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A reserva dos suiços mortos / Christian Boltanski

Christian Boltanski (1944) é um artista que tem como principal tema a sua vida
pessoal, a verdadeira ou uma que é reinventada, mas também aborda temas como a
memória, a identidade, a ausência, a perda ou a morte. O suporte utilizado é a
fotografia, mas também objectos do quotidiano que transforma e de onde retira toda a
funcionalidade conferindo-lhes um cunho de obra de arte. Nesta mostra é apresentada
uma grande selecção de obras deste artista, tais como catálogos, filmes e fotografias.
CHRISTIAN BOLTANSKI

MONUMENTA 10 - Personnes

GRAND PALAIS
Avenue Winston Churchill
75008 PARIS

13 JAN - 21 FEV 2010

“O visitante não estará perante uma obra, estará dentro dela....” Christian
Boltanski na apresentação de “Personnes”.

Sobre Auschwitz: “Aquilo que não pode ser representado. Essa imagem
repulsiva que não pode ser apresentada como uma imagem mas que só
poderia ser mostrada na efectividade do acontecimento, enquanto ele se
produzia, o que não pode ser transposto numa imagem. Não o podemos
lembrar tal como foi senão por uma imagem contrária, de forma positiva,
quer dizer, por homens que afastam do mundo essa mancha” - Joseph
Beuys, numa entrevista de 1982. Citado por Jean-Luc Nancy na obra
colectiva L’art et la mémoire des camps / Représenter, Exterminer Seuil,
Paris , 2001.

A Exposição

Um enorme muro obstrui a visão do interior do Grand Palais apenas


ultrapassada a porta de entrada. Este muro construído como um longo
arquivo, composto por latas (de bolachas) em metal enferrujado, alinhadas
como tijolos, constitui o primeiro elemento desta instalação concebida por
Christian Boltanski como uma “obra de arte total”.

Circundamo-lo e deparamo-nos com uma gigantesca montanha de roupa no


eixo da nave central do edifício, de um diâmetro gigantesco. Uma grua
equipada com uma “mão” mecânica desce até esta montanha agarrando
peças de roupa em intervalos regulares; as pausas são teatrais pois as
roupas ficam alguns minutos suspensas no ar até a pinça as deixar cair de
novo, no mesmo sítio.
O corpo do edifício, no seu eixo diagonal, encontra-se geometricamente
dividido em 69 rectângulos, de 3 por 5 metros, sobre os quais se encontram
casacos, sobretudos, blusões usados, todos com a abertura virada para o
chão. Vemos as costas de um objecto impregnado de memórias físicas. São
casacos de homens e mulheres e de longe a longe, exaltando a sua
evidência, agasalhos de crianças pequenas ou de bebés. Cada rectângulo é
iluminado por uma luz fria, em néon, suspensa por um fio de metal.

O visitante pode caminhar por entre este campo de casacos. O som, no seu
ansiogénico “tam-tam” que parece surgir de uma fábrica de terror, é
composto por 69 diferentes batimentos cardíacos difundidos pelos
altifalantes colocados nas extremidades dos cabos eléctricos que iluminam
cada parcela de chão coberta por vestuário.

Numa sala à parte existe uma outra obra em curso, “Les Archives du Cœur”.
Este trabalho parte de uma recolha de gravações de batimentos cardíacos
de centenas de pessoas, que terminarão num trabalho que o artista concebe
para um museu no Japão, na Ilha de Teshima patrocinado pelo Benesse Art
Site Naoshima. No Grand Palais procede-se também à recolha de
batimentos cardíacos dos visitantes interessados. Esta gravação faz-se
numa sala de espera semelhante a uma repartição pública, onde se pode
tirar uma senha e esperar que o nosso número apareça no ecrã. Somos
também informados de que podemos adquirir um CD com o som do nosso
coração por 12 euros.

Representar o extermínio ou estética versus ética

Parece-me totalmente impossível dissociar esta instalação monumental de


uma representação (“dantesca” nas palavras do seu autor) dos campos de
extermínio nazi e de uma revisitação do Holocausto. Boltanski (Paris, 1944),
pintor nos inícios da sua carreira artística, passando pela direcção de uma
galeria em Saint-Germain-des-Prés, distingue-se no panorama artístico dos
anos 80 pelas suas instalações em que o arquivo de retratos fotográficos e a
simbologia dos anjos da morte predomina. A sua obra foi inovadora nessa
época. Foi recentemente nomeado para representar a França na Bienal de
Veneza em 2011.

Com “Personnes”, palavra que tanto designa pessoas como zés-ninguéns, o


autor deseja a imersão do visitante na obra utilizando veículos de memória
de afectos como as centenas de peças de roupa ou os batimentos cardíacos.
É, porém, uma obra que para além de monumental é histriónica na sua
representação meramente formal, e na qual o conteúdo é a moldura que
serve à manipulação emocional do visitante. A obra escapando a uma
conceptualização definida não apresenta um conteúdo, estetiza
simplesmente uma visão de extermínio, numa operação do Governo, dentro
da vitrina do Grand Palais.

Hoje, o discurso de Boltanski (“très bavard” como dizem os franceses)


autonomizou-se da sua obra, deixou de ter relação com a sua prática
artística, o que faz com que produza instalações artificiais que apenas
mostram a sua monumentalidade. E o drama desta Monumenta é esse
precisamente, é uma experiência artística que os artistas e pensadores que
conheceram e meditaram sobre a questão dos campos de extermínio
juraram evitar.

Sílvia Guerra


debaixo da terra existe uma constelação de
subterrâneos com ecos de nomes que há
muito deixamos de escutar

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