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Cadernos de Educação de Infância

Abr./Jun. 2002
Fontes

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Bichos de estimação... ou não.


Maria Isabel Mendonça Soares

As palavras “Ecologia “ e “Ambiente “ estão constantemente a soar-nos aos


ouvidos e, no entanto, a Natureza como tal anda bem arredada das nossas
preocupações quotidianas. A maioria dos portugueses prefere sem hesitar a
praia ao campo, e se há alguns românticos excêntricos que compram um
quintalório e se dedicam a fazer agricultura biológica, eles são, na quase
totalidade dos casos, estrangeiros. Também desde há pouco tempo surgiu a
voga de ser proprietário de um monte alentejano, mas não para exploração
agrícola que os escassos hectares que o circundam, não dão para tanto, o que
obrigaria a contratar pessoal e a adquirir maquinaria indispensável; este brincar
aos grandes (pequenos) latifundiários já não oferece riscos, a tantos anos da
Reforma Agrária....
Mas as nossas crianças da cidade continuam a desconhecer a realidade: ave
de capoeira, identificando-a com o frango depenado e decapitado que se traz
do super ou hipermercado da zona.
Coelhos, vacas, ovelhas, burros, só os que aparecem desenhados nos livros
que folheiam.
É certo que, felizmente, as quintas pedagógicas já lhes podem proporcionar
essa experiência, mas só em grandes cidades como Lisboa ou Porto isso
acontece, e mesmo assim, por dificuldade de transporte, não é prática habitual
no currículo dos Jardins de Infância.
No campo autêntico, as aldeias da periferia, o animal era tido como membro da
família rural, e a sua doença ou morte chorada sentidamente. Daí que, ainda
hoje nos santuários, de morte a sul do país nos apareçam as ofertas votivas
configuradas na representação em cera do animal, cuja cura se obteve pela
graça do Céu: ovelhinhas, vacas, em miniaturas, como brinquedos de criança
delicadamente modelados.
Ofertas votivas são também as de animais vivos, vestígios talvez do culto
judaico bíblico: frangos brancos a S. Bento, frangos negros a S. Bartolomeu.
Porquê? Sabe-se lá...
Também curiosa a participação dos animais na religiosidade popular associada
à descoberta de imagens sagradas.
Assim, o touro de nome “Marciano “ (de onde derivaria o topónimo Merceana,
localiza-se no Concelho de Alenquer); todos os dias, o animal desaparecia da
manada para parte incerta, e quando, intrigado com o facto, o pastor o seguiu,
foi encontrá-lo ajoelhado diante de uma carvalheira em cujos ramos luzia uma
imagem da Virgem Maria; e ali se levantou uma ermida em sua honra.
De igual modo, uma junta de bois ajoelharia sistematicamente em determinado
local de Pinheiro Grande, recusando-se a avançar. Escavando-se na terra
ainda por lavrar, encontrou-se uma imagem da Nossa Senhora que ficara
soterrada aquando de uma cheia do Tejo ocorrida no século XVI.
Todos conhecemos a lenda do galo de Barcelos que se tornou ex-libris do
turismo nacional. Foi ele afinal o melhor advogado de defesa do injustamente
acusado, ao levantar-se da travessa onde jazia apetitosamente assado,
testemunhando-lhe a inocência.

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E é o galo que, em outras lendas, com o seu canto derrota as forças do mal.
Nas armas de Celorico da Beira figura uma truta porque, durante um cerco
apertado, o alcaide enviou ao chefe inimigo uma bela truta que uma águia
providencial deixara cair do alto para dentro do castelo. Convencido de que os
sitiados tinham provisões abundantes que lhes permitiam o luxo de uma oferta
daquelas, os atacantes abandonaram as suas posições de assalto.
Em Benfeitas (Beira Alta), certas pegadas misteriosas insertas numa extensa
zona rochosa são interpretadas pelo povo como as marcas de todos os animais
que entraram na Arca de Noé! Nada menos...
Animais totémicos seriam os berrões, porcos ou javalis em pedra tosca, de que
a porca de Murça é o mais significativo exemplo. Conta-se que nos últimos
anos da Monarquia, o rotativismo parlamentar entre Regeneradores e
Progressistas dava ocasião a que se pintassem o animal ora de verde ora de
encarnado consoante o partido que ficava no governo; à implantação da
República o bicho apareceu pintado com ambas as cores! Se a tradição antiga
reviver actualmente, pode ser que a porca de Murça nos apareça ora pintada
de cor-de-rosa ora de cor-de-laranja...
Nem todos os animais, porém, são abençoados ou têm intervenção positiva.
Em Gandra (Minho), receia-se que, quem não festejar S. Pedro de Rates, a 26
de Abril, venha a ter a sua casa e os seus haveres devorados pelos ratos.
E a romaria da Senhora dos Altos Céus, em Lousa (Beira Baixa), deve-se à
gratidão do povo que, por sua intercessão, se viu liberto de uma praga de
gafanhotos.
O animal pode também assumir formas fabulosas: a coca (Dragão) ou a
serpente (Figuração do Mal) são vencidos respectivamente por S. Jorge e por
S. Macário, ocasiões de combates simulados em que o mal era vencido, como
se deseja.
A concluir, recordo o enlevo das crianças posto nos grilinhos a trinarem dentro
das suas gaiolinhas de arame; e também a expectativa ansiosa de verem, no
dia seguinte, transformados em moedas de oiro os pirilampos guardados sob a
campânula de um copo emborcado. Já o seu brilho no escuro fora um tesoiro
de beleza.
Ao chegar Abril, o cuco era interrogado pelas moças casadoiras:

Ó cuco da ramalheira,
Diz-me quantos anos ficarei solteira?

E o cuco “respondia” cantando uma, duas, três vezes; o pior era quando ele
desatava a cantar sem parança...

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TRADIÇÃO ORAL

Quadras Populares

I
Os pombos quando namoram,
Põem as asas no chão,
Para que as pombas não vejam,
O bater do coração.

II
Bem pudera o senhor cuco,
Casar com a cotovia,
Mas não quer o senhor cuco,
Mulher que tanto assobia.

III
Quatro flores em o meu peito,
Todas quatro desmaiadas,
Cravo roxo, amor-perfeito,
Rosa branca e encarnada.

IV
O ladrão do melro negro,
Toda a noite repiu-piu...,
Na maré de madrugada,
Bateu asas e fugiu.

V
A lua veste de branco,
Esta noite vai casar,
Madrinha é Nossa Senhora,
O padrinho é o luar.

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