ASCENDENTE. Carl Ph. E. Bach, Figura 102
Carl Philipp aponta alguns erros na utilização dos trinados, como sobrecarregar notas
longas, em que muitas vezes o trinado seria dispensável. Para ele não se deve utilizá-los
para compensar a perda sonora das notas longa. “Os ouvintes esclarecidos substituem
74
“Von oben”
75
“Halben oder Pralltriller”
esta perda usando a imaginação”.76 Também não se deve acrescentar terminação ou, no
caso de haver uma, acrescentar uma nota a mais ao final. O intérprete também erra ao
não sustentar o trinado o tempo suficiente77, ao tocá-lo introduzido por apogiatura sem
tocá-la ou ligá-la, ao tocá-lo com muita força em trechos suaves e, por fim, ao empregá-
los exageradamente.
Varella nos dá a seguinte definição: “O Trinado se faz com dous Signos immediatos.” 78
Pode-se notar em seus exemplos que ele utiliza os dois símbolos mais usuais para
trinado e que apresenta uma resolução iniciando-o com a nota real, Fig. 13 e 14. Essa
prática é comum em autores de tradição ibero-italiana e casos de trinados que se iniciam
com a nota real são encontrados desde Sancta Maria79, 1565.
Para Solano80, os Trillos, ou Trinados são tocados com a mão direita, utilizando os
dedos 2 e 3 ou 3 e 4. São executados alternando a nota principal, sobre a qual se coloca
o símbolo tr, com a nota imediatamente superior. Solano não deixa claro se o trinado
deve ou não ser iniciado com a nota superior.
A Arte da Muzica81 também não deixa claro se o trinado deve ser tocado iniciando-se
com a nota superior ou com a nota real. Segundo o autor, “O Trino que se assigna com
um tr por cima de huma figura, que muitas vezes he a penultima de huma cadencia, faz-
se tocando-se com o (sic) maior velocidade dous pontos, que são: o expresso, e o que
lhe fica superior.”
76
BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996, p. 65.
77
Para Carl Philipp o trinado deve durar todo o valor da nota a que se referem, com exceção do trinado
curto.
78
VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806, p. 12.
79
SANCTA MARIA, Fray Thomas de. “Líbro llamado Arte de tañer Fantasia, assi para Tecla como
para Vihuela, y todo instrumento em que se pudiere tañer a três, y a quatro voces, y a mas.” Francisco
Fernandez de Cordova, Valladolid, 1565.
80
SOLANO, F. I. Op. cit. 1779, p. 59.
81
Autor Anônimo. Op. cit. 1823, p. 19-20.
Em Francisco Manuel da Silva, ao contrário de Solano, Varella ou a Arte da Muzica, há
muito mais possibilidades de variações do trinado. Seus exemplos são mais próximos
do que se pode encontrar em Quantz ou Carl Philipp, com combinações entre trinados e
outros ornamentos. Para ele, “TRINADO é uma rapida e alternada passagem de uma
nota para outra immediata de gráo superior, e quasi sempre, na execução, costuma ser
preparado e terminado pelo Apojo, Mordente ou Grupetto.”82. No primeiro compasso da
Fig. 15, Silva apresenta um trinado preparado por apogiatura, com terminação,
semelhante ao “trinado simples” descrito por Carl Philipp. No segundo compasso,
trinado preparado por grupeto, com terminação, também semelhante ao exemplo de
“trinado ascendente” de Carl Philipp. No terceiro compasso, dois trinados sem
preparação, com diferentes terminações. Nota-se que, mesmo sem a preparação, os
trinados iniciam-se com a nota superior. No último compasso temos um trinado
preparado por apogiatura dupla83, também com terminação.
1.1.3 – Grupetos84
Inserem-se nesse grupo aqueles ornamentos que formam um grupo de três notas que
mesclam a nota principal com suas vizinhas superior e inferior. São representados pelo
símbolo e podem ser de dois tipos, segundo a classificação de Neumann85:
intensificadores, que retiram seu valor da nota sobre a qual são colocados ou conectivos,
inseridos entre duas notas, retirando seu valor da primeira. O grupeto invertido
82
SILVA, F. M. Op. cit. [s.d.], p. 10.
83
Embora a forma de ocorrência não seja exata, por se tratarem de duas notas separadas da nota real por
intervalo maior que a segunda, foi seguida a classificação utilizada por C. P. E. Bach. Deve-se notar
também que, mesmo sendo preparado por esse ornamento, o trinado inicia-se com a nota superior. Pode-
se então concluir que a apogiatura dupla em questão se relaciona com a nota superior do trinado e não
com a nota principal.
84
Inglês: turn; Italiano: gruppetto; Francês: groupe, doublé, double cadence; Alemão: doppelshlag.
85
Op. cit. 1978 p. 8.
tem a mesma estrutura do grupeto normal, mas inicia-se com a nota inferior.
Carl Philipp86 considera o grupeto ornamento fácil que torna a melodia ao mesmo
tempo agradável e brilhante. É utilizado em peças lentas ou rápidas, em legato ou
staccato, mas deve ser evitado em notas curtas devido à quantidade de notas. Pode vir
combinado com outros ornamentos, Figura 16, como o trinado curto, e ocorrer em
diversas situações: graus conjuntos (a) ou disjuntos (b); cesuras (c); cadências (d);
fermatas (e); no início (f), meio (g) ou fim do trecho, depois de apogiaturas (h)87; sobre
uma nota repetida; depois de uma nota repetida, por grau conjunto ou disjunto.
Carl Philipp ainda afirma que, assim como todos os outros ornamentos, deve-se evitar o
uso exagerado do grupeto, principalmente por sua facilidade de utilização. É mais
utilizado em movimentos ascendentes que em descendentes e suas alterações ocorrem
de acordo com as notas anterior ou seguinte, não se admitindo segundas aumentadas.
O grupeto invertido pode ser usado tanto em andamento lento quanto rápido. Para Carl
Philipp é utilizado em peças rápidas para preencher e dar brilho às notas, executado
rapidamente. Pode ser seguido por graus conjuntos ou disjuntos. Pode também ser
utilizado como um “ornamento triste”, tocado levemente e piano, com muito afeto e
liberdade. Devido a esse segundo caso, o grupeto invertido é muito utilizado nas
dissonâncias.
86
Op. cit. 1996, p. 72-84 e 94-97.
87
No exemplo da letra h o sustenido encontra-se sobre o sinal do grupeto, mesmo sendo claro tratar-se da
alteração da nota inferior. Carl Philipp sempre representa as alterações, tanto inferiores quanto superiores
sobre os sinais dos ornamentos.
Varella88 não cita os grupetos em seu Compêndio, mas utiliza exemplos, como os da
Fig. 17. Podemos identificar nesses exemplos grupeto inferior (invertido), grupeto
superior, grupeto preparado por apogiatura, após nota pontuada89 e mesclado com o
trinado. Sua execução é feita tanto tirando seu valor da nota seguinte quanto da anterior.
Além dos exemplos acima, podemos também identificar como grupetos, Fig. 18, os
ornamentos que ele exemplifica como portamentos.90
88
VARELLA, D. S. J. Op. cit. 1806. p. 10 a 12.
89
Nesse caso fazendo a ligação entre as duas e tirando seu valor da primeira.
90
José Maurício, no Método de Pianoforte também classifica os grupetos como portamentos.
91
Op. cit. [s.d.], pág. 10.
92
Op. Cit. 1978, pág. 8.
1.1.4 – Mordentes93
Segundo Neumann, “Os mordentes em sua forma mais comum são uma oscilação da
nota principal com sua vizinha inferior”. 94
Para Carl Philipp95 os mordentes, Fig. 20, são considerados indispensáveis por ligar,
preencher e dar brilho às notas. Podem ser longos (a) ou curtos (b)96 e são mais
utilizados em notas por graus conjuntos, ascendentes ou em saltos, ocorrendo tanto no
início quanto no meio ou no fim de uma peça, sendo encontrados sobre notas ligadas,
pontuadas e sincopadas.
Figura 21. MORDENTE depois de trinado. Carl Ph. E. Bach, Figura 145
93
Inglês: mordent; Italiano: mordente; Francês: mordent, pincé; Alemão: praller, schneller.
94
NEUMANN, F. Op. cit. 1978, p. 415.
95
Op. Cit. 1996, p. 85-89 e 98.
96
Ver nota 87, página 24. O mesmo vale para a alteração do mordente.
O mordente superior97 é executado rapidamente e só ocorre com notas rápidas em
staccato. Em sua execução a nota superior deve ser resvalada e só tocada por dedos
firmes. É seguido preferencialmente por uma nota descendente e utilizado
principalmente nas cesuras. Segundo Carl Philipp, só pode ser executado por aqueles
que possuam os dedos mais ágeis.
Para Varella98, o mordente ocorre quando o “Apoio está em meio ponto abaixo da figura
ordinaria, e lhe tira hum minimo valor” ou quando “está em intervallo maior que o
ponto”. Apesar dessa definição, Varella exemplifica os mordentes, Fig. 22, por seus
sinais habituais e não como apogiaturas, como se poderia supor pela descrição acima.
Para ele tanto o mordente superior quanto o inferior são executados da mesma forma.
Solano99 afirma que o mordente se faz com dois sons, sendo a nota superior a principal
e a inferior, por semitom, o mordente. Para ele os mordentes têm um bom efeito
também na mão esquerda, executados com o polegar e o 4º dedo100. Francisco Manoel
da Silva101, como já foi visto, utiliza a mesma descrição para “mordentes, apojos e
grupettos”. Pode-se notar no primeiro compasso de seu exemplo, Fig. 23, ornamentos
identificados por Carl Philipp como mordente superior e apogiatura dupla.102 No
segundo compasso vemos os mordentes representados por seus sinais habituais e um
ornamento representado por duas pequenas notas superiores descendentes antes da nota
97
Schneller
98
Op. cit. 1806, p. 11.
99
Op. cit. 1779, p. 59.
100
Solano utiliza-se do sistema antigo para a contagem dos dedos, em que há um paralelismo entre as
mãos, sendo o número 1 utilizado para o polegar da mão direita e o dedo mínimo da mão esquerda. Esse é
o sistema encontrado no manuscrito do Método de Pianoforte de José Maurício.
FAGERLANDE, Marcelo. O Baixo Contínuo no Brasil: a Contribuição dos Tratados de Língua
Portuguesa. Tese de Doutorado – UNI RIO. Rio de Janeiro, 2002, p. 133.
101
Op. cit. [s.d.], pág. 10.
102
Aqui ele apresenta uma resolução em que o ornamento retira seu valor da nota precedente, em
oposição ao que diz Carl Philipp.
principal. Esse ornamento, que foge à descrição habitual do mordente, pode ser
identificado como uma escorregadela inferior103.
1.1.5 – Escorregadela105
As escorregadelas, Fig. 24, são ornamentos formados por duas notas ascendentes que
“escorregam” em direção à nota principal, tirando dela seu valor.
Segundo Carl Philipp106 podem ocorrer com ou sem notas pontuadas. São indicadas por
duas pequenas semicolcheias, mas em compassos “alla breve” podem ser indicadas por
fusas. Ocorrem antes de saltos, preenchendo o intervalo e têm execução rápida. A
escorregadela com notinha pontuada tem execução semelhante à da apogiatura dupla e,
segundo o autor, “provoca sentimentos agradáveis”.
103
Ver item 1.1.5 nesta página.
104
Op. cit. 1823, p. 19-20.
105
Termo utilizado segundo tradução de Fernando Cazarini para o Tratado de Carl Philipp E. Bach.
Inglês: slide; Italiano: tipo di portamento; Francês: coulé; Alemão: schleifer.
106
Op. cit. 1996, p. 94-97.
1.1.6 – Tirata107
As tiratas são ornamentos mais ligados à prática da livre ornamentação, não sendo
indicados por sinais específicos. Consistem no preenchimento de saltos por graus
conjuntos. Consideradas por Neumann108 da mesma família das escorregadelas, por
terem a mesma função de preenchimentos de intervalos, só que com muito mais notas.
Podem ser encontrados exemplos de tiratas no “Gündliche Violinschule” de Leopold
Mozart. 109 Fig. 25.
Moraes Pedroso, no Tratado de Cantoria, cita um ornamento nomeado por ele como
mordente, cuja descrição se aproximas mais do que se conhece como tirata:
O autor afirma que o ornamento descrito deve ser aprendido “de ouvido”, o que pode
confirmar ser a tirata mais ligada à livre ornamentação.
107
Italiano: tirata; Francês: tirade, coulade; Alemão: pfeil
108
Op. cit. 1978, p. 203.
109
DANNREUTER, Edward. Op. cit. s/d, p. 63 a 68.
110
Op. cit. 1751, p.
1.1.7 – Arpejo111
111
Inglês: arpeggio; Italiano: arpeggio; Francês: arpégé.
112
Op. cit. 1978, p. 492.
113
“Chordal” e “linear”
114
Excluindo-se os casos em que se opta pelo efeito “pedal”.
115
TÜRK, Daniel G. Klavierschule oder Anweisung zum Klavierspielen für Lehrer und Lernende, mit
kritischen Anmerkungen. 1789. In: DANNREUTER, Edward. Op. cit. [s.d.], p. 88.
116
WILLIAMS, Peter. Figured Bass Accompaniment. Vol I Edinburg: University Press, [s.d.], p. 37.
117
Ataques não simultâneos das notas de uma oitava em instrumentos de cordas e teclados. (Fonte:
DOURADO, Henrique Autran. Dicionário de termos e expressões da música. Editora 34. São Paulo, 2004
p. 232)
1.2 – Improvisação
Bruno Nettl trata Improvisação e Composição como conceitos opostos que fazem parte
de uma mesma prática:
118
Improvisação (extemporização) In: The Harvard Concise Dictionary of Music and Musicians (1999).
119
WEGMAN, Rob C. Improvisation. II – Western Art Music In: Grove Music Online. Ed. L. Macy,
<http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004)
120
PRESSING, Jeff. Psychological Constraints on Improvisational Expertise and Comunication. In: In the
course of performance: studies in the world of musical improvisation / edited by Bruno Nettl with
Melinda Russell. Chicago:University of Chicago Press, 1998. p. 47-67.
121
Op. cit. <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004)
122
BLUM, Stephen. Recognizing Improvisation. In: In the course of performance: studies in the world of
musical improvisation / edited by Bruno Nettl with Melinda Russell. Chicago: University of Chicago
Press, 1998. p. 27-45.
outro artificial. Mas, por outro lado, também acreditamos que
improvisação é um tipo de composição que caracteriza aquelas
culturas que não têm notação, um tipo que resume o impulso musical
123
repentino através da produção direta do som.
Como já foi visto, o conceito de improvisação pode variar de acordo com a cultura ou a
época onde ela se dá. Sabe-se que na tradição musical ocidental, no que diz respeito à
chamada música erudita, o período mais fértil para improvisação é o barroco. No
período que engloba fins do Séc. XVIII e princípios do XIX, a improvisação se dá de
forma muito menos exuberante. Neumann126 e Brown127 citam essa mudança de rumos
no emprego da livre ornamentação e C. Ph. E. Bach chama atenção para o fato de
muitos autores contemporâneos seus se preocuparem em escrever os ornamentos.
123
NETTL, Bruno. Thoughts on Improvisation: a comparative approach. In: The Musical Quaterly. 2nd
Edition. Vol. LX no 1, New York: G. Shirmer Inc, 1974. p. 1-19.
124
Improvisation. Concepts and practices. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy,
<http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004)
125
HARNONCOURT, Nikolaus. Op. cit. 1988, p. 74.
126
NEUMANN, Frederick. Interpretation Problems of Ornament Symbols and Two Recent Case
Histories: Hans Klotz on Bach, Faye Ferguson on Mozart. In: New Essays on Performing Practice.
University of Rochester Press, Rochester, 1992. p. 121.
127
Op. cit. 1999, p. 415.
Segundo ele, “sempre agiram com mais segurança os compositores que indicaram
claramente em suas peças os ornamentos que devem ocorrer, ao invés de deixarem suas
peças sujeitas ao discernimento de executantes desajeitados.”128
O autor também afirma que em seu tempo havia “uma falsa opinião arraigada sobre a
necessidade de se colorir exageradamente as notas ao se tocar teclado”, mas que podia-
se acrescentar alguns ornamentos mais elaborados, mas de forma apropriada,
comedidamente, sem alterar o afeto da peça.
Neumann130 escreve que, em Mozart, qualquer nota tocada ou cantada que não esteja na
partitura pode ser considerada improviso, tanto quando tocada espontaneamente, no
momento da performance, como quando previamente elaborada. O improviso pode ser
feito com o acréscimo de simples ornamentos, mais comumente apogiaturas, ou através
do floreamento de melodias ou o preenchimento de espaços. Deve-se também tomar
cuidado com a quantidade de inserções, pois muitas vezes não é claro quando se deve
fazê-lo, sendo importante saber identificar os “espaços vazios” deixados pelo
compositor e decidir quando se deve ornamentar uma peça. Tanto em Mozart quanto em
Haydn o campo para a ornamentação da música vocal é muito menos amplo do que
algumas interpretações podem fazer pensar e da música instrumental permite a
utilização de mais recursos do que os que se praticam usualmente.
128
BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996, p. 43.
129
Ibid., p. 44.
130
Op. cit. 1986, p. 179.
131
Improvisation. II – Western Art Music. 4. The Classical Period. (i) Instrumental Music. In: The New
Grove Dictionary of Music and Musicians. 2nd Edition. Vol. 12. London: Macmillian Publishers Limited,
2001, p. 112-116.
improvisar. Em sua tese de doutorado, Marcelo Fagerlande132 relata a importância do
baixo contínuo para o estudo da composição, uma vez que permitia ao músico uma
melhor compreensão harmônica. “Esta parte de baixo tem como característica a redução
do conteúdo harmônico a um sistema, a um pentagrama.”133 A prática do baixo
contínuo facilita a criação do improviso pois, além de permitir ao músico uma completa
visão harmônica da peça a ser executada, possibilita a ele uma grande agilidade mental,
já que tudo deve ser decidido no momento da performance. Ao realizar um baixo
contínuo o músico é obrigado a tomar decisões imediatas que muitas vezes passam ao
âmbito da composição, podendo-se dizer que é como se estivesse “compondo de
improviso”.134
1.2.2.1 – Embelezamentos
Muitos desses embelezamentos que foram escritos pelos autores eram dirigidos a
estudantes ou amadores dos quais, ao contrário dos compositores ou virtuoses, não se
132
Op. cit., 2002.
133
Ibid., p. 49.
134
“O tocar ou Acompanhar scientifico no sobredito instrumento [cravo], não he outra cousa mais do que
hum Compôr de repente” SOLANO, F. I. op. cit. 1778, p. 78, provavelmente citando GASPARINI, F.
1708, p. 70 : “l’accompagnare è um comporre all’improviso”.
135
Op. cit. 2001, p. 112-116.
136
Ver nota 13, p. 9.
137
NEUMANN, Frederick. Op. cit. 1978.
esperava maestria na arte da improvisação. Na grande maioria das vezes essa livre
ornamentação se dava na repetição de temas, particularmente em movimentos lentos ou
rondós. Os compositores nem sempre escreviam essas repetições literalmente, mas as
notavam utilizando sinais de repetição. “As edições modernas, ao reproduzirem
literalmente essas repetições, criaram uma implicação, não encontrada nas fontes, de
que os compositores desejavam uma repetição nota-a-nota dessas passagens.”138
Quantz141 dedica um capítulo de seu tratado à arte de improvisar variações. Para ele,
além dos ornamentos, há outras formas de embelezamentos que podem ser realizadas no
momento da performance. Segundo o autor, fora da França142, os músicos não se
contentam em executar apenas os ornamentos essenciais. A grande maioria se sente
inclinada a inventar variações ou embelezamentos de improviso143. Mas essa prática só
pode ser desenvolvida por músicos que têm conhecimento de composição ou pelo
menos de baixo contínuo. Quantz propõe então um estudo de como se pode fazer
variações em intervalos simples, respeitando a harmonia do baixo. Dentre os muitos
conselhos dados aos músicos pode-se destacar o de evitar que a nota principal em que se
faz a variação não seja obscurecida; que não se deve fazer variações alegres e arrojadas
em melodias melancólicas e simples; que só se deve variar uma melodia após sua forma
simples ter sido ouvida; que uma melodia bem escrita e que já é suficientemente
agradável não necessita de variações; por fim, que, antes de começar a fazer variações o
138
LEVIN, R. D. Op. cit. 2001.
139
Inglês: division; Italiano: passaggio; espanhol: glosa; francês: double.
140
GARDEN, Greer. Diminution In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, Disponível em
<http://www.grovemusic.com>
141
Op. Cit. 1976, p. 136-161.
142
Tanto Quantz quanto C.P.E. Bach citam a música francesa como exemplo de ornamentação pré-
determinada, sem espaço para o músico criar sua própria ornamentação.
143
“to invent variations or extempore embellishments”.
músico deve saber tocar uma ária sem variações com “nobreza, verdade e clareza”. Na
Fig. 27 encontra-se um dos muitos exemplos dados por Quantz de como devem ser
variados os intervalos.
144
Op. cit. 1851, p. 61
145
Nesse caso Coelho Machado se refere à ornamentação de melodias com notas de passagem,
assinaladas pelo símbolo .
cem anos depois do de Quantz mostra que essa prática ainda era usual no Século
XIX146.
146
Fagerlande, M. Op. cit. 2002 p. 87.
1.2.2.2. – Cadências147
Para Carl Phillip149 a fermata é utilizada freqüentemente com bom efeito e desperta no
ouvinte uma atenção particular. Ela é indicada pelo sinal convencional e sustentada
de acordo com o caráter da peça. Deve ser empregada sobre a penúltima nota, sobre a
última nota do baixo, ou depois dela sobre uma pausa. Sobre pausas ocorre mais
freqüentemente em movimento Allegro e é executada “bem simples”. O autor fornece
exemplos, Fig. 29, de ornamentação de fermatas e afirma que as cadências
ornamentadas são também composições de improviso e são tocadas livremente, sem
levar em conta o compasso, de acordo com o caráter da peça.
147
Inglês: cadence; Italiano: cadenza, clausola; Francês: cadence, clausule; Alemão: kadenz, schluß,
klausel, endung.
148
CADENZA. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15
de abril de 2004)
149
Op. cit. 1996, p. 99-101 e 113.
Figura 29. FERMATA. Carl Ph. E. Bach, Figura 164. 1
Para ele, quem não tem habilidade para fazê-lo deve optar por um trinado longo
ascendente, ou sobre uma apogiatura descendente antes da última nota do soprano, ou
na nota real com apogiatura ascendente, ou simplesmente na nota real.
Silva deixa claro em seu exemplo que a ornamentação deve ser feita quando a fermata
está sobre uma nota. Carl Philipp parece ser da mesma opinião quando afirma que a
fermata sobre a pausa deve ser executada “bem simples”. Para ele, nos outros casos
deve-se ornamentar a fermata para que não se peque pela simplicidade.
150
SILVA, F. M. Op. cit. [s.d.], p. 10
151
Op cit. 1976, p. 180.
Mozart, além da cadência usual, utilizava uma outra forma, nomeada por ele de
“Eingang”152. Essa cadência seria um breve embelezamento improvisado usualmente
sobre um acorde de dominante, utilizado para conectar duas seções. É indicada por uma
fermata153 sobre o acorde.
As Fantasias livres são formas típicas da música para teclado solo. C. Ph . E. Bach
ocupa a última parte de seu tratado com esse tema. Segundo o autor, “uma fantasia é
livre quando não tem divisões de compasso e abrange mais tonalidades do que costuma
ocorrer em outras peças”155. Ainda segundo Carl Philip, há um tipo de fantasia livre que
pode ser considerada um prelúdio, tocada em ocasiões em que um acompanhador
precisa, antes da execução de uma peça, tocar algo de memória para preparar os
ouvintes. Esse tipo de fantasia é mais restrito pois está ligado à peça que será executada,
enquanto que em outras ocasiões pode-se tocar uma fantasia apenas para exibir as
habilidades do tecladista.
Por sua forma livre, a Fantasia é, talvez, a forma de improvisação de maior dificuldade
do período. Seu objetivo principal é, de acordo com Carl Philipp, suscitar e acalmar
152
Segundo Eva Badura-Skoda eWilliam Drabkin (Cadenza. 3 – The Classical Period. In: Grove Music
Online. Ed. L. Macy, <http://www.grovemusic.com>), “Eingang”, significando entrada ou condução, foi
usado por Mozart numa carta de 15 de fevereiro de 1783 e passou a denominar esse tipo de passagem.
153
Pode-se identificar esse tipo de cadência com a ornamentação das fermatas segundo Carl Philipp E.
Bach ou Francisco Manuel da Silva.
154
NEUMANN, F. Op. cit. 1986. p. 179.
155
BACH, Carl Ph. E. Op. cit. p. 343.
paixões. Para atingir esse objetivo é preciso que o tecladista tenha pleno domínio de
baixo contínuo e de progressões harmônicas e que saiba fazer variações para que a
fantasia não se restrinja a progressões de acorde sustentados ou arpejados.
156
BACH, Carl Ph. E. Op. cit. p. 1, Prefácio.
II – ORNAMENTAÇÃO E IMPROVISAÇÃO NO MÉTODO
2.1 – José Maurício como Improvisador
O padre José Maurício Nunes Garcia chegou até os dias de hoje com o impressionante
título de “O primeiro improvisador do mundo”. Porto Alegre157 narra um encontro que
teve com Sigismund Neukomm158 em Paris, talvez o mais importante relato sobre o
talento de improvisador de José Maurício:
Outros textos informam sobre a opinião dos contemporâneos de José Maurício a seu
respeito, como o do Visconde de Taunay:
Azevedo161 narra outra passagem em que são colocadas à prova as habilidades de José
Maurício como improvisador:
157
PORTO ALEGRE, Manuel de Araujo. Apontamentos sobre a vida e obras do Padre José Maurício
Nunes Garcia. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, tomo XIX,
1856. p. 365 e 366.
158
Compositor e pianista austríaco, aluno de Michael e Joseph Haydn. Esteve no Rio de Janeiro de 1816 a
1821 como professor na Corte de D. João VI. Compôs em torno de 1300 obras.
159
PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit. 1856, p. 365.
160
TAUNAY, Visconde de. Esboceto Biográfico. In: Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro: Funarte, 1983
pág. 11-12.
161
AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Biographia dos brasileiros ilustres por armas, letras, virtudes,
etc. – Padre José Maurício Nunes Garcia. In: Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográphico e
Ethnográfioco do Brasil, Tomo XXXIV, Parte segunda. Rio de Janeiro: B. L. Garnier – Livreiro – Editor,
1871. p. 293-304.
[D. João] admirando o genio do afamado artista, encarregava-o
freqüentemente de novas composições para as festas reaes e
convidava-o para tocar piano no recinto do paço. E em um saráo, no
palacio real, depois de José Maurício ter manifestado no piano bellas
variações de improviso, tão enthusiasmado ficou o rei ao ouvir o
artista que despregando da farda do seu guarda roupa, o visconde de
Villa Nova da Rainha, o hábito de Christo collocou-o com suas
proprias mãos no peito do celebrisado musico.162
162
AZEVEDO, M. D. M. Op cit. p. 297.
163
Op. cit. 1856, p. 365 e 366.
164
Psychological Constraints on Improvisational Expertise and Comunication. In: In the course of
performance: studies in the world of musical improvisation / edited by Bruno Nettl with Melinda Russell.
Chicago: University of Chicago Press, 1998. p. 47-67
entre outros. A organização desses dados é influenciada pelas experiências
culturais individuais do intérprete, pois quanto mais conexões ele pode realizar,
mais criativas serão suas performances.
165
Ver pág. 48
163
AZEVEDO, M. D. M. Op. cit. p. 294.
Apesar do romantismo dessas narrativas, todas apontam para os mesmos lugares
comuns a respeito de José Maurício. Esses estereótipos podem fornecer pistas a respeito
da sua formação musical, essencial para a compreensão das práticas, tanto na
composição quanto na execução de sua música. Segundo o autor, desde criança José
Maurício teve contato com a viola e o cravo. Sabe-se que seus primeiros contatos com a
prática musical se deram através das aulas com o músico mineiro Salvador José de
Almeida, como narra Porto Alegre:
Mandado para a escola de Salvador José, ahi se houve com tam rapida
intelligencia, que em poucos mezes excedeu a todos os seus collegas,
e foi considerado por aquelle musico o primeiro e o melhor de seus
discipulos, e o unico de por si só poder continuar os estudos de uma
arte, que requer, além dos dons naturaes, uma pratica não
interrompida.167
Mattos168 também cita Salvador José como o primeiro contato de José Maurício com o
estudo da música, informando ainda das influências recebidas do estilo setecentista
mineiro:
Neves170 não tem dúvidas sobre o parentesco de José Maurício com a música mineira da
segunda metade do Séc. XVIII. Para ele, a formação musical e a escolha de ‘modelos’ é
167
PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit, p. 356.
168
MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia – Biografia. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional, 1997.
169
Ibid. p. 31.
170
Op. cit. 1983. p. 55-63.
comum a José Maurício e aos autores mineiros. O aprendizado se dava muitas vezes
através da execução de obras escolhidas de acordo com o gosto do público ou de quem
encomendava a obra. Segundo Neves foram enviadas à Colônia, a pedido do frei João
da Cruz171, partituras de alguns autores europeus como Palestrina, Lassus, Scarlatti,
Lully, Rameau, Frescobaldi, Monteverdi e Pergolesi, na primeira metade do séc.
XVIII172. A segunda metade é dominada por autores clássicos, como Haydn, Mozart,
Beethoven e os compositores de ópera italianos, com grande destaque para Rossini.
171
Quinto bispo do Rio de Janeiro.
172
NEVES, J. M. Op. cit., 1983, p. 56.
173
Op. cit. 1997. p. 27-37.
174
AZEVEDO, M. D. M. Op. cit. p. 297.
Barbosa175 cita em seu Necrológico que José Maurício desenvolveu-se na música “só a
impulsos do seu genio”, tendo estudado com afinco “Piano, Orgão e Rebeca”, sem
contudo informar quais teriam sido os meios que o levaram ao estudo desses
instrumentos.
O contato com obras de autores europeus, assim como, possivelmente, com tratados
teóricos, lhe possibilitou acesso ao que havia de mais “moderno” no campo da
composição musical. Não só as obras executadas na Capela Real ou no Paço, mas outras
que ele próprio mandava vir de Portugal. Taunay afirma erroneamente que José
Maurício adquiriu muitas partituras e constituiu um acervo próprio:
175
BARBOSA, Januário da Cunha. Necrológio. In: Estudos Mauricianos. Rio de Janeiro, Funarte, 1983.
p. 402-404.
176
TAUNAY, A. E. Op. cit. 1983. p. 12.
177
MATTOS, C. P. Op. cit. 1997. p. 85.
178
PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit. p. 365.
Todos esses relatos confirmam ser José Maurício exímio tecladista e improvisador.
Apontam também indícios sobre sua formação, sobre como ele, sem nunca ter saído do
Rio de Janeiro, teve acesso a obras que lhe permitiram escrever um Método em que os
temas de algumas lições estavam alinhados com que se fazia em música na primeira
metade do século XIX. Nele evidenciam-se, através de citações, as influências de
autores como Haydn e Rossini.
O Compêndio de Música traz rudimentos de Teoria Musical que, segundo Cleofe Person
de Mattos180, espelha o ensino da música no Brasil e, mais especificamente, o que se
ensinava no curso de música da Rua das Marrecas.181 Nota-se nessa obra o caráter
prático do ensino de música da época, onde se privilegiava o ensino do Solfejo e o
conhecimento do Teclado através de sua descrição física, peças chaves para o ingresso
na vida profissional, pois o restante era aprendido com a prática. O Compêndio contém
em suas páginas uma definição de música – “he huma Arte que ensina a cantar e tocar
segundo as regras d’armonia” –, nomes das notas, claves, valores de figuras e pausas,
compassos simples e compostos, síncope, quiálteras, alterações, ornamentos, ligadura,
fermata, ponto de aumento, sinais de repetição, intervalos, pauta, notas suplementares,
179
Aqui se trata de dois dos cinco filhos de José Maurício com Severiana Rosa de Castro. O Dr. Nunes
Garcia refere-se ao irmão Apolinário como “hábil músico e organista”. NUNES GARCIA JR. José
Maurício. Apontamentos Biográficos (com notas de Curt Lange). In: Estudos Mauricianos. Rio de
Janeiro: Funarte, 1983. p. 17.
180
Catálogo temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Cultura, Conselho Federal de Cultura, 1970. Pág. 333 a 335.
181
O curso da Rua das Marrecas foi instalado em 1795. JM não dispunha de piano ou cravo para ministrar
as aulas, apenas uma viola de arame que era utilizada por todos os alunos. Importantes músicos do
período estudaram nesse curso, como Francisco Manuel da Silva.
tons maiores e menores, além dos Solfejos e das noções sobre teclado, com as escalas
maiores e menores e seus dedilhados e as “Regras para a formação dos tons”. Seu
conteúdo é muito similar ao da Arte da Muzica para uzo da mocidade brazileira por
hum seu patrício, de autor anônimo, impresso em 1823 e ao da Artinha182 de Francisco
Manuel da Silva183, impressa em 1838.
182
Artinha era o nome usual dado aos cadernos manuscritos, utilizados para o ensino da música, feitos
pelos professores e copiados e memorizados pelos alunos, contendo os elementos básicos da Teoria
Musical. Seu uso estendeu-se até a primeira metade do Séc. XX, principalmente nas cidades do interior e
nas Bandas de Música.
183
Artinha. Compêndio de Música que a S. M. I. o Snr D. Pedro II Imperador constitucional e defensor
perpétuo do Brasil Oferece para uso dos alunos do Imperial Colégio D. Pedro II. Nova Edição. Rio de
Janeiro: Irmãos Vitale, [s.d.]
184
FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Pe José Maurício Nunes Garcia, Rio de
Janeiro: Relume Dumará/Rio Arte, 1996. Pág. 21.
Segundo o autor, Lições são peças de movimento único com fins pedagógicos que surgiram na Inglaterra
(Lessons) no Séc. XVI, significando não só exercício de teclado como música de teclado de uso
doméstico. Seus correspondentes na França seriam Pièce e na Itália, Essercizi ou mesmo Sonata.
185
Ibid., Pág. 21.
Termo adotado na Renascença por Luis de Milan para um tipo de composição instrumental cuja forma e
invenção surge da fantasia e habilidade do autor. É encontrado em diversas línguas e a versão adotada
por José Maurício provém do espanhol ou italiano Fantesia. Ver Capítulo I, pág. 40.
186
Forma musical em que a seção primeira, ou principal, retorna, normalmente na tonalidade original,
entre seções subsidiárias (couplets, episódios) e conclui a composição.
Dicionário GROVE de Música. Edição Concisa. Editado por Stanley Sadie. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1994.
187
GARCIA, José Maurício Nunes. Ofício dos Defuntos 1816 (Org. Cleofe Person de Mattos). Rio de
Janeiro: FUNARTE, 1982. p. 162-168
188
Citação do tema do segundo movimento da Sinfonia 94, “Surpresa”, na Lição 7 da 2ª Parte do Método.
gosto pessoal de José Maurício, mas o que se ouvia no Rio de Janeiro à época em que
viveu o Padre Mestre. Há também a influência melódica das modinhas190, gênero muito
presente na vida de José Maurício, como afirma Cleofe Person de Mattos:
No que diz respeito à ornamentação, como já foi visto no Capítulo I, há sempre uma
dúvida de como determinado autor utilizava os ornamentos e de que forma seus sinais
devem ser interpretados. Alguns autores deixaram para a posteridade tabelas
explicativas com a execução dos ornamentos mais utilizados em suas obras, mas, como
afirma Donnington192, não há um conjunto de regras que unifique essa representação.193
José Maurício, no Compêndio de Música escreve o seguinte sobre ornamentos:
189
Citação da Abertura da Ópera “O Barbeiro de Sevilha” na Lição 5 da 2ª Parte do Método.
190
Canção brasileira e portuguesa, de apelo sentimental, cultivada nos séculos XVIII e XIX. O
acompanhamento era em geral realizado pelo cravo ou pela guitarra. Aos poucos vai se transformando,
adquirindo quase o caráter de uma ária italiana de ópera, perdendo sua simplicidade original. (Marcelo
Fagerlande).
191
MATTOS, Cleofe Person de. Catálogo temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia. Rio
de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Conselho Federal de Cultura, 1970. p. 323
192
Ornaments. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. vol. 13. London: Macmillan
publishers limited, 1980. p. 827.
193
Ver Capítulo I, p. 9.
194
FAGERLANDE, M. Op. cit. 1996, p. 102.
195
Ornamentation in baroque and post-baroque music – with special emphasis on J. S. Bach. New Jersey:
Princeton University Press, 1978. p. 7.
ao descrever os ornamentos “pequenos” e “grandes“.196 Ao comparar o texto do
Compêndio com as peças do Método pode-se notar que o texto musical deste último
nem sempre concorda com a proposta de ornamentos do primeiro. Os Acentos197 citados
no texto não aparecem em nenhuma das peças do Método, os Apojos aparecem em
quase todas as peças e os Portamentos aparecem com bastante freqüência. É
interessante também notar que ornamentos muito utilizados como os trinados, embora
apareçam em algumas peças não são citados pelo autor, enquanto que os mordentes,
além de não serem citados, não aparecem em nenhuma das peças. Apesar das Lições
serem escritas com dificuldade técnica progressiva, pode-se apontar a utilização de
apogiaturas já na Lição 1, reiterando a importância dada ao emprego desse ornamento
em especial.
2. 3. 1 – APOJO (Apogiatura)198
“Pequena figura que serve para adorno e graça da musica”.199 Ornamento bastante
utilizado pela facilidade de seu emprego e de sua execução, é o mais freqüente no
Método. É empregado como uma pequena figura que antecede a nota principal ou
inserido como parte da melodia. No primeiro caso, é tocado muito curto, no tempo forte
do compasso ou parte forte do tempo. No segundo caso, já vem escrito com seu valor
real. José Maurício parece seguir este padrão para evitar possíveis erros de interpretação
das apogiaturas, colocando, no Método, as apogiaturas curtas como pequenas notas –
sempre colcheias cortadas – e inserindo as longas por extenso no discurso musical.200 É
interessante notar no entanto que, no exemplo apresentado no Compêndio, a pequena
colcheia não aparece cortada, figurando como uma apogiatura longa. As apogiaturas
aparecem em diversas situações no decorrer do método, sendo as longas as mais
freqüentes.
196
Ver Cap. I, p. 11.
197
Os acentos são ornamentos típicos da livre ornamentação, muitas vezes não fazendo parte do texto
escrito. Ver “Tirata” no Cap. I, p. 29.
198
Para uma uniformização com o emprego habitual do termo, será utilizado o nome “Apogiatura” .
199
FAGERLANDE, M. Op. cit. 1996, p. 102.
200
Ibid., p. 71.
201
Representadas por uma única nota.
Figura 31. APOGIATURA longa, superior, simples, no 1º tempo. Lição 7ª - I Parte.
Em tempo fraco do compasso são encontradas apogiaturas longas, tanto superiores, Fig.
39, quanto inferiores, Fig. 40.
Podem-se identificar os Portamentos citados por José Maurício como Grupetos. Essa
mesma denominação é utilizada por Varella203 em seu Compêndio e encontrada na Arte
da Muzica para uzo da mocidade brazileira.204 Assim como esse exemplo, muitos
outros ornamentos encontram diferentes denominações entre os autores luso-brasileiros.
202
Para uma uniformização com o emprego habitual do termo, será utilizado o nome Grupeto.
203
Op. cit. 1806. p. 11.
204
Op. cit. 1823. p. 19-20.
205
Op. cit. 1978. p. 8.
Figura 45. GRUPETO intensificador. Lição 9ª - I Parte. Andantino.
Embora não sejam citados por José Maurício no Compêndio de Música, outros
ornamentos podem ser encontrados nas Lições e Fantezias do Método, tais como
trinados, escorregadelas208 e arpejos.
Os trinados aparecem sobre notas longas, como na Fig. 48, em que são colocados sobre
elas sem indicação de preparação, não havendo, portanto, como afirmar se devem ser
tocados iniciando-se na nota superior ou na nota principal. Muitos tratados do
período209, principalmente os de origem ibérica, como os de Solano210 e o de Varella211,
permitem a resolução dos trinados iniciando-se na nota real, sem preparação.
206
Para uma uniformização com o emprego habitual do termo, será utilizado o nome Tirata.
207
Ver Cap. III, pág. 95
208
Ver nota n. 105, pág. 28.
209
Ver Cap. I, 1.1.2 – Trinados, Pág. 19.
210
Op. Cit. 1779. O autor não deixa claro se os trinados devem ser tocados com a nota real ou preparados.
Ver Cap. I, 1.1.2 – Trinados, p. 22.
211
Op. cit. 1806. Ver Cap. I, 1.1.2 – Trinados, p. 22.
Figura 48. TRINADOS. Lição 3ª - II Parte. Andante Moderato.
212
Líbro llamado Arte de tañer Fantasia, 1565.
213
Op. cit. 1996, p. 60.
citam o emprego do trinado sem preparação, iniciando-se com a nota real, Francisco
Manuel da Silva cita em seu Compêndio214 e na Artinha215, trinados sempre iniciados
com a nota superior, com ou sem preparação, como visto no Capítulo I216.
A escorregadela também não é citada no Compêndio por José Maurício, mas aparece
na Lição 8 da primeira parte do Método, como no exemplo da Fig. 51. Apesar de ser
conhecida principalmente por preencher intervalos utilizando-se de terças ascendentes,
José Maurício emprega esse ornamento no movimento inverso. Sua execução se dá
junto com o baixo, no momento do ataque da nota principal, tirando dela seu valor. No
exemplo citado a escorregadela tem efeito intensificador, de acordo com a classificação
de Neumann217.
c. 37
A escorregadela também pode aparecer em parte fraca, como na Fig. 52. Nesse
exemplo sua execução é mais rápida devido ao valor da nota principal e seu efeito é
214
SILVA, F. M. Compendio de Princípios Elementares de Musica. [s.d.], p. 10.
215
SILVA, F. M. Artinha. [s.d.], p. 9.
216
Ver Cap. I pág. 23
217
Ver pág. 12, Figura 1: Classificação dos Ornamentos segundo F. Neumann.
conectivo218. Nesse caso, por causa do valor da nota principal, pode ser executando
antes do tempo. No exemplo apresentado, a escorregadela vem combinada a um
grupeto escrito por extenso.
Além dos ornamentos já citados é ainda encontrada uma indicação do uso do arpejo na
Lição 3 da Segunda parte do Método – Fig. 53. Embora não apareçam no texto musical
nem sejam citados por José Maurício no Compêndio, os arpejos são recursos muito
usados na execução de música para cravo e pianoforte219 e essa única indicação é
indício de seu uso pelo Padre Mestre, não sendo usual, entretanto, o uso de sinais para
indicá-los. Não há informações suficientes para se especular por que José Maurício
indica um arpejo em apenas uma das Lições.
218
Ver pág. 12, Figura 1: Classificação dos Ornamentos segundo F. Neumann
219
WILLIAMS, P. Op. cit. [s.d.] p. 36.
220
Ver Cap. I, pág, 30 nota 117.
Figura 54. OITAVAS QUEBRADAS. Lição 6ª - II Parte. Allegro Maestoso.
221
Ver Capítulo I, pág. 34.
222
Ornamentação que consiste em preencher a melodia com notas ascendentes e descendentes, em torno
da nota real, sempre em graus conjuntos, como que fazendo um “círculo”. É uma espécie de variação do
grupeto.
223
DANNREUTER, E. Op. cit. [s.d.] . p. 67.
Note-se que na parte a2 a melodia poderia ser bastante semelhante à da parte a1,
formada apenas por notas repetidas.
Na Lição 12 da Primeira parte, Fig. 57, a forma pode ser descrita como binária,
apresentada em uma seção A dividida em: a1, a2 e b. Encontra-se em a2 (compasso 11) a
repetição harmônica integral de a1, com melodia ornamentada. O baixo mantém-se
conservado apesar de ser apresentado todo em acordes em a2.
Na Lição 3 da Segunda Parte, de forma ternária A (a1, a2) – B (b1, b2) – A, encontra-se
escrita ornamentada na repetição da melodia na seção B – b2 (compasso 25), como pode
ser visto na Fig. 58.
c. 25
224
Op. cit. 1986. p. 179 e 264.
225
Ver Cap. I, p. 40
226
Neumann fala de “white spots”, trechos deixados inacabados para serem realizados pelo intérprete,
“salpicados” por toda a música.
227
Ver Cap. I, p. 39
228
Ver Cap. I, p. 38-39.
2.5.1 – Forma de aria da capo
É interessante notar o uso de uma forma típica da música vocal numa obra voltada à
prática instrumental. José Maurício escreveu música eminentemente vocal e não se deve
estranhar o fato de, ao escolher as formas das peças do Método, ele privilegiar a da aria
da capo. Há relatos em que José Maurício aparece improvisando sobre música vocal
como o de Araújo Porto Alegre que narra o seguinte episódio, descrito a ele por
Neukomm230 e confirmado pelo cantor Fasciotti231:
229
FAGERLANDE, M. Op. cit. 1996. p. 88.
230
Ver pág. 43.
231
Gianfrancesco Fasciotti. Castrato napolitano que veio para o Brasil em 1817 a convite de D. João VI.
232
PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit., 1856. p. 365-366.
2.5.2 – Fermatas nas cadências
José Maurício utiliza o recurso da fermata nos finais das seções em grande parte das
peças do Método. Esse recurso permite ao intérprete a inclusão de uma pequena
passagem melódica entre as seções ou preparando o retorno à parte A Da Capo.
Também se pode encontrar a fermata sobre uma pausa antes da repetição da parte A,
como é o caso da Lição 5 da I Parte, composta por uma única seção A, dividida em a1 e
a2, como na Fig. 60.
Em algumas peças podem ser identificados espaços vazios próprios para a prática da
livre ornamentação. José Maurício parece nesses casos ter deixado apenas a indicação
da harmonia a ser utilizada ou a amplitude melódica, simplificando a estrutura melódica
e deixando a decisão final ao intérprete. É esse tipo de situação que Neumann descreve
em Mozart, como já foi visto neste capítulo233.
Na Lição 3 da II Parte, Fig. 64, encontramos no final da parte B, uma longa cadência
representada basicamente por acordes, onde há espaço para preenchimento melódico.
Ao final dessa seqüência ainda pode ser encontrada uma fermata sobre a pausa para
retorno à parte A.
233
Ver neste mesmo capítulo pág. 65, nota 226.
Figura 64. ESPAÇOS VAZIOS. Lição 3 – II Parte. Andante Moderato
Neste Capítulo será apresentada uma amostragem dos ornamentos utilizados por José
Maurício em sua obra. Para que essa amostragem seja o mais ampla possível foram
escolhidos dois critérios para a seleção dos exemplos: cronológico e de gênero, como
apresentado na Tabela 1. Dessa forma pretende-se que esta seleção possa refletir da
melhor maneira, nos exemplos escolhidos, a obra de José Maurício.
234
Os Motetos que compõem os Bradados foram inicialmente catalogados separados com os registros
CPM 205, CPM 222 e CPM 223, posteriormente unificados para CPM 192.
235
O Magnificat das Vésperas de Nossa Senhora vem catalogado separadamente, com o número 16.
3º período: Partida de D. João VI, últimas composições (1821 a 1826)
Data Título Catálogo Descrição
1821 Compendio de Musica e Methodo de CPM 236 Ver nota 236
Pianoforte do Sn.r P.e M.e Joze
Mauricio Nunes Garcia. Expressam.te
escripto Para o D.r Jozé Mauricio e
236
seu Irmão Apollinario em 1821
1826 Missa a grande orquestra Composta CPM 113 Missa de Santa Cecília. Para coro a 4
pelo P.e Jose Mauricio Nunes Garcia vozes, solistas e orquestra composta por 2
no ano de 1826. flautas, 2 oboés, 2 clarinetas em Sib, 2
fagotes, 2 trompas, 2 trompetes em Sib, 3
trombones, violinos I e II, violas I e II,
violoncelos e contrabaixos.
Obras sem data
Data Título Catálogo Descrição
s. d. No momento da partida meu coração CPM 238 Modinha impressa em 1837 por Pierre
te entreguei, modinha brazileira, com Laforge. Publicada em álbum com outros
acompanhamento de piano, composta compositores. Solo com acompanhamento
pelo insigne R. S. P. M. José de piano.
Mauricio Nunes Garcia, preço 160.
s. d. Beijo a mão que me condena. CPM 226 Modinha impressa em 1840 por Pierre
Modinha. Composta por o R. S. P. M. Laforge. Solo com acompanhamento de
José Mauricio Nunes Garcia. piano. O texto foi publicado como de
autoria do Dr. Nunes Garcia em O
Trovador, 1876.
Foram selecionadas obras editadas cujos originais pudessem ser consultados por
estarem disponíveis na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da
236
O Método de Pianoforte é o objeto de pesquisa desta Dissertação e figura nesta tabela com o objetivo
de situar cronologicamente o Método na obra de José Maurício.
237
BÉHAGUE, Gerard. José Maurício Nunes Garcia. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy,
<http://www.grovemusic.com> (Acessado em 15 de abril de 2004)
238
A mesma linha divisória é traçada por Cleofe Person de Mattos na Biografia. A autora aponta a
Antífona In honorem beatissimae Maria Virginis, de 1807, como marco da transição entre a produção
setecentista de José Maurício e a nova fase a se manifestar com a chegada de D. João VI em 1808.
MATTOS, C. P. Op. cit. 1997 p. 56 - 57.
UFRJ239, editadas em fac-símile240 ou disponíveis para consulta on-line241. Infelizmente
nem todos os originais disponíveis para consulta são autógrafos. Como a ornamentação
pode provocar muitas dúvidas, principalmente ao ser submetida a copistas e editores, a
consulta aos originais é de extrema importância. Prova disso é o que pode ser
encontrado na edição organizada por Ricardo Bernardes das Obras Profanas de José
Maurício, Neukomm e Marcos Portugal para a FUNARTE242, única das edições
selecionadas que não possui originais no Brasil. Apesar da importância dessa edição
pela divulgação de obras que se encontram em bibliotecas portuguesas243, encontram-se
problemas de editoração na representação dos ornamentos na partitura de O Triunfo da
América. Na Fig. 66, encontram-se grupetos que não se encaixam nos intervalos entre
as notas. Os grupetos em questão parecem ter sido escritos como uma segunda voz
opcional e não como parte da melodia principal.
c. 23
O mesmo problema pode ser encontrado na representação dos grupetos na Fig. 67, em
que eles aparecem como uma segunda voz, simultâneos às semicolcheias, no 2º tempo
do compasso 46. É evidente que o grupeto em questão deve ser executado entre a nota
si – colcheia – e as semicolcheias dó-ré.
239
Foram consultados na BAN os originais da Antífona Tota pulchra es Maria, Missa de Santa Cecília,
Abertura Zemira e dos Motetos Crux Fidelis, Felle Potus e Popule Meus.
240
FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Padre José Maurício Nunes Garcia. Relume
Dumará/Rio Arte. Rio de Janeiro, 1997. Edição em fac-símile.
241
No site www.acmerj.com.br. Todo o acervo do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro
disponibilizado em fac-símile.
242
BERNARDES, Ricardo (org.). Música no Brasil Séculos XVIII e XIX Vol. III. Corte de D. João VI.
Obras profanas de José Maurício Nunes Garcia, Sigsmund Ritter Von Neukomm, Marcos Portugal. Rio
de Janeiro: FUNARTE, 2002. 400 p.
243
Os manuscritos em questão encontram-se no Palácio ducal de Vila Viçosa, Portugal, pertencente à
Fundação Casa de Bragança, arquivados sob a cota A.M./G-15.
c. 45
Como pode ser visto nos dois exemplos apresentados, os grupetos aparecem como uma
segunda voz, introduzidos por pausas que não deveriam existir por não fazerem parte da
contagem de tempo do compasso. Não se encontra esse tipo de escrita em nenhum dos
manuscritos consultados, nem autógrafos nem de outros copistas, o que leva a acreditar
em incorreção da editoração. A representação das apogiaturas também pode ser
bastante confusa na edição citada. No exemplo da Fig. 68 encontram-se apogiaturas
representadas por pequenas semicolcheias sem corte, escritas simultâneas à nota real.
c.8
O segundo período abordado diz respeito a seus anos como mestre de capela,
inicialmente da Sé e posteriormente mestre da Real Capela. São suas obras de maior
importância, principalmente as escritas após a chegada da corte. Esse fato lhe
possibilitou o contato com obras mais atuais, ricas em ornamentos e lhe permitiu
escrever para cantores e músicos portugueses, mais bem preparados que os da colônia.
Nessas obras encontram-se muitos exemplos dos ornamentos estudados confirmando-se
ainda a predileção de José Maurício pelo uso de apogiaturas e grupetos.
No terceiro período estão incluídos sua última obra, a Missa de Santa Cecília e o
Método de Pianoforte, objeto de estudo desta dissertação. Ainda foram selecionadas
duas modinhas, sem data, como exemplares de um gênero que, seguramente, fez parte
da vida de José Maurício, principalmente na juventude.244 Nessas obras podemos
encontrar uma espécie de síntese da obra do Padre Mestre, figurando nelas muitos dos
elementos musicais desenvolvidos durante toda sua vida.
3. 2 – Apogiaturas
244
MATTOS, C. P. Op. cit. 1970. p. 323
sendo as apogiaturas longas escritas como notas da melodia e as apogiaturas curtas
representadas por pequenas notinhas – sempre colcheias cortadas – colocadas ao lado
esquerdo da nota principal. Entretanto, nas obras selecionadas essa diferenciação não é
tão clara, podendo haver apogiaturas longas representadas por pequenas notinhas, assim
como apogiaturas curtas representadas por colcheias com ou sem corte. Cooper245
afirma que em fins do Século XVIII alguns autores utilizavam a colcheia cortada como
uma alternativa para a notação da semicolcheia, tanto nos ornamentos quanto em notas
da melodia246. Segundo o autor, encontram-se essas variáveis em Mozart e Haydn. No
Compêndio, ao representar os “apojos”, José Maurício escreve uma pequena colcheia –
sem corte – ao lado de uma semínima . Para autores como C. P. E. Bach,247 essa
seria a representação de uma apogiatura longa, com a notinha representada em seu
valor real. Apesar do exemplo do Compêndio, José Maurício nunca utiliza essa
representação no Método. Essa falta de critério na representação da apogiatura é, tanto
na literatura quanto em tratados, ainda comum aos autores da época, dificultando a
compreensão e a interpretação de trechos em que seu uso – longa ou curta – é ambíguo.
Brown248 cita essa confusão na representação das apogiaturas como um sério problema
para se interpretar músicas escritas até final do século XVIII, especialmente de autores
italianos.
Como já foi dito, nas obras de juventude de José Maurício, a apogiatura é o ornamento
predominante. No Salmo Dixit Dominus, das Vésperas de Nossa Senhora,249 Fig. 69,
pode ser encontrado um exemplo de apogiatura longa que vem escrita com seu valor
real, em parte fraca do compasso.
245
Beethoven’s appoggiaturas: long or short? In: Early Music. Maio de 2003. p. 165 -178.
246
Nos manuscritos da Missa de Santa Cecília arquivados na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola
de Música da UFRJ na pasta JMNG 113(a), são encontrados exemplos desse tipo de escrita. As
semicolcheias e fusas são escritas como colcheias com um ou dois cortes:
247
Op. cit. 1996.
248
Ornaments. 9. Late 18th century and 19th. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy,
<http://www.grovemusic.com
249
Vésperas de Nossa Senhora do Snr. P.e M.e J.e Mauricio Da Sé do Rio de Janeiro anno de 1797 (CPM
178 e 16). Estudo e Transcrição de Cláudio A. Esteves In: Real Capela do Rio de Janeiro 1808-1821.
Música no Brasil. Séculos XVIII e XIX. Vol. II. Obras sacras de José Maurício Nunes Garcia, Sigsmund
Ritter Von Neukomm, Marcos Portugal. Organização e edição Ricardo Bernardes. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 2002. p. 11-41.
Figura 69. APOGIATURA longa. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178). 1º Salmo. Dixit Dominus.
É interessante observar que em todos os Salmos das Vésperas de Nossa Senhora só são
encontradas apogiaturas longas, sempre escritas como parte da melodia, da mesma
forma que as encontradas no Método.
Na modinha Beijo a mão que me condena250, Fig. 70, também podem ser encontrados
exemplos de apogiaturas longas escritas como parte do texto musical, nesse caso no
tempo forte do compasso.
250
Beijo a mão que me condena. Modinha. Composta por o R. S. P. M. José Mauricio Nunes Garcia.
CPM 226. Impressa em 1840 por Pierre Laforge.
251
GARCIA, José Maurício Nunes. Missa de Santa Cecília. (Pesquisa e texto Cleofe Person de Mattos).
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1984.
Figura 71. APOGIATURAS longas. Gloria. Missa de Santa Cecília
Figura 72. APOGIATURAS longas. Moteto Domine, tu mihi lavas pedes. Soprano
252
GARCIA, J. M. N. Moteto Domine tu mihi lavas pedes. In: Obras Corais. (org. Cleofe Person de
Mattos). Rio de Janeiro: Associação de Canto Coral, 1976.
253
GARCIA, José Maurício Nunes. Tota Pulchra es Maria – 1783. (Pesquisa e texto Cleofe Person de
Mattos). FUNARTE / Instituto Nacional de Música / Projeto Memória Musical Brasileira, Rio de Janeiro,
1983.
Essa variação no valor da apogiatura longa é prevista por Carl Phillip254. Em seu
tratado ela chama essas apogiaturas de variáveis mas, para evitar problemas em sua
interpretação, indica-as sempre por pequenas figuras em seu valor real. No caso de José
Maurício, outros fatores, como caráter e andamento, têm que ser analisados para a
escolha do valor a ser dado à apogiatura longa.
O mesmo desenho256 pode ser encontrado no Gloria da Missa de Santa Cecília257, Fig.
75, segundo os manuscritos que se encontram na Biblioteca Alberto Nepomuceno da
Escola de Música da UFRJ258. Na edição realizada por Cleofe Person de Mattos para a
FUNARTE, as apogiaturas curtas dessa mesma passagem são representadas como
semicolcheias cortadas. Nessa edição da Missa de Santa Cecília, podem ser encontradas
254
BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996. p. 49.
255
GARCIA, José Maurício Nunes. Missa Pastoril. (Pesquisa e texto Cleofe Person de Mattos). Rio de
Janeiro: FUNARTE, 1982.
256
Esse tipo de figuração também pode ser encontrado na Fantezia 4 do Método de Pianoforte.
257
GARCIA, J. M. N. Op. cit. 1984.
258
Arquivados com o número: 006-05-000082-7
apogiaturas curtas representadas tanto por pequenas colcheias como por semicolcheias
cortadas. 259
Apesar da evidente preferência de José Maurício pelo uso das apogiaturas em toda sua
obra, em muitas peças há discordância quanto à sua resolução quando representadas por
pequenas notinhas. Na modinha No momento da partida meu coração t’entreguei260,
Fig. 76, há um caso em que apogiaturas, aparentemente com a mesma execução, são
representadas de formas diferentes: pequenas semicolcheias com (compasso 7) e sem
corte (compasso 4). Pode-se especular que, em muitos casos, um copista descuidado
seja o causador de representação tão confusa dessas apogiaturas. Poderia-se também
argumentar que, devido aos valores diferentes das notas principais, o copista tenha
optado por representar as apogiaturas das duas maneiras para diferenciar o tempo de
execução de cada uma delas, sendo a do compasso 7 mais rápida que a do compasso 4.
Assim, como sabemos que não havia este tipo de preciosismo na escrita dessa música, o
mais provável seria mesmo um descuido por parte do copista.
259
É importante ressaltar que a edição de Cleofe Person de Mattos foi feita a partir de originais
arquivados no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, doados pelo Dr. Nunes Garcia, filho do
compositor. Na Biblioteca Alberto Nepomuceno encontram-se diversas cópias das partes avulsas
instrumentais. A única discordância encontrada nas partes consultadas em relação à edição se dá na
representação das apogiaturas.
260
No momento da partida meu coração te entreguei, modinha brazileira, com acompanhamento de
piano, composta pelo insigne R. S. P. M. José Mauricio Nunes Garcia, preço 160. CPM 238. Impressas
em 1837 por Pierre Laforge.
Figura 76. APOGIATURAS curtas com e sem corte. No momento da partida. Modinha
261
Missa de São Pedro de Alcântara – 1808. In: Música no Brasil Séculos XVIII e XIX Vol. II. Real
Capela do Rio de Janeiro 1808-1821. Obras sacras de José Maurício Nunes Garcia, Sigsmund Ritter Von
Neukomm, Marcos Portugal. (Org. Ricardo Bernardes) Rio de Janeiro: FUNARTE, 2002.
262
BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996. p. 57, § 23.
Figura 77. APOGIATURAS longas e curtas. Gloria. Missa de São Pedro de Alcântara – 1808.
Apesar de toda essa precisão encontra-se mais adiante, na mesma obra, um trecho com
exemplos de apogiaturas longas escritas como pequenas colcheias cortadas. Essa seria a
representação usual das apogiaturas curtas, mas no exemplo em questão, Fig. 78,
sugere-se sua execução como apogiaturas longas, devido ao andamento e ao caráter da
peça, constatando-se, mais uma vez a ausência de critério claros na representação das
apogiaturas.
Andante sostenuto
Figura 78. APOGIATURAS longas. Laudamus – Missa de São Pedro de Alcântara – 1808.
263
GARCIA, José Maurício Nunes. Popule meus. In: Obras Corais. (Pesquisa e texto Cleofe Person de
Mattos). Rio de Janeiro: Associação de Canto Coral, 1976.
apogiatura longa, nesse caso com o valor real de uma semínima, retirando ¼ do valor
da nota real.
Figura 79. APOGIATURA longa representada como curta. Popule Meus. Soprano
Em outro trecho da edição do mesmo Moteto, Fig. 80, encontram-se apogiaturas longas
representadas de duas formas: por pequenas colcheias sem corte (1) e escritas como
parte da melodia (2). Nesse caso, a execução dessas apogiaturas com o valor real de
uma semínima pode ser confirmada no compasso 16 (3)264, na repetição da mesma
sílaba. Na análise dos originais do Moteto265, foram encontradas diferenças nesse
trecho. No manuscrito, as apogiaturas dos compassos 11 e 14 (1) são colcheias
cortadas, o mesmo ocorrendo com a do compasso 12 (2). Além do mais, no manuscrito
não aparece apogiatura no compasso 13 e sim no compasso 19.
Além das diferenças citadas outras ainda podem ser encontradas em Popule Meus.
Independentemente das escolhas feitas por Mattos, a aplicação das apogiaturas no
manuscrito não segue um padrão, ocorrendo apogiaturas longas representadas tanto por
colcheias cortadas quanto por colcheias sem corte.
264
Nesse caso trata-se de nota da harmonia.
265
Os originais encontram-se na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ,
arquivadas com o código 006-05-000179-0. CPM 222
Em Crux Fidelis266 as apogiaturas são sempre representadas por pequenas colcheias
cortadas, Fig. 81. Apesar dessa ser a representação usual das apogiaturas curtas, o
caráter dramático da peça pode sugerir uma execução dessas apogiaturas como longas,
podendo ser executadas com o valor de semínimas, seguindo o padrão rítmico da
melodia dos compassos 2 e 6.
266
GARCIA, José Maurício Nunes. Crux Fidelis. In: Obras Corais. (Pesquisa e texto Cleofe Person de
Mattos). Rio de Janeiro: Associação de Canto Coral, 1976.
267
José Maurício, no Compêndio, ao descrever os portamentos dá um exemplo de grupeto.
Figura 83. APOGIATURAS inferiores por graus disjuntos. Benedictus. Sanctus – Missa Pastoril.
Um caso semelhante pode ser encontrado na Missa de Santa Cecília, Fig. 84.
A partir dos exemplos expostos, constata-se que, apesar das apogiaturas serem os
ornamentos mais utilizados por José Maurício em toda sua obra, e da forma coerente
com que é aplicada no Método, não existem critérios claros para sua utilização, ficando
sua interpretação dependendo muito mais do contexto que da notação.
3. 3 – Trinados.
Os trinados podem ocorrer de diversas formas na obra de José Maurício. Assim como
em outros autores luso-brasileiros seus trinados não vêm com indicação de execução.
Em alguns casos pode-se indicar seu emprego iniciando-se com a nota superior e em
outros com a nota real. Na obra coral de José Maurício os trinados aparecem, na
maioria das vezes, em finais de frases ou cadências, como no exemplo da Fig. 85.
Figura 85. TRINADOS. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178). 1º Salmo. Dixit Dominus.
Também podem aparecer no baixo, como no Laudate Pueri, das Vésperas de Nossa
Senhora, Fig. 86.
Figura 86. TRINADO. Vésperas de Nossa Senhora – 1797 (CPM 178). IIº Salmo. Laudate Pueri.
Um exemplo bastante peculiar é encontrado na Missa de São Pedro de Alcântara de
1808. No duo soprano e tenor, Laudamus, a cadência final tem trinados nas duas vozes,
mas apenas o tenor vem com indicação de execução com a nota superior. Conclui-se
que o mesmo deve ser feito pela soprano, Fig. 87. Esse exemplo pode indicar, para esta
e para outras obras, a prática de se executar os trinados nas cadências iniciando-se com
a nota superior.
Figura 87. TRINADO com preparação. Laudamus. Missa de São Pedro de Alcântara - 1808
Como também pode ser observado no Método, não há como determinar se os trinados
de José Maurício iniciam-se com a nota real ou com a nota superior. Em alguns casos
pode-se sugerir a execução, como no exemplo da Fig. 88: uma seqüência de trinados
com terminação que, por ser cadencial, pode ser executada iniciando-se com a nota
superior.
Figura 88. TRINADOS com terminação. Qui tollis. GLORIA – Missa de Santa Cecília. Tenor solo.
No Quoniam da mesma Missa, solo de baixo, encontra-se uma seqüência de trinados
que se pode sugerir uma execução iniciando-se com a nota real para não interromper a
seqüência melódica. No exemplo da Fig. 89, compasso 51, iniciando-se com a nota real
mantém-se o desenho melódico, como no caso semelhante exposto no Capítulo II268.
Figura 89. TRINADOS. Quoniam. GLORIA – Missa de Santa Cecília. Baixo solo
268
Página 60, Figura 49.
269
GARCIA, José Maurício Nunes. Zemira. In: Aberturas. (Pesquisa e texto: Cleofe Person de Mattos).
Rio de Janeiro: Funarte / INN / Pro-Memus, 1982.
Também na Abertura Zemira é encontrado um trinado bastante curto, Fig. 92, que pode
ser interpretado como um mordente superior devido ao pouco valor da nota sobre o qual
está colocado. Esse caso pode explicar a ausência de mordentes, ornamentos tão
utilizados por outros autores, na obra de José Maurício270. Carl Phillip afirma em seu
Ensaio271 que apenas os tecladistas conhecem e empregam corretamente o sinal do
mordente, enquanto que outros músicos costumam indicá-los como trinados,
“arruinando” o trecho a ser tocado. Como José Maurício escreveu música
eminentemente vocal, pode-se argumentar que ele, de fato, não tinha familiaridade com
o sinal do mordente, ou que não tinha o hábito de empregá-lo em sua música vocal.
Pode-se concluir que os trinados são utilizados na obra de José Maurício principalmente
em Cadências e que, em muitos casos, podem ser identificados como mordentes. Assim
como as apogiaturas, seu uso e interpretação vão depender muito mais do contexto em
que ocorrem do que de sua representação escrita.
270
Ver item 3.5 deste capítulo, página 93.
271
BACH, C. Ph. E. Op. cit. 1996. Pág. 45
3. 4 – Grupetos.
Figura 94. GRUPETO superior conectivo. Beijo a mão que me condena. Modinha
Figura 95. GRUPETO inferior conectivo. Beijo a mão que me condena. Modinha.
No Kyrie da Missa Pastoril, Fig. 97, são encontrados grupetos conectivos na parte coral
em uníssono do Christe eleison.
Figura 97. GRUPETO superior conectivo. KYRIE. Missa Pastoril. Coro em uníssono.
Figura 98. GRUPETO superior intensificador. Domine Deus. GLORIA – Missa de Santa Cecília.
Alguns grupetos podem ocorrer com pequenas variações ou combinados com outros
ornamentos. Na Missa de Santa Cecília encontra-se um grupeto combinado com arpejo,
Figura 99.
Figura 99. GRUPETO combinado com arpejo. Laudamus – Missa de Santa Cecília.
Também na Missa de Santa Cecília podem ser encontrados grupetos combinados com
escorregadelas, Fig. 100.
Figura 100. GRUPETO combinado com escorregadela. Domine Deus. Missa de Santa Cecília.
Há ainda na mesma obra um grupeto composto por cinco notas, Fig. 101. A Missa de
Santa Cecília é a única obra desta amostragem em que ocorre esse tipo de grupeto.
3. 5 – Mordentes.
Como já foi visto, são poucos os exemplos de mordentes na obra de José Maurício e não
se pode encontrá-los em nenhuma das peças do Método. Em algumas obras os
mordentes podem aparecer como trinados curtos, como no exemplo da Abertura
Zemira, Fig. 92272 ou no soprano do Gloria da Missa de Santa Cecília, Fig. 93273,
274
representados pelo símbolo tr . Na modinha No momento da partida meu coração
t’entreguei, Fig. 102, compasso 6, encontra-se o único exemplo de mordente desta
amostragem, um mordente superior, representado por pequenas notinhas e não por seu
símbolo usual .
A questão sobre o uso do mordente também pode ser ilustrada por duas cartas escritas
por Haydn275 a seu editor em Viena, em que reclama do mau hábito de se substituir o
símbolo do mordente pelo do trinado.
3. 6 – Escorregadelas.
272
Pág. 90
273
Pág. 90
274
Ver item 3.3. Trinado. p. 86
275
DANNREUTER, E. Op. cit. [s.d.] p. 91.
Figura 103. ESCORREGADELA. Laudamus – Missa de São Pedro de Alcântara – 1808.
3. 7 – Tiratas.
As tiratas são citadas no Compêndio como acentos e não há nenhum exemplo delas no
Método, embora se possa indicar passagens em que é possível utilizá-las276. Há
exemplos de tiratas escritas como parte do texto musical em diversas obras de José
Maurício. Na parte do 1º violino do Kyrie da Missa de Santa Cecília encontramos uma
tirata descendente escrita como parte da melodia, no compasso 38, Fig. 105.
276
Ver Capítulo II, Item 2.3.3 – Acentos. Pág. 59.
Também na Missa de Santa Cecília pode ser encontrada uma tirata escrita como
pequenas notinhas que não fazem parte da divisão dos tempos do compasso, Fig. 106.
Nesse caso a tirata vem combinada com trinado, funcionando como terminação.
Figura 107. TIRATA ascendente. Gloria. Missa Pastoril. Cum sancto spiritu.
3. 8 – Arpejos.277
Os arpejos são largamente utilizados na obra de José Maurício como parte da melodia e
nos acompanhamentos instrumentais. No Método, além desta forma de utilização ainda
podemos encontrar os acordes arpejados. Na Missa de Santa Cecília encontra-se um
exemplo de arpejo intencionalmente utilizado como ornamento, na parte de oboé I do
Laudamus, compasso 51, Fig. 108. Nesse exemplo o arpejo é representado por
pequenas notinhas que não fazem parte do valor do compasso.
277
Optou-se em exemplificar nesse item apenas os arpejos utilizados como ornamento, representados por
notas pequenas colocadas ao lado da principal, deixando de lado os utilizados como parte da melodia ou
do acompanhamento instrumental.
Figura 108. ARPEJO descendente. Laudamus – Missa de Santa Cecília. Oboé solo.
Um outro exemplo de arpejo utilizado como ornamento foi apresentado na Fig. 99278,
combinado com grupeto.
Como já foi visto no Capítulo II, há, nas peças do Método diversas indicações de livre
ornamentação como a forma das peças ou a repetição integral de seções ou compassos.
A utilização das fermatas, principalmente nas cadências ou mudanças de seção são um
dos indícios mais freqüentes. As fermatas são encontradas no restante da obra de José
Maurício muitas vezes significando simples suspensão de um acorde ou grande pausa
entre duas sessões de uma peça. Em alguns casos pode-se encontrar a fermata como
indicação de cadência, em situações semelhantes às encontradas no Método, sugerindo o
acréscimo de pequena passagem ornamental, como no solo de Baixo do Quoniam da
Missa de Santa Cecília, Fig. 109, onde pode ser encontrada uma fermata, acompanhada
da palavra Cadenza, indicando livre ornamentação por parte do solista.
278
Pág. 93
Na Antífona Tota Pulchra es Maria pode-se encontrar, no final do solo de soprano, uma
fermata, Fig. 110, indicando possivelmente uma cadência. Apesar de não haver
nenhuma palavra indicando-a diretamente, os instrumentos acompanhadores apresentam
pausas com fermatas, claramente para possibilitar à solista a liberdade de acrescentar a
cadência.
3. 10 – Exemplos de ornamentação.
Após a chegada da Família Real, a obra de José Maurício passa por uma grande
mudança, influenciada pela chegada de músicos portugueses que possibilitaram peças
mais elaboradas tecnicamente e também pelo gosto da corte por obras em estilo
italiano.279 Algumas de suas peças apresentam, então, bastante ornamentação, com a
combinação de vários ornamentos diferentes, como o exemplo da Fig. 111, parte de
clarineta do Kyrie da Missa Pastoril. No trecho apresentado podemos identificar
apogiaturas longas superiores (1), tanto em tempo forte quanto em tempo fraco do
compasso, apogiaturas longas inferiores (2) em parte fraca do tempo, tiratas
ascendentes (3), tiratas descendentes (4), grupetos superiores conectivos (5), além de
279
Suas obras deixam de lado o caráter mais sóbrio e passam a ser influenciadas pelos autores de Ópera
italiana, principalmente Rossini.
um breve variação melódica (6), que faz uma compressão dos compassos 3 e 4 na
repetição do tema (compasso 17)
No compasso assinalado com o (*), há, no terceiro tempo, pausa e fermata em todos os
instrumentos da orquestra, o que sugere a possibilidade de livre ornamentação por parte
da solista, como destacado na Fig. 113.
Figura 113. ORNAMENTAÇÃO – FERMATA. Laudamus. Missa Pastoril. Soprano solo
Como pode ser visto neste Capítulo, os ornamentos aqui estudados acompanham a
trajetória de José Maurício. Se for traçado um paralelo com as fases de sua vida
selecionadas para esta amostragem, será visto que, em suas primeiras obras há
predominância de apogiaturas e trinados, enquanto que, a partir de sua nomeação a
mestre de capela da Sé, a utilização dos outros ornamentos se torna mais freqüente.
Após a chegada da corte portuguesa e o contato com obras de autores mais atuais e a
possibilidade de escrever para músicos e cantores mais bem preparados, o uso de
ornamentos em sua obra cresce expressivamente. Contribui para isso o gosto da nobreza
portuguesa pelo estilo operístico italiano. Sua obra então passa a apresentar melodias
ricamente ornamentadas280, como os exemplos apresentados no item 3.10.
280
Para muitos, como Mattos, “excessivamente ornamentadas”
IV – PROPOSTAS DE ORNAMENTAÇÃO
4.1 – Critérios para a escolha das peças.
A forma escolhida para a apresentação desse capítulo foi a de mostrar passo a passo o
processo de ornamentação. Primeiramente, a peça escolhida e seu esquema formal. Em
seguida, cada uma das partes, com análise harmônica281 e as sugestões de
ornamentação. Por fim, a peça ornamentada por extenso.
A primeira peça escolhida foi a Lição 10 da I Parte do Método de Pianoforte, Fig. 115.
Sua forma ternária (aria da capo) em conjunto com as repetições de seções, repetições
de melodias e espaços em branco tornam-na ideal para a prática da livre ornamentação.
281
Segue-se aqui o modelo de representação utilizado por Shoenberg.
SHOENBERG, Arnold. Harmonia. Prefácio, tradução e notas de Marden Maluf. São Paulo: Editora
UNESP, 2001. 579 p.
Figura 115. Lição 10 – I Parte. Allegretto – Método de Pianoforte
Na Fig. 116 é apresentado seu esquema formal, segundo análise realizada por
Fagerlande282:
282
Op cit., 1996 p. 40
283
“Gründliche Violinschule”, 1756 (1770 – 2ª edição). Ver Capítulo II, p. 63.
acrescentar uma tirata (2) no compasso 7 e uma apogiatura longa superior (3) na
cadência do compasso 8.
284
Optou-se por denominá-los círculos e não grupetos, por terem sido colocados como preenchimento de
espaço entre notas e não como ornamentos aplicados à uma única nota.
Uma outra possibilidade de ornamentação para esse trecho, Fig. 122, é uma pequena
modificação na melodia preenchendo os intervalos de terças (1) e repetindo algumas
notas (2), modificando o ritmo em tercinas. Também se pode incluir o circulo (3).
285
Ver “espaços em branco” no Capítulo II, item 2.5.4, p. 68-70.
Uma fermata no último compasso permite o acréscimo de uma pequena ligação
melódica286 entre as seções.
Pode-se variar o trecho como apresentado na Fig. 125, acrescentando tiratas (1), tanto
ascendentes quanto descendentes; trinados, iniciando-se com a nota superior (2), com a
execução indicada pela apogiatura curta superior colocada à esquerda da nota e
iniciando-se com a nota real (3); preenchendo os intervalos de terça (4); indicando
286
Eingang. Ver Cap. I, p. 40.
arpejos no acompanhamento (5) e acrescentando um longo arpejo sobre o V grau antes
da fermata; por fim, fazendo uma pequena ligação melódica (7)287 para retornar a A.
287
Eingang. Ver Cap. I, p. 40.
Figura 126. Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 1
Figura 126. Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 2
Figura 126. Lição 10 – I Parte. Variada por extenso. Pág. 3
4.3 – Lição 7 – I Parte
Optou-se para esta Lição pela fantasia, ou variação livre, obedecendo-se estritamente
seu esquema harmônico e variando a melodia e o acompanhamento. Carl Philipp289 fala
desse tipo de fantasia em seu Ensaio. Segundo ele, “exige-se do tecladista que ele faça
fantasias de todo tipo; que desenvolva de improviso um tema dado, seguindo as rígidas
regras da harmonia e da melodia”.290 Como já foi visto no Capítulo II, encontram-se
relatos em que José Maurício desempenha exatamente essa função, como o de Porto
Alegre:
Nesse caso, a fantasia seria uma recapitulação do esquema tonal da peça executada,
assim como traria elementos melódicos e respeitaria o caráter da peça a que serve de
variação. Embora não se saiba ao certo se José Maurício teve contato com o Ensaio de
Carl Philipp, sabe-se que ele realizava “bellas variações de improviso”.292 Como não há
exemplos em sua obra dessa forma de escrita para teclado, foram encontrados trechos na
288
FAGERLANDE, M. Op. cit., 1996, p. 40
289
Op. cit. 1996.
290
Ibid. p. 1
291
PORTO ALEGRE, M. A. Op. cit., 1856. p. 365-366.
292
Ver Cap. II, p. 44.
literatura musical portuguesa que serviram como modelo para a realização dessa
variação.
Da obra de Carlos Seixas,296 Fig. 131 a 133, foram retirados exemplos de figuração em
arpejos ou seqüências em semicolcheias como as utilizadas nas variações propostas para
a Lição 7 – I Parte.
293
Apesar de sua origem italiana, Scarlatti viveu em Lisboa onde trabalhou na Capela Real, ao lado de
Carlos Seixas, por 8 anos, tendo influenciado bastante sua obra.
HEIMS, Klaus F. Seixas, (José Antônio) Carlos de. In: Grove Music Online. Ed. L. Macy,
<http://www.grovemusic.com> (Acessado em 27 de fevereiro de 2006)
294
ALVAREZ MARTINEZ, Maria del Rosario; suppress (qqq). Una nueva sonata atribuida a Domenico
Scarlatti. Revista de musicologia, vol. 11, nº 3 sep-dec 88. p. 883-893. ISSN: 0210-1459
295
DODERER, Gerhard. Alguns aspectos nuevos de la musica para clavecin en la corte Lisboeta de Juan
V. Separata Musica Antiqua, nº8, 1987.
296
José Antônio Carlos de Seixas (Coimbra, 11 de junho de 1704; Lisboa, 25 de agosto de 1742).
Organista, cravista e compositor português.
Figura 131. Carlos Seixas. Sonata em Ré menor nº 27. Allegro.
A Seção A (a1 – a2) da Lição 7 – I Parte, Fig. 134, tem 9 compassos distribuídos em
duas frases irregulares. A melodia caracteriza-se por célula rítmica anacrústica, com
apoio harmônico no segundo tempo do compasso. O acompanhamento restringe-se a
acordes simples e a harmonia baseia-se na fórmula cadencial I – V – I – II – V – I ,
terminando a primeira frase sobre a dominante, e a segunda frase com pequena
ampliação para terminar sobre a tônica.
Figura 134. Lição 07 – I Parte. Seção A
Para a variação do trecho acima, Fig. 135, optou-se por transformar os acordes do
acompanhamento em longos arpejos divididos pelas duas mãos. Manteve-se a anacruse
na parte melódica, mas devido ao arpejo, deslocou-se o apoio do segundo tempo para o
terceiro, modificando a síncope original. As colcheias dos compassos 7 e 8 foram
transformadas em semicolcheias, como no exemplo da Fig 133. As apogiaturas longas
(1) foram mantidas e acrescentou-se um grupeto superior (2) no quarto tempo do
compasso 5.
Figura 135. Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação I.
Na repetição da seção A, Fig. 136, optou-se por abrir mão da linha melódica e valorizar
a condução harmônica, transformando todo o trecho em uma sucessão de arpejos, tiratas
e figuras melódicas.
Figura 136. Lição 07 – I Parte. Seção A. Variação II.
A seção B (b1 – b2) da Lição 7 – I Parte, Fig. 137) tem 11 compassos também
distribuídos em duas frases irregulares. A estrutura melódica e a fórmula de
acompanhamento são semelhantes à da parte A, assim como a base harmônica, toda na
tonalidade de si menor. A segunda frase (b2), tem pequena ampliação utilizando um
encadeamento VII – I para evitar a conclusão (compassos 17-18), que se dará nos
compassos seguintes (19 e 20).
Figura 137. Lição 07 – I Parte. Seção B.
A variação da seção B, Fig. 138, seguiu o mesmo esquema proposto para a seção A,
utilizando-se das figurações apresentadas nos exemplos 131 a 135. Acrescentou-se
também um grupeto intensificador (1) e uma tirata ascendente (2).
Figura 138. Lição 07 – I Parte. Seção B. Variação.
A seguir, Fig. 139, é apresentada a Lição 7 – I Parte, por extenso, com a ornamentação
proposta.
Figura 139. Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 1
Figura 139. Lição 07 – I Parte. Seção B. Variada por extenso. Pág. 2
CONCLUSÃO
Após o estudo realizado pode-se afirmar, confirmando o que já se supunha possível,
que é totalmente pertinente o acréscimo de ornamentos e variações melódicas nas peças
do Método de Pianoforte, como parte da prática musical da época. Sua simplicidade
harmônica e melódica permite grande variedade de livre ornamentação, que pode ir de
simples preenchimento de intervalos nas repetições de seções ou acréscimo de pequena
ligação melódica no retorno à seção A, a variações mais livres, em forma de fantasia. Os
exemplos apresentados no Capítulo IV representam algumas das muitas possibilidades
do que pode ser feito com livre ornamentação nas peças do Método.
297
Ver tabela de ornamentos luso-brasileiros nos Anexos, p. 145-146
semelhante no Método e no restante da obra de José Maurício, com exceção das
apogiaturas. Enquanto no Método José Maurício é absolutamente sistemático na
diferenciação entre apogiaturas longas e curtas, representando as primeiras como notas
da melodia e as segundas como pequenas colcheias cortadas colocadas à esquerda da
nota principal, no restante de sua obra não se pode observar essa organização. Nas peças
escolhidas para a amostragem do capítulo III foram poucas as que traziam uma clara
separação entre os dois tipos de apogiaturas. Num estudo utilizando como amostragem
uma porcentagem pequena, embora representativa, da obra de José Maurício, é
impossível chegar-se a uma conclusão precisa a respeito da execução das apogiaturas.
Os trinados, tanto no Método quanto nas outras obras selecionadas, ocorrem da mesma
forma. A grande dificuldade em relação a esses ornamentos é determinar quando devem
ser iniciados com a nota real ou com a nota superior. Quanto aos outros ornamentos, seu
emprego no Método, embora numa escala menor, não difere do que é encontrado no
restante da obra pesquisada, tanto daqueles que vêm grafados pelo compositor quanto
daqueles que podem ser acrescentados como livre ornamentação.
Ao se recorrer aos manuscritos outro problema pode ser encontrado: muitos deles são
obras de copistas, não sendo, portanto, possível chegar a uma conclusão a respeito do
correto emprego das apogiaturas nas peças de José Maurício. O próprio Método de
Pianoforte, apesar de trazer os ornamentos organizados claramente, é obra de copista.
Talvez o esmero encontrado na representação dos ornamentos no Método se deva ao
fato dele ter sido criado como uma obra didática. Embora só se possa especular a esse
respeito, o Método é uma obra do final da vida de José Maurício, de uma época em que
ele não exercia mais as funções de Mestre de Capela. Isso pode ter possibilitado um
maior cuidado na elaboração das apogiaturas, além do fato óbvio de ter permitido a
elaboração de um Método voltado para o ensino de seus filhos, o que seria impossível
durante o período da Capela Real. Deve-se lembrar que, de qualquer forma, essa
discrepância no uso das apogiaturas não é exclusividade da obra de José Maurício,
podendo ser apontada em diversos outros autores como Mozart e Beethoven.
Um fato interessante que pode ser apontado em relação à utilização dos ornamentos por
José Maurício é o de ele, aparentemente, ignorar os sinais usualmente utilizados para
mordente e grupeto. Não foram encontrados esses sinais em nenhuma das obras
analisadas no Capítulo III. O mordente, em muitos casos, se confunde com o trinado,
sendo ambos representados por tr e havendo uma única indicação desse ornamento por
extenso, na modinha “No momento da partida meu coração t’entreguei“. Entre os
autores de língua portuguesa esses ornamentos podem ou não vir representados por
símbolos, variando caso a caso.
Quanto à escolha das formas das peças do Método, em sua maioria de aria da capo,
José Maurício pode ter optado por utilizar modelos com os quais estava mais
familiarizado, já que ao longo de sua vida escreveu música eminentemente vocal.
Apesar de sua fama de grande improvisador, suas obrigações como compositor se
referiam à música para o serviço religioso. A composição musical estava totalmente
ligada às obrigações religiosas, não havendo espaço para a criação de outros tipos de
música. Além do Método não há notícias de peças para piano escritas por José
Maurício298. O fato de formas típicas do período como a sonata não figurarem entre as
peças do Método não significa necessariamente desconhecimento delas por parte de
José Maurício, apenas poderia demonstrar que o Padre Mestre tinha mais familiaridade
com formas de música vocal. Essas formas, por sua vez, são muito mais próprias para a
prática do improviso que a sonata ou outras formas da música instrumental. Além do
mais, pode-se especular que, devido à prática do improviso, José Maurício não tinha o
hábito de anotar suas peças para teclado299, ficando assim, perdidas. Vale ressaltar, mais
uma vez, que suas obrigações como Mestre de Capela não lhe permitiam tempo para
298
Há uma pequena peça para piano, sem título, atribuída a José Maurício, sem autoria confirmada. É
identificada no Catálogo Temático como CPM 235.
299
Órgão, cravo ou pianoforte.
escrever algo além do que se exigia para o serviço religioso. Prova disso é o fato do
Método ter sido escrito após sua aposentadoria das funções da Capela Real.
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TABELA DE ORNAMENTOS
Compendio Musico ou
arte abreviada (1751)
Apojo
SOLANO, Francisco Pojatura
Inácio (1720-1800) _
Accentos
Novo Tratado de Musica, (apogiatura curta)
Metrica e Rythmica (1779)
Compendio de Musica,
theorica e prática (1806) “Mordente”
(as apogiaturas inferiores e as
separadas por graus disjuntos)
Compêndio de Música e
Methodo de Pianoforte
(1821)
2. Breve Tratado
d’harmonia (1851)
1. Compendio de
Princípios Elementares de
Musica. Para uso do
Conservatório do Rio de
Janeiro. Appoggio2 Gruppetto2
2. Artinha.
AUTOR / OBRA TRINADO MORDENTE TIRATA
Compendio Musico ou
arte abreviada (1751)
Compendio de Musica,
theorica e prática (1806)
Compêndio de Música e
Methodo de Pianoforte
(1821)
COELHO MACHADO,
Raphael (1814-1887)
Trillo Mordente1 _
1. ABC Musical (s/d) Trinado1
2. Breve Tratado
d’harmonia (1851)
1. Compendio de _
Princípios Elementares de
Musica. Para uso do
Conservatório do Rio de
Janeiro.
2. Artinha.
ANEXO III
DONNINGTON, R.
The Interpretation of Early Music.
New York: Faber and Faber, 1963.
FAC-SIMILE
FAC-SIMILE
Laudamus Te
Solo de soprano
FAC-SIMILE
Laudamus Te
Duo Soprano e Tenor