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Fundamentos e Metodologia da

Educação de Jovens e Adultos

Ana Maria Soek

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02 6º PERÍODO - 1 PROVA - 21/07/2010 APROVAÇÃO: NÃO ( ) SIM ( ) ____________


Fundamentos e Metodologia da
Educação de Jovens e Adultos

Ana Maria Soek

Curitiba
2010
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424

Soek, Ana Maria


S681f Fundamentos e metodologia da educação de jovens e adultos /
Ana Maria Soek. – Curitiba: Editora Fael, 2010.
145 p.
Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
1. Educação de jovens e adultos. I. Título.
CDD 371.9

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

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Edição Silvia Milena Bernsdorf
Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin
ilustração da Capa Cristian Crescencio
Diagramação Denise Pires Pierin
Dedico esta obra à minha filha Ana Paula, que me fez companhia em seus
primeiros meses de vida, enquanto eu escrevia este livro.
Agradeço a Deus pela sabedoria maior.
Aos meus pais pelo dom da vida.
Ao meu esposo, Paulo Morais, pelo incentivo e apoio em todos os
­momentos de nossas vidas.
A todos os familiares pela compreensão.
Aos mestres da Universidade Federal do Paraná que sempre se dispuse-
ram a compartilhar seus conhecimentos durante minha formação.
Aos meus educandos, com os quais tive o prazer de aprender e ensinar
durante minha trajetória profissional.
À equipe editorial da Editora Fael, por todo o profissinalismo na execu-
ção deste trabalho.
apresentação
apresentação
Ensinar não é transferir conhecimento,
mas criar as possibilidades para sua
produção e construção.
Paulo Freire

A tarefa de falar da obra da professora Ana Maria Soek nos permi-


te fazer uma retomada de sua trajetória de pesquisa, onde se percebe
a responsabilidade acadêmica e cientifica aliada a uma sensibilidade
social com aqueles que, por diferentes fatores, não tiveram a oportuni-
dade de escolarização.
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos per-
mite não somente a ampliação dos conhecimentos, de forma prazerosa
e significativa, acerca da história da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
no Brasil e suas diferentes políticas e encaminhamentos, mas, também,
contribui para uma reflexão sobre o educando da EJA, que, muitas vezes,
é visto como um trabalhador pobre, oprimido e excluído, mas que, no
entanto, possui um papel atuante na sociedade, sendo responsável pela
produção social.
A autora traz diferentes metodologias que podem ser empregadas
na busca incansável de se enfrentar e superar os desafios da alfabe-
tização, do letramento, do desenvolvimento da oralidade e do raciocí-
nio lógico, fundamentais para o indivíduo enfrentar o mundo moderno e
construir a consciência de sua condição na sociedade.
Esta produção didática busca, ainda, analisar a influência da me-
diação sociocultural na aprendizagem, bem como o contexto em que
se articulam as experiências dos educandos da EJA na construção do
conhecimento. Assim, as especificidades do trabalho pedagógico são
apresentadas de forma a valorizar os interesses individuais e o ritmo
de aprendizagem do educando, levando em consideração seus saberes e
experiências adquiridos.
apresentação
apresentação
Para encerrar sua trajetória crítica, o livro dá destaque a um dos
pontos fundamentais no trabalho com a EJA – a formação do educador –,
ressaltando que, além da necessidade de uma formação contínua, os edu-
cadores devem perceber a realidade social e a condição de seus educan-
dos, proporcionando-lhes um ensino que possibilite reflexão e criticidade,
de modo que possam compreender os múltiplos mecanismos sociais.
Sinto-me incorporado a esse trabalho, pois eu e Ana Maria Soek vive-
mos ricas experiências educacionais durante o Mestrado, no qual pudemos
discutir os diferentes encaminhamentos da Educação de Jovens e Adultos
no Brasil. Assim, além de recomendar a obra, fico à vontade para dizer que
ela contribuirá de maneira significativa na formação dos profissionais que
irão atuar com jovens e adultos e que deverão ter responsabilidade, com-
prometimento e consciência de suas condições enquanto educadores.
Francisco Carlos Pierin Mendes*

* Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua na rede publi-
ca de ensino e é professor do curso de pedagogia da FAEL nas modalidades presencial
e a distância.
sumário
sumário
. Prefácio..................................................................................... 11

1. Aspectos sócio-históricos e filosóficos da Educação de


Jovens e Adultos no Brasil........................................................ 13

2. Sistema organizacional da EJA no Brasil.................................. 35

3. Especificidades do trabalho pedagógico frente ao


perfil do educando da EJA......................................................... 49

4. Mediação pedagógica na EJA................................................... 65

5. Relações de ensino e aprendizagem na EJA............................ 79

6. Função social da leitura e da escrita........................................ 89

7. Desenvolvimento da oralidade e do raciocínio lógico............ 101

8. Desenvolvimento cognitivo e social dos


educandos da EJA................................................................... 115
sumário
sumário
9. Teoria e prática nas relações fundamentais do
trabalho docente..................................................................... 125

. Referências............................................................................. 137
prefácio
prefácio
P osso dizer que as inspirações para uma obra como esta sur-
giram bem antes de me tornar professora. Ainda pequena, assim que
aprendi a ler e a escrever, já aspirando à profissão docente, adorava
brincar de escolinha. E foi em uma dessas brincadeiras de infância
que alfabetizei o primeiro jovem trabalhador.
Lembro-me bem de que em uma tarde, enquanto brincava de
escolinha, um dos trabalhadores do sítio em que eu morava se inte- 11
ressou pela “dinâmica da aula” e pediu para que eu escrevesse o nome
dele em um papel. Imediatamente comecei a rabiscar o nome solici-
tado e, na medida em que eu escrevia o nome do jovem trabalhador,
ele solicitva que eu escrevesse outros nomes, como o de seus pais e
irmãos, bem como o de uma moça por quem estava apaixonado.
Nos dias seguintes, sempre quando eu brincava de escolinha, o
jovem vinha até mim e perguntava como se escrevia uma ou outra
coisa. De vez em quando, trazia, também, um pedaço de papel com
alguma coisa escrita para eu ler para ele. Assim, com o tempo, aquele
jovem aprendeu a escrever o próprio nome e a ler e a escrever outras
coisas de seu mundo que lhe interessavam.
Na época, não percebi o que essa experiência significou: foi a
única oportunidade que aquela pessoa teve de aprender alguma coisa
relacionada ao mundo da leitura e da escrita. Durante muitos anos,
eu tinha em mente que as pessoas aprendiam a ler e a escrever natu-
ralmente. Como pode alguém não saber escrever o próprio nome?
Com o passar do tempo, percebi, também, que meus pais tinham
dificuldades com o mundo da escrita, e que muitas pessoas na região
em que eu nasci possuíam poucos anos de estudo.
prefácio
prefácio
Desse contexto, surgiram a necessidade e a vontade de fazer
algu­­ma coisa pelas pessoas pouco escolarizadas, e o caminho escolhi-
do foi me tornar uma professora. Mesmo estudando em uma escola
rural, com poucos recursos, sempre mantive o sonho de chegar à
faculdade. Assim, estudei pedagogia e me especializei em Educação
de Jovens e Adultos.
Derivam dessa história e da minha dissertação de Mestrado as
principais ideias contidas nesta obra, que também é resultante da
12
convivência com educandos jovens e adultos com os quais tive o pra-
zer de aprender e de ensinar durante minha trajetória profissional.
Com o mesmo prazer, espero poder compartilhar com inúmeros edu-
cadores os pressupostos teóricos e metodológicos apresentados e dis-
cutidos neste livro, assim como inspirar a beleza que o ato de lecionar
ainda apresenta.
A autora.*

* Ana Maria Soek é pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e, atualmente, vem se dedicando à Educação a Distância e à educação de pessoas
adultas. Além disso, trabalha com a formação de professores e é autora e editora de
materiais didático-pedagógicos.
1
Aspectos sócio-históricos
e filosóficos da Educação
de Jovens e Adultos
no Brasil

N este capítulo, será enfocada a história da Educação de Jovens


e Adultos (EJA), desde as primeiras iniciativas de educação da nação
brasileira, até a constituição da EJA como uma modalidade educativa
que possui especificidades próprias.
Para melhor compreender a trajetória histórica das lutas pela edu-
cação de uma nação, é necessário estabelecer paralelos com a própria
história do país. Por isso, durante este capítulo, apresentaremos as prin-
cipais iniciativas da Educação de Jovens e Adultos no decorrer da histó- 13
ria do Brasil, situando os aspectos sociopolíticos e filosóficos que per-
mearam as mais relevantes campanhas educativas para essa faixa etária.

Primeiras iniciativas de Educação de Jovens e


Adultos1
Pode-se dizer que os primeiros educadores foram os Jesuítas, que
chegaram ao Brasil com a pretenção de catequisar a população a par-
tir de princípios religiosos, transmitindo normas de comportamento e
ensi­nando ofícios necessários ao funcionamento da economia colonial.
Como a maioria da população era analfabeta, o método de ensino dos
jesuítas consistia em um conjunto de regras e preceitos religiosos, deno-
minado de ratio studiorium e transmitido, basicamente, pela oralidade.
As primeiras escolas apareceram bem mais tarde, ainda sobre influên-
cia dos jesuítas, que se encarregaram de organizar escolas de humanidades,

1 As principais ideias aqui apresentadas foram originalmente construídas para a disserta-


ção de Mestrado de Ana Maria Soek (2009).
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

que eram baseadas em princípios cristãos. De acordo com os estudos de


Paiva (1987, p. 58), ao se analisar os registros históricos, percebe-se que,
no Brasil, durante quase quatro séculos, prevaleceu o domínio da cultura
branca, cristã, masculina e alfabetizada sobre a cultura dos índios, negros,
mulheres e não alfabetizados, o que gerou uma educação seletiva, descri-
minatória e excludente, que mantém similaridades até os dias atuais.

Reflita
Reflita
Como vimos, o conceito de educação está fortemente atrelado ao
contexto e ao momento histórico vivenciado. Fazendo um parale-
lo entre esse primeiro momento histórico do Brasil e o que você já
sabe sobre a Educação de Jovens e Adultos, que comparações po-
dem ser estabelecidas?
O que podemos analisar, por exemplo, sobre a situação que durou qua-
se quatro séculos na história do Brasil de “domínio da cultura branca,
cristã, masculina e alfabetizada sobre a cultura dos índios, negros, mu-
14
lheres e analfabetos”, o que gerou uma “educação seletiva, descrimina-
tória e excludente”, conforme citado dos estudos de Paiva (1987)?
Reflita
Reflita
Na primeira Constituição Brasileira (1824) encontramos registros
sobre a instrução primária gratuita para todos os cidadãos; no entanto,
sabe-se que, durante um longo período da história do Brasil, essa educa-
ção foi destinada somente às elites, uma pequena parcela da popu­lação.
Em consequência disso, pouco a pouco, foi aumentando o percentual
de pessoas não alfabetizadas. De acordo com o censo do ano de 1920,
havia um índice de 72% da população, com idade acima de cinco anos,
que nunca havia ido à escola.
A Revolução de 1930 deu início ao processo de reformulação da
função do setor público no Brasil, e a sociedade brasileira passou por
grandes transformações decorrentes do processo de industrialização.
Com a promulgação da Constituição de 1934 foi previsto o ensino
obrigatório, tanto para crianças, quanto para adultos, sendo a primeira

FAEL
Capítulo 1

vez em que se apontou a necessidade de oferecer educação básica também


para jovens e adultos que não haviam frequentado a escola quando crian-
ças, rompendo com a ideia predominante, até então, de que a escola era
necessária somente a crianças. Foi mencionado, ainda, o direito de o estu-
dante ter acesso ao livro didático e ao dicionário de língua portuguesa.
No recenseamento geral de 1940, a divulgação de que 55% dos
brasileiros, com mais de 18 anos, não haviam sido alfabetizados desper-
tou o país para o combate nacional ao analfabetismo. Essa iniciativa,
ligada às campanhas de alfabetização propostas aos países com gran-
des desigualdades sociais pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) impulsionou o projeto de
implantação, no Brasil, de uma rede de ensino primário supletivo para
adultos não alfabetizados.
Saiba mais
Primeira grande campanha Manuel Lourenço Filho nasceu em Porto Fer‑
de educação de adultos reira, São Paulo, em 1897, e faleceu em 1970.
Educador do magistério público, foi responsá‑
A partir de 1945, com o fim
vel pela reforma do ensino público no Ceará e, 15
da ditadura de Getúlio Vargas, o em 1935, foi nomeado professor de psicologia
Brasil viveu a efervescência polí- educacional e diretor da Escola de Educação da
tica da redemocratização. Era ur- Universidade do Distrito Federal. Em 1938, a
gente a necessidade de aumentar pedido do ministro Gustavo Capanema, organi‑
as bases eleitorais para a susten- zou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógi‑
tação do governo central, inte- cos que, em 1944, lançou a Revista Brasileira de
grar as massas populacionais de Estudos Pedagógicos. Lourenço Filho defen‑
imigração recente e, sobretudo, deu a necessidade da elevação dos níveis de
instrução de toda a população como condição
incrementar a produção. Para
para o desenvolvimento econômico da nação e
tan­­­­to, era necessário oferecer ins- foi protagonista da Campanha de Educação de
trução mínima à população. Adultos, em 1940, que visava instituir políticas
Em 1947, foi lançado um globais para solucionar os problemas da esfera
educacional. Em 1949, organizou e dirigiu o
projeto nacional intitulado Cam-
Seminário Interamericano de Alfabetização
panha de Educação de Adul-
e Educação de Adultos, realizado no Rio de
tos, idealizado por ­Lourenço Janeiro, sob os auspícios da Organização dos
­Filho e inspirado no método de Estados Americanos (OEA) e da Organização
­Laubach, que se fundamentava das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
nos estudos de psicologia expe- e a Cultura (Unesco). Nessa ocasião, recebeu o
rimental realizados nos Estados título de “Maestro de las Américas”.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Unidos, nas décadas de 20 e 30


Saiba mais do mesmo século.
Frank Charles Laubach nasceu na cidade
de Benton, Pensilvânia, Estados Unidos. As experiências de Laubach
Formou‑se na Universidade de Princeton, chamaram a atenção de vários
especializou-se em letras, pedagogia e teolo‑ governos no mundo, e ele pró-
gia e doutorou-se em sociologia, na Univer‑ prio chegou a preparar lições e
sidade de Columbia. Iniciou um trabalho de treinar pessoas em mais de cem
assistência humanitária nas Filipinas, em 1915,
países. Em 1945, a convite de
e, em 1928, formulou um método baseado no
Lourenço Filho, Laubach este-
conhecimento prévio dos adultos, alfabeti­
zando 60% do total da população nativa.
ve no Brasil proferindo pales-
Seu método foi adaptado para os 17 dialetos tras e cursos sobre seu método
falados nas Filipinas. de ensino.

A metodologia proposta por Laubach apresenta os seguintes princípios


(BRASIL, 2005, p. 36):

16
• oferecer oportunidades e incentivos aos alfabetizandos, porque todos
são capazes de aprender;
• construir a educação de jovens e adultos a partir dos conhecimentos já
existentes, cabendo ao educador a tarefa de ajudá-los a construir novos
conhecimentos;
• despertar no alfabetizando o interesse por assuntos que fazem parte de
seu cotidiano, para que ele possa estabelecer relações entre o conhecido
e o novo;
• incentivar o alfabetizando sempre, mesmo que erre, observando que as
correções devem ser feitas de forma a motivá-lo a novas tentativas;
• elogiar com palavras de ânimo e conscientização;
• manter entre o educador e o alfabetizando, antes de tudo, uma relação de
amizade, na qual a confiança e o preparo façam uma grande diferença;
• propor um caminho para a escrita e a leitura sem grandes dificuldades e
abstrações, para que o alfabetizando sinta-se capaz diante dos desafios,
já que conseguirá ler palavras e até um pequeno texto na primeira aula;

FAEL
Capítulo 1

• utilizar material de apoio com adaptações necessárias às atividades que


serão propostas em sala de aula;
• orientar o processo de construção e compreensão da linguagem oral e
escrita, veiculando o significado e a representação do objeto, além do do-
mínio dos mecanismos do ler e do escrever, evidenciando, dessa forma,
que se deve trabalhar, primeiramente, o significado do conhecimento;
• criar condições para o reconhecimento do caminho mais lógico da lei-
tura, para, a partir deste estágio, ser possível a elaboração de outros
caminhos;
• partir, sempre, do conhecido para o desconhecido, do geral para o par-
ticular;
• respeitar as diferenças individuais e o ritmo próprio de aprendizagem
de cada alfabetizando;
• ensinar os alfabetizandos em diferentes estágios, o que consiste em um
ganho e não um problema; 17

• oferecer o melhor para os alfabetizandos em todos os aspectos; porém,


se não houver material didático ou instalações disponíveis, deve-se alfa-
betizar com os recursos existentes, em qualquer lugar ou circunstância;
• lembrar que a idade não importa, pois todos alfabetizandos podem
aprender.

Para Laubach, o adulto não alfabetizado não deixa de ser uma


pessoa instruída pelo fato de não saber ler e escrever. Ele só não teve
acesso ao conhecimento formal. Para esse educador, promover a alfa-
betização é mudar a consciência da pessoa, reintegrando-a ao meio em
que vive e colocando-a no mesmo plano de conhecimento de direitos
humanos fundamentais.
No Brasil, a primeira Campanha de Educação de Adultos, inspi­
rada nos princípios do método Laubach, consistiu em um processo que
contemplava desde a alfabetização intensiva, com duração de três meses,
passando pelo curso primário, que era dividido em dois períodos de sete

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

meses, e culminando na etapa final, denominada ação em profundidade,


voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário.
Em um curto período de tempo, foram criadas várias escolas
suple­tivas, mobilizando esforços das esferas administrativas e de diver-
sos profissionais e voluntários. Além disso, foi criado, pela primeira
vez, um material didático específico para o ensino da leitura e da escrita
para os adultos.
O Primeiro guia de leitura, distribuído pelo ministério em larga
escala para as escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo
método silábico. Consistia no uso de uma cartilha padroni­
zada, com lições de ênfase na organização fonética das palavras.
As lições partiam de palavras-chave selecionadas e or­ganizadas
segundo as características fonéticas. A função dessas palavras
era remeter aos padrões silábicos, como foco de estudo. As síla­
bas deveriam ser memorizadas e remontadas para formar ou-
tras palavras. As primeiras lições também continham pequenas
frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as fra-
ses compunham pequenos textos contendo orientações sobre
preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens
de moral e civismo (RIBEIRO, 1997, p. 29).
18
Dessa forma, a educação de adultos desenvolveu-se a partir de ati-
vidades de alfabetização, que forneciam, além dos códigos linguísticos,
os valores culturais que permitiam a participação social, pois essa alfa-
betização era orientada para integrar os adultos iletrados ao meio em
que viviam, ensinando-lhes, fundamentalmente, a leitura, a escrita e o
cálculo matemático. O educador, em grande parte, era leigo, e o ensino
resumia-se nas orientações da cartilha.
A avaliação da Campanha de Educação de Adultos mostrou-se
vito­­riosa em sua primeira década, pois, além da ampliação das classes e
escolas, possibilitou a elevação da taxa de alfabetização. No entanto, a
execução da campanha foi sendo cada vez mais descentralizada, e, com
a mudança de governo, foram se extinguindo as verbas, ficando as ações
da campanha cada vez mais dependentes de doações e dos trabalhos de
voluntários da base popular.
Com o tempo, outras campanhas foram organizadas pelo Ministério
da Educação e Cultura: em 1952, a Campanha Nacional de Educação
Rural e, em 1958, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabe­
tismo. Ambas tiveram vida curta e pouco realizaram, pois a preocupação,

FAEL
Capítulo 1

mesmo que inserida dentro da vertente da Educação Popular, era muito


mais em diminuir índices de analfabetismo, do que com a qualidade da
educação e a emancipação política e cultural da população.

Alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire


No final da década de 50 do
século XX, as críticas à Campa- Saiba mais
nha de Educação de Adultos di- Paulo Reglus Neves Freire, grande educador
rigiam-se tanto às suas deficiên­ brasileiro, nasceu no dia 19 de setembro de
cias administrativas e financeiras 1921, em Recife, Pernambuco. Inspirador da
Educação Popular, tornou-se referência para
quanto à sua orientação peda-
as gerações de educadores, especialmente na
gógica. Denunciava-se o caráter
América Latina e na África. Sofreu a persegui‑
superficial do aprendizado, que ção do Regime Militar no Brasil (1964-1985),
se efetivava no curto período da sendo preso e forçado ao exílio.
alfabetização, a inadequação do
Com a experiência em Angicos (Rio Grande do
método para a população adulta
Norte), Freire alfabetizou trezentos trabalha‑
e o uso do mesmo material didá- dores em 45 dias, sem usar a tradicional carti‑
tico (cartilha) para as diferentes lha e com uma perspectiva de educação para 19
regiões do país. a libertação dos oprimidos, transcendendo as
técnicas e centrando o processo de alfabetiza‑
Todas essas críticas con-
ção em elementos de conscientização.
vergiram para uma nova visão
sobre o problema do analfabe- O pensamento pedagógico de Paulo Freire,
tismo e para a consolidação de assim como sua proposta para a alfabetização
de adultos, inspiraram os principais progra‑
um novo paradigma pedagógico
mas de alfabetização e de Educação Popular,
para a educação de adultos, cuja realizados no país no início dos anos 60 do
referência principal foi o educa- século XX e que trabalhavam com uma pers‑
dor pernambucano Paulo ­Freire pectiva político-cultural, envolvendo a Igreja,
voltado sobretudo em uma pro- partidos políticos de esquerda, estudantes e
posta de educação popular. outros setores.

Os programas de Educação Em 1980, depois de 16 anos de exílio, Freire


Popular foram empreendidos retornou ao Brasil, onde escreveu dois livros
em grande parte por educado- tidos como fundamentais em sua obra: Peda-
gogia da esperança (1992) e À sombra desta
res leigos, estudantes e católicos
mangueira (1995). Entre suas maiores obras
engajados em uma ação política está Pedagogia da autonomia, publicada em
junto aos grupos de vertentes diversos países.
populares. Esses diversos grupos

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de educadores articularam-se e passaram a pressionar o Governo Fede-


ral para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional para
as iniciativas da sociedade civil.

Plano Nacional de Alfabetização


Em janeiro do ano de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de
Alfabetização, que previa a disseminação de programas de educação
de adultos, orientados pela proposta de Paulo Freire, por todo Brasil.
Contando, em grande parte, com educadores populares, a preparação
do plano, com forte engajamento de estudantes, sindicatos e diversos
grupos estimulados pela efervescência política da época, foi interrom-
pida, alguns meses depois, pelo Golpe Militar.

Reflita
Reflita
Imagine como estaria o Brasil hoje se o Plano Nacional de
Alfabetização proposto por Paulo Freire não fosse interrompido
20 pelo Golpe Militar?
Reflita
Reflita
O paradigma pedagógico proposto por Freire baseava-se em um novo
entendimento da relação entre as problemáticas educacional e a social.
“Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabe-
tismo passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada
por uma estrutura social não igualitária.” (PAIVA, 1987, p. 216).
Freire (1996) criticou a chamada “educação bancária”, que con-
siderava o analfabeto como alguém que não possui cultura ou conhe-
cimento, uma espécie de banco onde o educador deveria depositar o
conhecimento. Como contraponto a esse modelo, Freire fez referência
à educação problematizadora. A educação apregoada por Freire não
se caracteriza pela transmissão de conhecimentos, como se o processo
de ensino e de aprendizagem circulasse em uma rua de mão única.
Tomando o alfabetizando como sujeito de sua aprendizagem, ele pro-
punha uma ação educativa que não negasse a cultura, mas que fosse
transformando-a através de um diálogo ancorado no tripé educador/
alfabetizando/objeto do conhecimento.

FAEL
Capítulo 1

Com uma proposta conscientizadora de alfabetização de adultos,


prescindindo da utilização de cartilhas, valorizando os saberes dos alfa­
betizandos, dos quais se originavam os conteúdos de ensino, e consi-
derando que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, Freire
(1996) desenvolveu um conjunto de ações pedagógicas, amplamente
divulgadas e conhecidas.

A proposta de Freire previa a realização de uma pesquisa que deveria ser


realizada pelo educador, acerca da realidade existencial do grupo junto ao
qual iria atuar. Concomitantemente, deveria ser feito um levantamento do
universo vocabular, ou seja, das palavras utilizadas por esse grupo para ex-
pressar sua realidade, com o objetivo de levar o alfabetizando a assumir-se
como sujeito de sua aprendizagem, valorizando a cultura local. Desse uni-
verso, o educador deveria selecionar as palavras com maior sentido, que
expressassem as situações existenciais mais importantes para o grupo. De-
pois, seria necessário selecionar um conjunto que contivesse os diversos
padrões silábicos da língua, organizando-o segundo seus graus de comple- 21
xidade. Essas seriam as “palavras geradoras”, a partir das quais se realizaria
tanto o estudo da realidade, quanto a leitura e a escrita, ou seja, a leitura de
mundo e a leitura da palavra.
Utilizando a exposição escrita aliada a uma ilustração, o educador deveria
dirigir a discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo dos ho-
mens como produtores de diferentes formas de cultura. A partir da situa-
ção-problema ou da “palavra geradora”, desencadeava-se um debate dirigido
e, em seguida, a palavra escrita era analisada em suas partes componentes:
as sílabas. Na sequência, era apresentado um quadro com as famílias silábi-
cas com as quais os alfabetizandos deveriam construir novas palavras.
Com um elenco de dez a vinte “palavras geradoras”, mantendo-se a se-
leção gradual das dificuldades fonéticas, acreditava-se conseguir alfabe-
tizar, ainda que em um nível rudimentar. Em uma etapa posterior, as
“palavras geradoras” seriam substituídas por “temas geradores”, a partir
dos quais os alfabetizandos aprofundariam as análises dos problemas
comunitários e ­sociais, sempre em uma visão crítica do contexto em que
estavam inseridos.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Nesse período, foram produzidos diversos materiais orientados


por princípios freirianos para a alfabetização de adultos. Esses mate-
riais, normalmente elaborados regional ou localmente, procuravam
expressar o universo vivencial dos alfabetizandos. Para contextualizar
esse universo, os materiais continham as “palavras geradoras”, que eram
acompanhadas de imagens relacionadas a temas para debates, e os qua-
dros de descoberta, com as sílabas derivadas das palavras, acrescidas de
pequenas frases para leitura. O que caracterizava esses materiais não era
apenas a referência à realidade imediata dos adultos, mas, principal-
mente, a intenção de problematizar essa realidade.

Golpe Militar e seu impacto na alfabetização de adultos


Com o reordenamento político para proporcionar condições de
desenvolvimento do modelo capitalista, a educação básica para jovens
e adultos ficou nas mãos de governos autoritários, a partir do ano de
1964, havendo repressão direta aos trabalhos envolvidos com a Educa-
ção Popular proposta por Paulo Freire.
22 Nesse momento, houve várias mudanças no campo das políticas
s­ ociais, e, em especial, na educação de adultos. Pessoas e grupos que esta-
vam, até então, voltados para os trabalhos com a Educação Popular foram
reprimidos, e os responsáveis, expulsos do país, entre eles Paulo Freire.
A multiplicação dos programas de alfabetização de adultos,
fecundada pela organização política das massas, aparecia como
algo especialmente ameaçador aos grupos direitistas; já não
parecia haver mais esperança de conquistar o novo eleito­
rado [...] a alfabetização e educação das massas adultas pelos
progra­mas promovidos a partir dos anos 60 aparecia como um
perigo para a estabilidade do regime, para a preservação da
ordem capitalista. Difundindo novas ideias sociais, tais pro-
gramas poderiam tornar o processo político incontrolável por
parte dos tradicionais detentores do poder e a ampliação dos
mesmos poderia até provocar uma reação popular importante
a qualquer tentativa mais tardia de golpe das forças conserva-
doras (PAIVA,1987, p. 259).

Com o Golpe Militar de 1964, os movimentos de alfabetização


foram proibidos, e alguns livros, utilizados nesses programas, foram
confis­cados por serem classificados como de teor comunista e uma
ameaça à ordem instalada pelo Poder Militar.

FAEL
Capítulo 1

Em 1966, o programa de alfabetização encerrou-se em alguns


estados devido à pressão exercida pelo governo militar, que só per-
mitia a realização de programas de alfabetização de adultos com
caráter assistencialista e conservador, até que, em 1967, assumiu o
controle dessa atividade, lançando o Movimento Brasileiro de Alfa-
betização (Mobral).

Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral)


O Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi a resposta
do regime militar à grave situação de analfabetismo no país. Criado em
dezembro de 1967, com o objetivo geral de erradicar o analfabetismo
e possibilitar a educação continuada aos jovens e adultos, esse progra-
ma demonstrou a necessidade de dar continuidade à escolarização. De
acordo com Paiva (1987), com a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional n. 5.692, de 1971, que foi, sem dúvidas,
o evento de maior destaque para a reinserção escolar daqueles que não
tiveram oportunidade de estudar na época certa, expandiu-se a necessi-
dade de criação do ensino supletivo. 23
Nesse contexto, passou-se a entender a política educacional de
adultos como a incorporação das práticas de temas ligados ao desen-
volvimento, como educação e investimento, teleducação e tecnologia
educacional, evidenciando que a educação deveria estar alinhada ao
modelo global que buscava racionalizar recursos e estabelecer metas.
No decorrer desse mesmo período, foram criados os Centros de Es-
tudos Supletivos (CES), nos quais as atividades desenvolvidas basea­
vam‑se nos princípios do ensino personalizado, com metodologia
própria, que recomendava a adoção de estudo dirigido, a orientação
individual ou em pequenos grupos, a instrução programada e o uso de
rádio, televisão e multimeios.
No modelo de alfabetização proposto pelo Mobral, as técnicas uti-
lizadas consistiam em codificações de palavras preestabelecidas, escritas
em cartazes com as famílias fonéticas, quadros ou fichas de descoberta,
muito próximos das metodologias anteriormente utilizadas no mo-
delo de Paulo Freire. No entanto, havia uma diferença fundamental:
as “palavras”, tanto quanto as fichas de codificações eram elaboradas
da mesma forma para todo o Brasil, a partir de problemáticas sociais

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

particulares do povo. Tratava-se fundamentalmente de ensinar a ler, a


escrever e a contar, deixando de lado a autonomia e a conscientização
crítica e transformadora da linha iniciada por Paulo Freire.
Para se atingir os objetivos do programa, foram criados materiais didá­
ticos constituídos de livro-texto, livro-glossário, livro para exercitar o cálcu-
lo, livro do educador e um conjunto de cartazes. Esse material foi modifi-
cado em 1977 e passou a ser chamado de Conjunto Didático Básico.
A capacitação dos educadores (também chamados de monitores ou
educadores não profissionais) pautava-se na ideia de que o recurso da uti-
lização de pessoas da comunidade em geral para ensinar aos que sabiam
menos era válido, legítimo, natural e, também, uma grande opção para
os países ou regiões que possuíam escassez de recursos humanos qualifi-
cados para realizar tal função (PAIVA, 1987). E o que se fez, então, para
eliminar os problemas decorrentes dessa decisão? O entendimento era de
que um bom material didático, acompanhado de um manual-guia para
o educador, que tivesse um “treinamento” e seguisse as recomendações
didáticas, bastariam para a qualidade do trabalho pedagógico vinculado
24 ao processo de alfabetização. Essa concepção deriva do modelo tecnicis-
ta, influência recebida dos Estados Unidos e das pesquisas behavioristas
baseadas nos mecanismos de estímulo-resposta propostos por Skinner.

No modelo tecnicista, o ensino é representado por padrões de com-


portamento, que podem ser mudados por meio de treinamentos. A
aprendizagem consiste em um arranjo e planejamento de continências
de reforços (elogios, graus, notas, prêmios, reconhecimento do mestre e
dos colegas, prestígios). É o educador quem deve dirigir o ensino para
asse­gurar a aquisição dos padrões da leitura, da escrita e do cálculo e pre-
ver o repertório final desejado.
O behaviorismo refere-se a um conjunto de pressupostos baseado nos pa-
drões de comportamento, sendo Skinner um dos principais representantes
dessa corrente. Para os behavioristas, o comportamento pode ser moldado.

Dessa forma, o método do Mobral não partia do diálogo e da rea-


lidade existencial, mas de lições preestabelecidas pelo contexto militar.

FAEL
Capítulo 1

Considerando as similaridades das propostas, podemos afirmar que o


método de Paulo Freire foi refuncionalizado com princípios metodo-
lógicos que não respeitavam a conquista da autonomia e o desenvolvi-
mento da consciência crítica do alfabetizando.
Com a emergência dos movimentos sociais e o início da aber­­­
tura política na década de 80 do século XX, as pequenas experiências
de alfa­betização foram se ampliando, construindo canais de trocas de
vivên­­­cias e reflexões e a articulação de novas ações pedagógicas. Projetos
de alfabetização se desdobraram em turmas de pós-alfabetização, em
que se avançava no trabalho com a língua escrita, além das operações
matemáticas básicas.
Também as administrações de alguns estados e municípios maiores
passaram a ganhar autonomia com relação ao Mobral, acolhendo educa-
dores que se esforçaram na reorientação de seus programas de educação
básica de adultos. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, pois,
além de não conseguir manter os programas educativos, propunha uma
metodologia considerada ultrapassada, o Mobral foi extinto em 1985.
Seu lugar foi ocupado pela Fundação Nacional para Educação de Jovens 25
e Adultos (Fundação Educar), que abriu mão de executar diretamente os
programas, passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas não
governamentais (ONGs), entidades civis e empresas conveniadas.
O Mobral esteve presente por um longo período na história recente
do nosso país e ainda hoje encontramos alunos e professores que vivencia-
ram esse período da história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil.

Movimento de alfabetização em parcerias


A Fundação Educar foi criada em 1985, substituindo o Mo-
bral. Substancialmente, a Fundação Educar promovia a execução dos
programas de alfabetização por meio do apoio financeiro e técnico
às ações de outros níveis de organizações não governamentais e de
empresas, não havendo uma unidade de esforços do governo para a
alfabetização de jovens e adultos. Havia, portanto, uma retirada das
ações do Estado em relação a essa modalidade de educação.
Com a Constituição de 1988, o dever do Estado com a Educa-
ção de Jovens e Adultos foi ampliado ao se determinar a garantia de

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

“Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua


oferta para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria”
(BRASIL, 1988).
Contudo, a partir de 1988, com as políticas de descentralização de
poder e descentralização administrativa, viabilizaram-se parcerias entre
organizações da sociedade civil e o Estado, nos mais diversos níveis,
visando à definição e execução das políticas sociais e municipalização
das ações do Estado nas diversas áreas, como saúde, educação e assis­
tência social. Nas campanhas de alfabetização de jovens e adultos, essas
medidas refletiram nas iniciativas privadas e não governamentais que,
durante a década de 90 do século XX, foram as maiores responsáveis
pela atuação nesse setor. Mesmo assim, a taxa de analfabetismo da
popu­­lação rural situava-se em um patamar bastante alto.

Em 1990, foi realizado em Jomtiem, Tailândia, a Conferência Mundial de


Educação para Todos, que explicitou a dramática realidade mundial de anal-
26
fabetismo de pessoas jovens e adultas e propôs maior equidade social nos
países mais pobres e populosos do mundo. Esse mesmo ano foi considerado
pela Unesco como Ano Internacional da Alfabetização.
A partir de então, têm-se intensificado em todo o mundo as discussões em
torno da alfabetização e da necessidade de progressiva escolarização de
pessoas adultas, assim como uma série de ações têm chamado a atenção do
mundo sobre problemas internacionais cruciais das áreas de alimentação,
saúde e educação.

Adentrando a década de 90, no limiar do século XXI, o Brasil


apresentava um quadro com 20% da população total, com 15 anos ou
mais, em estado de analfabetismo. Esse quadro revela-se ainda mais
severo considerando-se o contingente de analfabetismo funcional, ou
seja, aqueles com escolaridade média, dessa faixa etária, inferior a qua-
tro anos de estudos, ou que “não conseguem ler e escrever um bilhete
simples”, conforme definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE, 2000).
Ainda na década de 90, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional n. 9.394/96, na qual a EJA passou a ser

FAEL
Capítulo 1

considerada uma modalidade da educação básica nas etapas do Ensinos


Fundamental e Médio, usufruindo de uma especificidade própria.
Na segunda metade dessa mesma década, evidenciou-se, também,
um processo de articulação de outros segmentos sociais, como Organi-
zações Não Governamentais (ONGs), Movimentos Sociais, Organiza-
ções Empresariais, “Sistema S”, Alfabetização Solidária, Universidade,
entre outros, buscando debater e propor políticas públicas para EJA.
Nesse período, passaram a se articular movimentos que deram origem
aos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, denominados Enejas (En-
contros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos). No Paraná, houve
os Epejas (Encontros Paranaenses de Educação de Jovens e Adultos),
assim como outros estados passaram a articular seus próprios fóruns.
No final de 1990, foi implantado o Programa Nacional de Alfabe-
tização e Cidadania (PNAC), no governo do então presidente ­Fernando
Collor de Melo, com o objetivo de reduzir o índice de analfabetismo
em 70%, em um período de cinco anos. No entanto, o PNAC não
durou nem um ano sequer.
Com a transição de governo, a atuação que mais se sobressaiu,
27
no cenário da alfabetização, foi a do Programa Alfabetização Solidária
(PAS), que contava com parcerias firmadas entre o governo e insti-
tuições públicas e privadas, como as instituições de Ensino Superior.
O PAS foi implantado em janeiro de 1997 como uma meta governa-
mental do presidente Fernando Henrique Cardoso. O programa tinha
como proposta inicial atuar na alfabetização de jovens e adultos nas
regiões Norte e Nordeste do país, porém conseguiu abranger as regiões
Centro-Oeste e Sudeste, inclusive alguns países da África.
O PAS foi concebido em parceria entre o Conselho da Comuni-
dade Solidária e o Ministério da Educação. Quando foi criado, o PAS
tinha como objetivo:
[...] desencadear um movimento nacional no combate ao
analfabetismo no Brasil. Diferentemente de outros programas
já desenvolvidos, o Programa Alfabetização Solidária tem, des-
de o seu nascedouro, a clareza de que não pode resolver os
problemas sozinho. Nesse sentido, incentiva a parceria entre
governo, a iniciativa privada, as universidades públicas e pri-
vadas e as prefeituras para, no conjunto, somar esforços com
vistas à redução dos índices de desigualdades e de condições
subumanas, especialmente, nas regiões e populações mais
neces­sitadas (PAS, 1997, p. 11).

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

O formato de parcerias proposto pelo programa é baseado em um


modelo solidário, em que “o empenho da sociedade como um todo é
fundamental, quando se enfrenta um problema social tão grave quanto o
analfabetismo” (PAS, 1997, p. 11). A efetivação do programa ocorre na
realização de atividades educadoras nos municípios parceiros, sendo essas
atividades organizadas em módulos, com duração de seis meses. O pri-
meiro mês é destinado ao curso de capacitação dos educadores, e os outros
cinco meses são destinados ao processo de alfabetização em sala de aula.
Na concepção do PAS, para se iniciar o processo de alfabetização é
necessário, inicialmente, “capacitar” o educador com cursos preparató-
rios. Cabe ressaltar que nesse programa não há unicidade na recomenda-
ção nem quanto à capacitação do educador, nem quanto à metodologia
e recursos didáticos que podem ser utilizados. Dessa forma, o modelo de
alfabetização e de “capacitação” ficava a cargo da instituição responsável
por esse processo, no caso, as universidades, às quais cabia o papel de
sele­cionar e capacitar os educadores e de realizar visitas mensais às tur-
mas em andamento, para acompanhamento e orientação do trabalho.
28 Sobre o curso de capacitação de educadores, o documento do
PAS destaca:
A fase de capacitação dos educadores é, sem dúvida, uma etapa
muito importante do Programa; pode-se mesmo afirmar que é
nesse momento que o sucesso ou fracasso da alfabetização se
inicia, pois muitas vezes, mesmo tendo concluído o curso de
magistério, os professores dos municípios apresentam carên-
cias de conteúdo bem relevantes (PAS, 1997, p. 13).

Cabe ressaltar que, para uma atuação eficaz na alfabetização de jovens


e adultos, é necessário mais do que somente cursos de capacitação. São ne-
cessários projetos de formação inicial e, também, formação continuada.
Ainda no modelo de gestão do PAS, havia um coordenador muni-
cipal, normalmente indicado pelo prefeito, e um assessor pedagógico,
função criada em 1999 com o intuito de auxiliar o coordenador muni-
cipal, que além do acompanhamento às turmas e do gerenciamento de
distribuição de merenda, era responsável por todos os aspectos infraes-
truturais para execução do PAS em seu município.
À empresa parceira, cabia a “adoção” de um ou mais municípios
e, ao fazê-lo, responsabilizava-se por despesas que se teria durante os

FAEL
Capítulo 1

módulos, como alimentação, transporte, hospedagem, merenda dos


alunos e bolsas dos educadores.
Cada educador ficava encarregado por uma turma, com um mí-
nimo de 12 a 15 alunos e no máximo 25. Já o Conselho da Comuni-
dade Solidária, através da coordenação executiva do PAS, definia os
municípios, articulando as entidades envolvidas e mobilizando novos
parceiros. A ela cabia o gerenciamento de todo o processo e encaminha-
mento para o repasse dos recursos obtidos junto às empresas parceiras.
Aos educadores, era pago um valor por aluno em sala de aula, ou seja,
quanto mais alunos, mais o educador recebia. Além do controle dos
pagamentos dos educadores, a coordenação executiva era responsável
pela gestão dos recursos destinados à formação dos educadores.
Uma das publicações oficiais sintetiza o modelo de parceria ado-
tado pelo PAS:
Um modelo simples de atuação, desenvolvido a partir do Con-
selho da Comunidade Solidária, permite que o custo mensal
para a manutenção de um aluno do Programa Alfabetização
Solidária seja de somente R$ 34,00, ao longo de um semestre.
Esse valor é dividido entre os parceiros, empresas ou pessoas 29
físicas, e o MEC. Cada parte contribui com apenas R$ 17,00
por mês, o equivalente a cerca de dois ingressos em cinemas
das grandes capitais brasileiras (PAS, 2003, p. 4).

O PAS previa a realização periódica de avaliações das atividades


desenvolvidas nos municípios a partir da mediação das instituições de
Ensino Superior envolvidas no processo. As informações obtidas eram,
posteriormente, tabuladas pela coordenação executiva do programa,
responsável também pela divulgação desses dados. As avaliações apre-
sentavam dados sobre os alunos do programa, como gênero, faixa etá-
ria, aprendizagem, e o número de alunos atendidos, entre outros.

Até o ano de 2002 o Programa Alfabetização Solidária de-


senvolveu, entre outros, os seguintes projetos: Projeto Ver
(1999) visava “reduzir uma das principais razões da evasão
dos alunos: os problemas de visão dos quais se queixam mais
de 18% dos alunos que abandonam a sala de aula”; Proje-
to Grandes Centros Urbanos (1999) “para atender jovens e
adultos nas regiões metropolitanas, onde o índice ­percentual

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de analfabetismo não é tão elevado, mas a concentração de


pessoas não alfabetizadas é grande; Projeto Rádio Escola:
melhorando o trabalho em sala de aula, criado em 2001 a
partir de parceria com a Secretaria de Educação a Distância
do Ministério da Educação, baseava-se na utilização, tanto
na capacitação dos educadores quanto nas salas de aulas, de
programas radiofônicos que visavam “enriquecer as aulas
de alfabetização e estimular o interesse da participação de
alunos e educadores”; Projeto Alfabetização Digital (2001),
atendeu a 20 municípios em projeto-piloto com a finalidade
de propiciar, aos municípios, computadores para que os edu-
cadores tivessem contato com a tecnologia e estreitassem
contatos com as instituições de Ensino Superior; Projeto
Promoção da Saúde (2001) desenvolvido em parceria com
o Ministério da Saúde, consistia na distribuição de cartilhas
com as quais o Programa “não somente melhora a qualidade
de vida de seus alunos e educadores, mas também agrega
valor à aprendizagem da leitura e da escrita, inserindo-a em
um processo maior de introdução social e exercício pleno da
30 cidadania” (PAS, 2003, p. 6).

Com a mudança de governo, em 2002, assumindo o Presidente


Luiz Inácio Lula da Silva, o PAS passou a se chamar Alfabetização Soli-
dária (Alfasol), uma organização não governamental (ONG) que con-
tinua a atender os alfabetizandos por meio de recursos provindos de
parceiros, entre eles o Programa Brasil Alfabetizado, programa oficial de
alfabetização de jovens e adultos no Governo Lula.

Dimensões contextuais do analfabetismo nacional


Na virada do século XX para o XXI, o Brasil ainda contava com cerca
de 13% da população não alfabetizada. Além disso, existia um contin­
gente de 33 milhões de brasileiros em estado de analfabetismo funcional.
Na tabela a seguir, observa-se a evolução histórica dos índices de
analfabetismo de jovens e adultos no Brasil no último século e entre os
últimos anos da década de 90, em que é denotada uma relativa estagna-
ção nas taxas de analfabetismo.

FAEL
Capítulo 1

Tabela Tendência do analfabetismo no Brasil, entre as pessoas


com 15 anos de idade ou mais, a partir de 1920.
ANO (FONTE) TOTAL ANALFABETA ANALFABETA %
1920 (censo) 17.557.282 11.401.715 64.9
1930 (censo) 20.699.500 12.067.808 58.3
1940 (censo) 23.709.769 13.269.381 56.0
1950 (censo) 30.249.423 15.272.632 50.5
1960 (censo) 40.278.602 15.964.852 39.6
1970 (censo) 54.008.604 18.146.977 33.6
1980 (censo) 73.541.943 18.716.847 25.5
1990 (censo) 96.646.265 17.731.958 18.3
1991 (PNAD) 2
95.810.615 18.587.446 19.4
1992 (PNAD) 96.625.133 16.604.738 17.2
1993 (PNAD) 98.517.026 16.191.648 16.4
1995 (PNAD) 103.326.410 16.087.456 15.6
1996 (PNAD) 106.169.456 15.560.260 14.7
1997 (PNAD) 108.025.650 15.883.372 14.7
31
1998 (PNAD) 110.722.726 15.260.549 13.8
1999 (PNAD) 113.081.110 15.073.055 13.3
2000 (Censo) 119.533.04 16.294.889 13.6
Fonte: IBGE (2000).

Na tentativa de reduzir as taxas de analfabetismo foi lançado no ano


2000 o Programa Brasil Alfabetizado, organizado em edições anuais,
cada uma com duração de aproximadamente sete meses. Os educadores
são contratados por meio do sistema de bolsas e não mantêm vínculos
empregatícios. Em grande parte, as pessoas contratadas são educadores
populares e não professores, pois não é exigida uma formação específica
para atuar no Programa.
A gestão do Programa Brasil Alfabetizado é descentralizada, cada
instituição parceira é responsavél pela gestão de recursos, bem como
pela seleção e acompanhamento dos educadores, que, por sua vez, são
responsaveis pela composição das turmas. Contudo, há a necessidade
de prestação de contas, e os dados do Programa são acompanhados
2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

pelo MEC através de um “mapa do analfabetismo”, em que os dados


cadastrais de alfabetizandos, educadores e dos locais de alfabetização
são compilados em um sistema eletrônico aberto para consulta dos par-
ceiros e da comunidade.
Na virada do século, além do redesenho do próprio Programa Bra-
sil Alfabetizado, um importante avanço diz respeito à incorporação da
EJA no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o
que garante recursos próprios para oferta de EJA, e, com isso, há um
estí­­mulo à expansão dessa oferta e de matrículas. Contudo, mesmo com
os avanços perceptíveis, ainda há muito que avançar, considerando que
existe um grande contingente de educandos a serem atendidos.

Dica de Filme
Assista ao filme Narradores de Javé. Nele os moradores de um pequeno vi-
larejo de Javé se deparam com o anúncio de que a cidade poderia desapa-
32 recer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Essa ameaça à pró-
pria existência pode mudar a rotina dos habitantes. Em resposta à notícia
devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar
um documento contando todos os grandes acontecimentos heroicos de sua
história, para que Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos
moradores são analfabetos, a primeira tarefa é encontrar alguém que pu-
desse escrever essas histórias.
O único habitante alfabetizado de Javé é Antônio Biá, um funcionário
do correio local que, para manter seu emprego, passou a escrever cartas
para várias pessoas de outros locais, contando as fofocas das principais
figuras locais, fato que lhe rendeu incontáveis inimigos. Porém, não res-
tou outra opção ao povo de Javé senão exigir que Antônio Biá escrevesse
de “forma científica” o documento que demonstrasse a importância his-
tórica da região.
O filme retrata o perfil de muitas comunidades caren­tes do Brasil e as difi-
culdades de suas lutas. De modo hilariante, o filme nos mostra a dinâmica de
transição da tradição oral para a tradição escrita, e a graça reside no fato de
a memória oral privilegiar alguns detalhes em detrimento de outros. Como

FAEL
Capítulo 1

diz o próprio Biá: “uma coisa é o fato acontecido, outra é o fato escrito”.
Por isso, o filme nos leva a refletir sobre a importância da leitura e escrita
para o desenvolvimento social do país e, consequentemente, para o exer-
cício da cidadania.
No universo da Educação de Jovens e Adultos, ressalta-se a importância de
que as histórias individuais e coletivas dos moradores de tantas outras ­Javés
que existem pelo Brasil sejam valorizadas e não tenham as suas memó­rias
esquecidas e destruídas. Isso demonstra o quanto a história pessoal está
intimamente ligada à história e ao momento histórico do país.
NARRADORES de Javé. Direção de Eliane Caffé. Brasil: Bananeira Filmes;
Gullane Filmes; Laterit Productions: Dist. Riofilme, 2003. 1 filme (100 min),
sonoro, color.
Dica de Filme

33
Da teoria para a prática
Uma sugestão de atividades para se realizar com os educandos da
EJA é organizar uma roda de prosa, em que cada um relate os principais
fatos da história de suas vidas. Uma sugestão é que educandos tragam
fotos ou recortem figuras que representem esses acontecimentos, o que
irá facilitar a apresentação para os colegas.
Oriente os educandos a sentarem em forma de roda e inicie a con-
versa deixando-os à vontade para falar. Você, enquanto educador, pode
começar a exposição. Lembre-se de que o objetivo dessa atividade é
conhe­cer melhor seus educandos e possibilitar a interação entre eles.
Por isso, é importante criar um clima de confiança e respeito, desta-
cando o quanto a história de vida de cada um está relacionada a outras
histórias e à história da comunidade, do município, do estado e da
nação a que pertencem. Se possível, relacione os fatos apresentados com
pontos da história do país.
Com as fotos e figuras trazidas pelos educandos crie um painel
denominado de “Imagens da Vida” para deixar no mural da sala.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Síntese
Ao estudar a história da Educação de Jovens e Adultos, no Brasil,
percebe-se que o conceito de educação está fortemente atrelado ao con-
texto político e aos momentos históricos vivenciados. Fazendo um para­
lelo entre o histórico da EJA e analisando a própria história do Brasil, é
possível fazer comparações de acordo com os meandros sociopolíticos,
que acabaram tomando corpo nas questões culturais do país. Por isso, é
importante conhecer tanto a história do país a que pertencemos, como,
também, enquanto profissionais da área, conhecer a trajetória histórica
da alfabetização do povo brasileiro, refletindo sobre as influências que
permearam e ainda permeiam todo esse processo.

34

FAEL
2
Sistema
organizacional
da EJA no Brasil
D e acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional n. 9.394/96, a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade
da educação básica, nas etapas dos Ensino Fundamental e Médio, que
usufrui de uma especificidade própria que, como tal, deve receber um
tratamento consequente. Para tanto, além de adequações nas questões
curriculares, deve-se considerar a forma como os conteúdos/conceitos
devem ser tratados e as aspirações e interesses dos educandos.
No processo de seleção de conteúdos, o desafio que se apresenta é 35
identificar, dentro de cada um dos vastos campos de conhecimento das
diferentes áreas, quais são socialmente relevantes e em que medida con-
tribuem para o desenvolvimento intelectual do educando. Em outras
palavras, o desafio é identificar que conteúdos permitem a construção
do raciocínio, o desenvolvimento da criatividade, da intuição, da capa-
cidade de análise e de crítica, e a constituição de esquemas lógicos de
referência para interpretar fatos e fenômenos da sociedade.
Neste capítulo, serão apresentadas as orientações e diretrizes gerais
para a EJA, quanto à seleção de conteúdos, às funções e aos aspectos
legais que regem as políticas dessa modalidade de ensino, no Brasil.

Legislação e fundamentos da modalidade EJA


A EJA, enquanto modalidade da educação básica, não pode ser
pensada como uma oferta melhor, pior, ou menos importante, mas,
sim, como uma modalidade educativa, um modo próprio de conceber
a educação básica que é determinado pelas especificidades e interesses
dos sujeitos envolvidos.
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Em termos de legislação, as recomendações são claras e direcionam


para a necessidade de se buscar condições, alternativas e currículos ade-
quados à realidade desses sujeitos, ou seja, uma prática educativa que
leve em conta os saberes, os conhecimentos até então produzidos e as
experiências de vida dos educandos, considerando as características do
alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho.
A EJA é direcionada a todos àqueles que não tiveram acesso ou
não completaram o processo de escolarização básica. Para ingresso nos
cursos de EJA, de acordo com a LDB n. 9.394/96, é necessário que o
educando tenha mais de 15 anos, para concluir o Ensino Fundamental,
e mais de 18 anos, para o nível de conclusão do Ensino Médio.
De modo geral a EJA é dividida nas fases de alfabetização, geral-
mente concebida em programas de curta duração, 1º e 2º segmento,
correspondentes respectivamente aos anos iniciais e finais dos Ensinos
Fundamental e Médio. Cada sistema de ensino, seja municipal, esta-
dual, federal ou particular, pode usar diferentes nomenclaturas para
a organização dos sistemas de EJA, mas todos devem cumprir a carga
36 horária mínima recomendada para cada etapa educativa e observar os
fundamentos e princípios dessa modalidade, descritos nos documentos
oficiais e nas propostas pedagógicas.
Nas Diretrizes Curriculares de EJA (BRASIL, 2000), formuladas
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), os conteúdos estão
dimen­sionados não só em conceitos, mas também em procedimentos
e atitudes, apresentados em blocos de conteúdo ou em eixos temáticos,
de acordo com as áreas.
Os conteúdos de natureza conceitual envolvem a abordagem de
conceitos, fatos e princípios e referem-se à construção ativa das capaci-
dades intelectuais, para operar com símbolos, signos, ideias e imagens
capazes de representar a realidade.
Para concretizar essa aprendizagem, o educando precisa adquirir
informações e vivenciar situações e generalizações que, mesmo sen-
do análises e sínteses parciais, permitem verificar se o conceito está
sendo aprendido. A formulação dessas generalizações permitirá que
o educando atinja conceitualizações cada vez mais abrangentes que o
levarão à compreensão de conceitos no plano da abstração e da apren-
dizagem significativa.

FAEL
Capítulo 2

Essa aprendizagem ocorre, em um primeiro momento, de ma-


neira memorizada. No entanto, a memorização não deve ser enten-
dida como um processo mecânico de representar as informações,
mas, sim, como um estímulo significativo, para que o educando se
empenhe em estabelecer relações entre o que já sabe (conhecimentos
prévios ) e os conteúdos que estão sendo sistematizados pela escola.
A abordagem dessas relações está diretamente relacionada ao conteú­
do procedimental.
Os conteúdos de natureza procedimental expressam um “saber
fazer”, que envolve a tomada de decisões e a realização de uma série de
ações, de forma ordenada e não aleatória, para que se atinja uma meta.
Os conteúdos procedimentais sempre estão presentes nos projetos de
ensino, pois realizar uma pesquisa, desenvolver um experimento, fazer
um resumo e construir uma maquete são proposições de ações presen-
tes nas salas de aula.
Na organização de uma pesquisa, por exemplo, é necessário pla-
nejar os procedimentos, ou seja, pesquisar em mais de uma fonte, fazer
entrevistas, comparar os dados obtidos, registrar o que for relevante e 37
organizar as informações obtidas para produzir um texto de pesquisa e,
depois, apresentá-lo à classe, elaborar a síntese do tema pesquisado.
No planejamento e na realização desses procedimentos, o educan-
do necessita da mediação do educador, pois a aprendizagem de um
conteúdo procedimental não é espontânea nem depende somente das
habilidades individuais. Analisar, compreender e criar estratégias para
comprovar hipóteses e “saber fazer” são conteúdos procedimentais que
devem ser mobilizados em sala de aula pela mediação do professor.
No processo educativo, devem ser incluídos, também, os conteú-
dos de natureza atitudinal, que incluem normas, valores e atitudes e
permeiam todo o conhecimento escolar. A escola é um contexto socia-
lizador, gerador de atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos
colegas, às disciplinas, às tarefas e à sociedade.
Atitudes são bastante complexas, pois envolvem tanto a cognição
(conhecimentos e crenças), quanto os afetos (sentimentos e preferên-
cias) e as condutas (ações e declarações de intenção). Por isso, é impres-
cindível que o educador adote, em sala de aula, uma posição crítica em
relação às atitudes e aos valores éticos e culturais da sociedade em geral.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Saiba mais É preciso lembrar, no en-


tanto, que nas relações interpes-
Para saber mais sobre as diretrizes da EJA, você
soais vivenciadas no contexto
pode ler os documentos oficias disponíveis no
site do Ministério da Educação (<http://www.
escolar, o grande desafio é con-
mec.gov.br/>), no link sobre essa modalidade seguir se colocar no lugar do ou-
educativa, ou procurar conhecer as propostas tro, compreender seus pontos de
pedagógicas do seu município ou do seu esta‑ vista e motivações e desenvolver
do para os programas de EJA. a capacidade de conviver com
as diferenças. Nesse sentido, so-
mente as informações do dia a dia, apesar de necessárias para concre-
tizar uma atitude de forma eficaz, não são suficientes para o ensino de
valores, atitudes e normas em sala de aula.
Na abordagem didática dos conteúdos atitudinais é necessário que
a equipe escolar vivencie essas práticas por meio de atitudes cotidianas,
para que o educando possa observá-las e incorporá-las em seu convívio
social. Com essa percepção, os conteúdos conceituais, procedimentais
e atitudinais devem ser contemplados de maneira integrada no processo
de ensino e aprendizagem.
38
Os desafios da EJA exigem do educador um olhar cuidadoso sobre
as questões que norteiam a relação entre professor, aluno e conheci-
mento e que podem interferir
Saiba mais no sucesso escolar. Essas ques-
tões implicam a consideração de
Contrato didático refere-se aos “combinados”
fatores importantes no processo
feitos entre professor e aluno. Parte de uma
de ensino e aprendizagem, como
metodologia de trabalho, são os combinados
didáticos que vão garantir uma boa organi‑
o contrato didático, a gestão do
zação da aula, envolvendo desde o processo tempo, a organização do espaço,
disciplinar até mesmo a seleção e o modo de os recursos didáticos, a interação
passar os conteúdos. e a cooperação, e a interação da
escola com as práticas sociais.
[...] a inovação curricular não consiste apenas em mudar, ou
tentar mudar, o que se ensina e se aprende na escola. Tão im-
portante quanto o que se ensina e se aprende é como se ensina
e como se aprende. Na verdade, hoje sabemos que ambos os
aspectos são indissociáveis. O que finalmente os alunos apren-
dem na escola depende em boa medida de como o aprendem;
e o que finalmente nós professores conseguimos ensinar aos
nossos alunos é indissociável de como lhes ensinamos (COLL
SALVADOR, 1999, p. 30).

FAEL
Capítulo 2

Nesse sentido, o processo educativo não se caracteriza pelo recebi-


mento, por parte dos educandos, de conhecimentos prontos e acaba-
dos, mas pela reflexão sobre os conhecimentos que circulam e que estão
em constante transformação. Educadores e educandos são produtores
de cultura; todos aprendem e todos ensinam, são sujeitos da educação e
estão permanentemente em processo de aprendizagem.

Funções da Educação de Jovens e Adultos


As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos (BRASIL, 2000, p. 15) destacam que a EJA, enquanto modali-
dade da Educação Básica, deve considerar o perfil e a faixa etária de seus
alunos ao propor um modelo pedagógico, de modo a assegurar:
●● equidade – distribuição específica dos componentes curricu-
lares, a fim de propiciar um patamar igualitário de formação
e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades em
face do direito à educação;
●● diferença – identificação e reconhecimento da alteridade pró- 39
pria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo
formativo, da valorização do mérito de cada um e do desen-
volvimento de seus conhecimentos e valores.

Reflita
Reflita
Para você, qual deveria ser a real função da Educação de Jovens
e Adultos em um país como o nosso?
Reflita
Reflita
As Diretrizes Curriculares da EJA (BRASIL, 2000, p. 18) deter-
minam, ainda, que essa modalidade educacional deve desempenhar as
seguintes funções:
●● função reparadora – preocupa-se em propiciar não só a
entra­da dos jovens e adultos no âmbito dos direitos civis, pela
restauração de um direito a eles negado – o direito a uma

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

escola de qualidade –, mas, também, o reconhecimento da


igualdade ontológica de todo ser humano de ter acesso a um
bem real, social e simbolicamente importante. Contudo, não
se pode confundir a noção de reparação com a de suprimento.
Para tanto, é indispensável um modelo educacional que crie
situações pedagógicas satisfatórias para atender às necessida-
des de aprendizagem específicas de alunos jovens e adultos.
●● função equalizadora – diz respeito à igualdade de oportuni-
dades, que possibilita aos indivíduos novas inserções no mun-
do do trabalho, na vida social, nos espaços culturais e nos
canais de participação social. A equidade é a forma pela qual
os bens sociais são distribuídos, tendo em vista uma maior
igualdade dentro de situações específicas. Nessa linha, a EJA
representa uma possibilidade de construir um caminho de
desenvolvimento em todas as pessoas, de todas as idades, per-
mitindo que jovens e adultos atualizem seus conhecimentos,
mostrem habilidades, troquem experiências e tenham acesso
40 a novas formas de trabalho e cultura.
●● função qualificadora – refere-se à educação permanente,
com base no caráter incompleto do ser humano, cujo poten-
cial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em
quadros escolares ou não escolares. Mais que uma função, é o
próprio sentido da Educação de Jovens e Adultos.

Recomendações internacionais para as políticas


de EJA
A Conferência Internacional da Unesco sobre Educação de Jovens
e Adultos (Confintea), realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na
Alemanha, orientou para determinados parâmetros, conforme apresen-
tados a seguir:
●● seus objetivos visavam manifestar a importância da aprendi-
zagem de jovens e adultos e conceber compromissos regio-
nais, em uma perspectiva de educação ao longo da vida,
que objetivasse facilitar a participação de todos no desenvol-
vimento sustentável e equitativo, a promoção de uma cultura

FAEL
Capítulo 2

de paz baseada na liberdade, na justiça e no respeito mútuo e


a construção uma relação sinérgica entre a educação formal e
a não formal.
●● os documentos produzidos na Confintea demonstram que,
devido às transformações socioeconômicas e culturais viven-
ciadas a partir das últi-
mas décadas do século Saiba mais
XX, a EJA deve seguir A Conferência Internacional de Educação de
novas orientações, le- Jovens e Adultos (Confintea) é um evento
vando em conta que o mundial promovido pela Unesco para discutir
desenvolvimento das os rumos da Educação de Jovens e Adultos no
sociedades exige de mundo. A Confintea ocorreu pela primeira vez
seus membros a capa- na América Latina, especificamente em Belém
cidade de descobrir e do Pará (Brasil), no ano de 2009, quando já
potencializar os conhe- estava em sua 6ª edição. Para saber mais sobre
a Confintea acesse
cimentos e aprendiza-
gens de forma global e <http://www.unesco.org/pt/confinteavi/
permanente. background/>.
41
Segundo as recomendações da Confintea, a Educação de Jovens e
Adultos deve:
●● priorizar a formação integral voltada para o desenvolvimento
de capacidades e compe­tências adequadas ao enfrentamento,
no mar­­­co do desenvolvimento sus­­­­tentável, das novas trans-
formações cientí­ficas e tecnológicas e de seu impacto na vida
social e cultural;
●● contribuir para a formação de cidadãos democráticos, me-
diante o ensino dos direitos humanos, o incentivo à partici-
pação social ativa e crítica, o estímulo à obtenção de solução
pacífica de conflitos e à erradicação dos preconceitos culturais
e da discriminação, por meio de uma educação intercultural;
●● promover a compreensão e a apropriação dos avanços cientí-
ficos, tecnológicos e técnicos, no contexto de uma formação
de qualidade, fundamentada em valores solidários e críticos,
tendo em vista o consumismo e o individualismo;
●● elaborar e implementar currículos flexíveis, diversificados e
participativos, que sejam definidos a partir das necessidades

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

e interesses do grupo, de modo a levar em consideração sua


realidade sociocultural, científica e tecnológica e reconhecer
o seu saber;
●● garantir a criação de uma cultura de questionamento nos
espa­­ços ou centros educacionais, contando com mecanismos
de reconhecimento da validade da experiência;
●● incentivar educadores e educandos a desenvolver diversifica-
dos recursos de aprendizagem, utilizar os meios de comuni-
cação de massa e promover a aprendizagem dos valores de
justiça, solidariedade e tolerância, para que se desenvolva a
autonomia intelectual e moral dos alunos envolvidos na Edu-
cação de Jovens e Adultos.

Princípios da Educação de Jovens e Adultos


A Confintea considera como princípios da EJA:
●● a inserção em um modelo educacional inovador e de quali-
42 dade, orientado para a formação de cidadãos democráticos e
sujeitos de sua ação, valendo-se de educadores que tenham for-
mação permanente para respaldar a qualidade de sua atuação;
●● um currículo variado, que respeite a diversidade de etnias, de
manifestações regionais e da cultura popular, em que o conhe-
cimento seja concebido como uma construção social, fundada
na interação entre a teoria e a prática, e o processo de ensino e
aprendizagem, como uma relação de ampliação de saberes;
●● a abordagem de conteúdos básicos, disponibilizando os bens
socioculturais acumulados pela humanidade;
●● o acesso às modernas tecnologias de comunicação existentes,
para a melhoria da atuação dos educadores;
●● a articulação com a formação profissional: no atual estágio de
globalização da economia, marcada por paradigmas de orga­
nização do trabalho, essa articulação não pode ser vista de
forma instrumental, pois exige um modelo educacional vol-
tado para a formação do cidadão e do ser humano em todas
suas dimensões;

FAEL
Capítulo 2

●● o respeito aos conhecimentos construídos pelos jovens e adul-


tos em sua vida cotidiana.

Fatores estratégicos para a formação humana


A produção de conhecimento e a aprendizagem permanente se
constituem em elementos essenciais na mudança educacional requerida
pelas transformações globais. Dessa forma, a Unesco, por intermédio
do Relatório Educação para o Século XXI (DELORS,1998), recomenda
fatores estratégicos para a formação dos cidadãos, tendo por princípio
quatro pilares básicos.
1. Aprender a conhecer;
2. Aprender a fazer;
3. Aprender a conviver;
4. Aprender a ser.
De acordo com o relatório, para poder dar resposta ao conjunto
43
de suas missões, a educação deve se organizar em torno dessas quatro
aprendizagens fundamentais que, ao longo da vida, serão, de acordo
com cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhe-
cer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer,
que possibilita exercer ação sobre o meio envolvente; aprender a viver
juntos, a fim de participar e cooperar com os outros, em todas as ativi-
dades humanas; e, finalmente, aprender a ser, via essencial que integra
as três precedentes. Essas quatro vias do saber se constituem em apenas
uma, tendo em vista que há, entre elas, múltiplos pontos de contato, de
relacionamento e de permuta.
Desse modo, de acordo com o relatório, aprender a conhecer visa
não tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas
antes o domínio dos próprios instrumentos de conhecimento, que po-
dem ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma
finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um
aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida
em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as
suas capacidades profissionais e para comunicar. Finalidade, porque seu
fundamento é o prazer de compreender, de conhecer e de descobrir.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Aprender a fazer de modo que se possa adquirir não somente uma


qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, as competên-
cias que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar
em equipe. Envolve, também, um aprender a fazer, no âmbito das diversas
experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adultos,
quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formal-
mente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.
Aprender a conviver, sem dúvidas, é uma aprendizagem que
repre­­senta, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mun-
do atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperan-
ça posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana
sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo
e, especialmente, o extraordinário potencial de autodestruição criado
pela humanidade, no decorrer do século XX.
Quanto à aprendizagem aprender a ser, a Comissão Internacional
sobre Educação para o século XXI adere plenamente ao postulado do
relatório de que “O desenvolvimento tem por objeto a realização com-
44 pleta do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade das suas ex-
pressões e dos seus compromissos: indivíduo, membro de uma família e
de uma coletividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador
de sonhos”. Esse desenvolvimento do ser humano, que se desenrola des-
de o nascimento até à morte, é um processo dialético que começa pelo
conhecimento de si mesmo, para se abrir, em seguida, à relação com o
outro. Nesse sentido, a educação é, antes de tudo, uma viagem interior,
cujas etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade.
Na hipótese de uma experiência profissional de sucesso, a educação como
meio para uma tal realização é, ao mesmo tempo, um processo indivi-
dualizado e uma construção social interativa. É, dessa forma, aprender a
ser, para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir, cada
vez mais, com maior capacidade de autonomia, de discernimento e de
responsabilidade pessoal. Para isso, não se deve negligenciar, na educação,
nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio,
sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.
Assim, a educação deve contribuir para o desenvolvimento total
da pessoa espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético
e responsabilidade pessoal. Todo ser humano deve ser preparado, espe-
cialmente graças à educação que irá receber, para elaborar pensamentos

FAEL
Capítulo 2

autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor,


de modo a poder decidir, por si mesmo, como deverá agir nas diferentes
circunstâncias da vida.
Em geral, os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o
acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendiza-
gem; na EJA, para uma educação
comprometida, importa conce-
ber o processo como um todo. Saiba mais
Esta perspectiva deve inspirar e Você pode acessar o relatório Educação para
orientar a criação de reformas o Século XXI, que contém o capítulo completo
sobre os quatro Pilares da Educação
educativas, tanto com relação à
(capítulo 4), no link:
elaboração de programas, quan-
to à definição de novas políticas <http://www.domibniopublico.gov.br/down
pedagógicas. Dessa maneira, os load/texto/ue000009.pdf>.
tempos e as áreas da educação
devem ser repensados, completar-se e interpenetrar-se, de maneira que
cada pessoa, ao longo de toda a sua vida, possa tirar o melhor proveito
de um ambiente educativo em constante ampliação.
45
Por fim, deve-se considerar que é fundamental que os envolvidos
com a EJA conheçam, discutam e aprofundem essas orientações, esta­
belecendo princípios para que haja uma atuação coerente com sua rea-
lidade. Da mesma forma, o conhecimento das especificidades de Edu-
cação de Jovens e Adultos e o registro das ações desenvolvidas por essa
modalidade da educação básica precisam se constituir em uma preocu-
pação das diferentes instâncias do sistema educacional.

Dica de Filme
Erin Gruwell é uma educadora inexperiente que assume uma turma consi-
derada “problemática”, em uma pequena escola de um bairro periférico dos
EUA. Com muito empenho e carinho e por meio da leitura de livros que
relatam guerras racistas e separatistas e entre gangues, consegue ensinar a
seus educandos valores como tolerância e disciplina, além de fazer de sua
turma uma grande e unida família. Escritores da liberdade tem como um
de seus objetivos mostrar o desafio que é a educação, em qualquer lugar
do mundo, e de como um educador pode adotar novos métodos de ensino

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

que levem seus alunos a aprender e a se tornarem cidadãos atuantes em


suas comunidades.
ESCRITORES da liberdade. Direção de Richard LaGravenese. Estados Uni-
dos; Alemanha: Paramount Pictures; Double Feature Films; MTV Films;
Jersey Films; Kernos Filmproduktionsgesellschaft & Company: Dist. UIP;
Paramount Pictures do Brasil, 2007. 1 filme (123 min), sonoro, legenda, color.
Dica de Filme

Da teoria para a prática


Direitos e deveres
O objetivo dessa atividade é confeccionar um painel com os educan-
dos, levando-os a refletir sobre o valor da vida, estruturador dos demais
46 direitos, vendo-o como direito primordial e básico de todas as pessoas e
grupos humanos, e a desenvolver uma visão crítica em rela­ção aos direitos
e deveres relacionados às práticas sociais cotidianas que determinam as
condições de vida das pessoas e grupos sociais na sociedade brasileira.
Inicialmente, converse com os educandos sobre os direitos e deveres
que eles conhecem. Se necessário, oriente uma pesquisa sobre a Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos ou sobre os principais estatutos.
Inicie um debate sobre o direito à vida, considerando-o como fun-
damental para constituição de qualquer sociedade. Questione: como o
direito à vida é respeitado na sua cidade, no Brasil e no mundo? Quan-
do você acha que ele é respeitado? Quais são as principais violações a
esse direito? Que deveres deve-se manter para garantia desse direito?
A seguir, coloque na parede dois papéis pardos grandes, contendo
em um a palavra “direitos” e, no outro, “deveres”.
A partir do debate, solicite que os educandos registrem no painel
as principais conclusões sobre os deveres que devem exercitar para a
garantia dos direitos. Os participantes devem usar as canetas coloridas
para destacar suas respostas e, se desejarem, pode-se ilustrar com figuras
disponíveis sobre o tema.

FAEL
Capítulo 2

Para concluir, deve-se fazer uma síntese final e proporcionar um


diálogo que permita chegar a um compromisso concreto que todos
possam assumir no seu dia a dia, de forma a realizar os deveres para
garantir os direitos.
Recursos de apoio
Para se realizar essa atividade, pode-se usar como apoio o seguinte
trecho da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

O direito à vida
Art. 1º.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direi-
tos e, dotados que são de razão e consciência, devem comportar-se
fraternalmente uns com os outros.
[...]
Art. 3º.
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua 47
pessoa.
[...]
O direito à integridade da vida
Art. 5º.
Ninguém será submetido a torturas, penalidades ou tratamentos
­cruéis, desumanos ou degradantes.
[...]
O direito à vida privada e à honra
Art. 12.
Ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada,
sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques
à sua honra ou reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei
contra tais ingerências ou ataques.

Use, também, o seguinte trecho do Estatuto da Criança e do Ado-


lescente – Lei n. 8.069/90 (BRASIL, 1990).

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

[...]
Art. 3º.
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade.
Art. 4º.
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 5º.
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opres-
são, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão,
48 aos seus direitos fundamentais.
[...]
Art. 7º.
A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência.

Síntese
Nesse capítulo, pudemos conhecer o que caracteriza a EJA enquan-
to modalidade educativa, conforme definido pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional n. 9.394/96. Apresentamos, também, as
orientações dos organismos internacionais para as políticas de EJA, res-
saltando a necessidade de uma concepção de educação ao longo da vida.
Por fim, pôde-se conhecer os princípios e funções da EJA, bem como os
seus fatores estratégicos, que são baseados nos quatro pilares da educa-
ção, conforme descrito no relatório Educação para o Século XXI.

FAEL
3
Especificidades do
trabalho pedagógico
frente ao perfil do
educando da EJA
A Educação de Jovens e Adultos emerge de um movimento de
lutas, desafios e conquistas da Educação Popular. Esse dado se revela
importante, uma vez que permite a compreensão das condições limi-
tadoras impostas pelo modelo rígido da educação formal quando se
pensa na EJA enquanto modalidade educativa.
Diante disso, é preciso indagar: quem são os sujeitos da EJA situa­
dos historicamente? Quais são as marcas sociais e o perfil desses su-
jeitos? Por que e como foram se delineando na história da Educação 49
de Jovens e Adultos do nosso país? Como se constituiu a identidade
desses sujeitos?
Perante tais questionamentos é necessário, por um lado, levantar as
dimensões que alicerçam a conjuntura e a constituição histórica desses
sujeitos e, por outro lado, instigar a reflexão crítica sobre as necessida-
des que se fazem presentes.
Desse modo, neste capítulo, é delineado o perfil sociocultural dos
educandos da EJA, com base em dados estatísticos e pesquisas da área.
Além disso, estão presentes algumas orientações para o trabalho peda-
gógico frente a essa modalidade educativa.

Perfil dos educandos da EJA


“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para sua produção e construção.” (FREIRE, 1996, p. 47). Com essa
fala, Freire nos leva a refletir sobre as ações que contribuem para que a
aprendizagem de fato ocorra. Daí a importância de que os aspectos pe-
dagógicos utilizados na EJA considerem, além das questões estruturais
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

e de organização, o perfil socioeconômico dos educandos e assegurem


as devidas inter-relações entre as teorias e os aspectos didático-metodo-
lógicos do processo de Educação de Jovens e Adultos.
Para compreender o perfil dos educandos da EJA, é necessário fazer
uma retrospectiva histórica do Brasil e contextualizar por que essas pessoas
não tiveram acesso à escolarização. Requer, também, conhecer suas histó-
rias de vida e culturas, entendendo-os como sujeitos que possuem diferen-
tes experiências de vida e que não tiveram acesso à escola devido a diversos
fatores de ordem econômica, social, política, geográfica e cultural.
Trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos exige um olhar
cuidadoso sobre as questões que podem interferir na motivação do edu-
cando em sala de aula, uma vez que um dos fatores que dificultam a
aprendizagem encontra-se no fato de o aluno iniciar ou recomeçar a
escolarização na fase adulta.
Grande parte dos educandos sente vergonha de voltar aos bancos
escolares depois de adulto, porque possui a visão distorcida de que a
50 esco­la é um espaço de aprendizagem para crianças. Muitos desses alunos
desconhecem o direito constitucional de acesso à escolarização formal
e gratuita para todo e qualquer cidadão em idade escolar e, também,
para aqueles que estão em distorção idade/“série”. Em grande parte,
acreditam que o fato de não terem estudado é “culpa” deles mesmos e,
caso venham a compreender a escola como um direito, independente-
mente da idade, muito provavelmente aumentarão as chances de que o
processo de aprendizagem efetivamente aconteça, pois
essas pessoas, mesmo que partam de condições menos favo-
ráveis que outras de mais formação, são capazes de atuar com
competência em contextos muito diversos, vinculados a suas
necessidades cotidianas. Ter presente as peculiaridades do seu
pensamento, da sua forma de enfrentar os problemas não deve
levar a pensar necessariamente em desvantagens intelectuais; se-
ria conveniente reinterpretar todas essas peculiaridades no con-
texto de um processo de desenvolvimento diferente, com ritmos
próprios e qualidades que situam a pessoa adulta em uma di-
mensão particular (COLL SALVADOR, 1999, p. 191).

Por outro lado, para o aluno da EJA, o tempo de permanência na


escola constitui um importante fator para o seu desenvolvimento e sua
manutenção no ambiente escolar. Muitos deles trabalham fora e estudam,

FAEL
Capítulo 3

outros são responsáveis pela organização da casa e pelo cuidado da família.


Sendo assim, esses educandos necessitam que os encaminhamentos peda-
gógicos sejam organizados conforme sua realidade temporal.
Esses sujeitos possuem uma bagagem de conhecimentos que foram
adquiridos em outras instâncias sociais, visto que a escola não é o único
espaço de produção e socialização dos saberes. Tais experiências de vida
são significativas ao processo educacional e, portanto, devem ser consi-
deradas. Conforme Freire (1996, p. 30), “ensinar exige respeito a esses
saberes e cultura dos educandos”.

Reflita
Reflita
Como você percebe o perfil dos educandos da EJA? Que aspirações
trazem para as salas de aula? O que os identifica como pertencentes
a essa modalidade educativa?
Reflita
Reflita
51
Para Arroyo (2001, p. 15), falar dos educandos da EJA é “falar,
sobretudo, do jovem, adulto, trabalhador, pobre, negro, oprimido e
excluído”. Identifica-se, assim, a estreita relação que se estabelece entre
a incidência da exclusão e as restrições ao acesso à educação, pois con-
forme afirmam Haddad e Di Pierrô (2000), a história brasileira nos
oferece claras evidências de que as margens da inclusão e da exclusão
educacional foram sendo construídas simétrica e proporcionalmente à
extensão da cidadania política e social, em íntima relação com a parti-
cipação na renda e o acesso aos bens econômicos. Isso se evidencia nas
estatísticas, visto que os percentuais abrangem, geralmente, determina-
dos “tipos sociais”. Por exemplo, nas questões referentes a gênero e raça,
no Brasil, evidenciam-se as marcas sociais do preconceito em relação
aos negros e às mulheres.
As mulheres, em grande parte da história, foram discriminadas e
eram entendidas como pessoas que não necessitavam de escolarização,
pois a preparação delas deveria ser para o casamento e para cuidar dos fi-
lhos. Isso é evidente nas classes de alfabetização. Quando perguntadas so-
bre a razão de não terem estudado na infância, grande parte delas respon-
de que seus pais acreditavam que as mulheres não precisavam estudar.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Saiba mais Outro fator relevante no per-


fil dos educandos da EJA é a lo-
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
calização geográfica em que se en-
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) é o res‑
ponsável pela realização do censo escolar. A
contram no país e a distinção entre
partir dos dados obtidos nesse levantamento, regiões rurais e urbanas. No meio
é possível identificar estatisticamente o perfil rural brasileiro, a taxa de analfabe-
dos educandos matriculados na EJA. Para saber tismo chega a ser três vezes supe-
mais, acesse o site: <http://www.inep.gov.br/ rior à da população urbana.
basica/censo/default.asp>.
É evidente, também, a ques-
tão da renda. Em um país como
o nosso, em que a desigualdade social é tamanha, os anos de estudo
estão diretamente relacionados à renda familiar.
Falar do educando da EJA é falar de problemas que afligem a reali-
dade social e da forma como eles vêm sendo constituídos pelos modelos
econômicos vigentes. “É ainda falar da existência de jovens e adultos
subescolarizados, é falar da exclusão daqueles que ainda não tem acesso
a escola pública, é falar da evasão e do fracasso escolar” (ARROYO,
52 2001, p. 15).
Podemos dizer que o educando da EJA é o trabalhador que, desde
muito cedo, teve que ingressar no mundo do trabalho. São advindos
das classes trabalhadoras, são produtos da sociedade capitalista, que im-
pôs desafios e a busca pela sobrevivência. Essas pessoas são de origem
humilde, de famílias geralmente numerosas, que vivem com sacrifício,
muito trabalho e pouco lazer. Se observarmos suas casas, percebemos
que são, em geral, pequenas em relação ao espaço, de acordo com nú-
mero de pessoas que nela residem, com poucos móveis e utensílios.
Geralmente são pessoas que acordam cedo, dependem de ônibus cole­
tivos ou de bicicleta ou que vão a pé para o trabalho – quando têm
trabalho. Alguns levam almoço, outros sobrevivem com uma refeição
diária – quando têm comida.
No Brasil, o perfil dessa população está diretamente relacionado
a outros problemas sociais graves que o país historicamente enfrenta,
como a má distribuição de renda, a falta de empregabilidade, entre
outros fatores agravantes.
Oliveira argumenta que, quando nos referimos a pessoas não esco-
larizadas na sociedade letrada, isto é, a esse sujeito que vive no mundo

FAEL
Capítulo 3

urbano, escolarizado, industrializado e burocratizado e que não tem


domínio da palavra escrita, na realidade estamos nos referindo a uma
pessoa que sabe coisas sobre esse mundo, tem consciência de que não
domina completamente o sistema de leitura e escrita e está, ativamente,
buscando estratégias pessoais para lidar com os desafios que enfren-
ta nas esferas da vida que exigem competências letradas (OLIVEIRA,
2001, p. 17-18).
Para Álvaro Vieira Pinto (2005), o analfabeto é alguém que não
necessita ler. De acordo com esse autor, são as condições do mundo
do trabalho que determinam a necessidade ou não da leitura. “O im-
portante é compreender que o analfabeto adulto atual, ao qual nos
dirigimos, vive numa sociedade letrada e por isso suas exigências cul-
turais implícitas são as da linguagem alfabética, que é a do seu meio”
(­PINTO, 2005, p. 92).
Sobre a construção do conhecimento por sujeitos em processo de
escolarização, Oliveira afirma que
[...] parece haver um acordo sobre a existência de uma dife-
rença entre formas letradas e não letradas de pensamento; é 53
importante reiterar, entretanto, que essa diferença não está cla-
ramente definida na literatura, não apenas pela falta de investi-
gações mais específicas a respeito do funcionamento cognitivo
dos grupos ‘pouco letrados’, mas também pela ausência de uma
teoria consistente sobre os processos intelectuais dos adultos
plenamente inseridos na sociedade letrada. Nesse sentido, a
modalidade de pensamento à qual se opõe o pensamento deno­
minado pouco letrado é, em grande medida, uma construção
derivada do senso comum (OLIVEIRA, 1995, p. 157).

Nessa perspectiva, as características de cada ser humano são cons-


truídas ao longo da vida do indivíduo através de um processo de inte-
ração com o seu meio social, que possibilita a apropriação da cultura
elaborada pelas gerações precedentes. Cada indivíduo aprende a ser um
homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não basta para viver
em sociedade. Sendo assim, é preciso que ele adquira o que foi alcan-
çado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana
(­LEONTIEV, 1978, p. 267).
Nesse sentido, Oliveira (2001, p. 18) acrescenta que, em relação
à compreensão do funcionamento psicológico do adulto pouco esco-
larizado, normalmente o que se faz é uma comparação com um adulto

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

abstrato, supostamente universal, mas que na verdade é bastante espe­


cífico e historicamente contextualizado: ocidental, urbano, branco,
pertencente às camadas médias da população, com um nível instrucio-
nal relativamente elevado e com inserção no mundo do trabalho em
ocupações razoavelmente qualificadas.
Vóvio, em um estudo recente sobre narrativas autobiográficas rea-
lizadas por educandos de cursos para jovens e adultos, constata que
não se pode generalizar os efeitos da aquisição da linguagem escri-
ta sobre a linguagem oral e sobre o uso que as pessoas fazem delas.
Sujeitos não ou pouco escolarizados que participam de situa­­ções
comunicativas que demandam o planejamento do discurso, diri­
gidas a interlocutores desconhecidos que participam indireta-
mente dessas situações (situações monológicas), estão lidando
com problemas cognitivos específicos (VÓVIO, 1999, p. 23).

Subjacente a isso está a concepção de que as pessoas aprendem a


atuar cognitivamente nos ambientes específicos onde vivem e é nesses
locais que elas desempenham, repetidamente, tarefas significativas que
envolvem capacidades cognitivas. Logo, o homem não nasce homem,
54 torna-se homem. Para Oliveira (1995, p. 24), “o homem se transforma
de biológico em sócio-histórico num processo em que a cultura é parte
essencial da condição humana”.
Nesse processo, deve-se considerar a importância da relação inter-
subjetiva para o crescimento individual e que o ato de educar só pode
ser vivenciado pelo homem e se realiza apenas no meio social, ou seja,
em uma interação que realmente seja partilhada.
Dessa forma, as características de cada indivíduo vão sendo forma-
das a partir das inúmeras e constantes interações com o meio, compreen­
dido como contexto físico e social, que inclui as dimensões interpessoais
e culturais. Nesse processo dinâmico, ativo e singular, o indivíduo esta-
belece, desde o seu nascimento e durante toda a sua vida, trocas recípro-
cas com o meio, já que, ao mesmo tempo em que internaliza as formas
culturais, ele as transforma e intervém no universo que o cerca.

Freire descreve o homem como podendo transitar por vários níveis de


consciência, dependendo esse trânsito de uma luta coletiva, uma práxis

FAEL
Capítulo 3

histórica que evolui atravessando diferentes níveis. Detecta, inicialmente, um


nível de quase pré-consciência, de uma aproximação espontânea do homem
em relação ao mundo. Nesse nível, a realidade objetiva não é oferecida ao
homem como um objeto cognoscível de sua consciência crítica; é uma cons-
ciência em que ele não se reconhece como um agente, mas como um mero
espectador. Trata-se, pois, do nível da consciência ingênua ou consciência
semi-intransitiva. Segue-se o nível da consciência ingênuo‑transi-
tiva, que se caracteriza por ampliar a capacidade de compreensão e de res-
posta aos desafios do meio: as preocupações e os interesses projetam-se para
além do cotidiano, para esferas mais amplas que as da sobrevivência. Tem-se,
finalmente, um terceiro nível, o da consciência transitivo-crítica, que
se caracteriza por buscar a verdadeira causalidade do fenômenos sociais,
pela profundidade na interpretação dos problemas que vive. O sujeito apa-
rece aqui como alguém que assimila criticamente a realidade, faz cultura e
tem consciência histórica dessas suas ações. Em meio à multiplicidade de
relações, tem consciência de sua singularidade. Cria e recria suas ações. Não
é mais objeto, é sujeito (BECKER, 1986, p. 58).
55

Em uma perspectiva ontológica, pode-se dizer que a educação sig-


nifica colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam
em sua cultura, para que ele possa assimilá-los e nela viver. No entanto,
isso não significa que estará assimilando todas as informações com uma
atitude passiva. Ao contrário, para que tenha uma boa aprendizagem,
é necessário que o indivíduo realize uma atividade que seja consciente,
participativa e transformadora de sua realidade interna e externa.
Considerando que o desenvolvimento psíquico é definido como
um reflexo ativo da realidade, produzido e desenvolvido a partir da
prática social, com a participação da prática do indivíduo, que orienta
sua vida frente ao mundo e aos demais indivíduos, a educação apresen-
ta‑se como um componente importante para o confronto de informa-
ções culturais, que possibilita o continuum processo do conhecimento
e da constituição do ser. Assim, reconhecemos que o conhecimento é
continuamente criado e recriado e que não existe separadamente da
consciên­­cia humana; é produzido por nós, coletivamente, na busca de
tentar dar sentido ao nosso mundo.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Vygotsky (1988) dá uma atenção especial à educação por conside-


rar que ela possibilita o desenvolvimento de modalidades de pensamen-
to bastante específicas, possuindo um papel diferente e insubstituível
na apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada.
Justamente por isso, ela representa o elemento imprescindível para a
realização plena do desenvolvimento psíquico dos indivíduos já que
promove um modo mais sofisticado de analisar e generalizar os elemen-
tos da realidade: o pensamento conceitual.
Para Vygotsky, o universo da educação escolar torna acessível ao
sujeito o conhecimento formalmente organizado, que o desafia a enten-
der as bases dos sistemas de concepções científicas e a tomar consciên­
cia de seus próprios processos mentais.
Ao interagir com esses conhecimentos, o ser humano se trans-
forma: aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas
complexas de cálculos, construir significados a partir das in-
formações descontextualizadas, ampliar seus conhecimentos,
lidar com conceitos científicos hierarquicamente relaciona-
dos, são atividades extremamente importantes e complexas,
que possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e
56 atuação em seu meio. Isto quer dizer que as atividades desen-
volvidas e os conceitos aprendidos na educação escolar (que
Vygotsky chama de científico) introduzem novos modos de
operação intelectual: abstrações e generalizações mais amplas
acerca da realidade (que por sua vez transformam os modos
de utilização da linguagem). Como consequência, na medida
em que o sujeito expande seus conhecimentos, modifica sua
relação cognitiva com o mundo (REGO, 2002, p. 104).

Nesse sentido, o importante no processo educacional é a formação


da consciência, que é, de certa forma, determinada pela natureza das
rela­ções que a engendram: trata-se das relações sociais com as quais cada
sujeito realiza sua atividade coletiva, em que o trabalho ocupa lugar
central. Vygotsky, assim, enfatiza que a relação ensino e aprendizagem
é um fenômeno complexo, pois diversos fatores de ordem social, polí-
tica e econômica interferem na dinâmica da sala de aula, isto porque a
escola não é uma instituição independente, está inserida na trama do
tecido social. Desse modo, as interações estabelecidas na escola revelam
facetas do contexto mais amplo em que o ensino se insere.
Uma educação voltada para a realidade existencial do sujeito
e fundamentada nela tem maior significado, pelo fato de que nossa
compreen­­­são está radicada na vivência que temos do mundo.

FAEL
Capítulo 3

E nisto reside a capacidade criadora: construir, a partir do exis-


tente, um sentido que norteie nossa ação enquanto indivíduos.
Ou seja: reside na busca de nossos valores, dentre os inúmeros
provenientes da estrutura cultural. A educação que pura e sim-
plesmente transmite valores asfixia a valoração como ato. O
ato de valoração e significação somente se origina na vida con-
cretamente vivida; valores e significados impostos tornam-se,
portanto, insignificantes. A educação é, fundamentalmente,
um ato carregado de características lúdicas e estéticas. Nela
procura-se que o educando construa sua existência ordena-
damente, isto é, harmonizando experiências e significações.
Símbolos desconectados de experiências são vazios, são insig-
nificantes para o indivíduo. Quando a educação não leva o
sujeito a criar significações fundadas em sua vida, ela se torna
simples adestramento: um condicionamento a partir de meros
sinais (DUARTE JUNIOR, 1981, p. 56).

A educação, tendo o seu papel de desenvolver pensamentos supe-


riores, auxilia no desenvolvimento psíquico do sujeito, pois a intersub-
jetividade existente nesse espaço e as relações ali estabelecidas ampliam
o horizonte e a consciência, ou seja, modificam o modo de ver e de se
relacionar com o mundo. É um fator de enriquecimento para o desen- 57
volvimento do ser humano.
Contudo, conforme afirma Becker (1986, p. 42),
a escola dentro do seu tradicionalismo, preocupa-se excessiva-
mente com os métodos, esquecendo-se do mais importante, o
desenvolvimento do aluno, sujeito que constrói o seu próprio
conhecimento, não levando em conta as experiências anterio-
res, de vida do aluno, dando muitas vezes um tratamento de
criança para o adulto.

Na mesma perspectiva, Kuenzer (2002, p. 25) argumenta que o


processo educativo, deve trabalhar no sentido de ser
uma síntese entre a objetividade das relações sociais, pro-
dutivas e econômicas e a subjetividade, de tal modo que se
dominem as diferentes linguagens, se desenvolva o racíocinio
lógico e a capacidade de descobrir os conhecimentos científi-
cos, tecnológicos e sócio-históricos, mas também de manter a
integridade humana.

Para tanto, é preciso ampliar a criticidade, a autonomia e a valoriza-


ção dos saberes dos educandos. Deve-se, primeiramente, possibilitar‑lhes
o acesso à cultura letrada, que permita uma participação ativa nas esferas

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

política, cultural e do trabalho. Isso implica necessariamente a revisão


do papel da escola, do educador, nas diversas concepções de ensino e
aprendizagem, e dos conteúdos a serem abordados nesses processos.
Os adultos aprendem em diversas situações, formais ou não for-
mais. Nas situações formais, cabe ao educador desenvolver, além dos
conhecimentos científicos e para a vida, diversas modalidades de ativi-
dades, objetivando a conscientização, a autonomia e responsabilidade
dos educandos, tendo em vista que, por mais que a aprendizagem se dê
em situações formais, é através da autonomia que ela será mais signifi-
cativa, pois será centrada no aluno, uma vez que ele poderá desenvolver
a capacidade crítica, o pensamento independente e analise reflexiva.
Quanto mais autônomo for o aluno, maior será sua capacidade para to-
mar decisões e articular normas e limites da atividade de aprendizagem,
assim como sua capacidade de autogestão e de aprender com a própria
experiência ou em situações não formais.
Levar o aluno a exercer sua autonomia depende da capacidade de
reflexão crítica do educador e de como ele administra os conteúdos.
58 Como afirma Martins (2000), um dos fundamentos da moderna teoria
da aprendizagem dos adultos é fazer com que eles aprendam por meio
da análise de suas experiências. Assim deverá acontecer com a estrutura
da educação de adultos, na capacidade de diálogo, na reflexão crítica e
na ordem de um “saber fazer”, ou seja, superando o saber (somente rela­
cionado ao conhecimento) para vivenciar o “saber fazer” (relacionado à
aplicação de conhecimentos adquiridos).
Para que a aprendizagem seja compreendida, o que se aprende deve
ter relação com a própria vida dos educandos e dos educadores. Em ou-
tras palavras, deve ser interessante para ambos. A educação escolar deve
possibilitar a aquisição das estratégias que permitem ir além do mundo
tal qual estamos acostumados a perceber através dos códigos linguísti-
cos e signos culturais estabelecidos. O conhecimento escolar necessi-
ta basear-se na aprendizagem da interpretação da realidade, orientada
para o estabelecimento de relações entre a vida dos educandos e dos
educadores e o conhecimento que as disciplinas e outros saberes não
disciplinares vão elaborando.
Sendo assim, é importante continuar pensando no sentido do
conhe­cimento e das relações que se estabelecem com o saber acumu-

FAEL
Capítulo 3

lado e em constante transformação nas sociedades e culturas do final


do século. É uma porta aberta para repensar a função da escola no
século XXI, o que se constitui no desafio de mudar permanentemente
e de continuar aprendendo.
No Brasil, é necessário assumir uma atitude diversa, pois a Educa-
ção de Jovens e Adultos precisa estar orientada, prioritariamente, para
o resgate da dívida social em matéria de educação. É importante lem-
brar que os componentes de mudança dizem respeito à mudança de
paradigmas, no que se refere ao conhecimento, às crenças pessoais e às
experiências prévias que permanecem na memória. E mais, “nos seres
humanos a aprendizagem de novos conhecimentos é inerente ao pró-
prio processo de desenvolvimento e de transformação do indivíduo”
(DELVAL, 2001, p. 25).
O grande desafio, portanto, é criar possibilidades para a existência
de uma prática escolar capaz de minimizar as dificuldades que os edu-
candos trazem e de respeitar a autonomia de aprendizagem e as diferen-
ças individuais, assegurando o acesso e a permanência dos educandos
jovens e adultos no processo educacional. 59

Organização do trabalho pedagógico frente ao


perfil dos educandos da EJA
Após tecer análises sobre o perfil dos educandos da EJA, faz-se
necessário discutir algumas estratégias de mediação pedagógica. A orga­
nização do trabalho pedagógico na Educação de Jovens e Adultos deve
valorizar os interesses individuais e o ritmo de aprendizagem dos edu-
candos e considerar os saberes por eles adquiridos, na informalidade
de suas experiências cotidianas e do mundo do trabalho, criando espa-
ços interativos que permitam vencer os obstáculos de modo confiante,
valo­rizando seus progressos.
No decorrer do processo de ensino e aprendizagem, a ação edu-
cativa deve estar comprometida com uma metodologia de ensino que
favoreça a relação ação-reflexão-ação e que possibilite ao educando a
compreensão de suas experiências e a construção do conhecimento.
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo, pois o sujeito que se
abre ao mundo e aos outros inaugura, com seu gesto, a relação dialógica

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inclusão no


permanente movimento da história (FREIRE, 1996, p. 154).
Muitos jovens e adultos ainda têm sido submetidos a um currí-
culo adverso às suas especificidades histórico-culturais. Isso se dá, em
grande parte, pela predominância de propostas curriculares baseadas
na fragmentação do conhecimento, em uma perspectiva cientificista,
excessivamente tecnicista e disciplinarista, que dificulta o estabeleci­
mento de diálogos entre as experiências vividas, os saberes anterior-
mente construí­­­­dos pelos educandos e os conteúdos escolares.
Essa condição contrapõe o que se defende em uma educação que
se pretende emancipadora, pois, na medida em que se expropria desses
sujeitos todas as possibilidades de manifestação explicita na prática do
diálogo, estabelece-se também um ciclo de dependência e submissão em
relação às pessoas que os cercam. Esse tipo de prática sem o objetivo
da emancipação reforça a ideia de incapacidade. As condições limitantes
desses supostos contextos de aprendizagem convertem-se em impeditivos
ao seu propósito, tornando-a desestimulante e sem sentido, na medida
60 em que aprender consiste em o educador perguntar e o aluno responder.
É nesse contexto que se propõe repensar as práticas de ensino e
aprendizagem desenvolvidas na EJA. Há muito tempo, as teorias psico-
lógicas nos ensinam que as pessoas têm ritmos e formas diferenciadas
para aprender. Uma análise mais criteriosa e democrática das teorias
que discutem a Educação de Jovens e Adultos desde seus intentos ini-
ciais dá conta de mostrar e reafirmar que é preciso considerar que
Cada um tem uma forma própria e singular de tecer conheci-
mentos através dos modos como atribui sentido às informa-
ções recebidas, estabelecendo conexões entre os fios e tecituras
ante­riores e os novos. Esse entendimento coloca novas exigên-
cias àqueles que pretendem formular propostas curriculares
que possam dialogar com os saberes, valores, crenças e expe-
riências dos educandos, considerando-os como fios presentes
nas redes dos grupos sociais, das escolas/classes, dos educado-
res e dos educandos e, portanto, relevantes para a ação peda-
gógica (ARROYO, 2004, p. 104-105).

É evidente que alguns dos problemas históricos vivenciados na edu-


cação são provenientes de uma organização escolar e curricular que, se-
gundo análise de Arroyo (2004), separa a pessoa que vive e aprende no

FAEL
Capítulo 3

mundo daquela que deve aprender e apreender os conteúdos escolares.


Diante da especificidade da demanda da EJA esse fator se torna mais
agravante. As vivências culturais e sociais dos jovens e adultos são ignora-
das e a isso articula-se a imposição de propostas curriculares que possuem
uma lógica infantil e que são destinadas à educação regular. Nesse contex-
to, em vez de ser rompido e transformado, o comum é ressaltado.
O fato é que há algum tempo temos diversos apontamentos de
como se deve aprimorar o currículo de modo a atender à especificidade
da EJA. Paulo Freire nos ensinou como podemos valorizar os sujeitos e
suas experiências e, ao mesmo tempo, implementar um modelo curri-
cular consoante às demandas do povo.
A proposta de Freire, tomada a partir de um contexto mais atual,
pode ser equiparada a um processo pedagógico que tenha como base a
metodologia dialética, nesse sentido não aplicada somente à alfabetiza-
ção, como proposto inicialmente, mas a qualquer prática educativa, pois
a dialética contida nessa metodologia pressupõe um movimento que se
origina da prática social e amplia-se para conceitos mais elaborados.
61
Priorizando-se, portanto, o diálogo, a formação ética e o desenvol-
vimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, a Educação
de Jovens e Adultos objetiva formar cidadãos capazes de lutar por seus
direitos e de se apropriar dos conhecimentos mediados pela escola para se
aprimorar no mundo do trabalho e na prática social. Com isso, é possível
conciliar as experiências cotidianas, a vida em sociedade e a atividade pro-
dutiva para o enfrentamento de novas situações que ocorrem no dia a dia e
dos inevitáveis conflitos que se apresentam na sociedade contemporânea.

Na Alemanha pós 2ª Guerra Mundial, o adolescente Michael Berg se en-


volve, por acaso, com Hanna Schmitz, uma mulher que tem o dobro de sua
idade. Essa não é a única diferença: as situações financeiras e culturais deles
também são diferentes. Apesar disso, os dois se apaixonam. Ele ganha a
primeira experiência sexual de sua vida. Ela ganha histórias. “Primeiro leia,
depois sexo”, ela dizia para ele. E entre as leituras estava a intrigante histó-
ria do filme. Ele trazia todo tipo de livros para ler para ela. Até que um dia,
ela some misteriosamente.

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Oito anos depois, Berg, um então interessado estudante de direito, surpreen­


de-se ao reencontrar seu passado de adolescente, quando acompanhava um
polêmico julgamento por crimes de guerra cometidos pelos nazistas. Nele,
mulheres estavam sendo julgadas por terem trabalhado em um campo de
concentração. Entre elas, estava Hanna.
Muitos podem pensar que o conflito está em Hanna, por ela ter trabalha-
do no campo de concentração e sobre o fato de ela estar “apenas fazendo
o seu trabalho”. Ela precisava de um emprego, mas o desenrolar do filme
revela muitas surpresas. Berg sabe um segredo sobre ela, que pode livrá-la
da condenação.
Ao assistir ao filme O leitor e descobrir qual é esse segredo, podemos refle-
tir sobre o perfil e os comportamentos dos educandos da EJA, diante de
algumas provas da vida, e sobre como as pessoas ignoram e se posicionam
diante dessas situações.
O LEITOR. Direção de Stephen Daldry. Alemanha; Estados Unidos: The
62 Weinstein Company; Neunte Babelsberg Film; Mirage Enterprises: Dist.
The Weinstein Company; Imagem Filmes, 2008. 1 filme (124 min), sonoro,
legenda, color.

Da teoria para a prática


Colcha de retalhos – identidade cultural
Esta é uma atividade que ajuda a reconhecer a identidade cultural,
o que significa buscar conhecer a própria história, conhecer a si mesmo
e a tudo que nos rodeia. Os materiais necessários para a realização desta
atividade são:
●● tecidos, TNT, lona ou quaisquer retalhos cortados em tama-
nhos e formatos variados;
●● tinta de tecido ou tinta guache;
●● linha e agulha ou cola de tecido.

FAEL
Capítulo 3

1ª Etapa: história de vida


Peça a todos os participantes para relembrarem um pouco de suas
histórias pessoais e das histórias de suas famílias, pensando em suas ori-
gens, sentimentos e momentos marcantes, em sonhos, enfim, em tudo
aquilo que a pessoa considerar representativo em sua vida. Depois disso,
solicite para escolherem pedaços de tecidos para pintar símbolos, cores
ou imagens relacionadas às suas lembranças. Esse é um momento indi-
vidual, que deve levar o tempo necessário para que cada um se sinta à
vontade ao expressar o máximo de sua história de vida. Quando todos
terminarem, proponha a composição da primeira parte da Colcha de
Retalhos, que pode ser feita por meio da costura ou da colagem dos
trabalhos de cada um, sem ordem definida.

2ª Etapa: história da comunidade


Essa etapa exige muito diálogo entre os participantes, que devem
construir a história da comunidade onde vivem. Uma boa dica é pesquisar
junto aos mais velhos. O grupo deve escolher alguns fatos, acontecimentos
e características da comunidade para representá-los também em pedaços 63
de tecido pintados. Pode-se reunir as pessoas em pequenos grupos para a
criação coletiva do trabalho. Todas as pinturas, depois de terminadas, de-
verão ser costuradas ou coladas, compondo um barrado lateral na colcha.

3ª etapa: história da cidade, do país, da Terra


A partir daqui, a ideia é dar contiuidade à colcha de retalhos, crian-
do novos barrados, de forma a complementá-la com a história de vida
da cidade, do país, do mundo e até do universo. Não há limites nem
restrições. O objetivo principal é estimular, nos participantes, a vontade
de conhecer e registrar a vida, em suas diferentes formas e momentos.
Desse modo, poderão se sentir parte da grande teia da vida.
Fonte: adaptado de Diskin e Roizman (2002).

Síntese
Neste capítulo, discutimos noções sobre o perfil sócio-histórico e
psicológico dos educandos da EJA e, com isso, foi possível perceber as

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

marcas sociais da discriminação e exclusão em relação a esses sujeitos.


No entanto, vimos também que essas pessoas possuem uma grande
bagagem de outros saberes – advindos da vida cotidiana – que precisam
e devem ser considerados, de modo a elevar esses educandos à condição
de sujeitos da história, independentemente da escolarização.

64

FAEL
4
Mediação
pedagógica
na EJA
O processo educativo especificamente direcionado a jovens e adul-
tos adquire significado à medida que intrinsecamente se relaciona à prática
de vida desses sujeitos, nos diferentes modos de viver e atuar no mundo
com seus limites e possibilidades. Atender a essa demanda requer, necessa-
riamente, um trabalho pedagógico em que exista uma superação do conhe-
cimento que o educando traz do seu cotidiano, que é a expressão da classe
social à qual pertence, não no sentido de anular ou de sobrepor um conhe-
cimento ao outro, mas no sentido de dar e construir novos significados.
65
Em outras palavras, o que se propõe é que o conhecimento com o
qual se trabalha na escola seja significativo para a formação do educan-
do. Nesse sentido, apresentaremos, nesse capítulo, alternativas para a
realização de práticas pedagógicas significativas.

Prática pedagógica significativa


A prática educativa que compreende a precondição de emancipação
intelectual de qualquer sujeito deve ser precedida pelo conhecimento dos
educandos, de suas capacidades, limitações, necessidades e expectativas,
assim como da comunidade em que vivem. Essa prática é uma forma
de intervenção no mundo que vai além do conhecimento de conteúdos
pré-existentes: ela implica um esforço de transformação da realidade.

Reflita
Reflita
Em que consiste uma prática pedagógica significativa?
Reflita
Reflita
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

A proposta de Freire, tomada a partir de um contexto mais atual,


pode ser equiparada a uma prática pedagógica que tenha como base a
metodologia dialética, nesse sentido não aplicada somente a alfabetiza-
ção como proposto inicialmente, mas a qualquer prática educativa, pois
a dialética contida nessa metodologia pressupõe um movimento que
se origina da prática social e amplia-se para conceitos mais elaborados,
conforme demonstrado nas etapas abaixo:
●● prática social inicial;
●● problematização;
●● instrumentalização;
●● catarse;
●● prática transformada.
Com o intuito de continuar as reflexões acerca de como podemos
encaminhar um trabalho pedagógico significativo em EJA, apresenta-
remos, a seguir, exemplos de práticas pedagógicas.
66

Prática social problematizadora


Com base em uma metodologia dialética de educação, que pode
ser aplicada a qualquer processo educativo, uma vez que a dialética
contida nessa metodologia pressupõe um movimento que se origina
da prática ­social e amplia-se para conceitos científicos mais elaborados,
apresenta-se a seguir um exemplo a partir da temática “preservação do
meio ambiente”.

• Tema social: preservação do meio ambiente.


• Prática social inicial: preocupação com problemas ambientais (en-
chentes, alagamentos, poluição).
• Problematização: questionar sobre quais atitudes devemos ter para
enfrentar os problemas ambientais e sobre como preservar o meio am-
biente, evitando catástrofes ambientais.

FAEL
Capítulo 4

• Instrumentalização: o educador deve organizar o trabalho pedagógi-


co de forma a trazer informações e conhecimento, elaboradno as expli-
cações para os questionamentos.
• Catarse: a partir das reflexões acerca da prática inicial articuladas ao
conhecimento elaborado, ocorre, então, a tomada de consciência. Espe-
ra-se que com a problematização e instrumentalização o educando com-
preenda como cada um causa danos ao meio ambiente.
• Prática transformada: após a tomada de consciência, mediante as
situações da prática inicial, o educando poderá apresentar uma nova
prática, transformada e ecologicamente correta.

A partir desse exemplo reforça-se a importância de se propiciar um


ensino dialógico, pautado na conscientização da importância de ser e
de estar nesse mundo, de forma a realmente nele se inserir e não apenas
adaptar-se como um objeto. Deve-se ser um sujeito que conhece e tem
poder de transformar a realidade em que vive, por meio do trabalho e 67
da participação livre e consciente.

Prática pedagógica baseada em temas geradores


Baseado na proposta freiriana, o trabalho com temas geradores
continua bastante atual, ao preconizar que o processo educativo deve
partir daquilo que o educando já sabe, ou seja, do seu contexto e de
suas histórias de vida. Freire reforça a função social do aprendizado
quando argumenta que “a leitura de mundo precede a da palavra, daí
que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da
leitura daquela” (FREIRE, 1996, p. 12).
O pensamento pedagógico de Freire tem influenciado uma con-
cepção de educação que dá sentido à educação permanente, quando
assegura que o processo educativo, que se inicia por meio da aquisição
da leitura e da escrita, prolonga-se pelo resto da vida, nas condições
sociais da existência humana.
Com o uso de temas geradores, busca-se empregar processos men-
tais de análise e síntese, juntamente com a problematização da situação

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


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existencial em que vive o educando. Nessa reflexão, que alia conheci-


mento e política, Paulo Freire motivou jovens e adultos a reconquis­
tarem seus direitos por meio de uma prática transformadora, que en-
volve o conhecimento sobre a realidade existencial dos educandos e a
escolha de palavras ou temas que podem ser problematizados e discu-
tidos. Após isso, trabalha-se os aspectos escolares propriamente ditos,
sempre com a mediação da prática dialógica.
A seguir, são descritas as etapas da prática pedagógica baseada em
temas geradores.
a) Levantamento do universo vocabular dos educandos
No processo de dialogicidade, quando se busca conhecer o univer-
so vocabular dos educandos, surge o tema gerador, que é extraído
da problematização da realidade dos educandos e contextualizado
na prática social.
b) Seleção de temas ou palavras geradores
O tema gerador dá origem às várias palavras geradoras, que deve-
68 rão estar ligadas entre si para propiciar a relação entre as áreas do
conhecimento.
Por meio do tema gerador pode-se avançar para além do limite de
conhecimento que o educando possui de sua própria realidade. A
partir do tema gerador são selecionadas as palavras geradoras que
reúnem em si a maior porcentagem dos critérios sintático, semân-
tico e pragmático, uma vez que
[...] a melhor palavra geradora é aquela que reúne em si a
porcentagem mais alta de critérios sintáticos (possibilidade
ou riqueza fonética, grau de dificuldade fonética complexa,
possibilidade de manipulação de conjuntos de signos, de síla-
bas, etc.), semânticos (maior ou menor intensidade de relação
entre a palavra e o ser que designa), poder de conscientização
que a palavra tem potencialmente, ou conjunto de reações so-
cioculturais que a palavra gera na pessoa ou no grupo que a
utiliza (FREIRE, 1985, p. 43).

c) Problematização ou criação de situações existenciais típicas do


grupo
Esse momento visa à superação da visão ingênua do jovem e adulto
diante da palavra apresentada, por meio de situações problemati-

FAEL
Capítulo 4

zadoras que conduzam à reflexão e ao desenvolvimento da criti-


cidade. Para isso, as palavras geradoras devem ser decodificadas,
com a mediação do educador, para que o educando perceba que
elas representam a síntese da ação e da relação dos homens entre si
e com o mundo.
d) Elaboração de fichas para roteiro de estudo
Cada uma das palavras geradoras deverá ter a sua ilustração (dese-
nho ou fotografia) significativa e crítica para suscitar novos debates
em sala de aula. Essa ilustração tem como objetivo a representação
de um aspecto da realidade ou de uma situação construída no jogo
das interações sociais.

A característica problematizadora do diálogo proposto por Freire


aproxima-se da concepção dialética de humanização dos homens e das
explicações da vida em sociedade. Podemos dizer que ele capta o senti-
do histórico e político do conhecimento e da teoria educativa que têm
papel crítico e revolucionário.
69
Dentre as obras de Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia (1996)
teve grande influência nas práticas educativas. Nela, Freire critica a
polí­tica neoliberal que se instalou na sociedade contribuindo para uma
ideologia fatalista e desumana e faz um convite para a prática da ética
universal do ser humano, que liberta gerando melhores condições de
vida e condenando a exploração. Além disso, denuncia o ensino bancá-
rio, que tem por finalidade a transferência de conhecimentos, e afirma
que o ensino deve ser democrático, no qual educadores e educandos
troquem conhecimentos.
Desse livro, pode-se extrair as ideias que denotam o caráter e até a
essência da pedagogia da autonomia, no sentido mais amplo do termo
que envolve a participação de toda a sociedade
Gosto de ser homem, de ser gente decente, porque sei que a
minha passagem pelo mundo não é predeterminada, prees-
tabelecida. Que o meu “destino” não é um dado mas algo
que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me
eximir. Gosto de ser gente porque a história em que me faço
com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de
possibilidades e não de determinismo. O fato de me perceber
no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver


com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem
a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de
quem luta para não ser objeto, mas sujeito também da histó-
ria (FREIRE, 1996, p. 58-59).

De acordo com essa visão, o papel da escola deve ser o de sele-


cionar e organizar dados que possibilitem aos educandos uma reflexão
sobre a escrita que estão elaborando, facilitando e agilizando o processo
de construção do conhecimento que dá sentido à prática social.

Prática de intervenção pedagógica na EJA


A construção de uma proposta de intervenção se dá na medida em
que conseguimos ler o que vemos, e geralmente analisamos nossas inten-
ções frente a todo esse processo. Para tanto, o educador deve se apoiar
nas discussões teórico-práticas, problematizando o fazer docente. Dessa
forma, uma prática diferente é construída a partir do fazer contínuo, ao
longo da vida, das experiências e vivências no habitus da escola.
70 Nesse sentido, é preciso observar e registrar as situações teórico‑prá-
ticas de ensino e aprendizagem vivenciadas junto aos alunos de EJA. A
construção do documento elaborado pela tessitura do pensar‑fazer, da
reflexão-ação-reflexão, será o plano da ação pedagógica, que terá como
constructos os registros da observação da prática social, que deve se
desenvolver em parceria com a comunidade escolar, contendo os se-
guintes elementos:
●● plano de observação/diagnóstico da realidade;
●● projeto de intervenção pedagógica;
●● tema selecionado;
●● definição dos objetivos;
●● leituras das teorias de base sobre o tema;
●● seleção dos conteúdos;
●● estratégias de ação;
●● recursos didáticos;
●● avaliação do processo de ensino e aprendizagem.

FAEL
Capítulo 4

É necessário elaborar um plano para se iniciar o processo de ob-


servação e diagnóstico do espaço de EJA, pois olhar intencionalmente
possibilita diagnosticar valores educacionais, cultura, formas de relacio-
namentos, conflitos, enfim, a identidade do grupo.
A ação de planejar um projeto de intervenção exige o conheci­
mento da realidade, senso crítico, vontade e necessidade de transfor-
mar. Para tanto, é preciso estar inserido no espaço da escola, observan-
do e conhecendo a prática pedagógica da EJA. A partir dessa etapa,
deve-se estabelecer os objetivos que se quer alcançar, as estratégias ou
caminhos para atingi-los (com fundamento em teorias), bem como as
atividades que serão desenvolvidas, os prazos e os partícipes que estarão
compromissados com o desenvolvimento do projeto.
Veja, a seguir, um exemplo de projeto de intervenção pedagógica.

Dados de identificação
• Nome da escola; 71
• Caracterização da localização da escola;
• Professor educador;
• Perfil dos educandos (média de idade, sexo, localidade de origem, atua-
ção profissional, residência e proximidade da escola ou local de trabalho,
renda familiar, papel na família, assuntos de interesse, dentre outras
questões que podem ser levantadas).
Título
O título do projeto deve ser claro, conciso, explicativo e coerente com o
conteúdo e objetivos do plano de trabalho, para possibilitar e garantir a
identificação da temática a ser abordada com o perfil, a demanda da turma
e o nível de aprendizagem dos alunos.
Tema a ser desenvolvido
É preciso selecionar o tema a ser abordado em conjunto com a comunidade
escolar ou educandos. O tema deve abordar de forma interdisciplinar as
áreas de conhecimento e deve estar articulado à realidade social.

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Justificativa
Consiste na apresentação clara e objetiva das razões teórico-práticas que
justificam o desenvolvimento do tema com a comunidade. Deve indicar a
relevância dos conteúdos a serem abordados, assim como explicitar fun-
damentalmente o que colabora o estudo do tema para o desenvolvimento
cognitivo e a aprendizagem dos alunos.

Problematização
O trabalho docente deve se iniciar com uma situação que gere dúvida ou
que instigue os educandos, denominada “situação problema”, que se origina
a partir da definição da situação a ser discutida, investigada e solucionada.
Dessa forma, o problema pode ser caracterizado/formulado através de uma
“questão norteadora”, o que facilita o direcionamento da objetivação.

Objetivo geral
Os objetivos devem indicar o intuito das atividades a serem realizadas, es-
clarecendo os fins que pretendem ser atingidos com a intervenção. O obje-
72 tivo geral possui uma dimensão ampla, com a característica de ser único e
com a função de ser atingido.

Objetivos específicos
Os objetivos específicos assumem uma dimensão mais restrita, com uma
temporalidade mais imediata (a aula), e delimitam as ações complementa-
res para o alcance do objetivo geral.

Fundamentação teórica
Definido o tema, deve-se proceder a revisão bibliográfica relacionada à temá-
tica em questão, a fim de aprofundar e fundamentar o trabalho pedagógico.
Para tanto, deve-se procurar uma literatura relevante e atualizada, com vis-
tas a buscar compreender o tema e, também, o que já foi produzido na área
a ser trabalhada.

Estratégias de ação
Esse item deve materializar os desdobramentos do trabalho de aprofunda-
mento teórico-prático, no que diz respeito às ações a serem desenvolvidas

FAEL
Capítulo 4

na sala de aula. Deve ser especificada a abrangência dessas ações, os sujeitos


envolvidos, o local e demais informações pertinentes às ações de docência.
Recursos didáticos
Na elaboração do plano, deve-se estruturar as atividades docentes de inter-
venção na EJA, prevendo recursos e os seguintes momentos:
a) propor objetivos orientadores das atividades de aprendizagem dos alu-
nos de EJA;
b) selecionar conteúdos de aprendizagem a serem trabalhados em todas as
áreas do conhecimento;
c) organizar as sequências e relações contextualizadoras dos conteúdos
selecionados;
d) distribuir os conteúdos de aprendizagem segundo o tempo disponível
para as atividades do projeto de ensino;
e) prever a utilização de procedimentos didáticos e recursos; 73

f) delinear as formas e momentos de avaliação da aprendizagem dos


alunos;
g) listar as referências de apoio bibliográfico.
Avaliação do processo ensino e aprendizagem
Em todo processo educativo, há necessidade de a avaliação ser constante
e, quando necessário, deve haver a abertura para o replanejamento. O im-
portante é manter uma postura aberta, sabendo que novos dados e obser-
vações são bem-vindos, porém sem perder de vista os objetivos a serem
atingidos. Nesse sentido, a avaliação deve ser dirigida de acordo com os
objetivos, sempre validando o caminho a ser seguido.
Nem sempre a forma como está estruturado o conteúdo e a avaliação é es-
timulante e incentivadora ao progresso do educando. Pensar em formas de
superar as dificuldades, como atendimento individualizado, disponibilida-
de, colaboração com funcionários e equipe, envolvendo comunidade esco-
lar e família, são modos de criar vínculos na prática pedagógica. Por outro

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lado, isso envolve também a responsabilidade da escola diante da comu-


nidade e das discussões globais; por isso, é tão comum os novos projetos
contemplarem questões ecológicas, direitos humanos, consciência coletiva
e respeito às diferenças.

Esses passos são fundamentais para a construção de um plano in-


tervenção. O ato de planejar se caracteriza como um posicionamento
consciente político-pedagógico diante de uma realidade que precisa ser
repensada, com ações bem planejadas. Portanto, é preciso organizar
os dados levantados junto à comunidade escolar de EJA, analisá-los e
interpretá-los, com vistas ao planejamento do projeto de intervenção.
A observação a ser realizada deve levar em consideração o cotidiano
escolar, os interesses e aspirações dos envolvidos, lembrando que para
compreender a complexidade desse cotidiano são precisos métodos de
investigação. Portanto, um diagnóstico bem feito, baseado em infor-
mações seguras, significa ter um ponto de partida, que é a identifica-
74 ção dos elementos constituintes da realidade escolar, importantes para
estabelecer relações entre a situação observada (como ela se manifesta
hoje) e a situação adequada (como ela deveria ser). Assim, subsidia-se
as decisões do planejamento.
Há aspectos importantes para se levar em conta nessa etapa de ob-
servação e diagnóstico: a escola, a prática que ela vem desenvolvendo, a
forma como está organizada e como se dá a convivência em seu interior
e os resultados de aprendizagem dos educandos.
Conhecer o contexto da prática pedagógica da escola significa
conhe­­cer o público alvo: para quem ensinamos? Por isso, é fundamen-
tal obter informações seguras sobre ela, levando em conta a diversidade
local. Esse é o primeiro passo do exercício da autonomia e da constru-
ção da identidade da escola.
Repensar a prática pedagógica contribui para impulsionar mudan-
ças na cultura docente, como a mudança de pensamento, de atitude e
de revisão do repertório de valores, crenças e saberes. A revisão da prá-
tica tem proporcionado uma revisão da ação pedagógica docente e dos
pressupostos teórico-práticos que a norteiam, possibilitando apoiar em
outros referenciais a ação profissional dos partícipes.

FAEL
Capítulo 4

Vivências nos espaços da EJA


Tomando como referência a vivência no espaço da EJA, o propos-
to é aproximar os educandos dos objetos cognoscíveis, construídos a
partir do cotidiano pedagógico escolar vivenciado por eles. Para que se
realize a construção de novos saberes, procurando elucidar a realidade
social, econômica, política, científica e educacional da escola e visando
à educação do sujeito cognoscente (aquele que produz conhecimento
comprometido com a teoria e a prática real, tornando-se produtor de
novos saberes), “é preciso que o educando vá assumindo o papel de
sujeito da produção de sua inteligência do mundo, [...] reconhecer-se
como arquiteto de sua própria prática cognoscitiva” (FREIRE, 1996).
Para tanto, sempre que possível, esse trabalho deve ocorrer em par-
ceria com toda comunidade escolar, como uma forma tanto de ensinar
quanto de aprender, envolvendo todos os sujeitos do processo educativo.
Assim, busca-se compreender a prática pedagógica, que se constitui em
um momento de síntese integradora de todo o processo educacional e
que, por isso, demanda uma consideração atenta quanto aos aspectos de:
75
●● reflexão da prática de docência;
●● observação e diagnose da realidade;
●● planejamento do trabalho pedagógico;
●● intervenção;
●● acompanhamento e avaliação.
Nessa perspectiva, a prática configura-se em um processo de inves-
tigação – ação pela qual se objetiva a formação do profissional professor
educador e a compreensão com uma maior efetividade da EJA.
Pode-se atribuir uma responsabilização de ações aos participantes
do processo didático-pedagógico. Todos deverão estar participando do
planejamento, desenvolvimento e avaliação dos projetos educacionais,
de modo a assegurar não apenas um acompanhamento, mas, sobretu-
do, uma reflexão contínua sobre a prática docente.
Sob o ponto de vista da organização, o delineamento do processo
visará superar o mecanicismo de um planejamento meramente esque-
mático ou de modelos formais. Por isso, “considerar a vivência significa

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imergir e buscar identificar, conhecer e compreender o significado e o


sentido dos acontecimentos escolares. Pressupõe conhecer as pessoas
envolvidas e também o significado e o sentido que elas dão aos aconte-
cimentos vivenciados” (PENIN, 2001, p. 20).
O professor educador deve tomar conhecimento do espaço educacio-
nal da EJA, buscando situar-se e informar-se sobre aspectos pedagógicos
e didaticamente significativos. Essa forma de ver é composta de diferentes
olhares sobre a realidade. Cada um, com o quê pode e têm, vê o mundo, e
de nada adianta conceitos prontos e memorizados se a expressão do sujeito
não for o visto e sentido por ele mesmo (FREIRE, 1996).
Entre as vivências dos atores que efetivamente produzem a EJA,
deve-se levar em consideração a epistemologia da prática a partir da
análise do cotidiano, procurando captar o sentimento dos sujeitos em
relação ao mundo do conhecimento e buscando compreendê-los à luz
do conjunto de teorias, categorias, conceitos e noções, de forma a am-
pliar o entendimento sobre eles.

76

Assista ao filme A corrente do bem. Nele, um professor de estudos sociais


faz um desafio aos seus alunos em uma de suas aulas: que eles criem algo
que possa mudar o mundo. Um de seus alunos, incentivado pelo desafio
do professor, cria um novo jogo, em que a cada favor que a pessoa recebe
deve‑se retribuir a três outras pessoas. Surpreendentemente, a ideia funcio-
na, e os envolvidos encontram um novo sentido para a vida.
A CORRENTE do bem. Direção de Mimi Leder. Estados Unidos: Warner
Bros; Bel Air Entertainment, 2000. 1 filme (115 min), sonoro, legenda,
color.

Da teoria para a prática


A seguir, apresentamos um exemplo de projeto de intervenção
peda­gógica que poderá ser aplicado em sua sala de aula.

FAEL
Capítulo 4

Título: “Saber com sabor”


Dados de identificação:
●● Nome da escola
●● Caracterização da localização da escola
●● Professor alfabetizador
●● Perfil dos alfabetizandos
Tema: o saber e o sabor dos alimentos.
Justificativa do tema de estudo: esse tema deve ser abordado devido
à necessidade de discussão de temas aos quais os educandos são sub-
metidos, sem que a escola os ajude a compreender tais correlações,
como saúde, planejamento econômico familiar, tempo destinado
para as refeições e o trabalho, vale refeição, tempo de validade dos
alimentos, formas de preparo e conservação dos alimentos, cadeia
produtiva e comercialização.
Problematização: quais são os nossos alimentos de cada dia? Quais
as formas de obtenção? Como são produzidos? Quais os agentes da 77
cadeia de produção? O alimento e a situação econômica da família.
Tempo de alimentação x trabalho x saúde: quais as relações e priorida-
des? Qual a cultura do consumo e a influência da mídia?
Objetivos gerais: conscientizar os educandos sobre a importância de
conhecer os alimentos consumidos no dia a dia e o sabor do saber em
diferentes aspectos.
Objetivos específicos: identificar nas refeições dos educandos os ali-
mentos mais presentes no dia a dia, visando analisar, a partir do contex-
to de cada um, as representações de fatos, momentos das refeições, pes-
soas, lugares e situações envolvidas no ato de se alimentar, bem como as
características físicas e científicas dos alimentos.
Fundamentação teórica: livros de ciências, manuais de agricultura e
nutricionais, sites da internet sobre alimentação correta, revistas e jor-
nais de grande circulação, dentre outros materiais que tragam informa-
ções e conhecimentos sobre o tema.
Estratégias de ação: exibição de filmes, palestras ou leitura de ma-
teriais informativos, visando discutir questões relativas aos modos de

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produção e obtenção dos alimentos, trabalho, a relação homem X hu-


manidade X liberdade de escolha X racionalidade, dentre outras ques-
tões. Pode-se realizar, também, palestras sobre alimentação saudável,
valor nutricional ou aulas de culinária.
Recursos didáticos: livros, filmes, revistas, sites e recursos destinados à
execução da aula.
Avaliação do processo ensino e aprendizagem: na medida em que as
ações relacionadas ao tema forem sendo executadas, a avaliação e a ne-
cessidade de replanejamento devem seguir paralelamente. Pode‑se rea­
lizar perguntas e respostas (orais ou escritas) dinâmicas e aulas práticas
para saber se o que esta sendo ensinado é compreendido e, consequen-
temente, aprendido pelos educandos.

Síntese
78 Vimos que muitos são os desafios e preocupações com a situação
pedagógica da EJA. Conhecer o mundo diversificado dos educandos e
as formas de produção do conhecimento, é ponto de partida para refle-
tir, compreender e buscar soluções para melhoria do ensino e para uma
aprendizagem significativa. Para tanto, se faz necessário conhecer a ro-
tina escola onde se está incluído: organização curricular, planejamento
de aula, a seleção de conteúdos, as estratégias e recursos de ensino bem
como o espaço onde ocorrem tais significações, a sala de aula.
Portanto, o objetivo dessas proposições, o foco de observação,
a sala de aula e as formas de produção do conhecimento expressam
um sentido autêntico, buscando criar na escola um ambiente de plena
liber­dade onde se possa questionar, refletir, criar, elaborar e construir o
conhecimento, que possibilite à luz das considerações teóricas e práti-
cas superar as dificuldades, replanejando e propondo novas propostas
pedagógicas a partir das análises do observado.

FAEL
Relações de ensino
e aprendizagem
na EJA
5
A historicidade da EJA é marcada pelo caráter compensatório
de uma relação em que se priorizam questões relativas ao ensino em
detrimento da aprendizagem. Nesse sentido, há de considerar inúme-
ros fatores, como concepções de ensino, aprendizagem, currículo e
avaliação na EJA.
No âmbito curricular, deve-se considerar que não há um currículo
definido para essa modalidade de ensino: o que temos em âmbito nacio-
79
nal são diretrizes que apontam eixos articuladores que se aproximam ou
não da realidade dos jovens e adultos. Já a questão da avaliação implica
a reformulação do processo didático-pedagógico, deslocando também a
ideia da avaliação do ensino para a avaliação da aprendizagem.

Questão curricular da EJA


O histórico curricular na EJA não difere do que se verifica na edu-
cação básica como um todo, ou seja, organiza-se por disciplinas esco-
lares que compõem a base nacional comum e, em algumas situações,
os conteúdos se relacionam com a disciplina científica de referência.
Isso quer dizer que no currículo há um misto entre conteúdos especi-
ficamente científicos, outros que fazem parte das disciplinas escolares
e outros originados na própria cultura escolar, com veremos a seguir.
O século XIX é um marco da organização do currículo por disciplinas,
recebendo forte influência de uma organização escolar consolidada na
visão tradicional escolástica, ou seja, “a questão não era ensinar um
certo montante de conhecimentos no menor tempo possível, mas ter
os educandos, entre as paredes da sala de aula, submetidos ao olhar
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

vigilante do educador o tempo suficiente para domar seu caráter e dar


forma adequada a seu comportamento” (­ENGUITA, 1989, p. 115).
Nesse contexto, a concepção educacional valorizava a cultura le-
trada e os conteúdos como instrução, cuja função consistia em adaptar
o trabalhador aos interesses fabris, a fim de homogeneizar crenças, cos-
tumes e valores, aliados à burguesia industrial. Nesse direcionamento,
quanto maior o controle, mais próximo se ficava dos padrões desejáveis
pela fábrica e pelo mercado.
Muitos teóricos nos auxiliam a compreender o impacto desse
tipo de currículo na formação dos educandos. Dentre eles citamos
­Santomé (1998, p. 3), para quem “o problema das escolas tradicio-
nais, nas quais se dá uma forte ênfase aos conteúdos apresentados em
pacotes disciplinares, é que não conseguem que os alunos e alunas
sejam capazes de ver esses conteúdos como parte de seu próprio mun-
do”, ou seja, os conteúdos são trabalhados de forma estanque, frag-
mentados e sem contextualização, de modo de que os educandos não
percebem o significado deles, o que dificulta a aprendizagem, pois
80 sabemos que só se aprende o que tem sentido e significado. Em outras
palavras, o educando precisa saber o quê e por que está aprendendo.
Nesse sentido, é importante que seja preparado para o presente, que
tenha condições de formular hipóteses, buscar respostas para dife-
rentes situações, interagindo e expondo seu ponto de vista e fazendo
críticas e indagações acerca do mundo.
O currículo, segundo análise de Moreira (1999), constitui-se em
um significativo instrumento, utilizado por diferentes sociedades, tanto
para desenvolver os processos de conservação, transformação e renova-
ção dos conhecimentos historicamente acumulados, quanto para socia-
lizar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis.
Portanto, nessa linha de raciocínio, o currículo é uma construção
social, na medida em que está diretamente ligado a um momento his-
tórico e a uma determinada sociedade por meio das relações que ela
estabelece com o conhecimento.
Assim, em diversos contextos, o currículo teve suas formas diver-
sas, com destaque ora a modelos mais conservadores, ora a modelos
mais progressistas.

FAEL
Capítulo 5

O Currículo, para Moreira (1999), já foi definido como:


• listagem de disciplinas a serem ensinadas e, dentro de cada disciplina,
os conteúdos;
• currículo enquanto o conhecimento escolar, o conteúdo, a grade, etc.;
• conjunto de experiências que o aluno vive na escola sob a orientação do
educador;
• currículo como um plano;
• currículo associado à listagem de objetivos.

De acordo com cada formato, havia uma maneira de pensar a es-


cola, o ensino, o professor e o aluno. Trata-se de uma forma de posicio-
nar-se, o que reforça o fato de que a educação jamais será neutra.
Os diversos enfoques expressam ideais e valores também distintos. 81
Quando se associa o currículo à experiência, o foco sai do conteúdo que
se ensina, do conhecimento escolar que se aprende para a experiência
vivenciada pelos sujeitos. Moreira (1999) define o currículo enquanto
conjunto de experiências que o aluno vive na escola e que se relacionam
com o conhecimento escolar.
Essa visão não descarta o papel do conhecimento, pois não se pode
pensar a escola sem conhecimento. Contudo, a ideia defendida pelo
autor traz à tona outras ideias e reforçam o fato de que o ser humano
aprende e ensina suas experiências para além das relações que estabelece
na escola. No entanto, o aprender escolar exige que seja organizado,
pensado, planejado, ou seja, não é algo que acontece de qualquer jeito,
pois, conforme os pressupostos vygotskyanos, o educador deve ser um
mediador. Nesse sentido, Moreira (1999) apresenta, ainda, alguns des-
taques acerca do currículo.
●● Currículo é, simultaneamente, projeto e prática, um projeto
político-cultural.
●● Currículo enquanto núcleo central da escola.

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●● Currículo é necessariamente um conjunto de escolhas, é uma


seleção de cultura e uma seleção de um conjunto mais amplo
de possibilidades.
No entanto, os destaques pontuados pelo autor somente se concre-
tizam pela ação mediada e compromissada ética e politicamente com o
educando, desde o planejamento até a efetivação desse plano em sala.
Para Freire (1987), a ação de planejar implica escolhas, as quais descar-
tam qualquer forma de neutralidade. Nesse sentido, pode-se afirmar
que se tratam de escolhas que são permeadas por interesses de caráter
político e, ao mesmo tempo, ideológico.
Pensar na organização curricular para a EJA implica explicitar as
concepções de educação, de sujeito, de escola, de currículo, de conhe-
cimento e de ensino e aprendizagem coerentes com as especificidades
dessa demanda.

O processo de avaliação na EJA e sua relação com


82 o ensino e a aprendizagem
Avaliar exige que se defina aonde se quer chegar, que se estabele-
çam os critérios, para, em seguida, escolher os procedimentos, inclusive
aqueles referentes ao modo e ao contexto em que foram produzidos.
“O ponto de partida deste movimento está nos homens mesmos. Mas,
como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte
das relações homens-mundo [...]” afinal, “não se pode pensar pelos ou-
tros nem para os outros, nem sem os outros, mas sim com os outros.”
(FREIRE, 1996, p. 84).
É fundamental que o educador entenda as dimensões do ensino e
da aprendizagem, ou seja, como se deve ensinar para que os educandos
aprendam, e compreenda como ocorre a aprendizagem, tendo subsí-
dios para avaliá-la.
Quando o educando da EJA chega à escola, ele traz consigo suas re-
presentações de mundo e espera que a escola valorize seu modo de pensar
e ofereça condições de “ir além”. Em outras palavras, é papel da escola
oferecer subsídios para que os educandos possam se desenvolver intelec-
tualmente, ampliando a visão de mundo. Dadas essas condições, cabe

FAEL
Capítulo 5

ressaltar a importância de uma concepção de avaliação da aprendizagem


condizente com a postura adotada, compreendendo a necessidade de se
conhecer o que o aluno já sabe e o que ele ainda não sabe, pois somente
assim será possível oferecer ao alfabetizando desafios ao seu saber, para
que em seu esforço intencional transforme-os em novos saberes.
Modificar a forma de avaliar implica a reformulação do processo
didático-pedagógico, deslocando também a ideia da avaliação do ensi-
no para a avaliação da aprendizagem. Afinal, “o sentido fundamental
da ação avaliativa é o movimento, a transformação” (HOFFMANN,
2006, p. 110).

Aprender não é a mesma coisa que copiar ou repetir aquilo que foi ensi-
nado. A cópia não faz ninguém aprender, pois aprendizagem não é deter-
minada por quem ensina, mas por quem aprende. A aprendizagem é um
processo construtivo, pessoal, em que cada um aprende por si, seguindo
seu próprio caminho. Contudo, um fator importante a ser considerado é
que a aprendizagem se concretiza nas relações sociais, ou seja, é nas “re- 83
lações dos homens com outros homens que se constrói o conhecimento”
(FREIRE, 1996).

Essas reflexões sobre ensino e aprendizagem na EJA são de funda-


mental importância para quem se propõe a ensinar nessa modalidade
educativa. A maneira como o educador concebe a relação de ensino e
aprendizagem determina como serão os encaminhamentos didáticos,
metodológicos e avaliativos do processo educativo.
Uma concepção de avaliação comprometida com a inclusão e a
pluralidade vai além da visão tradicional, hierárquica, que focaliza o
controle do aluno e promove a seletividade, dentro do sistema socio-
educacional, por meio de notas e conceitos. É preciso alcançar uma
outra concepção de avaliação que tenha por objetivo compartilhar in-
formações e subsídios que favoreçam o desenvolvimento do educando
e a ampliação de seus conhecimentos.
Nessa linha, Luckesi (1996, p. 69) conceitua a avaliação como:
“um juízo de qualidade sobre dados relevantes tendo em vista uma

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

tomada de decisão.” Nesse sentido, a avaliação deve ser orientada em


função dos resultados da aprendizagem vinculados a um padrão ideal
de conhecimento delimitado, previamente organizado pelo educador,
com a finalidade de adequar o seu trabalho aos progressos e às necessi-
dades dos educando e de buscar alternativas didáticas que os auxiliem
no processo de aprender a aprender.
A avaliação, nessa perspectiva, é um meio e não um fim em si
mesmo. É um processo diagnóstico e contínuo no qual o conhecimen-
to e a autonomia do educando precisam ser respeitados e vivenciados
pela escola. Para isso, é preciso elaborar um conjunto de procedimentos
inves­­tigativos que possibilitem o ajuste pedagógico para tornar possível
o ensino de melhor qualidade.
Nesse sentido, a avaliação deve funcionar, por um lado, como ins-
trumento que possibilite ao educador analisar criticamente sua prática
pedagógica e, por outro, como instrumento que apresente ao educando
a possibilidade de saber sobre seus avanços e possibilidades no contexto
escolar. Muitas das ideias equivocadas que o educando enuncia resul-
84
tam, muitas vezes, das aproximações sucessivas que ele está tentando
fazer em relação ao objeto do conhecimento. Assim, tais equívocos de-
vem ser interpretados pelo educador como erros construtivos, próprios
do verdadeiro sentido pedagógico comprometido com a emancipação
crítica e mediador do processo avaliativo.
Dessa forma, o compromisso com o desenvolvimento das capaci-
dades do educando, que se expressam nos acertos e equívocos próprios
do processo de aprendizagem, deve ser concebido como um indicador
para a reorientação da prática pedagógica e nunca como um meio de
estigmatizar o educando.
Para isso, a avaliação formativa, realizada por meio da partici-
pação e do diálogo entre os agentes educativos, fornece os elementos
necessários para a revisão dos avanços e das dificuldades que se ex-
pressam durante as diferentes etapas do processo escolar, devendo-se
considerar como formativa toda prática de avaliação contínua. Assim,
a avaliação formativa deve contribuir para melhorar as aprendizagens
em curso, qualquer seja o quadro e a extensão concreta da diferencia-
ção do ensino.

FAEL
Capítulo 5

As ideias de avaliação formativa nos mostram, conforme descrito a seguir,


os procedimentos que devem ser utilizados pelos educadores para adequar
a ação pedagógica aos progressos e às necessidades de aprendizagem dos
educandos.
• Considerar a aprendizagem como um amplo processo, em que o aluno rees-
trutura seu conhecimento por meio das atividades que lhe são propostas;
• Buscar estratégias e sequências didáticas adequadas às condições de
aprendizagem dos educandos;
• Ampliar os conhecimentos do educador sobre os aspectos cognitivos
do aluno: compreender como ele aprende, identificar suas representa-
ções mentais e as estratégias que utiliza para resolver uma situação de
aprendizagem;
• Interpretar os erros não como deficiências pessoais, mas como manifes-
tação de um processo de construção. A construção do conhecimento su-
põe a superação dos erros por meio de um processo sucessivo de revisões 85
críticas. Considerar os erros como objetos de estudos, uma vez que eles
revelam as representações e estratégias dos educandos;
• Diagnosticar as dificuldades dos educandos e ajudá-los a superá-las;
• Evidenciar aspectos de êxito nas aprendizagens.

Para Hadji (2001, p. 20), a passagem de uma avaliação norma-


tiva para a formativa implica, necessariamente, uma modificação das
práticas do educador no sentido compreender que o sujeito da apren-
dizagem é não somente o ponto de partida, mas, também, o de che-
gada. Seu progresso só pode ser percebido quando comparado com ele
mesmo: Como estava? Como está agora? As ações desenvolvidas entre
essas duas questões compõem a avaliação formativa. Nesse sentido, a
função maior da avaliação consiste em balizar as ações do educador ao
ensinar. Para o aprendiz, auxilia na compreensão do que aprendeu ou
não aprendeu, determinando, assim, quanto e em que nível os objeti-
vos estão sendo atingidos.

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Dessa forma, o valor da avaliação encontra-se no fato de o educando


poder tomar conhecimento de seus avanços e dificuldades. Para o educa-
dor, serve de guia para o encaminhamento do trabalho docente no sen-
tido de superação das dificuldades e na construção dos conhecimentos,
pois, como ressalta Luckesi (1999, p. 43),
para não ser autoritária e conservadora, a avaliação tem a tarefa
de ser diagnóstica, ou seja, deverá ser o instrumento dialético do
avanço, terá de ser o instrumento da identificação de novos ru-
mos. A avaliação deverá verificar a aprendizagem não só a partir
dos mínimos possíveis, mas a partir dos mínimos necessários.

Em conformidade com esse pensamento, Saviani (2000, p. 41)


argumenta que mais que ensinar e aprender um conhecimento, é preci-
so concretizá-lo no cotidiano, questionando, respondendo e avaliando,
em um trabalho desenvolvido por grupos e indivíduos que constroem
seu mundo e o fazem por si mesmos.
A orientação quanto aos procedimentos de avaliação da aprendiza-
gem é de fundamental importância, visto que com ela se pode diagnos-
ticar, no processo de ensino e aprendizagem, os caminhos a serem per-
86 corridos. Assim, é essencial que o educador entenda a avaliação como
um recurso que serve para orientar o planejamento e o replanejamento
do seu percurso educativo.

Dica de Filme
Assista ao filme Bicho de sete cabeças. No seu início, é retratada a relação
de alguns jovens com seus professores, demonstrando os problemas que es-
ses jovens têm e que geram enormes dificuldades para o exercício da função
docente. Em uma das cenas, por exemplo, que se desenvolve em uma sala
de aula, o personagem central, Neto, está totalmente desvinculado daquilo
que está acontecendo na sala de aula, literalmente “no mundo da lua”, des-
prezando a presença do professor.
Diante disso, várias questões sobre o “saber fazer” pedagógico são susci-
tadas. Entre elas, temos questões importantes que se referem à própria
conduta da escola: a forma como as aulas são conduzidas, seus méto-
dos, a comunicação e sua significação dentro de uma classe, os recursos
que estão sendo utilizados, o diálogo entre os professores e os alunos e

FAEL
Capítulo 5

entre a escola e os pais. Isso nos leva a pensar que temos uma parcela de
responsabilidade, enquanto educadores, pois devemos fazer com que nos-
sos educandos aprendam não só os conteúdos escolares, mas, também, as-
sumam responsabilidades e tenham posturas definidas quanto à vida, de
modo que eles tenham condições de evitar as armadilhas do cotidiano.
BICHO de sete cabeças. Direção de Laís Bodanzky. Brasil: Columbia, 2000.
1 filme (74 min), sonoro, color.
Dica de Filme

Da teoria para a prática


Uma atividade que envolve a ideia de construção do currículo a
partir de questões advindas dos educandos e uma forma de avaliação
das situações vividas é a criação de cenários. 87

É muito divertido reunir um grupo e criar cenários. Além de prati-


car a criatividade, a arte do planejamento e da distribuição de funções,
o grupo pode trabalhar diferentes conteúdos. Use a imaginação: apro-
veite sucata, papel, jornal, revista, tinta, folhas secas, enfim, tudo que
achar interessante.
Monte paisagens diferentes e antagônicas. Cenários de paz e de
guerra, um rio poluído e um rio repleto de vida, uma floresta e uma
cidade. Crie a paisagem de uma cidade violenta e de outra onde exista
justiça e inclusão social.
Convide os educandos para conversar sobre os dois cenários. Que
sensações e sentimentos eles desencadeiam? Quais são as causas da violên-
cia nas grandes cidades? O que fazer para mudar os cenários de violência e
transformá-los em espaços de acolhimento?
Peça ao grupo para criar uma peça de teatro com os dois cenários,
na qual dramatizem as ações necessárias à transição de um cenário para
outro. Quais os personagens envolvidos (políticos, estudantes, padeiros,
artistas, etc.)? Qual o papel da juventude nesse processo? O que cada

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um de nós pode fazer, na vida cotidiana, para criar espaços onde predo-
minem – para o homem e para a natureza – a paz e a solidariedade?
Fonte: adaptado de Diskin e Roizman (2000, p. 63).

Síntese
Neste capítulo, vimos como acontecem as inter-relações entre o
currículo e a avaliação no contexto de ensino e aprendizagem na EJA.
Vale ressaltar que essas relações ganham maior sentido ao se considerar
outros elementos do processo educativo, por exemplo: a formação do
educador e suas concepções acerca da Educação de Jovens e Adultos, o
espaço onde acontece tal significação – a sala de aula – e, principalmen-
te, o perfil social, econômico e cultural desses sujeitos.

88

FAEL
6
Função social
da leitura e
da escrita
D iante do contexto histórico e social da realidade brasileira é
preciso rever teoricamente a concepção de alfabetização e sua relação
com as tendências recentemente discutidas pelo foco do letramento.
Para tanto, faz-se necessário revisitar o termo, constituído historica-
mente em diferentes momentos, principalmente em se tratando da
alfabetização de adultos, já que essa modalidade desenvolveu-se tardia-
mente – até porque o ensino da leitura e da escrita era pensado predo-
minantemente para as crianças das elites dominantes. 89
Como ponto de partida dessa discussão, resgatamos o próprio
conceito de linguagem, pois ao longo da história da educação brasileira
a tarefa de alfabetizar reduziu-se ao “domínio do sistema gráfico”, isto
é, tradicionalmente, a alfabetização era vista como um código ou como
uma habilidade que pudesse ser treinada.
Nesse sentido, apresentamos uma discussão da alfabetização en-
quanto um processo educativo que precisa ser pensado como resultante
de um trabalho coletivo e historicamente situado, sendo produto das
relações entre os homens. Por isso, ela está sujeita às mudanças, assim
como a linguagem, que não se presta somente para a troca de informa-
ções, nem é apenas um mero instrumento de comunicação, seja ela oral
ou escrita. A linguagem é muito além disso, pois por seu intermédio o
pensamento se organiza e é expresso.

Linguagem e o contexto da alfabetização


Ao longo do processo evolutivo, o homem foi aperfeiçoando as for-
mas de linguagem e de comunicação. Registros gravados em cavernas
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mostram os vestígios de como a comunicação escrita surgiu e se desen­


volveu. Inicialmente, com desenhos denominados de pictogramas, que
serviam basicamente para representação dos objetos da realidade, e ao
longo do tempo acabou se transformando em convenção da escrita
(­CAGLIARI, 1989).
Uma das maiores produções do homem ao longo de sua história,
com certeza, foi a invenção da escrita, que, com o passar do tempo,
foi adquirindo maior grau de complexidade. A prática e as funções da
escrita foram sofrendo modificações e evoluíram de acordo com as ne-
cessidades de cada sociedade (CAGLIARI, 1989).
De acordo com Saviani (1994), em sociedades primitivas a apren-
dizagem ocorria na própria prática social. A geração mais velha trans-
mitia seus saberes, sem existir uma instituição responsável por tal tarefa.
Conforme o homem foi se fixando na terra, surgiram as propriedades
privadas e, consequentemente, a divisão da sociedade em classes. A esco-
la conforme conhecemos hoje surgiu a partir dessa divisão de classes.
Ainda de acordo com Saviani (1994), o saber difundido na escola
90 era dividido em manual e intelectual. O manual consistia em saberes
voltados ao trabalho e ao aprender fazendo e era executado pela classe
trabalhadora; já o intelectual era o saber da classe dominante.

Reflita
Reflita
Qual a importância da linguagem escrita em sociedades
letradas como a nossa? Como é a vida de quem não tem acesso a
esses conhecimentos?
Reflita
Reflita
Com o desenvolvimento das sociedades letradas foram se inten-
sificando as necessidades de domínio dos códigos que expressassem as
relações sociais. Dessa forma, a alfabetização passou, cada vez mais, a
ser um requisito de inclusão nessas sociedades.
No Brasil, é possível identificar a evolução do conceito e necessidade
de alfabetização da população em cada momento histórico. Analisando

FAEL
Capítulo 6

a história da alfabetização no país, percebe-se que ela se confunde com a


própria história dos métodos de alfabetização, sendo possível identificar
quatro momentos distintos (MORTATTI, 2006, p. 8).
Para Mortatti (2006), o primeiro momento (1876 a 1890) é ca-
racterizado pela “metodização do ensino da leitura”, ou seja, o ensino
da leitura acontecia através dos métodos de marcha sintética (soletra-
ção, fônico e da silabação), já o ensino da escrita se resumia a caligrafia
e a ortografia.
No segundo momento (1890 a 1920), surge a “institucionaliza-
ção do método analítico”, implantado a partir de 1890 com a reforma
da instrução pública. É nesse momento que surge o termo “alfabeti-
zação”, sendo utilizado para se referir ao “ensino inicial da leitura e
da escrita”. Na base das reformas, estava também a questão dos mé-
todos de ensino, em especial a implantação do método analítico, que
se caracterizava na proposição do ensino da leitura a partir da palavra,
denominado “palavração”, isto é, palavra, sílaba até a letra, partindo do
“todo” para a parte.
91
O terceiro período, que vai de meados da década 20 ao final da
década de 70 do século XX, é caracterizado como “alfabetização sob
medida”, e essa medida seria a realidade, com suas formas de expres-
são. Resistindo ao método analítico, muitos professores começaram a
buscar novas propostas para resolver seus problemas de ensino, e nesse
período o que se tem é uma verdadeira “mistura de métodos” ou o uso
de métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa).
No quarto momento, que segundo Mortatti (2006) ainda estamos
vivenciando, caracteriza-se pela “desmetodização da alfabetização”
ou seja, é caracterizado pela ausência de métodos. É nesse momen-
to que eclodem várias pesquisas sobre alfabetização, em especial as de
Emília Ferreiro e colaboradores sobre a aquisição da leitura e da escrita
pelas crianças, influenciadas pelas teorias construtivistas, refletindo nas
escolas como “ausência de métodos de ensino”.

Conceito de alfabetização de jovens e adultos


Quanto ao conceito de alfabetização de jovens e adultos, ­Soares
(2003, p. 9) destaca que até meados dos anos 80 do século XX, mesmo

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havendo tendências diferentes, as palavras “alfabetização” e “alfabetiza-


do”, tinham um significado relativamente consensual entre profissio-
nais da educação e, até mesmo, entre a população leiga: “alfabetizado
era aquele que sabia ler e escrever, alfabetização definia-se como o pro-
cesso de ensinar e/ou aprender a ler e a escrever”.
Porém, as pesquisas têm demonstrado que o conceito de alfabeti-
zação vem sofrendo expressivas alterações ao longo das últimas décadas.
Um dos indicativos dessa mudança pode ser observado no conceito
utilizado pelos censos demográficos. Os questionários utilizados nos
censos e a própria apresentação dos resultados revelam uma progressiva
ampliação do referido conceito.
Para Soares (2003), a am-
Saiba mais pliação do conceito revela-se
Até a década 50 do século XX era considerada mais claramente nos censos de-
alfabetizada a pessoa que tivesse a habilidade senvolvidos a partir da última
de ler e escrever um texto simples e que domi‑ década, em que são definidos ín-
nasse o código alfabético. A partir da década dices de alfabetizados funcionais
92 de 70 do mesmo século, a Unesco passou a uti‑ (e a adoção dessa terminologia
lizar o termo “analfabetismo funcional”, que já indica um novo conceito que
corresponde ao fenômeno no qual a pessoa se acrescenta ao de alfabetizado,
sabe ler e escrever, mas não alcança o domínio simplesmente), tomando como
social da leitura e da escrita, alertando para a
critério o nível de escolaridade
necessidade de se estender a todos o acesso à
escolarização básica, a fim de se garantir tal
atingido ou a conclusão de um
domínio. Desde então, vêm sendo adotados determinado número de anos de
diversos acordos e planos internacionais que estudo ou de uma determinada
aprofundaram esse entendimento, relacionan‑ série (em geral, a 4ª do Ensino
do-o à diversidade cultural e à educação ao Fundamental), o que traz im-
longo de toda a vida (SOARES, 2003, p. 9). plícita a ideia de que o acesso ao
mundo da escrita exige habilida-
des para além do apenas aprender a ler e a escrever. Ou seja: a defini-
ção de índices de alfabetismo funcional utilizando-se, como critério,
“anos de escolaridade” evidencia o reconhecimento dos limites de uma
avaliação censitária, baseada apenas no conceito de alfabetização como
“saber ler e escrever” ou “saber ler e escrever um bilhete simples”, e a
emergência de um novo conceito, que incorpora habilidades de uso da
leitura e da escrita desenvolvidas durante alguns anos de escolarização
(SOARES, 2003, p. 10-12).

FAEL
Capítulo 6

Ainda de acordo com Soares (2003), é essa ressignificação do con-


ceito que trouxe também a palavra “letramento”, usada basicamente
com o mesmo sentido de alfabetismo funcional.
Em todos esses novos termos − alfabetização funcional,
alfa­betizado funcional, analfabeto funcional, alfabetismo
funcional, letramento − está presente o conceito de que a
inserção no mundo da escrita se dá através de dois processos:
a aprendizagem do sistema de escrita (o sistema alfabético e o
sistema ortográfico) − o que se poderia denominar alfabetiza-
ção, em sentido restrito e o desenvolvimento de competências
(habilidades, conhecimentos, atitudes) de uso efetivo desse
sistema em práticas sociais que envolvem a língua escrita  −
a alfabetização (ou alfabetismo) funcional, o letramento
(SOARES, 2003, p. 15).

Nesse sentido, palavras novas aparecem quando novas ideias ou no-


vos fenômenos surgem. “Os sujeitos desenvolvem e humanizam-se quan-
do a alfabetização adquire uma outra qualidade, onde a apropriação da
leitura se vincula com uma nova condição humana, com a capacidade de
se envolver e participar em novas práticas políticas, sociais e culturais.”
Na concepção freiriana, a alfabetização tem um significado mais 93
abrangente, “na medida que vai além do domínio do código escrito,
pois, enquanto prática discursiva possibilita uma leitura crítica da rea­
lidade, constitui-se como um importante instrumento de resgate da
cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais
que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação
social” (FREIRE, 1991, p. 68).
Freire defendia a ideia de que a leitura do mundo precede a leitura
da palavra, portanto a alfabetização do sujeito deve possibilitar uma
leitura crítica do mundo no qual está inserido. No trabalho pedagógico
com alfabetização, além de ensinar o código letrado, ensina-se uma
maneira de ler e interpretar o mundo, pela qual são repassados valores,
ideologia e crenças. Assim, mais do que ensinar a ler e a escrever, o alfa­
betizador deve ensinar seus alfabetizandos a “leitura de mundo”, que
precede a leitura das palavras.
Nesse sentido, é de fundamental importância que a opção meto-
dológica leve em conta o alfabetizando jovem e adulto, ou seja, que
considere sua condição de falante competente da língua para os usos
cotidianos. Além disso, é importante considerar a riqueza e a variedade

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de suas experiências, saberes e interesses; considerar sua origem regio-


nal, valorizando sua linguagem, evitando a infantilização ou criação de
linguagem artificial, e propiciar o exercício da imaginação e da criativi-
dade, tanto na oralidade quanto no uso da palavra escrita.
Freire reforça a função social do aprendizado da leitura e escrita ao
argumentar que “a leitura de mundo precede a da palavra, daí que
a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da
leitura daquela” (FREIRE, 1996, p. 12).
Nesse processo de troca de conhecimentos e de leitura da realida-
de, vai se tornando possível a seleção dos conteúdos que se constituirão
no objeto de estudo do educandos jovens e adultos e que impulsionarão
o educador para a busca da reflexão e da autoavaliação permanente de
sua prática pedagógica.
Nessa reflexão, que alia conhecimento e política, Paulo Freire mo-
tivou os jovens e adultos a reconquistar os seus direitos por meio de
uma prática transformadora que envolve três momentos.
1. Investigação temática
94
No processo de dialogicidade, na busca por conhecer o universo
vocabular dos educandos, urge o tema gerador, extraído da pro-
blematização dessa realidade e contextualizado na prática social.
Convém, aqui, evidenciar que o tema gerador está ligado à ideia de
interdisciplinaridade, uma vez que a proposta freiriana tem como
princípio metodológico a promoção de uma aprendizagem global,
por meio da integração do conhecimento.
Nessa perspectiva, é o tema gerador que dá origem às várias pala-
vras geradoras, que deverão estar ligadas entre si para propiciar a
relação entre as áreas do conhecimento.
2. Tematização
Através do tema gerador pode-se avançar para além do limite de co-
nhecimento que o educando possui de sua própria realidade. Dele
são selecionadas as palavras geradoras que reúnem em si a maior
porcentagem dos critérios sintático, semântico e pragmático, uma
vez que “a melhor palavra geradora é aquela que tem poder de cons-
cientização, ou conjunto de reações socioculturais que a palavra
gera na pessoa ou no grupo que a utiliza” (FREIRE, 1980, p. 43).

FAEL
Capítulo 6

Depreende-se, assim, que as palavras geradoras devem ser selecio-


nadas de acordo com a representação da realidade do educando
jovem e adulto, de sua gradação fonêmica e produtividade silábi-
ca para a formação de palavras. Cada uma das palavras geradoras
deverá ter a sua ilustração (desenho ou fotografia) significativa e
crítica para suscitar novos debates em sala de aula. Essa ilustração
tem como objetivo a codificação da palavra, ou seja, a representa-
ção de um aspecto da realidade ou de uma situação construída no
jogo das interações sociais.
3. Problematização
Esse momento visa à superação da visão ingênua do jovem e adul-
to, diante da palavra apresentada, por meio de situações problema-
tizadoras que conduzem à reflexão e ao desenvolvimento da criti-
cidade. Para isso, as palavras geradoras devem ser decodificadas,
com a mediação do educador, para que o educando perceba que
elas representam a síntese da ação e da relação dos homens entre si
e com o mundo.
95
As palavras estudadas devem obedecer à sequência gradual das
dificuldades fonéticas. Para isso, as sílabas trabalhadas em sala de
aula devem ser registradas em uma ficha ou no próprio caderno
dos educandos para, depois, serem incentivados a construir novas
palavras e a compará-las, para descobrir semelhanças e/ou dife-
renças entre elas.
Nesse processo de construção de novas palavras, a leitura e a escrita
devem acontecer simultaneamente, em sala de aula, para que o
educando possa perceber a articulação oral dos valores das vogais e
das consoantes nos fonemas e, assim, propiciar o reconhecimento
sonoro das letras que formam o nosso alfabeto, culminando com a
apropriação do sistema de linguagem escrita e o desvelamento da
leitura e da produção de textos.
No âmbito da pedagogia freiriana, é necessário assumirmos uma
concepção de alfabetização atrelada a uma concepção de linguagem que
leve em conta não apenas a apropriação de um código linguístico, mas,
também, a (re)inserção do educando jovem e adulto na prática escolar
e na vida cidadã.

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O letramento traduz-se em função social da leitura


e da escrita
O letramento não se restringe ao aprendizado automático e repe-
titivo dos códigos convencionais da leitura e da escrita ensinados tradi-
cionalmente nas escolas, mas denota trabalhar com os seus diferentes
usos na sociedade e na vida cotidiana. Assim, o letramento não aconte-
ce apenas dentro das classes de alfabetização: acontece antes e durante a
alfabetização e continua para o resto da vida. As habilidades de leitura
e escrita deixaram de ser vistas como o simples desenvolvimento de
habilidades motoras, para assumirem o papel de habilidades culturais e
sociais necessárias à vida de todo cidadão.

Reflita
Reflita
Para ser letrada, a pessoa deve, necessáriamente, ser alfabetizada?
Reflita
Reflita
96

Letramento, assim, é o estado em que vive o indivíduo que não só


sabe ler e escrever, mas que exerce as práticas sociais de leitura e escrita
que circulam na sociedade em que vive: sabe ler e lê jornais, revistas e
livros; sabe ler e interpretar tabelas, quadros formulários, sua carteira de
trabalho, suas contas de água, luz e telefone; sabe escrever e escreve car-
tas, bilhetes e telegramas sem dificuldade; sabe preencher um formulá-
rio; sabe redigir um ofício e um requerimento (SOARES, 2003, p. 10).
Para Soares (2003), o termo “letramento” é uma tradução da pala-
vra inglesa literacy, que deriva do latim littera, que significa “letra”, mais
o sufixo “cy” que significa qualidade, condição, estado; ou seja, literacy
é o estado ou condição do indivíduo que sabe ler e escrever e utiliza a
leitura e a escrita de forma competente.
Soares (1998) assegura que “um indivíduo pode não saber ler e escre-
ver, mas ser, de certa forma, letrado”, e assim também já dizia Paulo Freire.
Sendo assim, letramento está relacionado a práticas socialmente construí­
das que envolvem o uso da oralidade, leitura e da escrita. Um indivíduo
pode ser mais ou menos letrado de acordo com seu grau de envolvimento
nessas práticas sociais de letramento, em contextos específicos.

FAEL
Capítulo 6

Em conformidade com esse conceito, Scribner e Cole (apud


­ LEIMAN, 1995, p. 19) definem letramento como um conjunto de
K
práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e en-
quanto tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos.
Para Marcuschi (2005, p. 6)
letramento é o uso da escrita na Saiba mais
sociedade que pode ir desde uma Você pode baixar vídeos sobre os processos de
apropriação mínima da escrita, alfabetização e letramento no site:
tal como o indivíduo que é anal- <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
fabeto, mas que sabe o valor do PesquisaObraForm.jsp>.
dinheiro, sabe o ônibus que deve
tomar, sabe distinguir as mercadorias pelos ícones das marcas e sabe mui-
tas outras coisas, mas não escreve e nem lê regularmente. Portanto,
[...] dissociar alfabetização e letramento é um equívoco por-
que, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísti-
cas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança
(e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá
simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do
sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desen- 97
volvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades
de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita – o letramento (SOARES, 2003, p. 15).

Segundo Soares (2003), alfabetização e letramento não são proces-


sos independentes, mas interdependentes e indissociáveis: a alfabetiza-
ção se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura
e escrita, isto é, através de atividades de letramento, que por sua vez, só
pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização.

Dica de Filme
Um ônibus repleto de turistas atravessa uma região montanhosa do Mar-
rocos. Entre os viajantes estão Richard e Susan, um casal de americanos.
Ali perto, dois meninos marroquinos manejam um rifle que seu pai lhes
deu para proteger o rebanho de cabras da família. Acidentalmente, um tiro
acerta Susan, dentro do ônibus.

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Assista ao filme Babel. A história, que gira em torno das dificuldades da co-
municação que temos quando pertencemos a grupos humanos diferentes,
vai mostrar como esse fato pode alterar o rumo dos acontecimentos e a
vida de várias pessoas, em muitos lugares do mundo.
BABEL. Direção de Alejandro González-Iñárritu. Estados Unidos: Dune
Films; Zeta Film; Anonymous Content: Dist. Paramount Vantage; UIP,
2006. 1 filme (142 min), sonoro, legenda, color.
Dica de Filme

Da teoria para a prática


As atividades a seguir sugeridas favorecem a compreensão das
formas de representação. Com isso, os alfabetizandos saberão que
98 uma mensagem só será entendida se todos a compreenderem seu sig-
nificado e ficarão mais abertos à ideia da convenção das letras para
formar significados.
No ato de se comunicar, o homem utiliza-se de diferentes lingua-
gens, sendo a linguagem escrita mais uma forma de comunicação. É
importante esclarecer aos alfabetizandos a necessidade de os homens
possuírem símbolos convencionados para se comunicar, visto que an-
tes da linguagem escrita o homem já usava símbolos.
Trabalhar as logomarcas e as convenções universais, como os sinais
de trânsito, as placas de banheiro, as bandeiras e os hinos, é uma boa es-
tratégia para o alfabetizador levar o alfabetizando a compreender que ob-
jetos, situações e fatos podem ser representados por meio de símbolos.
Procure levar o alfabetizando a compreender o que é uma repre-
sentação e proporcione condições para que ele reflita sobre essas di-
ferentes formas: gestos, marcas, sinais, desenhos, entre outras. Inclua
nessa aprendizagem o conceito de que o símbolo relaciona-se com a
ideia daquilo que ele representa e, para isso, não é preciso que se recu-
pere fisicamente a coisa representada.

FAEL
Capítulo 6

Algumas sugestões de trabalho com símbolos, desenhos e códi-


gos são:
●● descobrir símbolos que possam ser entendidos por todos os
povos;
●● descobrir símbolos que sejam uma característica do local;
●● interpretar uma mensagem por meio de gestos;
●● descobrir os significados dos gestos em uma determinada
figura;
●● descobrir, nas revistas, formas encontradas para comunicar ex-
pressões, valores, sentimentos e ideias sem o uso de palavras;
●● dramatizar palavras ou ideias com gestos;
●● descobrir através da fisionomia das pessoas quais sentimentos
expressam;
●● criar gestos para determinar palavras;
●● estudar os gestos usados pelos surdos-mudos; 99
●● relatar os gestos que se tornaram famosos na história;
●● descobrir que as ideias podem ser representadas por meio de
desenhos;
●● descobrir o enredo da história em livros de literatura que con-
tenham somente desenhos;
●● perceber a diferença entre dois desenhos que tenham o mesmo
significado, mas que sejam desenhados de forma diferente;
●● desenhar a mesma situação de formas diferentes;
●● desenhar determinadas expressões populares, sentimentos e
valores;
●● montar um texto através de desenhos;
●● escrever palavras ao lado de cada desenho;
●● estudar algumas obras de pintores famosos e interpretá-las;
●● estudar os símbolos mais convencionais;
●● elencar símbolos que se transformaram em códigos;

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

●● trabalhar com as cores dos sinais de sinais de trânsito;


●● mostrar as placas de trânsito e solicitar que os alfabetizandos
as interpretem;
●● mostrar a gravura de uma bandeira e ler (decodificar) o que
ela representa;
●● apresentar alguns logotipos.
Deve-se ter em mente que, quando falamos, emitimos sons, que,
combinados, formam as palavras. Os sons da nossa fala podem ser re-
presentados e essa representação se faz por meio da linguagem escrita. A
linguagem escrita é uma representação e, por isso, é importante traba-
lhar a questão do símbolo desde o início do processo de alfabetização.
É importante comentar, nesse sentido, que os homens vivem mediados
pelos símbolos e que há a necessidade de saber usá-los conforme a con-
venção social estabelecida.

100
Síntese
O conceito de alfabetização tem mudado ao longo do tempo, de
acordo com a época, a cultura e com o desenvolvimento das tecnolo-
gias. As habilidades de leitura e escrita deixaram de ser vistas como sim-
ples desenvolvimento de habilidades motoras para assumirem o papel
de habilidades culturais e sociais necessárias à vida de todo cidadão.
Há dificuldade em definir o que é ser alfabetizado, pois o processo
é dinâmico e, de algum modo, somos alfabetizados todos os dias, o que
se prolongando por toda vida, pois o aprendizado deve ser contínuo.
Dessa forma, o processo de alfabetização de jovens e adultos supõe
muito mais do que a apreensão dos mecanismos de um código gráfi-
co. Deve ser um processo de aquisição da linguagem escrita no qual a
aprendizagem, as elaborações mentais e a própria linguagem resultem
nas relações sociais.

FAEL
7
Desenvolvimento
da oralidade e do
raciocínio lógico

O s educandos jovens e adultos, por mais que não tenham


frequentado a escola regular, convivem no meio social com diferentes
tipos de escrita, como documentos, propagandas, rótulos, etc. Além
disso, ao iniciarem o processo de alfabetização, já trazem consigo dife-
rentes hipóteses sobre o mundo letrado, função da leitura e da escrita,
assim como toda uma experiência com a oralidade e com o raciocínio
lógico-matemático.
Contudo, o que trazem consigo não é suficiente para atuar eficaz- 101
mente nas sociedades letradas. A seguir, pautaremos as discussões no sen-
tido de ampliar as possibilidades de trabalho para o desenvolvimento da
oralidade e de discutir questões relacionadas à alfabetização matemática.

Conhecimento do mundo letrado e o


desenvolvimento da oralidade
A oralidade é uma prática social interativa, para fins comunicati-
vos, que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na
realidade sonora: ela vai desde uma realização mais informal à mais for-
mal, nos seus vários contextos de uso (MARCUSCHI, 2001, p. 21).
O jovem, ou adulto, ao dar início a seu processo de alfabetização,
já domina a fala e pode ser considerado um falante nativo com grande
domínio da língua. Contudo, há de se considerar as muitas maneiras
diferentes de falar, de usar a língua portuguesa.
Como considera Cagliari (1991), os modos diferentes de falar
acontecem porque a língua portuguesa, como qualquer outra língua, é
um fenômeno dinâmico, isto é, está sempre em evolução. Pelo seu uso
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

diferenciado ao longo do tempo e nos mais diversos grupos sociais, as


línguas passam a existir como um conjunto de falas diferentes ou dia-
letos, todos muito semelhantes entre si, porém cada qual apresentando
suas peculiaridades com relação a alguns aspectos linguísticos.
Para Cagliari (1991), o uso da variedade linguística não constitui um
erro, mas, sim, uma diferença pelo uso de um ou outro dialeto. Os diale-
tos de uma língua, apesar de serem semelhantes entre si, apresentam-se
como línguas específicas, com sua gramática e usos próprios. Na medida
em que se diferenciarem muito uns dos outros serão reconhecidos como
línguas diferentes. As variedades, do ponto de vista da estrutura linguís-
tica, são perfeitas e completas em si. O que as tornam diferentes são os
valores sociais que seus membros possuem na sociedade.
Não nos esqueçamos de que os educandos da EJA fazem parte de
uma diversidade complexa. Ao chegarem à escola trazem consigo toda
marca social, inclusive linguística. O que deve ser levado em conside-
ração nesse caso é que ninguém fala errado, mas simplesmente fala de
maneira diferente. Por experiência própria, todos os falantes sabem dis-
102 so, porém a escola insiste em manter essa postura errônea diante dessa
questão, definindo uma única forma de expressão da oralidade – como
se isso fosse possível.
Quando o educando chega à escola, abrem-se novas possibilidades
de interação verbal. A interlocução nessa nova instância implica o uso
de uma variedade linguística diferente daquela utilizada em seu grupo
social, e a inserção do educando nela implica um profundo respeito
pelas formas de expressão que ele trouxe de sua comunidade.

A escola deve constituir-se em um ambiente que acolhe a diferença e respei-


ta a diversidade. Não se trata de substituir a variedade que o educando uti-
liza por outra, mas se trata de construir novas possibilidades de interação,
em sala de aula, e promover atividades para o educando tornar-se um falan-
te cada vez mais ativo e capaz de compreender os diferentes discursos.

Considerar a variedade significa entender que, do ponto de vista


exclusivamente linguístico, as variedades se equivalem e não há como

FAEL
Capítulo 7

diferenciá-las em termos de melhor ou pior, de certo ou errado; todas


têm uma organização própria e todas são eficientes para articular as
experiências do grupo que as utiliza e estabelecer as interações nas múl-
tiplas relações sociais.
Assim, cabe à escola garantir o desenvolvimento da oralidade a
partir das experiências desses educandos. Por essa razão, alfabetização
não é somente aprender a ler e a escrever, ou melhor, não se insere sim-
plesmente na tarefa de transpor os sons da fala para a forma escrita.
Nessa perspectiva, faz-se necessária a busca de uma maior
compreen­­­­são da natureza do processo de alfabetização, visando espe-
cialmente chamar a atenção para a necessidade de a escola assumir a
existência de tipos de língua falada e de compreender estas variações,
levando em conta a linguagem apresentada pelo educando.

Propostas para o desenvolvimento da oralidade


Na Educação de Jovens e Adultos, o desenvolvimento da orali-
dade processa-se a partir dos relatos da vida. No início, geralmente
103
os educandos omitem e/ou não explicam detalhes dos fatos narrados.
Cabe ao educador auxiliar, mediando as discussões, fazendo perguntas,
apoiando e entusiasmando, para que os educandos possam ampliar seu
vocabulário e desenvolver a capacidade de análise e argumentação, pelo
planejamento das respostas e ao emitir opiniões.

O desenvolvimento da oralidade, nesse sentido, permite aos educandos:


• expor novos conhecimentos por meio de definições e exemplos;
• argumentar selecionando informações que justifiquem suas opiniões;
• apresentar os resultados de pesquisa em pequenos grupos ou para toda
a turma.

Importante, também, é desenvolver nos educandos a capacidade de


escuta, não só para o desenvolvimento da atenção sobre o assunto, mas,
fundamentalmente, como atitude de respeito ao outro.

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Nesse sentido, o educador deve ter em mente que o desenvolvi-


mento da oralidade é um processo em que o educando vai paulati-
namente ampliando seus recursos expressivos. Esse processo é guiado
pela intervenção do educador e dos colegas, à medida que estes pedem
esclarecimentos, questionam e colaboram para a adequação e o enten­­­­
dimento da mensagem em questão.

A seguir, são elencadas ações que têm por finalidade diagnosticar e/ou de-
senvolver a oralidade dos educandos.
• Contar fatos e experiências cotidianas;
• Recontar textos narrativos (contos, notícias de jornais);
• Dramatizar situações reais ou imaginadas, contos, fatos, experiências;
• Descrever lugares, pessoas, objetos e processos;
• Recitar ou ler em voz alta textos poéticos breves e trava-línguas previa-
mente preparados;
104
• Acompanhar leituras feitas em voz alta;
• Dar instruções verbais ou compreender e seguir instruções verbais;
• Identificar lacunas ou falta de clareza em esclarecimentos dados por
outrem;
• Pedir esclarecimentos sobre assuntos tratados ou atividades propostas;
• Responder perguntas;
• Dar exemplos;
• Definir conceitos (explicá-los com as próprias palavras);
• Posicionar-se em relação a diferentes temas tratados;
• Identificar a posição do outro em relação a diferentes temas tratados;
• Defender posições, fundamentando argumentos com exemplos e infor-
mações;
• Respeitar a vez de se pronunciar.

FAEL
Capítulo 7

Vale ressaltar que, no processo de alfabetização, o domínio da língua


não acontece por etapas, fragmentadas e separadas, mas em uma perspec-
tiva de continuidade. Não é possível, portanto, separar a fala da leitura,
da escrita e da análise e reflexão sobre a língua. Sendo assim, essas práticas
de oralidade só farão sentido se trabalhadas de forma contextualizadas.
Cabe ao educador recorrer à melhor forma de organizá-las dentro do
planejamento e de acordo com os objetivos a serem perseguidos.

Sugestão de atividade oral: debate orientado


O debate é um dos gêneros orais mais valorizados socialmente. É
bastante conhecido na televisão em razão do interesse despertado pe-
los debates realizados entre candidatos a cargos políticos em épocas de
eleição. Mas há, também, outras situações em que o debate é realizado,
como escolas, comunidades de bairro e sindicatos. A participação em
debates públicos demonstra que a pessoa está atenta ao que está acon-
tecendo à sua volta.
Nessa atividade, o debate orientado tem por objetivo criar condi-
ções para que o educando se posicione frente a um acontecimento vi- 105
venciado, lido ou ouvido, utilizando argumentos claros e convincentes
para defender seu ponto de vista.
Para tanto, sugere-se:
a) escolher junto aos educandos um fato ou acontecimento para ser
debatido:
●● da comunidade
●● da cidade
●● do País
b) propor o debate sugerindo questões para iniciar a discussão: vocês
concordam ou discordam com esta situação? Por quê? Vocês agi-
riam dessa mesma forma, se estivessem na mesma situação? Sim ou
não? Por quê?
c) agrupar os educandos conforme suas opiniões frente ao assunto a
ser debatido:
●● grupo que concorda /grupo que discorda;
●● grupo do sim/grupo do não.

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d) solicitar para cada grupo preparar seus questionamentos e argu-


mentações, para defender seu ponto de vista;
e) convidar os grupos para a realização do debate. Durante a discus-
são, o educador deverá:
●● explicar para a classe que o debate é uma criação coletiva e que
todos devem participar;
●● dar oportunidade para todos educandos explicitarem seus
pontos de vista;
●● lançar questões desafiadoras para propiciar a reflexão e a am-
pliação do tema que está sendo debatido;
●● solicitar aos participantes que justifiquem suas opiniões com
ideias claras e convincentes;
●● orientar o desenvolvimento de técnicas de contra-argumenta-
ção e persuasão.
A postura do educador será a de mediador do debate, acompa-
nhando o desenvolvimento de modo que todos possam se expressar.
106

Alfabetização matemática e o desenvolvimento do


raciocínio lógico
A matemática é um dos instrumentos necessários para uma parti-
cipação consciente, organizada e crítica em uma sociedade em que pes-
soas, pela apropriação desse conhecimento, desenvolvem um modo de
conhecer a realidade e agir sobre ela, tornando-se agentes de mudanças
do próprio meio. O conhecimento matemático é um processo cumu-
lativo, intencional, racional e histórico, e o acesso a esse conhecimento
pode e deve contribuir para as transformações sociais.

Reflita
Reflita
Qual a importância dos conhecimentos matemáticos em nossas
vidas e para nossos educandos?
Reflita
Reflita
FAEL
Capítulo 7

Vivemos em um mundo de taxas e percentuais, coeficientes mul-


tiplicativos, diagramas, tabelas, gráficos e verdades estatísticas. Para de-
codificar essas informações e fazer uma leitura de mundo, é essencial ter
alguma educação matemática, pois, nas sociedades modernas, grande
parte das informações é veiculada em linguagem matemática.
Fazem parte da vida de todas as pessoas as experiências mais sim-
ples, como contar, comparar e operar sobre quantidades. Nos cálculos
relativos a salários, pagamentos e consumo, na organização de ativi-
dades como agricultura e pesca, a matemática se apresenta como um
conhecimento de muita aplicabilidade (BRASIL, 1997).
Na EJA, é necessária uma proposta para o ensino de matemática
que dê condições ao educando de pensar e atuar conscientemente em
sua realidade, contribuindo para a formação do cidadão. Para isso, é
necessário desenvolver hábitos de trabalho e persistência; autoconfian-
ça; capacidade de resolver problemas; percepção do valor matemático
como construção humana; o sentido de coletividade e cooperação; tra-
balhos com situações reais das outras áreas do conhecimento, oportu-
nizando que o educando pense, descubra e crie; vivência de situações 107
de investigação, exploração, interpretação de textos, cálculo mental,
estimativas, possibilidades e representações geométricas, argumentação
e autonomia; entre outras.
Para desenvolver essas competências, o educando deve ser ativo
no processo ensino-aprendizagem. as propostas que favorecem ação e
reflexão são muito úteis, como:
●● resolução de problemas – a capacidade para resolver proble-
mas cada vez mais se projeta como uma necessidade lógica
a ser desenvolvida pelo educando, levando em consideração
que todos os cidadãos convivem diariamente com problemas
matemáticos. É necessário trazer a realidade para a sala de aula
e utilizar os conhecimentos matemáticos como ferramenta
para resolução de problemas naturais e sociais.
●● jogos – o jogo justifica-se por si só. Por meio dele o educando
levanta hipóteses, cria regras e critérios, resolve situações‑pro-
blema e envolve-se nas suas experiências, construindo seu
conhe­cimento por meio da brincadeira.

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●● utilização da calculadora – trabalhando a matemática da


realidade, não se pode deixar de lançar mão de um dos re-
cursos que está na ordem do dia. O educando criativo vai
muito mais além do que apenas apertar botões e, para usar
calculadora corretamente, o educando tem que saber pensar
matematicamente.
O ensino de matemática com tais características dá condição para
o educando da EJA pensar e atuar conscientemente em sua realidade
social; questionar, construir e estruturar o seu próprio conhecimento.
E, como acontece com outras aprendizagens, o ponto de partida para a
aquisição dos conteúdos matemáticos devem ser os conhecimentos que
os educandos da EJA já possuem.
O educando da EJA possui noções numéricas que são adquiridas
nas vivências, seja em seu meio familiar, social ou de trabalho. Essas
noções numéricas são bastante intuitivas e, normalmente, sem siste-
matização e organização do pensamento lógico. A sequência numérica
é aprendida de forma mecânica, satisfazendo a necessidades imediatas.
Portanto, compreender o significado dos números e a sua construção é
108 fundamental neste início de trabalho sistematizado da matemática.
Na sociedade atual, a todo o momento somos identificados por
números, seja pelos documentos pessoais e até mesmo por medidas que
nos identificam. Desenvolver o estudo dos números e dos algarismos
por meio da identificação do educando faz com que a matemática se
torne mais palpável e mais agradável.
Outra situação com que o educando está acostumado a lidar é o
dinheiro, demonstrando já algum conhecimento do sistema monetá-
rio. Assim, muitos cálculos são feitos mentalmente. Porém, quando o
educando necessita registrar as quantias, a dificuldade aparece. Por isso
é importante propor atividades em que ele precise registrar quantias e
preços. Construir esses conceitos matemáticos a partir da vivência é de
extrema importância para facilitar a compreensão dos seus registros.
Para tanto, é importante que a matemática desempenhe, equili-
brada e indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades in-
telectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio
lógico, na sua aplicação a problemas, situações da vida cotidiana e ativi-
dades do mundo do trabalho e no apoio à construção de conhecimen-
tos em outras áreas.

FAEL
Capítulo 7

A importância dos jogos no ensino da matemática


O jogo é uma atividade lúdica que auxilia no desenvolvimento dos
processos psicológicos básicos, como aprendizagem, percepção, aten-
ção, emoção, motivação, memória, linguagem e raciocínio.
Por meio dos jogos aprendemos a lidar com símbolos e a pensar
por analogia, desenvolver uma linguagem própria, criar convenções,
capacitando-nos para lidar com regras e dar explicações, habilidades
fundamentais no processo de ensino e aprendizagem.
Segundo Brenelli (1996), os jogos trabalhados em sala de aula de-
vem ter regras e são classificados em três tipos:
●● jogos estratégicos, nos quais são trabalhadas as habilidades
que compõem o raciocínio lógico. Com eles, os alunos leem
as regras e buscam caminhos para atingirem o objetivo final,
utilizando estratégias para isso. O fator sorte não interfere
no resultado;
●● jogos de treinamento, os quais são utilizados quando o pro-
109
fessor percebe que alguns alunos precisam de reforço em um
determinado conteúdo e quer substituir as cansativas listas de
exercícios. Neles, quase sempre o fator sorte exerce um papel
preponderante e interfere nos resultados finais, o que pode
frustrar as ideias anteriormente colocadas; 
●● jogos geométricos, que têm como objetivo desenvolver a
habilidade de observação e o pensamento lógico. Com eles
conseguimos trabalhar figuras geométricas, semelhança de fi-
guras, ângulos e polígonos.
No jogo, mediante a articulação entre o conhecido e o imaginado,
desenvolve-se o autoconhecimento, até onde se pode chegar, e o conhe­
cimento dos outros, o que se pode esperar e em que circunstâncias, de-
senvolvendo-se, assim, o raciocínio. Por isso, é importante que os jogos
façam parte da cultura escolar, cabendo ao professor analisar e avaliar a
potencialidade educativa dos diferentes tipos e o aspecto curricular que
se deseja desenvolver.
Segundo Malba Tahan (1968), para que os jogos produzam os efeitos
desejados é preciso que sejam, de certa forma, dirigidos pelos educadores.

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A participação em jogos de grupo também representa uma con-


quista cognitiva, emocional, moral e social e um estímulo para o desen-
volvimento do seu raciocínio lógico.
Para Brenelli (1996) o trabalho com jogos matemáticos em sala de
aula nos traz alguns benefícios:
●● conseguimos detectar os alunos que estão com dificuldades
reais;
●● o aluno demonstra para seus colegas e professores se o assunto
foi bem assimilado;
●● existe uma competição entre os jogadores e os adversários,
pois almejam vencer e, para isso, aperfeiçoam-se e ultrapas-
sam seus limites;
●● durante o desenrolar de um jogo, observamos que o aluno
se torna mais crítico, alerta e confiante, expressando o que
pensa, elaborando perguntas e tirando conclusões sem neces-
sidade da interferência ou aprovação do professor;
110 ●● não existe o medo de errar, pois o erro é considerado um de-
grau necessário para se chegar a uma resposta correta;
●● o aluno se empolga com o clima de uma aula diferente, o que
faz com que aprenda sem perceber.
Mas, como alerta Brenelli (1996), devemos, também, ter alguns
cuidados ao escolher os jogos a serem aplicados:
●● não tornar o jogo algo obrigatório;
●● escolher jogos em que o fator sort’e não interfira nas jogadas,
permitindo que vença aquele que descobrir as melhores es-
tratégias;
●● utilizar atividades que envolvam dois ou mais alunos, para
oportunizar a interação social;
●● estabelecer regras, que podem ou não ser modificadas no de-
correr de uma rodada;
●● trabalhar a frustração pela derrota na criança, no sentido de
minimizá-la;
●● estudar o jogo antes de aplicá-lo (o que só é possível jogando).

FAEL
Capítulo 7

As situações de jogo são consideradas parte das atividades peda-


gógicas, justamente por serem elementos estimuladores do desenvolvi-
mento, daí a importância de utilizá-los em sala de aula.

Donald no país da matemática é um curta-metragem no qual a Disney


usa a animação para explicar como a matemática pode ser fácil e como ela
se manifesta em coisas muitos simples do cotidiano.
DONALD no país da matemática. Direção de Hamilton Luske. Estados
Unidos: Walt Disney Productions, 1959. 1 curta-metragem (27 min), so-
noro, color.

Da teoria para a prática


111
A seguir, apresentamos um exemplo de um jogo de adivinhação
do número pensado. Essas atividades são problemas aritméticos dis-
farçados, baseados no desenvolvimento de expressões matemáticas que
levam a uma identidade ou igualdade algébrica. Assim, a atividade re-
força o cálculo mental e permite aplicar as propriedades dos números.
Adivinhando a idade de uma pessoa
Podemos adivinhar a idade de uma pessoa pedindo-lhe que realize
os seguintes cálculos:
●● escrever um número de dois algarismos;
●● multiplicar o número escrito por dois;
●● somar cinco unidades ao produto obtido;
●● multiplicar esta soma por cinquenta;
●● somar ao produto o número 1760 (com base do ano 2010);
●● subtrair o ano do nascimento.
O resultado que se obtém é um número de quatro algarismos
“abcd”. Os dois algarismos da direita, que correspondem às dezenas e às

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

unidades, indicam a idade da pessoa, e os dois algarismos da esquerda,


que correspondem às centenas e aos milhares, indicam o número que a
pessoa havia pensado.
Vamos ver um exemplo.
●● O número pensado é 57.
●● O produto deste número por dois é: 57 x 2 = 114
●● Somando cinco unidades: 114 + 5 = 119
●● Multiplicando a soma obtida por 50: 119 x 50 = 5950
●● Somando o número 1760 (pois estamos no ano de 2010):
5950 + 1760 = 7710
●● Subtraindo o ano de nascimento, suponhamos que a pessoa
que realizou os cálculos nasceu no ano de 1947, portanto,
tem 53 anos ou vai completar 53 anos: 7710 – 1947 = 5763
●● O resultado final (5763) é um número de quatro algarismos.
112 Os dois algarismos da direita (63) nos indicam a idade da
pessoa (ou quantos anos ela completará no corrente ano) e os
dois algarismos da esquerda (57) nos indicam o número de
dois algarismos que a pessoa havia pensado.
É interessante que o educador, nessa atividade de adivinhação de
números, desenvolva o exercício no quadro de giz de forma coletiva, ana-
lisando com os educandos as propriedades que aplicou e levando-os a
descobrir o ‘’truque matemático’’ utilizado. Também pode solicitar aos
educandos que criem outros jogos utilizando as propriedades analisadas.
Fonte: adaptado de Só Matemática (2010).

Síntese
Como vimos, o meio social é permeado pela linguagem, que, em
grande parte, se expressa por intermédio da oralidade. Sabemos que
os educandos jovens e adultos possuem toda uma experiência com a
oralidade, afinal, são falantes nativos da língua.

FAEL
Capítulo 7

Vale ressaltar que apesar de termos uma única língua oficial, a lín-
gua portuguesa desdobra-se em variantes nas formas orais, dependendo
da região e das questões culturais. Assim, não há uma forma oficial de
expressão oral dessa língua, mas uma variedade linguística que deve
e precisa ser respeitada, pois é nessa diversidade que reside a riqueza
cultural do Brasil.
Quanto à alfabetização matemática enquanto atividade simbólica,
ressalta-se a importância de sua utilização no contexto social e, tam-
bém, o fato de ser base para a aprendizagem de outros conceitos e de
outras áreas do conhecimento.

113

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Desenvolvimento
cognitivo e social
dos educandos
da EJA
8
A s constantes transformações nas áreas econômica, política, ­social,
tecnológica e cultural da sociedade atual têm forçado a escola a modificar
seus objetivos, adequando-os às exigências do mercado de trabalho e do
trabalhador. O homem solicitado pela sociedade informatizada precisa ser
mais flexível, deve possuir educação geral, com novas habilidades cogni-
tivas, capacidade de dominar a tecnologia e de aprender a aprender. E a
escolarização tem sido um requisito de inclusão nessa sociedade.
O objetivo deste capítulo é instigar a discussão sobre o desenvol- 115
vimento cognitivo e social dos sujeitos jovens e adultos no processo de
escolarização3. Nesse sentido, discute-se a articulação entre o contexto
vivido, ou seja, entre as experiências dos educandos na construção do
conhecimento e a influência da mediação sociocultural na aprendiza-
gem. Além disso, discute-se, também as relações entre cultura e formas
de expressão do pensamento.

Estudo empírico com jovens e adultos em processo


de escolarização
Analisar o desenvolvimento cognitivo e social dos educandos da
EJA implica analisar a influência da mediação sociocultural na apren-
dizagem, bem como o contexto em que se articulam as experiências de
tais educandos na construção do conhecimento. Dessa forma surgem
inúmeros questionamentos.
3 Este capítulo é fundamentado no artigo original de Ana Maria Soek, publicado em in-
glês com o título “The alfabetization and the cognitive/social development of non-schooled
­people”, presente no livro Developmental social cognitive neuroscience ( 2007), e que é
resultado da pesquisa de Pós-graduação em Neuropsicologia.
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Reflita
Reflita
Como o contexto histórico e cultural interfere no desenvolvimento
cognitivo do aluno adulto? O que significa isso?
Reflita
Reflita
Desde o momento em que nascemos, a cultura age sobre nós de
diferentes formas, seja por intermédio das próprias pessoas ou dos arte-
fatos culturais construído por elas.
No contexto social e político brasileiro da atualidade evidenciam‑se
muitos questionamentos quando se analisa as taxas de desemprego, de
analfabetismo e os problemas sociais decorrentes da insuficiencia na
educação brasileira. Compreendendo isso, questiona-se: na realidade
sociocultural brasileira, como os sujeitos não escolarizados se desenvol-
vem cognitivamente? Como aprendem, pensam, organizam e sistema-
116
tizam as experiências da vida cotidiana? Qual é a relação existente entre
a escolarização e o desenvolvimento cognitivo/social desses sujeitos?
Nessa lógica, buscou-se em um estudo empírico discutir o papel,
a natureza, a abrangência e a dimensão da escolarização no desenvolvi-
mento dos sujeitos. O esforço em examinar tal temática pode signifi-
car uma importante contribuição para o estudo das complexas relações
existentes entre os sujeitos, a educação e a cultura, pois na pesquisa
também se levou em consideração a significativa relação entre o que o
educando é capaz de elaborar e sua história de vida, na fase do desen-
volvimento, e o contexto em que se situa.
Na analise dos dados da pesquisa, além do uso de referencial bi-
bliográfico consistente (identificando, no universo de referências exis-
tentes sobre essa temática, pesquisas, artigos, revistas científicas, perió­
dicos, livros, sites, dentre outras fontes), foi realizada uma análise das
falas e das produções textuais dos educandos da EJA, em processo de
escolarização, que evidenciam formas e conteúdos escritos, aspirações e
os modos de pensamentos desses educandos.
No estudo, considerou-se a possibilidade de influência da esco-
larização sobre os processos de funcionamento cognitivo, partindo de

FAEL
Capítulo 8

uma abordagem que ressignifica o papel da escola no desenvolvimento


dos sujeitos. Uma vez que o desenvolvimento humano pode se dar por
meio de uma multiplicidade de caminhos, considerar a possibilidade de
influên­cia da escolarização sobre os processos de funcionamento cogniti-
vo não implica considerar que sujeitos escolarizados possuem um modo
de funcionamento cognitivo superior ao de sujeitos pouco ou não esco-
larizados. Consideramos que a influência da escolarização ocorre sobre
aspectos específicos do funcionamento cognitivo e não sobre o funciona-
mento cognitivo global, não permitindo definir os sujeitos escolarizados
como mais avançados, em um suposto percurso linear de desenvolvimen-
to, com relação àqueles que são pouco ou não escolarizados.
A partir dos estudos das pesquisas da área e diante das evidências
sociais, no caso desse estudo em particular, ficou constatado que o grau
de escolaridade está diretamente relacionado com a função social que o
sujeito exerce, e as experiências individuais estão intimamente relacio-
nadas com o modo de pensamento que o sujeito possui, nesse sentido,
tinha-se como pressuposto que o grau de abstração e generalização é
resultante do modo de vida e das experiências dele derivadas. Assim 117
sendo, as experiências de vida no meio urbano favorecem o desenvolvi-
mento da compreensão da linguagem letrada, visto que estão inseridas
no meio letrado. Já os que não possuírem essa experiência terão mais
dificuldade em reconhecer esses códigos, visto que a aquisição da leitu-
ra e da escrita é mediado por símbolos.
A temática da pesquisa partiu do pressuposto de que cada sujeito
possui uma configuração única das experiências vivificadas, devendo-se
levar em consideração aspectos histórico-sociais e diferenças ­individuais,
uma vez que, de acordo com as teorias marxistas, o homem é um ser
histórico e se constrói nas relações com os outros homens e com o
mundo. No mesmo sentido, Freire (1997, p. 73) defendia a ideia de
que “na verdade, diferentemente dos outros animais que são apenas
inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados.
Têm a consciência de sua inconclusão.”
Dessa analise, podemos inferir que a condição de alfabetizado é
uma conquista que não beneficiará apenas o indivíduo, mas toda uma
coletividade, no sentido de socialização, do viver em sociedade. Ainda

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

tomando as palavras de Freire (1997), é na relação com os outros que


os homens se tornam homens.
Sendo assim, as experiências de vida no meio social irão favorecer ou
não a compreensão da linguagem letrada, dependendo do meio em que
se está inserido, pois, segundo Luria (1990), as racionalidades estão inti-
mamente relacionadas com as vivências e práticas culturais dos sujeitos.
De acordo com essa visão, a escolarização desempenha, portanto,
um papel fundamental na constituição do indivíduo que vive em uma
sociedade letrada e complexa como a nossa. Sendo assim, a exclusão,
o fracasso e o abandono da escola por parte dos alunos são fatores de
extrema gravidade. O fato de o indivíduo não ter acesso à escola signi-
fica um impedimento da apropriação do saber sistematizado, de instru-
mentos de atuação no meio social e de condições para a construção de
novos conhecimentos.
No decorrer do estudo, foi possível caracterizar importantes ele-
mentos metodológicos envolvidos no processo de escolarização, que
ressignificam o papel e a abrangência da aprendizagem a serviço do
118 desenvolvimento pessoal e da vida em sociedade,. Esse aprendizado
deve partir de conceitos cotidianos, da história e contexto de vida dos
educandos, para chegar a conceitos científicos que contribui para o de-
senvolvimento pessoal e profissional dos educandos, para o exercício da
cidadania. Nesse sentido, a hipótese de que a aprendizagem significa-
tiva depende substancialmente da metodologia empregada na constru-
ção do novo conhecimento se confirma.
Na analise da produção textual dos educandos, foi possível cons-
tatar a hipótese de que as primeiras escritas espontâneas de jovens e
adultos não escolarizados partem de elementos já conhecidos, ou pró-
ximos da experiência pessoal, como o próprio nome ou de pessoas e
lugares conhecidos. Em muitos textos, foi revelado um modo de pen-
samento baseado na experiência individual e nas relações concretas da
vida cotidiana, ao passo que nos textos daqueles com maior tempo de
escolarização, foi possível perceber elementos desvinculados das situa-
ções concretas, demonstrando, assim, que o tempo de escolarização está
relacionado com a ampliação dos modos de pensamento abstrato.
Contudo, no estudo não foi possível identificar o impacto da esco-
larização no desenvolvimento cognitivo e social dos educandos da EJA,

FAEL
Capítulo 8

já que essa análise pressupõe um estudo mais detalhado. Vários estudos,


inclusive os realizados no Brasil (por autores como Oliveira, Kleimam,
Ribeiro e Vóvio), possibilitam afirmar, por exemplo, que a análise do
impacto da escolarização não pode prescindir do exame do contexto
sociocultural mais amplo em que o sujeito se insere, sobretudo das di-
ferentes práticas culturais e atividades em que ele está envolvido antes,
ao longo e após sua vivência escolar. Permitem afirmar, também, que a
compreensão do impacto da escolarização não pode deixar de tomar o
próprio contexto da escola, metodologias, procedimentos, estratégias e
atividades da cultura escolar como objetos de estudo.
Dessa maneira, podemos afirmar que os traços de cada ser humano
estão intimamente relacionados ao aprendizado, seja ele escolar, quando
se tem acesso a ele, ou relacionado ao legado do seu grupo cultural (pelas
experiências pessoais e por intermédio das pessoas mais experientes, da
linguagem e outros mediadores). Assim, o comportamento e a capacida-
de cognitiva de um determinado indivíduo dependerão de suas experiên­
cias e de sua história educativa, que, por sua vez, sempre terão relações
com as características do grupo social e da época em que ele se insere.
119
A singularidade de cada indivíduo não resulta de fatores isolados,
como, por exemplo, exclusivamente da educação recebida no contexto
sociopolítico da época, da classe social a que pertence. Resulta da mul-
tiplicidade de influências que recaem sobre o sujeito no curso de seu
desenvolvimento individual e coletivo, pois mesmo aqueles que não
passaram por uma escolarização formal não têm, por isso, seu desen-
volvimento cognitivo e a capacidade de aprender comprometidos, visto
que a escola não é o único local em que se aprende.
Em uma perspectiva ontológica, pode-se dizer que a escolarização
significa colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam
em sua cultura, para que ele possa assimilá-los e nela viver. Isso não
significa que estará assimilando todas as informações com uma atitude
passiva; ao contrário, para que se tenha uma boa aprendizagem é neces-
sária uma atividade que seja consciente, participativa e transformadora
da realidade interna e externa do indivíduo.
[...] aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas com-
plexas de cálculos, construírem significados a partir das infor-
mações descontextualizadas, ampliarem seus conhecimentos,
lidar com conceitos científicos hierarquicamente relacionados,

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

são atividades extremamente importantes e complexas, que


possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e atua-
ção em seu meio. [...] Como consequência, na medida em que
o sujeito expande seus conhecimentos, modifica sua relação
cognitiva com o mundo (REGO, 1996, p. 104).

Nesse sentido, a educação, tendo o seu papel de desenvolver pen-


samentos superiores, auxilia no desenvolvimento psíquico do sujeito,
pois a intersubjetividade existente nesse espaço e as relações ali estabele-
cidas ampliam o horizonte e a consciência, ou seja, modifica o modo de
ver e se relacionar com o mundo. É um fator de enriquecimento para o
desenvolvimento do ser humano.
Nas últimas décadas, tem se tornado cada vez mais evidente o reco-
nhecimento da importância da educação na construção da democracia
e da modernidade. Em várias partes do mundo, o tema tem ocupado
papel de destaque, mobilizando a atenção não somente de pesquisa-
dores, especialistas e responsáveis pela definição de políticas públicas,
como também dos cidadãos de modo geral.
Todos parecem concordar que, na chamada sociedade do co-
120 nhecimento, a escolarização tem um valor inquestionável, já
que é capaz de proporcionar ao indivíduo experiências e infor-
mações de sua cultura. A escola é então vista como portadora
de uma função social porque compartilha com as famílias a
educação de crianças e jovens, uma função política, pois con-
tribui para a formação do cidadão, e uma função pedagógica,
na medida em que é local privilegiado para a transmissão e
construção de um conjunto de conhecimentos relevantes
e formas de pensar intelectualmente segundo padrões desse
contexto social e cultural (REGO, 2002, p. 48).

Para que isso ocorra, deve-se ampliar a criticidade, a autonomia e


a valorização dos saberes dos educandos. É necessário, primeiramente,
possibilitar o acesso à cultura letrada que leve o sujeito a participar
ativamente da esfera política, cultural e do trabalho. Isso implica ne-
cessariamente a revisão do papel da escola, do professor, nas diversas
concepções de ensino e aprendizagem e dos conteúdos a serem abor-
dados nesses processos.
Quanto mais autônomo for o aluno, maior a capacidade para
tomar decisões e articular normas e limites da atividade de aprendi-
zagem, assim como a capacidade de autogestão e de aprender com a
própria experiência.

FAEL
Capítulo 8

Se a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, por um lado a


escola tem um papel essencial na construção do intelecto dos indivíduos
que vivem em sociedades escolarizadas. Por outro lado, o desempenho
desse papel se daria na medida em que, conhecendo a situação de desen-
volvimento cognitivo dos alunos, a escola dirigisse o ensino, não para
etapas intelectuais já alcançadas, mas, sim, para estágios de desenvolvi-
mento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando dessa forma
como um motor de novas conquistas intelectuais. É nesse sentido que
cabe a afirmação de que “o único bom ensino é o que se adianta ao de-
senvolvimento” (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 114).
Sendo assim, não se trata apenas de como ensinamos a ler e es-
crever, ou da otimização dos programas de capacitação, mas, sim, de
como essas práticas estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento
humano, no sentido original da palavra.

Dica de Filme
No filme Forrest Gump – o contador de histórias, são retratadas quatro 121
décadas de história norte-americana. O personagem principal, o contador
de histórias, com um jeito puro, perpassa pela luta no Vietnã, é condecora-
do, conhece o presidente Kennedy, fala em uma grande concentração paci-
fista em Washington, e circula pela era da libertação sexual. Assim, leva aos
espectadores as transformações pelas quais a sociedade local passou, desde
a década de 60, levando-nos a perceber como o meio sociocultural influen-
cia na constituição do ser humano.
FOREST Gump – o contador de histórias. Direção de Robert Zemeckis.
Estados Unidos: Paramount Pictures: Dist. Paramount Pictures; UIP, 1994.
1 filme (141 min), sonoro, legenda, color.
Dica de Filme

Da teoria para a prática


Esta dinâmica pode ser usada com qualquer grupo de diferentes
idades.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Histórias que me contaram


1. Objetivo: possibilitar a reflexão sobre o que é ser homem e ser
mulher.
2. Material necessário: papel e lápis.
3. Desenvolvimento:
●● solicitar ao grupo que fique sentado em círculo;
●● pedir para que cada participante liste as histórias, provérbios,
ditos, ordens significativas que já ouviram sobre homens e
mulheres, sobre como se comportar em relação ao seu próprio
sexo e ao oposto, desde a infância até a fase atual;
●● depois que todos tiverem feito o trabalho indivualmente, for-
me subgrupos, nos quais deve-se ler o que escreveram, trocan-
do experiências;
●● no subgrupo, tentar encontrar os pontos comuns e as diferen-
ças, listando as conclusões a que chegaram;
122
●● cada subgrupo deve apresentar suas conclusões;
●● realizar um plenário – compartilhar com o grande grupo as
reflexões.
• De tudo o que ouviu, o que ainda é válido para você hoje?
• É difícil para você mudar posturas e atitudes? Justifique.
• Quais os mitos e tabus mais comuns no grupo?
Comentário: é necessário explorar todas as colocações, buscando a ori-
gem de cada mito ou tabu apresentado, desmitificando, dessa forma, as
ideias sobre a constituição do ser.
Fonte: adaptado de Mundo Jovem (2010).

Síntese
Vivemos em uma época marcada por incertezas e aceleradas
transformações em todos os âmbitos sociais, o que determina algumas

FAEL
Capítulo 8

exigências para que os indivíduos possam viver em sociedade e parti-


lhar das riquezas e dos conhecimentos socialmente produzidos, exer-
cendo a cidadania, plenamente inseridos no meio social. Dessa forma,
a escolarização torna-se um requisito mínimo de inserção na chamada
“sociedade do conhecimento”.
A própria complexidade da vida no contexto social, assim como
acúmulo de informações veiculadas pelas diversas mídias, por um lado,
tornam necessária a aquisição de certas competências e habilidades bá-
sicas, como contar, ler e escrever. Por outro lado, não estar a par dessa
necessidade, no interior de uma sociedade predominantemente gráfica,
onde o código escrito ocupa posição privilegiada, revela-se um pro-
blema para todos que desconhecem esse mecanismo e não conseguem
participar desse mundo.
Assim, é um desafio para todos os educadores pensar continua-
mente no sentido do conhecimento e das relações com o saber acu-
mulado em constante transformação nas sociedades contemporâneas.
É uma porta aberta para repensar a função da escola no século XXI,
o que constitui assumir que a mudança deve ser constante, e a apren- 123
dizagem, contínua.

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Teoria e prática
nas relações
fundamentais do
trabalho docente
9
N este capítulo, vamos refletir sobre o aspecto teórico e prático
nas relações de trabalho docente do educador de jovens e adultos.
A Educação de Jovens e Adultos surgiu de um movimento de lutas,
desafios e conquistas da Educação Popular, não sendo necessária, nesse
contexto, a formação institucional do educador. Contudo, no decorrer
da história da EJA, na medida em que ela foi se institucionalizando, a
necessidade de obtenção de formação especifica foi se intensificando.
125
Analisar o processo de constituição da identidade dos sujeitos en-
volvidos na Educação de Jovens e Adultos, em específico dos educa-
dores, é fundamental, porque possibilita a compreensão de como nos
tornamos professores em EJA. Como assinalou Freire (1985), trata-se
de um olhar sobre a forma como ocorre a ação e a reflexão no e sobre o
mundo. Trata-se de tornar-se sujeito de sua própria história.

A formação do professor de EJA


O professor, em geral, é percebido não como um técnico que se
limita a cumprir o que outros lhe ditam fora da escola, mas como um
agente ativo do seu próprio desenvolvimento, um profissional que, a
partir da reflexão sobre a sua prática, constrói conhecimentos e cons-
trói a si próprio.
Para tanto, parte-se do pressuposto de que a constituição da iden-
tidade do educador se dá pela possibilidade de se constituir como su-
jeito no meio em que está inserido. Nessa perspectiva, ocorre que o
professor de jovens e adultos precisa se ver e se reconhecer enquanto
sujeito histórico e social da dinâmica educacional.
Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Reflita
Reflita
O que significa ser professor no atual contexto brasileiro? Como
você se percebe enquanto professor? Como acha que é percebido
pela sociedade enquanto professor de EJA?
Reflita
Reflita
A EJA, como modalidade da educação básica, em termos de legis-
lação possui recomendações claras que direcionam para a necessidade de
se buscar condições e alternativas adequadas à realidade de seus sujeitos,
ou seja, práticas que levem em conta seus saberes, seus conhecimentos
até então produzidos e suas experiências no mundo do trabalho.
Reconhece-se que é através dessas práticas, objetivas e subjetivas,
que os sujeitos têm a possibilidade de se formar conscientemente e, por
meio delas, aprendem e aprenderão conteúdos que determinam seus
126 modos de estar no mundo e de aprender novas coisas, que determina-
rão seus desejos de saber e de ensinar. Mais que certificar-se, a formação
consiste em aprender, progredir e continuar a aprender.
Os professores envolvidos nessa modalidade de ensino possuem
uma formação voltada para a educação regular e não tiveram, na gama
de disciplinas das licenciaturas, matérias e conteúdos voltados para a
EJA. Em virtude desse processo de formação, não puderam conhecer o
curso das aprendizagens dos sujeitos jovens e adultos e reconhecer que
tudo o que sabem até o momento, que retornam ao ensino formal, é
resultado de ação inteligente sobre o mundo (FREIRE, 1996). Esse
conhecimento poderá ampliar-se com o apoio do professor, no que diz
respeito a como se pode oferecer situações de aprendizado para forma-
lizar o que os educandos sabem e ampliar o que ainda não sabem, mas
que precisam saber.
Diante desse quadro, pode-se afirmar que o que se constata na rea-
lidade são práticas direcionadas à educação de crianças, infantilizando e
limitando o processo de ensino-aprendizagem ao não proporcionarem
discussões e reflexões e, tampouco, criticidade. Isso nada mais é que o
reflexo do processo educativo pelo qual passou o próprio educador.

FAEL
Capítulo 9

Essas vivências podem ser consideradas como procedimentos de


uma educação popular, pois, como afirmam Gadotti e Romão (2005),
esta acontece quando as competências e habilidades dos docentes aten-
dem às exigências de sensibilidade e conhecimento da realidade, con-
tando com conteúdos que fazem parte do cotidiano dos educandos.
Sendo assim, o processo de ensino poderia ser enriquecido com
a compreensão e a adoção de práticas de educação popular, na qual o
professor ensina os conteúdos sempre relacionando-os com a realidade
do contexto de seus educandos.
Nesse contexto, cabe ao educador da Educação de Jovens e Adul-
tos ter uma formação em que, além de incrementar e atualizar-se em
um processo de contínua aprendizagem, que lhe proporcione compe-
tências e habilidades necessárias a cumprir seus objetivos, perceba a
realidade social, a necessidade de seus educandos, proporcionando-lhes
um ensino que lhes possibilite reflexão e criticidade no processo de en-
tendimento da sociedade, de suas condições, de mudanças que podem
ser possibilitadas a partir de mudanças e de ações conscientes perante
a realidade posta. Conforme afirma Álvaro Vieira Pinto (2005), o pro- 127
gresso não consiste na aquisição de novos dados de saber, mas muito
mais na aquisição da consciência de sua realidade como servidor social,
de seu papel como interlocutor necessário no diálogo educacional.
Em se tratando da aprendizagem de jovens e adultos, esse fato será
consubstanciado à medida que se possa “ver o homem na sua totalida-
de, no seu fazer-ação-reflexão, que sempre se dá no mundo e sobre ele”
(FREIRE, 1995, p. 23).
Portanto, o educador, mediante sua formação, deve proporcionar
muito mais que saberes sistematizados, mas a valoração da cultura e
das necessidades do indivíduo, em um processo de liberdade de pensar,
questionar, acompanhando sempre os movimentos da realidade, onde
educador e educando estão juntos no processo de aprendizagem.

Constituir-se professor
Constituir-se educador de jovens e adultos é mais do que se cons-
tituir meramente um professor que dá aula. O compromisso com os
oprimidos torna-o um agente com a possibilidade de instigar processos

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

de conscientização que primem pela libertação em detrimento do apri-


sionamento, junto aos seus educandos nas mesmas correntes da justiça
social. Trata-se de um posicionar-se que requer, acima de tudo, uma
identidade conscientizada.
Assumir-se enquanto sujeito dessa história implica a necessidade
de assumir esses sujeitos, jovens e adultos, enquanto seres humanos que
apresentam potencial para aprender, desenvolver-se, humanizar-se e,
portanto, tornarem-se sujeitos de seu próprio destino.
Nesse sentido, o educador da EJA poderá constituir-se sujeito, au-
tor e intelectual reflexivo, que pensa, cria, transforma e produz conheci-
mentos a partir de sua prática, pois ele é um importante agente no pro-
cesso de transformação das condições subjetivas e objetivas do processo
educativo. Portanto, o educador teve e tem a sua importância histórica e
é na sua ação consciente que rompe com os ideais dominantes.
Entretanto, pensar na importância do educador como agente que
contribui para o processo de transformação social implica a compre-
ensão da necessidade que se tem de evidenciar que o educador não se
128 forma educador simplesmente com a obtenção de um diploma. Ele se
forma, sobretudo, na sua vida docente. Isso pressupõe que o processo
de formação inicial amplie-se para a formação continuada e por toda
sua vida profissional.
Depreende-se, assim, que o educador de jovens e adultos, atra-
vés de uma atitude ética com os educandos, descobre-se aprendendo e
toma ciência do quão verdadeira é a premissa freiriana que afirma “nin-
guém ensina ninguém”. Ambos, educador e educandos, encontram-se
em processo de construção e formação permanente.
As mudanças nos padrões de trabalho e nas relações sociais, me-
diante o impacto gerado pelas novas tecnologias, originam novos nichos
de exclusão cultural, mediada pela informação e pela comunicação. De-
saparecem os padrões trabalhistas em que uma pessoa permanece gran-
de parte de seu tempo em uma só instituição e/ou profissão e o padrão
do tempo integral e abre-se espaço para outras atividades sociais. Essas
mudanças estão presentes também na formação de professores, que re-
quer novas habilidades cognitivas e sociais.
No Brasil, pouco vem sendo feito na qualidade de formação e em re-
lação à carreira dos docentes para que a situação educacional em geral e da

FAEL
Capítulo 9

formação seja revertida, inclusive porque muitos projetos não podem dar
certo no País por falta da própria formação adequada dos educadores.
Em relação ao educador de jovens e adultos, nota-se que há pouco
cuidado com sua formação e carreira do profissional, sendo a educação
básica sempre a menor das políticas.
[...] as iniciativas têm sido, até aqui, mais que modestas, como
se o professor se fabricasse por um passe de mágica ou como se
um sistema educacional, que é a base de uma nação, pudesse
funcionar sempre através de quebra-galhos, dá-se um jeitinho.
O resultado está aí: analfabetismo funcional em todos os ní-
veis, formação de várias gerações comprometidas por baixa
inserção cultural. Fica-se correndo atrás do deficit, seja com
programas compensatórios, supletivos, ou de formação em
serviço (GATTI, 1997, p. 4).

Por considerar a formação dos educadores como algo de funda-


mental importância, Mialaret (1991, p. 96) alerta para o fato de que
não se deve processar uma formação idêntica de todos os educadores,
para os levar a ser exemplares do mesmo modelo, mas proporcionar-lhes
condições de serem bons educadores, em função de suas qualidades. 129
Zeichner (1993, p. 62-63) acrescenta a necessidade de que os can-
didatos a educadores não acabem por incorporar novas informações ou
experiências a velhas estruturas. Por isso, afirma :“deve-se preparar o
educador para a investigação científica e reflexiva na condução e avalia-
ção de sua própria prática e dos meios para teorizar a experiência adqui-
rida, evitando defeitos de uma formação modelizante.” Novoa (1992,
p. 54) afirma que a formação do educador não é um conceito unívoco,
por isso deve proporcionar situações que possibilitem a reflexão e a
tomada de consciência das limitações sociais, culturais e ideológicas da
própria profissão docente.
Nessa lógica, a constituição dessa identidade docente não se faz pela
sua própria consciência de reconhecer-se sujeito que pode e deve contri-
buir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas pela
imposição de sistemas e programas que, na maioria, funcionam como
“remendos de borracharia” (Arroyo, 2001). Embora a possibilidade de
se constituir sujeito passe pelo reconhecimento do outro, é necessário
salientar que essa constituição passa também pela tomada de consciência
de si mesmo; porém consiste em uma consciência mediada.

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Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

Contudo, não se trata de analisar esse processo sob a ótica de viti-


mização do sistema, mas como a possibilidade de denúncia do fato de
que o educador, ao atuar sob as imposições de sistemas sem reflexão
de seu papel na vida desses educandos, deixa de se posicionar como
sujeito e como tal não constitui sua identidade de educador movido
pelo diálogo com o mundo e não rompe com os monólogos da escola
(ALVES, 2003). Portanto, reproduz-se, produz e reproduz a alienação
de seus educandos.
Diante da gama de informações, mais do que nunca o professor
se torna um ator cujo papel é de inquestionável importância na me-
diação entre o mundo das informações imediatistas e o conhecimento
historicamente acumulado, embora se presencie uma forte tendência à
desvalorização até mesmo dos conhecimentos universais.
No processo de formação do educador da EJA é urgente consi-
derar que conhecimento é o que propicia ao homem a desalienação,
em um mundo dominado por uma elite que detém o poder do capital
intelectual e material.
130 Conhecer é mais do que obter informações. Significa trabalhar
as informações, analisar, organizar, identificar suas fontes, esta-
belecer as diferenças destas na produção da informação, contex-
tualizar, relacionar as informações e a organização da sociedade,
como são utilizadas para perpetuar a desigualdade social. Traba-
lhar as informações na perspectiva de transforma-la em conhe-
cimento é uma tarefa primordialmente da escola. Realizar o tra-
balho de análise crítica da informação relacionada à constituição
da sociedade e seus valores é trabalho para professor e não para
monitor. Ou seja, para um profissional preparado científica, téc-
nica, tecnológica, pedagógica, cultural e humanamente. O que
supõe sua sólida formação (PIMENTA, 2000, p. 18).

Isso requer que a formação do educador da EJA esteja comprometi-


da em desvelar o seu importante papel no processo de transformação das
condições subjetivas e objetivas do jovem e adulto trabalhador. Logo,
essa formação não pode desconsiderar a importância histórica desse su-
jeito, cuja ação consciente pode romper com os ideais dominantes.
Desse modo, pensar na importância do educador como agente que
contribui para processos de transformação social implica a compreensão
da necessidade que se tem de que o professor não se forma professor
quando se forma na licenciatura, mas, sobretudo, na sua vida docente.

FAEL
Capítulo 9

Isso pressupõe que o processo de formação inicial amplie-se para a forma-


ção continuada e, prioritariamente, que seja uma formação em serviço,
nas palavras de Cunha, (1997): “a ideia de que o educador se educa na
prática da educação é fundamental [...].”
O trabalho docente do educador de jovens e adultos pressupõe um
compromisso, acima de tudo, social. Segundo as Diretrizes da Educação
de Jovens e Adultos, umas das funções da EJA é a reparadora, que se
refere ao ingresso no circuito dos direitos civis, pela restauração de um
direito negado. Trata-se, portanto, do resgate social e da garantia de
acesso a inúmeros jovens e adultos aos bens civis que lhes foram nega-
dos historicamente, na condição de dívida social de uma situação que
precisa urgentemente ser equiparada.
O educador de jovens e adultos, por meio de uma atitude ética
com os educandos, descobre-se aprendendo, a partir do diálogo. Con-
tudo, o que significa dialogar? Quais os temores, os riscos e as recom-
pensas da transformação? O que é ensino “dialógico”?
Com o fim de procurar soluções aos questionamentos e de pensar-
mos na postura docente do educador de jovens e adultos, buscamos o 131
sentido mais genuíno que explicita a tomada de consciência. Conforme
nos ensina Álvaro Vieira Pinto (2005) é saindo do plano da consciência
ingênua, rompendo com os conformismos, descobrindo-se explorado e
oprimido, que se avança para o patamar da consciência crítica.
Nesse sentido, um processo de formação consciente revela ao edu-
cador o fato de que isso está em suas “mãos”, ao passo que assuma
tal compromisso, propiciando aos jovens e adultos os momentos de
reflexão, discussão, debate e a tomada de consciência. Para tanto, no
processo de formação, o educador deve sentir-se partícipe do diálogo,
um diálogo que articule teoria e prática e, acima de tudo, possibilite a
reflexão-ação-reflexão sobre essa prática.

Dica de Filme
Assista ao filme Adorável professor, que narra a história de um músico
que, em 1964, decidiu lecionar, para ter mais dinheiro e, assim, se dedicar a
compor uma sinfonia. Inicialmente, ele sentiu grande dificuldade em fazer
com que seus alunos se interessassem pela música. As coisas se complicaram

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos

ainda mais quando sua mulher da à luz um filho, que o casal vem a desco-
brir mais tarde que é surdo. Para poder financiar os estudos especiais e o
tratamento do filho, ele se envolve cada vez mais com a escola e seus alunos,
deixando de lado seu sonho de tornar-se um grande compositor, mas ao
mesmo tempo mostrando a incrível arte de lecionar. Passados trinta anos
lecionando no mesmo colégio, há grandes surpresas mostradas no final do
filme, o que pode ter similaridade com a história de muitos professores.
ADORÁVEL professor. Direção de Stephen Herek. Estados Unidos:
­Interscope Communications; PolyGram Filmed Entertainment; ­Hollywood
Pictures: Dist. Buena Vista Pictures, 1995. 1 filme (140 min), sonoro, legen-
da, color.
Dica de Filme

132 Da teoria para a prática


O caso de Miguel
Essa dinâmica poderá ser realizada em diferentes contextos com a
finalidade de se discutir diferentes pontos de vista, julgamento alheios e
avaliações, com o objetivo de mostrar aos educandos que há diferentes
versões sobre um mesmo fato, dependendo da maneira como as pessoas
o vivenciam, de que relação elas têm com os envolvidos na história, de
que momento do ocorrido ela participou, etc.
O educador deverá ler um depoimento de cada vez, enquanto os
educandos escrevem em seus cadernos a impressão que eles formam de
Miguel a cada depoimento lido. Ao final de cada depoimento, cada um
poderá comentar as impressões gerais que teve do personagem Miguel.
Pode-se solicitar uma produção textual sobre o caso, destacando as carac-
terísticas gerais do personagem, antes da leitura da conclusão do caso.
Após a leitura da versão de Miguel sobre o ocorrido, o educador
poderá solicitar uma reflexão sobre as opiniões emitidas, pedindo que os
educandos comparem a versão de Miguel com as suas ideias formadas

FAEL
Capítulo 9

sobre ele, chegando à conclusão de que existem diversas formas de con-


tar uma história e diversas formas de interpretá-la.
A seguir, segue o caso de Miguel com os vários depoimentos e, ao
final, a versão dele.

Relato 1 – de sua mãe


Miguel levantou-se correndo, não quis tomar café e nem ligou para o
bolo que eu havia feito especialmente para ele. Só apanhou o maço
de cigarros e a caixa de fósforos. Não quis colocar o cachecol que
eu lhe dei. Disse que estava com pressa e reagiu com impaciência
a meus pedidos para se alimentar e abrigar-se direito. Ele continua
sendo uma criança que precisa de atendimento, pois não reconhece
o que é bom para si mesmo.

Relato 2 – do garçom da boate


Ontem à noite ele chegou aqui acompanhado de uma morena, bem
bonita, por sinal, mas não deu a mínima bola para ela. Quando en-
trou uma loura, de vestido colante, ele me chamou e queria saber
quem era. Como eu não a conhecia, ele não teve dúvidas: levantou-se 133
e foi à mesa falar com ela. Eu disfarcei, mas só pude ouvir que ele
marcava um encontro, às 9 da manhã, bem nas barbas do acompa-
nhante dela. Sujeito peitudo!

Relato 3 – do motorista de táxi


Hoje de manhã, apanhei um sujeito e não fui com a cara dele. Estava
de cara amarrada, seco, não queria saber de conversa. Tentei falar
sobre futebol, política, sobre o trânsito e ele sempre me mandava
calar, dizendo que precisava se concentrar. Desconfio que ele é da-
queles que o pessoal chama de subversivo, desses que a polícia anda
procurando ou desses que assaltam motorista de táxi. Aposto que
anda armado. Fiquei louco para me livrar dele.

Relato 4 – do zelador do edifício


Esse Miguel não é certo da bola, não! Às vezes cumprimenta, às
vezes finge que não vê ninguém. As conversas dele, a gente não en-
tende. É parecido com um parente meu que enlouqueceu. Hoje de
manhã, ele chegou falando sozinho. Eu dei bom-dia e ele me olhou
com um olhar estranho e disse que tudo no mundo era relativo,
que as palavras não eram iguais para todos, nem as pessoas. Deu

Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos


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um puxão na minha gola e apontou para uma senhora que passava.


Disse, também, que, quando pintava um quadro, aquilo é que era a
realidade. Dava risadas e mais risadas... esse cara é um lunático.

Relato 5 – da faxineira
Ele anda sempre com um ar misterioso. Os quadros que ele pinta,
a gente não entende. Quando ele chegou, na manhã de ontem, me
olhou meio enviesado. Tive um pressentimento ruim, como se fosse
acontecer alguma coisa. Pouco depois chegou a moça loura. Ela me
perguntou onde ele estava e eu disse. Daí a pouco ouvi ela gritar e
acudi correndo. Abri a porta de supetão e ele estava com uma cara
furiosa, olhando para ela cheio de ódio. Ela estava jogada no divã e
no chão tinha uma faca. Eu saí gritando: Assassino! Assassino!

Relato do próprio Miguel sobre o ocorrido nesse dia


Eu me dedico à pintura de corpo e alma. O resto não tem importân-
cia. Há meses que eu quero pintar uma Madona do século XX, mas
não encontro uma modelo adequada, que encarne a beleza, a pureza
e o sofrimento que eu quero retratar.
134 Na véspera daquele dia, uma amiga me telefonou dizendo que tinha
encontrado a modelo que eu procurava e propôs nos encontrarmos
na boate. Eu estava ansioso para vê-la. Quando ela chegou fiquei
fascinado: era exatamente o que eu queria. Não tive dúvidas. Já que
o garçom não a conhecia, fui até a mesa dela, me apresentei e pedi
para ela posar para mim. Ela aceitou e marcamos um encontro no
meu ateliê às 9 horas da manhã.
Eu não dormi direito naquela noite. Levantei-me ansioso, louco para
começar o quadro, nem pude tomar café, de tão afobado. No táxi,
comecei a fazer um esboço, pensando nos ângulos da figura, no jogo
de luz e sombra, na textura, nos matizes... nem notei que o motorista
falava comigo.
Quando entrei no edifício, eu falava baixinho. O zelador tinha falado
comigo e eu nem tinha prestado atenção. Aí eu perguntei: o que
foi? E ele disse: bom-dia! Nada mais do que bom-dia. Ele não sabia
o que aquele dia significava para mim. Sonhos, fantasias e aspira-
ções... tudo iria se tornar real, enfim, com a execução daquele qua-
dro. Eu tentei explicar para ele que a verdade era relativa, que cada
pessoa vê a outra à sua maneira. Ele me chamou de lunático. Eu dei
uma risada e disse: está aí a prova do que eu disse. O lunático que
você vê não existe.

FAEL
Capítulo 9

Quando eu pude entrar, dei de cara com aquela velha mexeriqueira.


Entrei no ateliê e comecei a preparar a tela e as tintas. Foi quando
ela chegou. Estava com o mesmo vestido da véspera e explicou que
passara a noite em claro, numa festa. Aí eu pedi que se sentasse no
lugar indicado e que olhasse para o alto, que imaginasse inocência,
sofrimento... que...
Aí ela me enlaçou o pescoço com os braços e disse que eu era
simpático. Eu afastei seus braços e perguntei se ela tinha bebido.
Ela disse que sim, que a festa estava ótima, que foi pena eu não
ter estado lá e que sentiu minha falta. Enfim, que estava gostando
de mim. Quando ela me enlaçou de novo eu a empurrei e ela caiu
no divã e gritou. Nesse instante a faxineira entrou e saiu berrando:
Assassino! Assassino!
A loura levantou-se e foi embora. Antes, me chamou de idiota. Então,
eu suspirei e disse: ah, minha Madona!
Fonte: O caso de Miguel (1995, p. 54).

Síntese
135

Constituir uma identidade de educador de jovens e adultos é mais


do que se constituir professor, pois o compromisso com os oprimidos
não permite apenas ser “um professor auleiro”, mas, sim, um agente de
transformação, com a possibilidade de instigar processos de conscien-
tização que primem pela libertação em detrimento do aprisionamento
junto aos seus educandos nas mesmas correntes das injustiças sociais.
Trata-se, portanto, de um posicionar-se que requer, acima de tudo, uma
identidade conscientizada de seu importante papel social e humano.

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