You are on page 1of 2

ESTE ARTIGO FOI DISTRIBUÍDO POR:

http://bpi.110mb.com
ou
http://livrosbpi.com

CEL – Célula de Entretenimento Libertário - Célula BPI


BPI – Biblioteca Pública Independente

DESOBEDIÊNCIA:
A VIRTUDE ORIGINAL DO HOMEM
Oscar Wilde

(in The Social Soul of a Man under Socialism, 1891)


Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser
lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade.Alguns o
são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos,
descontentes, desobedientes e rebeldes - e têm razão. Consideram que a
caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola,
geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador,
de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas
migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela e
agora começam a percebê-lo. Quanto ao descontentamento, qualquer homem
que não se sentisse descontente com o péssimo ambiente e o baixo nível de vida
que lhe são reservados seria realmente muito estúpido.

Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a


desobediência é a virtude original do homem. O progresso é uma conseqüência
da desobediência e da rebelião. Muitas vezes elogiamos os pobres por serem
econômicos. Mas recomendar aos pobres que poupem é algo grotesco e
insultante. Seria como aconselhar um homem que está morrendo de fome a
comer menos; um trabalhador urbano ou rural que poupasse seria totalmente
imoral. Nenhum homem deveria estar sempre pronto a mostrar que consegue
viver como um animal mal alimentado. Deveria recusar-se a viver assim, roubar
ou fazer greve - o que para muitos é uma forma de roubo.

Quanto à mendicância, é muito mais seguro mendigar do que roubar, mas é


melhor roubar do que mendigar. Não! Um pobre que é ingrato, descontente,
rebelde e que se recusa a poupar terá, provavelmente, uma verdadeira
personalidade e uma grande riqueza interior. De qualquer forma, ele
representará uma saudável forma de protesto. Quanto aos pobres virtuosos,
devemos ter pena deles, mas jamais admirá-los.

Eles entraram num acordo particular com o inimigo e venderam os seus direitos
por um preço muito baixo. Devem ser também extraordinariamente estúpidos.
Posso entender um homem que aceita as leis que protegem a propriedade
privada e admita que ela seja acumulada enquanto for capaz de realizar alguma
forma de atividade intelectual sob tais condições. Mas não consigo entender
como alguém que tem uma vida medonha graças a essas leis possa ainda
concordar com a sua continuidade.
Entretanto, a explicação não é difícil, pelo contrário. A miséria e a pobreza são
de tais modos degradantes e exercem um efeito tão paralisante sobre a
natureza humana que nenhuma classe consegue realmente ter consciência do
seu próprio sofrimento. É preciso que outras pessoas venham apontá-lo e
mesmo assim muitas vezes não acreditam nelas. O que os patrões dizem sobre
os agitadores é totalmente verdadeiro. Os agitadores são um bando de pessoas
intrometidas que se infiltram num determinado segmento da comunidade
totalmente satisfeito com a situação em que vivem e semeiam o
descontentamento nele. É por isso que os agitadores são necessários. Sem eles,
em nosso estado imperfeito, a civilização não avançaria. A abolição da
escravatura na América não foi uma conseqüência da ação direta dos escravos
nem uma expressão do seu desejo de liberdade. A escravidão foi abolida graças
à conduta totalmente ilegal de agitadores vindos de Boston e de outros lugares,
que não eram escravos, não tinham escravos nem qualquer relação direta com o
problema. Foram eles, sem dúvida, que começaram tudo. É curioso lembrar que
dos próprios escravos eles recebiam pouquíssima ajuda material e quase
nenhuma solidariedade. E quando a guerra terminou e os escravos descobriram
que estavam livres, tão livres que podiam até morrer de fome livremente,
muitos lamentaram amargamente a nova situação. Para o pensador, o fato mais
trágico da revolução francesa não foi o de que Maria Antonieta tenha sido morta
por ser rainha, mas que os camponeses famintos da Vendée tivessem
concordado em morrer defendendo a causa do feudalismo.

You might also like