You are on page 1of 12
CONTO — AUTOR INEDITO 13° CONCURSO SESI ARTE CRIATIVIDADE — 2003 1° Lugar Conto: A solidéo e a solidéo dos malandros de navalha Autor: Brasig6is Felicio Carneiro 2? Lugar Conto: Mundo azul cor de fel Autor: Talio Henrique Pereira 3° Lugar Conto: Candieiro Autor: André Euripedes Da Silva Mengao Honrosa Conto: Girasséis vermelhos Autor: José Ubirajara Galli Vieira 14° CONCURSO SESI ARTE CRIATIVIDADE — 2004 1° Lugar Conto: Suave toque das sombras Autor: Paulo Marques Barbosa Junior 2° Lugar Conto: No ditero Autor: Leandro Ferreira Resende 3° Lugar Conto: Medo do guarda roupa ‘Autora: Maria José Rodrigues De Sousa ‘Mengao Honrosa Conto: A um passo da luz Autora: Maria José Rissaris MUNDO AZUL COR DE FEL Tilo Henrique Era brilhantemente independente e imaturo. Seus sonhos de menino cresciam na medida em que a sua volta tudo parecia incondicional. Suas limitacdes indispostas causaram-Ihe indisciplina e sua mania continuada de querer tudo em sua devida hora; se possivel, na primeira hora do dia seguinte. Queria correr quando nao podia e gritar nos momentos mais inoportunos de uma reuniao social, completamente formal que a familia realizava as quartas & noite. Comia muitas coisas de uma s6 vez e quase nao deixava limpo 0 seu local, era moleque de tudo e adulto no tempo incerto. Isso confundira sua essencial objetividade. Mae o admira com olhos complacentes, de quem compreende seu estado vegetativo, pal o ignora de seus planos e projetos de homem solteiro que busca nas ruas uma iluséria saida para os seus ilusérios problemas. € uma familia desregrada no seu lelto, falta unio que nesse tempo era utopia. Admirar seus gestos todo dia, cada um com suas manias e cada passo uma incerteza de que estdo procurando facilitar suas vidas que perduram ha anos de uma maneira indiscreta e quase surrealista. Procuram condensar suas dores dentro do peito, mae chora noite e dia quando entra no banheiro, e procura nos medicamentos a resposta de tantas ANTOLOGIA POETICA E CONTOS 133 articulacdes. Procuro entender por que ela chora se A minha volta tudo parece tranquilo, mas se choraé porque esté algo fora do lugar. Ele chora e cai da cadeira, ela desce as escadas as pressas enxugando as lagrimas pra socorré-lo — Que ta fazendo que nao quieta um pouco que seja?i! um fardo pesado que carrego, como se tudo fosse contra os meus planos e projetos de vida — fui suficientemente indigesta em viver do meu jeito, e agora pago por isso??? Seria isso, Deus, seria? © mundo deles cai enquanto construo uma realidade que aparentemente seja real pra mim. E quando nervosa ela comega a bater no rosto dele, me levanto do degrau e saio serelepe pro quarto a procura de um abrigo que me proteja de tanta jurisprudéncia e obstinacao. Abro a janela apés trancar com a chave a enorme porta de madeira maci¢a: meu fiel refdgio, onde avisto um céu azul que se torna amargo; quando ela bate a minha porta: a se lembrar de minha existéncia, ameaca minha ignorancia e desafia corromper minha vida caso nao abra, — Grita que me mata caso ndo ouca o que fala, grita que matal!!! — E pago no couro pela ignorancia de crianga, até sangrar o nariz, pela leucopenia que nao é tratada de maneira alguma Pai chega, Ié jornal e senta-se a mesa da copaa espera de ser servido o jantar, depois de trés horas atrasado. Mae o serve com siléncio, e ressabiada pergunta se o dia que ele teve 0 agradou como esperava. Siléncio absoluto, até que o outro atira uma espatula ao chao. Mae a apanha calmamente, nem aparenta ser bestial, como antes fora. beija a face e pai a olha fazé-lo, observa tudo, como se 134 ‘CONCURSO SES! ARTE CRIATIVIDADE dominasse tudo e nao tivesse nada que saisse de seu controle. De noite eles dormem juntos, da porta se houve ela extasiar com 0 sexo bruto que ele a oferece, so sempre os mesmos quinze minutos até ele ascender a luz do banheiro e ir a cozinha comer pao. Liga a tv até esperar que ela adormega e assim que se sente o suficiente seguro, se dirige a0 computador onde marca seus contatos parao dia seguinte. Ele usa 0 telefone e troca palavras obscenas com outras pessoas, usa pseudénimo masculino e feminino e até camufla sua voz. Fico a imaginar o que faz de verdade se nunca esta em casa pra nos oferecer vida comum como outros pais. ‘Acaba sempre dormindo no escritério, debrucado nos livros que atira a sua volta, pra insinuar suposto intelectualismo: ronca feito um porco. £ dia novo e 0 Gnibus da escola me espera arrumar, mas ela atrasa todos os dias, talvez pra me fazer perder a hora, ou por se esquecer de se dedicar a mim. O telefone toca e ela abandona a lancheira que preparava e fica no minimo trinta minutos brigando com ele por telefone, cobrando o porqué dele nao vir almogar conosco, 0 porqué de seu distanciamento da familia e o porqué de estar sempre evitando fazer ligacdes. Ele sempre desliga o telefone enquanto ela ainda fala, e ela o atira no chao estupefata de ser levada pra trés. Me escondo debaixo da escrivaninha dele, enquanto ela agride os utensilios da casa. Pelo menos nao tocou no outro, que esta protegido aos cuidados da baba, Ela comega a chorar e sobe pro quarto ¢ se tranca, é seu refligio, onde ficara o dia todo, ANTOLOGIA FOETICA E CONTOS 135 Faco balées e barcos com as folhas dos livros, fico no Jardim brincando com as pedras e uso a piscina pra criar 0 meu porto. Assim, construo um mundo azul que esta sempre reluzente, onde os nevoeiros apenas auxiliam no caminhar das embarcacdes e sutilmente a chuva abrandao clima seco... Ele chora quando a baba 0 deixa em casa, é sinal de que tudo vai voltar a ameacar o tempo que estava tranqiiilo haalgumas horas. Noite de quarta-feira e a mesa esta posta, alguns convidados conversam na sala, enquanto outros observam o luar pelo jardim. Estou entre as frestas catando os respingos da vida dos outros que é completamente oculta ao meu entender. Busco a nostalgia que suas peles bélicas exaltam ¢ inspiro o ristico comportamento ao qual sou tratado. Ela aparece descendo as escadas. £ completamente linda e chama atengao de todos com o seu vestido novo, enquanto desce, corro pra de trés das cortinas e entre o tule observo sua sinuosidade camuflando sua disparidade para com sua realidade elogiente. Tento apenas descobrir 0 porqué de tudo isso, mas tropeco no cetim dos cipés e acabo roubando acena por inteiro. Ela me olha envergonhadae pede ao copeiro pra cuidar de mim. Todas as quartas-feiras s8o iguais, 0 pai nao vem e ela nunca se satisfaz, enquanto os outros sorvem do vinho caro e se alimentam da receita mais exética que elamesma prepara. Eles gargalham a noite inteira e usam nossos cémodos para o deleite de seus prazeres, quebram os cristais e atiram os cacos na piscina, onde nunca permitiram que entrasse. 136 CCONCURSO SES| ARTE CRIATIVIOADE Meus olhos raposinos percebem os passos dele ao caminharem sinuosamente pela casa, é extrema madrugada 56 agora ele alega ter concluido 0 trabalho. Se surpreende ao ser vigiado por ela, que ficara na sala a noite inteiraa sua espera — Onde estava que sequer ligou pra saber como estava? — questiona sem um pingo de audacia na voz — Nao preciso me explicar todas as vezes que piso nessa casa! — ele tenta sobressair de seu questionario, até que ela limita seus passos, segurando seus bracos e me provocando aperto por dentro — Eu nao quero ter que discutit com vocé esta noite! ‘Amana é outro dia e ai conversaremos direito. —J4é tarde pra adiarmos qualquer conversa que seja. Eu quero 0 divércio! Como acontece sempre, ele a ignorae sobe as escadas. Ela passa a noite toda furnando na sala e consumindo os ores € ufsque. Os comprimidos nunca a abandonam e sua alma padece por lugares estranhos enquanto adormece. Desco as escadas e toco sua mao jogada pelo braco da poltrona, coloco-a sobre meus ombros e desejo que ela me aqueca de qualquer jeito, mas esté fria e consegue gelar 0 meu peito. No rédio uma cancéo singela, com uma letra falando de amor, loucura e trai¢ao; seria o blues que sempre toca nas noites de quarta-feira’...a minha maldita tolerancia foi te amar demais... te amar demais até que a sanidade retrocedesse meu estado pacifico de amor inconsciente. € manha quando acordo aos berros, sendo agarrado por ele, olho a minha voltae ela ja nao esta mais presente. E mais que nunca me sinto desprotegido de tudo a procura de ANTOLOGIA POETICA E CONTOS 437

You might also like