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AKRÓPOLIS - Revista de Ciências Humanas da UNIPAR

O BRINQUEDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET, VIGOTSKY E VALLON

Eliane Campos Ruiz Leite1


Juliana Bueno Ruiz2
Adélia Maria Campos Ruiz3
Terezinha de Fátima Aguiar4

Leite, E. C. R.; Ruiz, J. B.; Ruiz, A. M. C.; Aguiar, T. F. O Brinquedo na Educação Infantil: Contribuições de Piaget, Vigotsky
e Vallon. Akrópolis, 13(1): 13-21, 2005

RESUMO:O presente artigo teve como objetivo identificar a importância do lúdico no desenvolvimento da prendizagem da
criança na Educação Infantil na visão de Vigotsky, Vallon e Piaget. Para tanto, num primeiro momento buscou-se abordar
sobre o novo enfoque da educação infantil e, posteriormente, sobre a importância do brinquedo no desenvolvimento da
aprendizagem da criança. Este estudo permitiu analisar e compreender a complexidade dos fatores que influenciam de
maneira determinante a educação na sua totalidade e a importância das atividades lúdicas no processo ensino-aprendizagem
na Educação Infantil. A atividade imitativa não é um processo mecânico, mas sim uma oportunidade que a criança tem para
realizar ações que estão além de sua própria capacidade, o que contribui para o seu desenvolvimento. As atividades lúdicas
favorecem oportunidades às crianças para explorarem aspectos da vida, pois as brincadeiras e os jogos são as melhores
maneiras de a criança comunicar-se, sendo um instrumento que ela possui para relacionar-se com outras crianças. É através
das atividades lúdicas que a criança convive com os diferentes sentimentos que fazem parte da sua realidade interior e permite
a ela estabelecer suas relações sociais.
PALAVRAS-CHAVE: lúdico; aprendizagem; educação infantil.

THE TOY IN THE INFANTILE EDUCATION: PIAGET, VIGOTSKY E VALLON´S CONTRIBUTIONS

Leite, E. C. R.; Ruiz, J. B.; Ruiz, A. M. C.; Aguiar, T. F. The Toy In The Infantile Education: Piaget, Vigotsky e Vallon’s
Contributions. Akrópolis, 13(1): 13-21, 2005

ABSTRACT: The present article had as objective to identify the importance of the games in the child’s learning development
in an Infantile Education according to Vigotsky, Vallon and Piaget. For that, at first, this work searched for dealing with the
new approach of infantile education and, later on, with the importance of the toy in the child’s learning development. This
study has allowed the analysis and the comprehension of the factors complexity which influences on the education on its
totality and the importance of the playful activities in the teach-learning process in the Infantile Education. The imitated
activities are not a mechanical process, but an opportunity for the children to take actions that are beyond their own capacity,
which might contribute to their development. The playful activities provide the children with opportunities to explore aspects
of the life, because the games are the best ways for the children to communicate themselves, and those games can be
instruments that they have to get along well with other children. It is through those playful activities that the children may live
with the different feelings that are part of their inner reality and it also allows them to establish their social relationships.
KEY WORDS: playful; learning; infantile education.

Introdução sua forma de compreender, pensar, sentir e interagir com a


realidade.
As manifestações lúdicas podem ser consideradas Ao brincar, as crianças podem explorar, imitar,
como a principal atividade da criança, independente de sua representar, repetir, simbolizar suas experiências e
classe social, de sua cultura, de seu momento histórico, de seu vivências, sejam elas reais ou simbólicas, elaborando-as e
meio. Toda criança brinca, e ao brincar, ocorrem importantes compreendendo-as. É, portanto, através do faz-de-conta,
mudanças e transformações em seu desenvolvimento que as capacidades simbólicas são desenvolvidas num tipo
psicossocial, emocional, intelectual, cognitivo e motor. de atividade que não se restringe às questões e pressões
É através do ato de brincar que se abrem caminhos situacionais, permitindo e oportunizando que as crianças
de transição para níveis mais elevados de desenvolvimento desenvolvam sua imaginação, criatividade e memória, enfim,
mental, permitindo que a criança reestruture, e reelabore seu crescimento.

1
Psicóloga, Professora de Pós-Graduação da Universidade Paranaense – UNIPAR, Guaíra e Professora da Rede Pública Estadual de Ensino.
2
Acadêmica do Curso de Ciências Biológica com Ênfase em Biotecnologia da Universidade Paranaense – UNIPAR.
3
Professora da Rede Pública Estadual de Ensino.
4
Coordenadora Multicampi de Divulgação Universitária da Universidade Paranaense-UNIPAR.

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Também, é por meio das atividades lúdicas que as infantil, para que se conheça profundamente, de maneira
crianças podem desenvolver-se em um ritmo próprio, o pedagógica e científica, por quê, para quê e como as crianças
conhecimento e conteúdo, trabalhando de maneira integrada brincam, sobre as funções dos objetos que intermediam esse
e sistematizada nas diferentes áreas do conhecimento, de ato impregnado de desejos, fantasia e imaginação, sobre todas
forma prazerosa, ativa e desafiadora. as situações lúdicas que facilitam, contribuem e possibilitam
A ação de busca e questionamentos para a apropriação o processo de desenvolvimento infantil.
dos conhecimentos, visando à melhoria da qualidade Segundo Almeida (1998), não é possível conhecer
do ensino, exige dos educadores, esforço, participação, nem educar uma criança, sem o conhecimento de como o ato
problematização, criação, reflexão, socialização do saber; lúdico acontece e se processa, sem esquecer-se também, de
sendo estas relações que constituem a essência da educação que o brincar, o brinquedo e a brincadeira são pertencentes à
lúdica, que se opõe à concepção e interpretação ingênua do criança, de forma natural, intuitiva e instintiva. É necessário
brincar, que propicia práticas espontaneístas, não planejadas que haja uma reflexão por parte dos profissionais da educação
e não integradas às demais atividades educacionais dentro infantil a respeito do lúdico, no qual se deve repensar e
das instituições de Educação Infantil. reavaliar o fazer pedagógico das salas de aula dentro das
Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo unidades de educação infantil, perguntando-se: É valorizada
identificar a importância do lúdico no desenvolvimento da a brincadeira das crianças? Quando e quanto tempo é
aprendizagem da criança na Educação Infantil na visão de destinado as atividades lúdicas no cotidiano escolar?
Vigotsky, Vallon e Piaget. Para tanto, num primeiro momento, Conforme Santos (1995), não é suficiente dar às
buscou-se abordar sobre o novo enfoque da educação infantil crianças apenas o direito de brincar e o espaço para que o
e, posteriormente, sobre a importância do brinquedo no brincar aconteça, é preciso também, despertar e manter nelas
desenvolvimento da aprendizagem da criança. o desejo da brincadeira. A formação de professores perpassa
Apontar algumas reflexões e questionamentos sobre pela (re) introdução do lúdico nas instituições infantis, e deve
a importância das atividades lúdicas, e do espaço destinado antes de tudo, preparam profissionais que se tornem adultos
ao lúdico nas instituições infantis é a preocupação enquanto que saibam brincar.
profissional e a justificativa básica desse estudo.
[...] o sentido real, verdadeiro e funcional
A Educação Infantil na Perspectiva Contemporânea da educação lúdica estará garantindo se o
educador estiver preparado para realizá-lo.
A criança é um patrimônio da humanidade, é o bem Nada será feito se ele não tiver um profundo
maior de seu país, tornando-se, portanto, inaceitável que uma conhecimento sobre os fundamentos essenciais
criança brinque menos ou mesmo não brinque, porque ela da educação lúdica, condições suficientes para
precisa trabalhar, porque ela não possui a beleza que deveria socializar o conhecimento e predisposição
possuir, porque ela não tem o sorriso que deveria ter, porque para levar isso adiante (Almeida, 1998, p.63).
ela não resplandece da felicidade que deveria resplandecer,
tendo sua infância arrancada pelo sistema sócio-econômico Na opinião do autor citado, na forma como a educação
do país em que vive. infantil apresenta-se hoje, a pré-escola é considerada ainda,
Todos esses fatores impostos pela atual realidade por muitos pais e educadores como sendo um local no qual
brasileira, paralisam as possibilidades de ultrapassar e as crianças vão para brincar e passar o tempo, ou mesmo um
romper as perversas barreiras sociais. No dia em que o lugar para deixarem seus filhos enquanto trabalham.
governo brasileiro puder ou quiser oferecer às suas crianças Almeida (1998) afirma que essa concepção desvaloriza
a possibilidade de ostentar toda sua beleza, através do ato e desqualifica o trabalho realizado nas instituições infantis,
de brincar, permitir-se-á a sua inserção como cidadão do por considerar-se um espaço de brincadeiras espontaneísta,
mundo, construindo-se como um novo homem, em uma que não necessitam de um planejamento sistemático e
nova sociedade, mais justa, mais lúdica e conseqüentemente, articulado, muito menos, um trabalho pedagógico de
mais feliz. “A criança tem uma vida própria a sua vida. Essa qualidade e profissional.
vida, ela tem o direito de vivê-la, e vivê-la feliz” (Claparede, A pré-escola e a própria escola formal incorporou de
1973, p.41). maneira efetiva a oposição entre o trabalho e a brincadeira,
Para Santos (1995), a escola e, mais precisamente, entre o conteúdo e as atividades lúdicas onde, ninguém
as instituições infantis, também precisam e necessitam aprende brincando, só trabalhando.
modificar-se, tornando-se um lugar, prazeroso para a criança, Muitos educadores vêem a infância apenas como um
onde ela tenha a sensação de que esse espaço é seu, que período de carências e dependências, não levando a sério o
se sinta parte integrante e integrada nesse ambiente, que comportamento, o ato e a maneira da criança agir e sentir o
lhe possibilite o pelo desenvolvimento como pessoa e a mundo, deixando-se, dessa forma, de arrumar um ambiente
construção do conhecimento histórico-social, valorizando-se organizado e estruturado que oportunizem o desenvolvimento
o universo particular de cada criança. infantil, fragmentando o seu fazer pedagógico em “hora
Por sua vez, Almeida (1998), afirma que é de ensinar’ e em “hora de brincar”, não percebendo-se
imprescindível, para que realmente ocorra e aconteça essa que ambas podem ocorrer de forma conjunta, integrada e
mudança, tanto na práxis educacional e pedagógica quanto simultânea, onde pode-se ensinar brincando ou brincando
nas concepções sobre seu papel, sobre a infância e sobre a está-se ensinado.
sociedade, criar novas alternativas e propostas de mudanças Observa-se, portanto, a necessidade de uma mudança
reais e convincentes dentro das instituições de educação e paradigmas e concepções acerca do lúdico, dando-se uma

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nova abordagem, pois supremo de expressão máxima, de conhecer-se a si mesma,


de posicionar-se frente ao mundo e de integrar-se a ele.
[...] a ludicidade é uma necessidade do ser Assim, compreender a criança como um sujeito e
humano em qualquer idade e não pode ser vista culturalmente localizado significa dizer que ação educativa
apenas como diversão. O desenvolvimento com ela caminha no sentido de ampliar seu repertório
do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o vivencial, trabalhando com suas práticas sociais e culturais.
desenvolvimento pessoal, social e cultural, Estas oferecem a possibilidade, através das mais diferentes
colabora para uma boa saúde mental, prepara propostas, de elaborar e ampliar os conhecimentos, como
para um estado superior fértil, facilita os também tanto a identidade pessoal de cada criança como de
processos de socialização, comunicação, cada grupo.
expressão e construção de conhecimento Compreender a brincadeira como mais um eixo
(Santos, 1995, p.12). organizador do trabalho é de fundamental importância, pois
é através dela que se estabelece o vínculo ou o elo entre
Neste sentido, perpassa-se à formação do educador o imaginário e o real. É através da brincadeira (faz-de-
que atua na educação infantil, no qual “[...] depende da conta) que a criança tem a possibilidade de trabalhar com
concepção que cada profissional tem sobre criança, homem, a imaginação, pois a realidade se constrói pela fantasia e a
sociedade, educação, escola, conteúdo e currículo” (Santos, fantasia pela realidade. A criança organiza o seu pensamento
1995, p.13), auxiliando, desta forma, o educador também através de vivências simbólicas, elaborando o seu real.
a conhecer-se como pessoa, saber de suas possibilidades e Conforme Oliveira (1997, p.31), “[...] quando uma criança
limitações, estar mais aberto à mudança e a modificar-se, brinca de papai e mamãe ela tem a possibilidade de viver
tendo uma visão, em todas as suas fases. papéis que não vivenciaria como criança”.
Assim, o educador deve tornar-se um mediador, um Segundo Rodulfo (1990), a brincadeira constitui-se
organizador do espaço, do tempo, das atividades, dos limites, em um momento de aprendizagem em que a criança tem
das certezas e das incertezas do dia-a-dia da criança em a possibilidade de viver papéis, de elaborar conceitos e ao
seu processo de construção. É o educador que deve criar e mesmo tempo exteriorizar o que pensa da realidade. Assim,
recriar sua proposta político-pedagógica, proposta que deve a brincadeira é uma atividade humana e social, produzida
ser concreta, crítica, dialética e articulada com os demais a partir de seus elementos culturais; deixa de ser encarada
educadores da educação infantil, e este educador deve ter como uma atividade inata da criança.
competência técnico-pedagógica para fazê-la. É preciso, É necessário que nos centros de educação infantil e
portanto, que as atividades lúdicas sejam introduzidas na na pré-escola, sejam oferecidas possibilidades de brincadeira
proposta pedagógica e no fazer pedagógico dos profissionais ou de jogos simbólicos que em alguns momentos soam
de educação infantil. organizados e dirigidos e, em outros momentos, organizados
É importante ressaltar que algumas reflexões e pelo educador; porém de livre opção das crianças. De acordo
questionamentos devem permear a ação pedagógica dos com Almeida (1998), a possibilidade de participar, desde a
educadores das pré-escolares. Estes devem conceber-se construção dos mais diferentes materiais, como fantasias,
como observadores e investigado por excelência. Observar- máscaras, fantoches, marionetes, entre outros, até a sua
se e conhecer-se, observar e conhecer suas crianças, os utilização em dramatizações, teatro ou outras representações
objetos de que fazem uso em suas brincadeiras, como de sua opção, se constitui em um espaço de vivência onde a
inventam, imaginam, e vivenciam suas experiências e seus criança trabalha com a imitação e a representação, desenvolve
significados. Realizar-se uma leitura diagnóstica com base sua autonomia e a estrutura de regras de convívio grupal,
na observação, não passiva, mas mediadora e investigadora dentre outros.
do ato de brincar, do brinquedo e da brincadeira infantil. Conforme Walon (1981), ao compreender que a
Descobrir-se o conteúdo intrínseco contido na brincadeira e brincadeira está pautada no real, isto pressupõe contextos
no brincar, isto é, o que está por trás deste ato, envolver- sociais, onde adultos e crianças estabelecem interações.
se nas atividades lúdicas de maneiras espontâneas, livres, As interações se constituem em outro eixo organizador do
prazerosas, não somente como educador, mas também como trabalho pedagógico. Organizar o trabalho pressupõe um tipo
animador. específico de interações, ou seja, interações que possibilitem
Todo trabalho pedagógico deve buscar parâmetros trocas, qualificando-as enquanto um tipo específico de
e fomentar suas ações pedagógicas do cotidiano escolares, aprendizagem.
com base nos estudiosos e pesquisadores da educação, A relação estabelecida neste momento precisa ser
tendo pleno conhecimento do processo de desenvolvimento aquela que possibilita a elaboração de significados atribuídos
infantil, em toda a sua extensão e complexidade, respeitando pela sua cultura através do outros. É importante considerar
as características de cada etapa deste desenvolvimento das que este processo de troca nem sempre ocorre através de uma
crianças, com o intuito de nortear suas ações. dinâmica harmoniosa, existindo conflitos, enfrentamentos,
Por não se entender ou compreender este processo ou fazendo-se necessário que o educador reflita sobre suas
quais os critérios que as crianças utilizam para suas atividades causas e trabalhe a partir delas.
lúdicas, essas atividades muitas vezes passam despercebidas Neste sentido, é importante que o outro eixo de
pelos educadores, deixando de olhá-las com o olhar de trabalho do educador seja a organização espaço-temporal.
observador, investigador, pesquisador sobre o ato de brincar, Como são as salas em que as crianças estão, que tipo de
passando-se a não se valorizar a brincadeira das crianças, materiais são colocados a sua disposição e de que forma são
esquecendo-se que o brincar é a essência da infância, é o ato apresentados para as crianças assume um papel fundamental.

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E traduz, de um lado, a postura que um profissional assume; o seu “eu” mais verdadeiro, sendo as atividades lúdicas o
de outro, sua concepção de educação. meio mais profícuo para a expressão dos seus sentimentos
A organização do espaço e do tempo pressupõe que e emoções.
as crianças tenham acesso aos brinquedos e à possibilidade Considera-se a fase pré-escolar, o período propício
de escolha para vivenciar os momentos de situação livres. para trabalhar com o desenvolvimento infantil na sua
Nos bebês a possibilidade de sentar, engatinha, ficar em pé integridade. Porém, o que ocorreu com as Instituições de
e andar, evidencia os diferentes momentos de fundamental Educação Infantil, no entender de Oliveira (1992), é que
importância na sua aprendizagem e desenvolvimento. Outro as mesmas tornaram-se conteudistas, acabando-se com
aspecto a ser considerado é que quanto menor a criança, maior o lúdico, ou tornando as atividades lúdicas somente com
a necessidade dela de explorar as características desse objeto, um fim pedagógico, com um objetivo, com um caráter de
que contribui com o início do processo de representação. desenvolver-se as habilidades motoras, extinguindo-se a
Em contrapartida, quanto mais velhas forem as crianças livres expressão dos sentimentos, fantasias, imaginação e de
maior deve ser a diversificação dos objetos, vinculando- experiências vivenciadas de forma espontânea e prazerosa.
os às possibilidades de brincadeiras dessas crianças (ex.: É fundamental que o educador assuma uma postura
louças, bonecas, roupas, móveis, carros, bijuterias, chapéus, que facilite os processos de mediação entre o que a criança
maquiagens, etc.). Essa organização precisa ser modificada já traz ou possui de seu contexto familiar e social, múltiplo e
periodicamente, a partir do interesse e ou desinteresse variado e o conhecimento e a cultura produzida ao longo da
manifestado pelas crianças. história, tendo o educador, o compromisso de estar articulando
Os centros de educação infantil e classes de pré-escola esses universos da cultura existente levando-a a apropriar-se
ao assumirem a postura de espaço educativo-pedagógico, desta outra cultura e oferecer-se a ela as condições de tornar-
onde as crianças têm a possibilidade de se desenvolver se um ser humano, não apenas inserido no contexto social,
e elaborar seus conhecimentos objetivam proporcionar a mas capaz de modificá-lo e modificar-se.
compreensão da realidade que é constituída por um contexto Para Almeida (1998), a práxis educacional ou
sócio-cultural-política e econômico. Se as significações que pedagógica gira em torno das funções e concepções
venham a ser elaboradas pela criança têm como referência biológicas, mecânicas e tecnicistas, não levando em
o universo das experiências que lhes for possibilitado, é de consideração os aspectos sociais, afetivos, cognitivos, as
fundamental importância a atuação do educador. Enquanto experiências e experimentações vividas elas crianças. O
mediador, este participa do processo de elaboração dos seus autor ressalta que muitas escolas desconsideram a história
conhecimentos, na perspectiva da apropriação do universo de seus alunos, vendo-os de forma unilateral, usando
cultural da humanidade. apenas instrumentos e técnicas que não oportunizam o seu
O profissional de Educação Infantil deve mediar estas desenvolvimento integral.
situações lúdicas, desfiá-las e desafiar-se constantemente, Enquanto as Instituições de Educação Infantil
e na medida do possível, opor-se às atividades diretivas e refrearem a necessidade de expressão da criança em todas
autoritárias, nas quais se impõem os desejos e as vontades as suas formas e aspectos, e enquanto não se satisfazer a sua
do professor à frente das vontades, desejos, interesses e paixão pelo desenho, pela dança, pelo pintar, pela brincadeira,
necessidades das crianças. pelo brincar e pelo brinquedo, não se terá feito educação no
Precisa-se voltar o olhar para elas, sobre o que se sentido mais amplo e profundo do termo.
apresenta a infância, e não, planejar antecipadamente a “aula” Conforme Oliveira (1992), a ação educacional
esperando-se que flua e aconteça de acordo com planejado e pedagógica evidencia-se no momento em que são propiciados
esperado, como algo estanque, pronto e acabado e não como instrumentais para que a criança amplie suas ações e
um processo de construção e criação coletiva. modifique sua atuação, sua forma de ver e sentir o mundo.
É importante considerar que o caráter pedagógico
O professor precisa avivar em si mesmo, o do trabalho não está na operação em si, mas na postura que
compromisso de uma constante busca do assume o educador no trabalho que realiza. Por exemplo:
conhecimento como alimento para o seu brincar de massinha pode ser simplesmente um momento
crescimento pessoal e profissional. Isto de explorar diferentes formas, cores ou tamanhos; um
poderá gerar-lhe segurança e confiabilidade meio em que usualmente entende-se estar desenvolvendo
na realização do seu trabalho docente. Essa a coordenação motora; ou ser compreendido como mais
busca poderá instrumentalizá-lo para assumir um espaço de vivência que possibilita às crianças partilhar
seus créditos, seus ideais, suas verdades, significações, experimentar através de diferentes linguagens
contribuindo para referendar um corpo teórico e interações e a elaboração de novos significados.
que dê sustentação para a realização de seu Para Almeida (1998), o educador como mediador
fazer (Oliveira, 1992, p.64). entre a criança e o mundo sócio-cultural precisa organizar a
sua ação tendo como referência as finalidades da educação
Deve-se tornar e transformar a práxis educacional e infantil, os conhecimentos a serem socializados o processo
pedagógica espontânea, e não espontaneísta, o que denota de desenvolvimento das crianças.
grande diferença de significados e concepção na sua forma Por sua vez, Deccacha (1994) afirma que além de
conceitual, ocorrendo muitas vezes, equívocos e confusões organizar, o educador tem o papel de integrante do processo:
em sua aplicação. precisa estar atento quanto ao que as crianças brincam, ao
Deve-se ter como premissa que a espontaneidade é o que apontam de mais significativo, interagindo, oferecendo
elemento mais significativo do ser humano, onde ele libera novos elementos ao contexto.

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É atribuído o papel fundamental de intervenção, em contra partida (Rosa, 2001, p. 85).


organizando a sua ação pautada em interações dialógicas.
Conforme Garcia (1997), para realizar este trabalho o Tais considerações evidenciam que o lúdico na
educador conta com alguns instrumentos, entre eles, a Educação Infantil deve ser entendido pelo professor como a
observação, o planejamento e avaliação das situações essência da infância, sendo esta, sua principal atividade nesta
vivenciadas pelo grupo. fase de vida e, para uma análise da atividade lúdica, faz-se
Nesse contexto, é importante considerar o papel necessário que o educador penetre nesse mundo de fantasia
fundamental do registro. É através dele que se tem a e imaginação, pois é através do brincar, do brinquedo, que a
possibilidade de refletir sobre a ação pedagógica junto criança compreende o mundo em que vive.
ao grupo de crianças. Registrar significa sistematizar as O brincar é tão importante para o ser humano como
vivências, os avanços, as dificuldades, oferecendo subsídios respirar. Os adultos vivem procurando brincadeiras que os
para avaliar os processos pelos quais passam as crianças; façam fugir, mesmo que momentaneamente da realidade,
repensar, reestruturar e implementar seu planejamento. para sentirem-se bem e refeitos para a vida real. Portanto, o
É importante que o educador estruture duas formas brincar, o brinquedo e a brincadeira são formas importantes
de registro. Uma que contenha as observações sobre cada e criativas de a criança descobrir a si própria, o seu mundo, e
criança: suas relações, interações, processos vivenciados em o mundo complexo dos adultos.
relação ao grupo (autonomia, participação, enfrentamento
de dificuldades, etc.). Outra, as análises do educador quanto A Influência do Brinquedo no Desenvolvimento da Criança
ao grupo de crianças considerando situações vivenciadas no
cotidiano: se foram significativas como foram organizadas e É enorme a influência do brinquedo no
apresentadas? O que faltou? O que poderia ter melhorado? desenvolvimento de uma criança, Piaget (1978) afirma que o
Quanto à organização do espaço físico e do tempo: sinônimo de infância é o brinquedo, o brincar e a brincadeira,
beneficiou-se das brincadeiras? As interações: como foi a sendo isto para a criança o que o trabalho é para o adulto,
reação das crianças frente às mudanças da organização? Os caracterizando-se desta forma, sua principal atividade nesta
acontecimentos relevantes do dia e que não constavam do fase de sua vida. Também é correto afirmar, que toda criança
planejamento: como foram encaminhados? E, finalmente, brinca, independentemente de sua cultura, época, meio ou
as facilidades e dificuldades sentidas pelo educador, seus classe social.
conflitos e encaminhamentos, seus avanços em relação às
situações anteriores. Registrar significa desenvolver uma Construindo, transformando e destruindo,
reflexão teórico-prática sobre os desafios, necessidades, a criança expressa seu imaginário, seus
convicções e possibilidades. problemas e permite aos terapeutas o
Para Cunha (1995) o educador, no ato de registrar, diagnóstico de dificuldades de adaptação
deixa marcas de sua história profissional, apropria-se de bem como a educadores o estímulo da
conhecimentos, reflete e partilha seus registros com outros imaginação infantil e o desenvolvimento
profissionais, contribuindo para repensar a Educação afetivo e intelectual. Dessa forma, quando esta
Infantil. construindo, a criança está expressando suas
Na medida em que o educador estiver sistematizando representações mentais, além de manipular
a sua própria ação e o processo vivido pelo seu grupo, torna objetos (Kishimoto, 1996, p. 40).
concretas as suas intenções na proposta pedagógica, que
leve em consideração a formação crítica e o exercício de O lúdico é a essência da criança, na sua forma mais
cidadania das crianças. intuitiva e espontânea, transformando em jogos, brinquedos
e brincadeiras o próprio mundo da criança. Vigotsky
Diria que esta possibilidade existe se o educador (1989, p.87) acredita que o brincar fornece às crianças um
tiver um contato criativo com aquilo que importante suporte mental, “[...] que lhes permite pensar e
ensina; se esse saber lhe faz sentido e, de algum agir de diferentes maneiras, sendo que a natureza do brincar
modo se acha relacionado com a construção simbólico é muito importante para o desenvolvimento
de seu projeto pessoal e existencial. Pois, só infantil”. Para esse autor, a dois aspectos importantes no
então se pode dizer que ele se apropriou e, por brincar: a situação imaginária e as regras.
isso mesmo pode usar aquilo que sabe. É este A situação imaginária criada pela criança preenche
tipo especial de intimidade e familiaridade necessidades que mudam de acordo com a idade. Assim,
com o saber que lhe permite dimensionar o um brinquedo que interessa a um bebê não interessa a uma
seu não-saber e, em conseqüência, reconhecer criança mais velha. As regras presentes no brincar não são
o lugar do aprendiz, e se identificar com ele, regras explícitas, mas que a própria criança cria. Pode-se
de ouvi-lo, de saber aguardar pelo seu gesto dizer, que o desenvolvimento desses dois aspectos delineia
e acolhê-lo como legítimo. [...] Fazendo uso a evolução do brinquedo das crianças.
do que sabe e ao mesmo tempo projetando- Para Piaget (1978, p.63), “[...] o brincar oferece à
se para o desconhecido, o professor também criança a oportunidade de assimilar o mundo exterior às
brinca. Mais do que isso, ensina aos seus suas próprias necessidades, sem precisar muito de acomodar
alunos o valor desta brincadeira no território da realidades externas”. O autor considera o jogo como um
cultura, sem o que nenhum significado real é fator de grande importância no desenvolvimento cognitivo.
encontrado na seriedade em que lhe é imposta O conhecimento não deriva da representação de fenômenos

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externos, mas sim, da interação da criança com o meio vice-versa.


ambiente. O processo de acomodação e assimilação é meio Vigotsky (1989) salienta o fato de que as emoções e o
pelo qual a realidade é transformada em conhecimento. intelecto se articulam em um sistema dinâmico e significativo,
No brincar, a assimilação predomina e a criança incorpora sendo mutuamente dependentes. Por exemplo, uma criança que
o mundo à sua maneira sem nenhum compromisso com a já domina a linguagem, ao falar em público, gagueja. Após a
realidade. Nesta perspectiva, brincar é parte ativa, agradável aquisição da marcha e da fala, a criança começa a romper com
e interativa do desenvolvimento intelectual. o mundo subjetivo no qual estava imersa, quando ainda não
Os estudiosos do desenvolvimento infantil acreditam distinguia o eu e o outro. Através das atividades de exploração
que o brincar, ao contrário de sua aparência ou conceito e investigação do mundo dos objetos, apropria-se do mundo
equivocado e superficial de “passatempo” ou simplesmente objeto e passa a contar com sua inteligência para se comunicar
diversão, desempenha uma função extremamente importante com o social no qual está inserida.
para a criança em formação e no entendimento do seu Ainda, para Vigotsky (1989), a aquisição da linguagem
desenvolvimento psicossocial, ajudando a criança a assimilar faz com que aja uma profunda mudança qualitativa nos
comportamentos que são requeridos na vida adulta. processos da consciência. Através da mediação da linguagem,
Estudos de fundamental contribuição para a as funções mentais passam a ser reguladas por um sistema
compreensão do desenvolvimento infantil foram realizados de signos e não mais pela maturação orgânica, que é
por Wallon (1981), que se dedicou a pesquisar a construção responsável pelas funções elementares (sono, respiração,
do ser humano e a contribuição da educação sistematizada sucção), a linguagem passa a organizar o pensamento e o
nesse processo dialético e histórico. Este teórico construiu comportamento da criança, promovendo o desenvolvimento
suas teorias sobre o desenvolvimento infantil partindo da das funções psicológicas superiores (atenção concentrada,
mesma concepção de ser humano e de realidade. Ambos memória seletiva, pensamento abstrato, vivência emocional
conceberam o sujeito a partir do materialismo histórico e e pensamento combinatório).
dialético, entendendo que sua relação com a realidade se dá Vigotsky (1989) exemplifica que na criança, em um
através de mediações que permitem que ele seja transformado primeiro momento, a fala acompanha a ação. Ao mesmo
pela natureza, que por sua vez é transformada por ele. tempo em que está brincando de carrinho, por exemplo, ela
Assim, a mediação se processa através da utilização de vai narrando:
instrumentos e signos que possibilitam, pela interação social,
a transformação do meio e dos sujeitos. A diferença entre [...] estou indo pela BR e, aqui tem uma
os dois consiste no que é considerada a principal mediação curva. [...] em segundo momento a fala se
nessa relação. antecipa à ação (regula a ação): [...] e tem
Walon (1981); Vigotsky (1989) utilizam para o estudo uma ponte quebrada na frente, vou ter que
da criança a abordagem concreta e multidimensional que, frear. [...] e, em um terceiro momento ela se
frente ao seu objeto de estudo, compreende-o a partir das interioriza, transformando-se em fala interior
contradições e relações que a realidade concreta evidencia, ou pensamento, o qual continua a regular
sem dicotomizar sua totalidade, analisando os seus múltiplos atividade, ou seja, a criança brinca de carrinho
determinantes. A criança não é só fruto do meio ou resultado sem ter necessidade de exteriorizar seu
de seus genes. Para não cair no reducionismo, não se pode pensamento (Vigotsky, 1989, p. 96).
separar a criança e sua atividade das suas condições de
existência e de sua maturação funcional, integrando corpo No período dos três aos cinco anos, ocorre incremento
e mente, condições internas e externas, aspectos genéticos e da emoção, objetivando a aquisição da identidade. Assim, a
socioculturais. criança se expressa em oposição ao outro, dizendo não a tudo,
Essa abordagem trabalha com a noção de estágio aprende a delimitar o que é ela e o que é o outro, iniciando
enquanto realidade psicológica, articulada com a noção de o uso dos pronomes (eu, meu, teu). Ao mesmo tempo em
desenvolvimento individual construído a partir das interações que deseja diferenciar-se dos demais, percebe a profunda
sociais, visando ao conhecimento objetivo da criança. As dependência que tem em relação a sua família. Momentos de
interações são ações partilhadas que pressupõem a troca entre oposição alternam-se com momentos de sedução, nos quais
parceiros com diferentes apropriações. Exige mobilização a criança procura ser aceita e amada.
por parte dos sujeitos, no sentido de agir significativamente, A relação da criança com seu mundo familiar se
preenchendo lacunas, explicitando contradições. diferencia, segundo o lugar que ocupa e o papel que lhe é
Não é possível dissociar o biológico do social, conferido. Neste período, ela se sente estritamente solidária
pois, desde o nascimento, a criança está em relação, sendo com sua família e ao mesmo tempo desejosa de autonomia, o
a partir do outro que suas primeiras atitudes tomarão que lhe causa repetidos conflitos.
forma e significado. Para Wallon (1981), o ser humano é Para Wallon (1981), a verdadeira imitação aparece em
biologicamente social. meados do segundo ano (estágio sensório-motor e projetivo),
Wallon (1981); Vigotsky (1989) concordam que através das atividades de investigação, caracterizada pela
o sujeito é determinado pelo organismo e pelo social que exploração do mundo dos objetos e pela inteligência das
estrutura sua consciência, sua linguagem, seu pensamento situações. A inteligência das situações, também denominada
a partir da apropriação ativa das significações histórico- de inteligência prática, refere-se aos momentos em que a
culturais. Ainda, segundo os autores, entre emoção e criança resolve problemas práticos e imediatos, como por
inteligência existem elaboração recíproca: as conquistas exemplo, apanhar objetos ou utilizar-se de instrumentos
afetivas contribuem para o desenvolvimento cognitivo e para a solução dos mesmos, ou seja, constituem-se em ações

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exteriorizadas pela criança, através do ato motor. A imitação naquele momento de interação estabelecidos pelas situações
consiste em interiorização, composta de automatismo, imaginárias, pelas regras de convivência e pelos conteúdos
caracterizada pelos gestos e pela invenção, nas quais a temáticos, são apropriados.
criança expressa sua criatividade. A principal diferença na imitação da criança é que
A imitação exige não apenas a discriminação e a ela realiza movimentos que se concentram além dos limites
seleção dos gestos, mas também a invenção, objetivando de suas possibilidades. Em seus jogos, ao assumir papéis,
uma melhor distribuição desses gestos no espaço e no tempo. a criança desenvolve-se emocional e intelectual, pois na
O que vai provocar a elaboração de gestos necessários será brincadeira ela está atuando acima de sua idade e de seu
a prática social. “A imitação é composta de elementos comportamento usual. Ela está um pouco adiante dela
contraditórios, o automatismo e a invenção, apontando para mesma.
a necessidade de mediações e sendo relevante à própria
emoção” (Wallon, 1981, p.106). Brincando, a criança se inicia na representação
Para Vigotsky (1989), a imitação é promotora do de papéis do mundo adulto que irá desempenhar
desenvolvimento humano, na medida em que a criança pode mais tarde. Desenvolve capacidades físicas,
imitar uma série de ações que se encontram bem além dos verbais e intelectuais, tornando-se capaz de se
limites de suas próprias possibilidades. comunicar. O jogo ou o brinquedo é, portanto,
As crianças têm a capacidade de imitação intelectual fatores de comunicação mais amplos do que
consciente, determinado que a aprendizagem evoque e a linguagem, pois propiciam o diálogo entre
promova seu desenvolvimento cognitivo e emocional, pessoas de culturas diferentes (Bomtempo,
ao atuar sobre a zona de desenvolvimento proximal que 1999, p. 62).
consiste, no entender de Vigotsky (1991), na distância entre
o desenvolvimento real, aquilo que a criança consegue Pode-se observar a criança envolvida em diversas
executar sozinha e o desenvolvimento potencial, aquilo que situações, como, por exemplo, quando brinca de escola: ela
a criança consegue realizar com a ajuda de um adulto ou de corrige o que está escrito no quadro-de-giz e no caderno
uma criança mais experiente. (enquanto que, em situações de sala de aula, ela comete
De acordo com Vigotsky (1989, p.102), a boa tais erros); quando repreende os colegas, dizendo que não
aprendizagem é a que promove o desenvolvimento, atuando podem brincar (em outros momentos era ela quem estava na
sobre a zona de desenvolvimento proximal e fazendo com situação de brincar).
que “[...] o desenvolvimento que hoje é potencial transforme- O jogo infantil é considerado por Vigotsky (1989), uma
se em desenvolvimento efetivo real amanhã”. forma de atuar sobre a zona de desenvolvimento proximal,
É importante ressaltar a representação como pois através do mesmo a criança consegue desempenhar
capacidade de criar uma imagem mental articulada com funções que ainda não domina na sua vida concreta.
outras imagens, pois permite o estabelecimento de relações, Tanto para Vigotsky (1989) como para Wallon (1981),
mesmo na ausência ou frente à inexistência do objeto o ser humano se constrói na relação com o outro. Para o
representado. É através da representação que se cria e primeiro, toda função psicológica superior evidencia-se em
promove o desenvolvimento enquanto espécie. dois momentos: primeiro, no social e depois no individual,
Segundo Wallon (1981), no desenvolvimento através de uma apropriação ativa, marcando as diferenças
infantil, a representação surge da imitação e a supera, pois a individuais. A apropriação é o processo de internalização
representação acontece apenas no plano simbólico, enquanto das experiências que acontecem na relação, no social. É a
que a imitação ainda está presa no plano motor. Por exemplo, passagem do inter para o intrapsicológico, significando que
a criança identifica-se com o objeto, imaginando ser um toda função existente no sujeito apareceu antes no social,
automóvel ou um cachorro. na relação. Estabelece-se assim, entre a criança e o meio
A brincadeira do faz-de-conta constitui uma das ambiente, um círculo de trocas mútuas que condicionam e
situações mais comuns em que as crianças trabalham com modelam reciprocamente as suas reações. Para o segundo, a
esta subjetividade. Freqüentemente, acontecem situações individualidade só se faz possível no social.
tais como: utilizar-se de objetos presentes para representar O brincar promove experiências e relações com
outros que estejam ausentes (pegar uma peça de madeira, conteúdos sociais, fundamentalmente, quando a criança,
dizendo que é telefone); utilizar-se do espaço físico de ao brincar, recria e representa papéis que se caracterizam
acordo com o que está representando (enfileirar cadeiras uma nas ações e relações presenciadas, vividas ou vivenciadas
atrás da outra, delimitando o espaço para um ônibus); brincar em seu meio social, sendo que, neste processo lúdico de
de diferentes papéis (em alguns momentos é mãe em outro representação, mas também, de imaginação e fantasia,
é filha...); representar animais usado o próprio corpo (pula está contida a sociedade com a qual a criança se relaciona
como sapo); atribuir ações a objetos inanimados (brigar com emocional, social e cognitivamente, pois conforme
o cachorro porque sujou sua casa e o cachorro é representado Leontiev (1991, p.136), “[...] a situação objetiva imaginária
por uma lata). desenvolvida é sempre, também, uma situação de relações
Para vivenciar este processo, Wallon (1981), afirma humanas”.
que a criança faz uso de diferentes meios como sons, gestos, Ao representar e/ou reproduzir os papéis dos adultos,
palavras, frases, postura. É através do faz-de-conta que a brincadeira ou atividades lúdicas, de uma forma geral,
estabelecem momentos privilegiados de aprendizagem, estendem-se para além de seus próprios limites. O brincar, o
quando a criança busca significados já experimentados no gesto que ultrapassa as fronteiras do real ou do concreto na
seu cotidiano. Novos significados que se fazem importantes simples brincadeira, tornando-se este ato, um ato impregnado

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de magia, alegria, sonhos, imaginação e fantasia, repleto de “[...] grande parte da população acredita que o trabalho
significantes para a criança que brinca. infantil é a única forma de evitar a criminalidade, porque,
É neste ato mágico que cria e recria maneiras de além de mantê-los ocupados, supre suas necessidades
estabelecer relações com o seu mundo concreto, mas também, econômicas”. Isto acaba sendo um argumento muito usado
imaginário, que rompe limites e cria novos espaços, de forma para a “aprovação social” do trabalho infantil aceito e até
imprevisível, criadora e criativa, espaços estes que conquista estimulado por toda a sociedade brasileira.
na sociedade, tornando-se, portanto segundo Deccacha São poucos ainda aqueles que percebem e condenam
(1994, p.26), “[...] o lúdico em meio de expressão para a o trabalho precoce, porque, além de manter o Brasil no
criança, ou melhor, o seu meio de expressão fundamental, patamar mais básico do subdesenvolvimento, expondo,
expressão simbólica de experiências e desejos”. números e dados vergonhosos sobre as condições em que se
Quanto mais o brinquedo, o brincar e a brincadeira encontram e vivem as crianças no país, ainda obriga crianças
suscitam a curiosidade, mais estimulante ela será, e maior e adolescentes a exercerem funções sem futuro e segurança,
será a imaginação e a fantasia. Conseqüentemente, maior esquecendo que certamente elas prefeririam e necessitariam
será o seu desenvolvimento e preparo para enfrentar as mais estar brincando e desenvolvendo-se de forma feliz e sadia,
diversas situações na sua vida adulta. É com a ajuda da ao invés de submeter-se a uma rotina dura e cruel de trabalho
imaginação e da fantasia que a criança consegue entender o e sacrifícios.
mundo e se preparar para a vida. De acordo com Deccacha (1994), para reverter este
Ao contrário dos adultos acostumados a lidar com quadro dramático e preocupante, só havendo uma total
as situações cotidianas de frente, usando a maturidade, a reformulação na estrutura sócio-econômica no país, além de
experiência e a razão, as crianças precisam e fazem uso de uma nova redistribuição de renda, mais justa e igualitária.
uma espécie de “filtro”, para que possam compreender e A família da criança de classe baixa precisa ganhar o
vivenciar as situações boas e também ruins da vida, de uma suficiente para não mais depender dos ‘bicos’ dos seus filhos.
forma mais branda e amena. Esse filtro são as fantasias, que A população brasileira em geral necessita de uma mudança
se tornam um verdadeiro passaporte para a realidade. de comportamento e concepções frente ao trabalho infantil,
Essas fantasias são baseadas na vivência da criança tendo-se a compreensão de que o trabalho da criança deva
e nos estímulos que os adultos transmitem a ela. Quanto ser a educação e o brincar, e que, a sociedade como um todo,
mais elementos ou situações oferecidas e que se aproximem bem como sua família, tem obrigações e responsabilidades
de seu mundo infantil, mais referências e base terão para com este ser humano em pleno desenvolvimento.
compreender e enfrentar o mundo real, com seus limites No entender de Deccacha (1994), a sociedade
e frustrações, mas também, um mundo fascinante e belo, brasileira está de uma forma estruturada, onde ocorrem
que lhes oferece inúmeras possibilidades de crescimento e dois extremos, ou dois pólos aparentemente opostos e
realizações. contraditórios, de um lado, uma parcela (proporcionalmente
A criança que tiver condições de fantasiar e imaginar menor) da sociedade melhor situada financeiramente e
será um adulto mais ágil, inteligente, criativo, com iniciativa culturalmente, onde o brincar, o brinquedo e a brincadeira
e inventivo para a vida e o trabalho, porque terá desenvolvido- encontram um espaço privilegiado para que o lúdico ocorra,
se integralmente, através das múltiplas e variadas situação de um espaço belíssimo e riquíssimo dentro de uma diversidade
“ensaio” para a sua vida adulta. e quantidade muito grandes de objetos e situações que
estimulam, oportunizam e possibilitam o desenvolvimento
[...] o processo de aprender/conhecer/crescer das potencialidades do ser humano e, mais especificamente,
é uma busca constante do novo que estimula da criança inserida neste contexto, fazendo-se acreditar
a curiosidade e expande a criatividade. que se pode não somente igualar-se, mas até ultrapassar
Uma relação pedagógica que permite as países tidos como desenvolvidos, porque o povo ou a gente
manifestações das singularidades individuais brasileira possui um elemento a mais que os demais povos,
nas relações intersubjetivas, compreendendo e que é uma característica da sociedade brasileira, o elemento
valorizando a expressão apaixonada da criança afetividade.
por descobrir e conhecer o mundo em que vive Essas crianças que em seu cotidiano familiar e
(Garcia, 1997, p.99). social, além de encontrarem com uma grande diversidade
de materiais e objetos que as estimulam, também possuem
Segundo o autor citado acima, isto tudo leva a outros as possibilidades de transitarem entre a herança e identidade
questionamentos ao transportar-se e contextualizar-se as cultural até o mundo real, ou o seu mundo atual.
evidências teóricas até o momento abordadas à realidade A beleza da infância é um ato, é um gesto de recuperar-
brasileira, tornando o lúdico, em todas as suas implicações, se a universalidade em toda a sua dimensão, de reavaliar
um agravante, adiante da atual situação sócio-econômica, conceitos e concepções que envolvem toda a sociedade, mas
em que o trabalho infantil encontra-se muito presente. acima de tudo, de reavaliar-se a concepção de infância em
Na realidade brasileira, uma grande parcela da toda sua plenitude.
população infantil, centrada na classe trabalhadora oprimida,
é, desde muito cedo, obrigada a trabalhar. E isto é o grande Considerações Finais
problema do trabalho infantil, ele não caminha junto com
a educação, e muito menos, com o direito assegurado, Para compreender adequadamente o desenvolvimento
inclusive, por lei, que é o direito de brincar. infantil, deve-se considerar não apenas o nível de
Segundo Deccacha (1994, p.56) há um agravante: desenvolvimento real da criança, isto é, as etapas já

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alcançadas, já conquistadas pelas crianças, mas também seu Referências


nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade ALMEIDA, P. N. Educação lúdica: técnicas e jogos pedagógicos.
de desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de São Paulo: Loyola, 1998.
companheiros mais capazes.
Há tarefas que uma criança não é capaz de realizar BOMTEMPO, E. Brinquedo e educação: na escola e no lar. Revista
Psicologia escolar e educacional, São Paulo, v.3, n. 1, p. 61-69,
sozinha, mas que se torna capaz de realizar quando alguém
1999.
lhe dá instruções, ou fizer uma demonstração, ou fornecer
pistas ou ainda dar assistência durante o processo. CAMPAGNE, F. O jogo, a infância e a educação. Toulanse:
A idéia de nível de desenvolvimento potencial capta, Privat, 1989.
assim, um momento do desenvolvimento que caracteriza CLAPAREDE, E. A escola sob medida. Rio de Janeiro: Fundo de
não as etapas já alcançadas, já consolidadas, mas etapas Cultura, 1973.
posteriores, nas quais a interferência de outras pessoas afeta
CUNHA, M. I. da. O bom professor e sua prática. Campinas:
significativamente o resultado da ação individual. Papirus, 1995.
Essa idéia também é fundamental, porque atribui
importância extrema à interação social no processo de DECCACHA, E. O lúdico na infância. São Paulo: Bloch, 1994.
construção das funções psicológicas humanas. Ou seja, GARCIA, R. L. Revistando a pré-escola. São Paulo: Cortez,
o desenvolvimento individual se dá num ambiente social 1997.
determinado e a relação com o outro, nas diversas esferas e
níveis da atividade humana, é essencial para o processo de KISHIMOTO, T. M. O brinquedo na educação: considerações
construção do ser psicológico individual. históricas o cotidiano da pré-escola. São Paulo: FDE, 1990.
Pode-se dizer que a atividade imitativa não é um
______. O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, T. M. Jogo,
processo mecânico, mas sim uma oportunidade que a
brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez. 1996.
criança tem para realizar ações que estão além de sua própria
capacidade, o que contribui para o seu desenvolvimento. LEONTIEV, A. N. Os princípios psicológicos da brincadeira
Com as propostas de um trabalho referenciadas, pré-escola. São Paulo: Ícone/Edusp, 1991.
pretendeu-se estimular e oportunizar o desenvolvimento OLIVEIRA, M. K. de. Vigotsky e o processo de formação de
das noções de solidariedade, cooperação, sua socialização e conceitos. São Paulo: Summus, 1992.
expressão de sentimentos e conceitos diversos que perpassam
pelo lúdico, visando desta forma trabalhar os conteúdos OLIVEIRA, Z. de M. R. de. A criança e seu desenvolvimento:
previstos pelo currículo da educação infantil de forma lúdica perspectivas para se discutir a educação infantil. São Paulo: Cortez,
e prazerosa. 1997.
As atividades lúdicas favorecem oportunidades às
PIAGET, J. Formação do símbolo na criança: imitação, jogo e
crianças para explorarem aspectos da vida, pois as brincadeiras sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
e os jogos são as melhores maneiras de a criança comunicar-
se, sendo um instrumento que ela possui para relacionar-se RODULFO, R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico
com outras crianças. sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
É através das atividades lúdicas que a criança convive ROSA, S. S. da. Brincar, conhecer, ensinar. São Paulo: Cortez,
com os diferentes sentimentos que fazem parte da sua 2001.
realidade interior e permite a ela estabelecer suas relações SANTOS, S. M. P. dos. Brinquedos: sucata vira brinquedo. Porto
sociais. Alegre: Artes médicas, 1995.
Quando as crianças jogam ou brincam, passam a ter
uma compreensão maior de como o mundo funciona e de SILVA, E. N. Recreação na sala de aula. Rio de Janeiro: SPRINT,
1996.
como poderão lidar com ele à sua maneira e possibilidade.
As atividades lúdicas transformam-se em afirmações do que VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo:
está acontecendo e passam a representar o que as crianças Martins Fontes, 1989.
entendem. WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Rio de Janeiro:
O papel do brinquedo e das atividades lúdicas no Andes, 1981
desenvolvimento infantil e no trabalho pedagógico aponta
para as variadas funções do lúdico na vida das crianças, tanto
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nos seus aspectos sociais quanto em instituições de educação
Recebido em: 05/10/04
infantil. O brinquedo é o suporte do jogo; mediador que Received on: 05/10/04
possibilita a criança experimentar e representar situações Aceito em: 15/11/04
da vida real e concreta ao seu nível, do tamanho de sua Accepted on: 15/11/04
compreensão, possuindo uma função socializante.

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