Professional Documents
Culture Documents
Nota do tradutor — Este tex- ós-modernidade" é até hoje um art mas também o mais recente Hiper-rea-
to foi originalmente apresen-
tado como uma conferência conceito pouco aceito ou com- lismo; em música, o apogeu de John
no W hitney M useum , em
1982. Fredric Jameson am- preendido. Algumas das resis- Cage, assim como a posterior síntese dos
pliou e desenvolveu seus
principais tópicos no longo tências a ele podem ser atri- estilos clássico e "popular" de compo-
ensaio "P o stm o d ernism o r
the Cultural Logic of Late
buídas à falta de familiaridade com as sitores como Philip Glass e Terry Riley
Capitalism", recentemente pu- obras que abrange e que são encontráveis ou, ainda, o rock new wave e punk de
blicado na New Left Review
(n.º 146, julho-agosto 1984). em todas as artes: a poesia de John grupos tais como Clash, Talking Heads
Ashbery, por exemplo, mas também a e Gang of Four; no cinema, tudo o que
poesia conversacional, muito mais sim- deriva de Godard — filme e vídeo con-
ples, lançada nos anos 60 como reação temporâneos de vanguarda — além de
à ironia e complexidade do modernismo um novo estilo de filmes comerciais ou
acadêmico; a reação à arquitetura mo- ficcionais, cujo equivalente no romance
derna e, em particular, aos monumentais contemporâneo são as obras de William
edifícios do International Style, bem Burroughs, Thomas Pynchon e Ishmael
como as construções pop e os tetos de Reed, de um lado, e o nouveau roman
vidro decorado elogiados por Robert francês, de outro, que merecem ser cita-
Venturi em seu manifesto Aprendendo dos como variedades do que se pode
com Las Vegas; Andy Warhol e a pop chamar pós-modernismo.
JUNHO DE 1985 17
PÓS-MODERNIDADE E SOCIEDADE DE CONSUMO
JUNHO DE 1985 19
PÓS-MODERNIDADE E SOCIEDADE DE CONSUMO
JUNHO DE 1985 21
PÓS-MODERNIDADE E SOCIEDADE DE CONSUMO
JUNHO DE 1985 23
PÓS-MODERNIDADE E SOCIEDADE DE CONSUMO
va". É um poema de Bob Perelman inti- político, parece mesmo captar algo da
tulado "China" (incluído na sua recente emoção da imensa e inacabada experiên-
antologia Primer, publicada por This cia social da nova China, sem paralelo
Press, de Berkeley, Califórnia): na história mundial: o surgimento impre-
visto, entre as duas superpotências, do
Vivemos no terceiro mundo a contar do "número três"; a novidade de um mun-
sol. Número três. Ninguém manda em do material completamente novo, produ-
nós. zido por seres humanos com pleno do-
As pessoas que nos ensinaram a contar mínio de seu próprio destino coletivo;
estavam sendo muito bondosas. a experiência marcante de uma coletivi-
Sempre é hora de cair fora. dade que, acima de tudo, se tornou um
Em caso de chuva, você tem ou não tem novo "sujeito da história" e que, após
o guarda-chuva. longa sujeição ao feudalismo e ao impe-
O vento leva embora seu chapéu. rialismo, fala em seu próprio nome, por
O sol também se levanta. si mesma, pela primeira vez ("Sabe o
Preferia que as estrelas não nos que aconteceu?... Aprendi a falar").
descrevessem umas às outras, preferia Contudo, tal significado paira sobre ou
que a gente fizesse isto por nossa conta. sob o texto. Não se consegue, creio, ler
Corra na frente de sua sombra. este texto segundo qualquer uma das
Uma irmã que aponta para o céu pelo velhas categorias da Nova Crítica, nem
menos uma vez a cada década é uma encontrar as complexas relações internas
boa irmã. e texturas que caracterizavam o "univer-
Paisagem motorizada. sal concreto" dos modernismos clássicos
O trem te leva aonde ele for. tais como o de Wallace Stevens.
Pontes no meio da água. A obra de Perelman (e a Poesia da
Gente se arrastando ao longo de Linguagem em geral) deve alguma coisa
vastas áreas de concreto, a Gertrude Stein e, além dela, a certos
caminhando para o avião. aspectos de Flaubert. Assim, não é des-
Não esqueça o estado em que os seus cabido nesta altura introduzir uma velha
sapatos e chapéu ficarão quando você opinião de Sartre, sobre as frases flau-
não estiver por perto. bertianas, que comunica uma impressão
Até as palavras flutuando no ar têm vívida do movimento de tais frases:
sombras azuis.
Comemos se for gostoso. Sua frase cerca o objeto, agarra-o,
As folhas caindo. Olhe as coisas ali. imobiliza-o e aniquila-o, enreda-se nele,
Perceba o lance. transforma-se em pedra e petrifica-o con-
Sabe o que aconteceu? O que? Aprendi sigo mesma. É cega e surda, sem sangue,
a falar. Ótimo. sem um sopro de vida; um silêncio pro-
Uma pessoa com a cabeça cortada caiu fundo a separa da frase seguinte; ela cai
no choro. no vazio, eternamente, e arrasta sua pre-
Após cair, o que é que a boneca podia sa nessa queda infinita. Toda realidade,
fazer? Nada. uma vez descrita, é riscada da lista.
Vá dormir. (Jean-Paul Sartre, O que é a Literatura?)
Você está demais de short. E a bandeira
também está demais. A descrição é hostil e a vivacidade de
Todo mundo vibrou com as explosões. Perelman é historicamente bem diversa
Hora de acordar. da prática homicida de Flaubert. (Para
Melhor é se acostumar aos sonhos. Mallarmé, observou Barthes há tempos,
em chave semelhante, a frase, a palavra
são modos de assassinar o mundo exte-
aturalmente é possível objetar rior.) Ademais esta última exprime um
que isto não é uma escrita pouco do mistério de frases que caem no
esquizofrênica no sentido clí- vazio de um silêncio tão grande que, mo-
nico, parece inexato afirmar mentaneamente, a gente se pergunta se al-
que estas frases sejam materialidades guma frase nova teria ainda condições de
significantes pairando livremente, cujos aflorar para tomar o lugar das anteriores.
significados tenham evaporado. Real- Passemos, no entanto, ao segredo des-
mente, existe aqui um sentido global. Na te poema. É um pouco como o Hi-
verdade, na medida em que este é, de per-realismo que parecia um retorno à
um jeito velado e estranho, um poema representação, depois das abstrações anti-
JUNHO DE 1985 25
PÓS-MODERNIDADE E SOCIEDADE DE CONSUMO
de nossa cultura está basicamente altera- sumo. Acredito também que seus traços
da. Por um lado, a produção de mer- formais expressam de muitas maneiras a
cadorias, em particular nosso vestuário, lógica mais profunda do próprio sistema
mobiliário, moradia e outros artefatos, social. No entanto, vou limitar-me a indi-
está agora intimamente associada às car esta relação a propósito de um só de
mudanças do styling que decorreram da seus temas capitais: o desaparecimento
experimentação artística: nossa propagan- do sentido da história, o modo pelo qual
da, por exemplo, se alimenta da pós- o sistema social contemporâneo como um
modernidade em todas as artes e não todo demonstra que começou, pouco a
pode mais dispensá-la. Por outro lado, pouco, a perder a sua capacidade de pre-
os clássicos da modernidade anterior são servar o próprio passado e começou a
agora parte do assim chamado cânon, e viver em um presente perpétuo, em uma
são ensinados em escolas e universidades perpétua mudança que apaga aquelas tra-
— o que, por sua vez, os esvazia de dições que as formações sociais anterio-
todo seu velho potencial subversivo. De res, de uma maneira ou de outra, tive-
fato, um modo de marcar a ruptura entre ram de preservar. Basta mencionar a
os períodos e datar o surgimento da pós- saturação informacional gerada pelos
modernidade pode se encontrar precisa- meios de comunicação: como Nixon e,
mente aí: na época (parece que início ainda mais, Kennedy, são figuras de um
dos anos 60) em que a posição do mo- passado agora distante. Sinto-me tentado
dernismo radical e sua estética domi- a afirmar que a própria função dos meios
nante se institucionalizaram na Universi- de comunicação é de relegar ao passado
dade, quando passaram a ser considera- tais experiências históricas recentes, isto
dos acadêmicos por toda uma geração de o mais rapidamente possível. A função
poetas, pintores e músicos. informativa dos meios seria, desse modo,
Pode-se também chegar à ruptura por a de ajudar a esquecer, a de servir de
um outro caminho, para descrevê-la em verdadeiro instrumento e agente de nos-
termos de períodos da atual vida social. sa amnésia histórica.
Como venho sugerindo, marxistas e não- Neste caso, os dois traços da pós-mo-
marxistas confluíram para um sentimento dernidade sobre os quais muito me alon-
comum de que a certa altura, após a II guei — a transformação da realidade em
Guerra Mundial, uma nova espécie de imagens, a fragmentação do tempo em
sociedade começava a se formar (variada- uma série de presentes perpétuos — são
mente descrita como sociedade pós-indus- ambos extraordinariamente consentâneos
trial, capitalismo multinacional, socieda- com este processo. Minha conclusão aqui
de de consumo, sociedade dos mídia e deve tomar a forma de uma pergunta
assim por diante). Novos tipos de con- sobre o valor crítico da novíssima arte.
sumo, obsolescência programada, um Há uma certa concordância de que a
ritmo ainda mais rápido de mudanças na modernidade velha funcionou em oposi-
moda e no styling, a penetração da pro- ção à sociedade, de modos variadamente
paganda, da televisão e dos meios de descritos como negativo, crítico, contes-
comunicação em grau até agora sem pre- tante, subversivo, oposicionista etc. Po-
cedentes e permeando a sociedade intei- de-se dizer algo no gênero sobre a pós-
ra, a substituição do velho conflito cida- modernidade e a sua situação social?
de e campo, centro e província, pela
Vimos que existe um modo pelo qual a
terciarização e pela padronização univer-
pós-modernidade repercute e reproduz
sal, o crescimento das grandes redes de
auto-estradas e o advento da cultura do — reiterando a lógica do capitalismo da
automóvel — são vários dos traços que sociedade de consumo. A questão mais
pareciam demarcar uma ruptura radical importante é saber se também existe uma
com aquela sociedade antiquada de antes forma de resistência a essa lógica. Tal
da guerra, na qual o modernismo era questão devemos, todavia, deixar em
ainda uma força clandestina. aberto.