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Se Se Morre de Amor!
Gonçalves Dias
Uberlândia – 2007
Índice
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1. Biografia de Gonçalves Dias.
Gonçalves Dias estudou Direito em Coimbra, Portugal, entre 1840 e 1844; lá ocorreu
sua estréia literária, em 1841, com poema dedicado à coroação do Imperador D.
Pedro II no Brasil. Em 1843, escreveu o famoso poema Canção do Exílio.
Nos anos seguintes, aliou a intensa produção literária com o trabalho como
colaborador de vários periódicos, professor do Colégio Pedro II e pesquisador do
IHGB, que o levou a fazer várias viagens pelo interior do Brasil e para a Europa.
Sua origem mestiça foi motivo da recusa do pai de sua amada – Ana Amélia do Vale –
em entregar-lhe a mão da filha em casamento, o que debilitou o poeta e ocasionou o
aparecimento de uma tuberculose sem cura.
A poesia que estudaremos a seguir foi feita em Recife, pouco depois de o poeta haver
sido recusado pelo pai de Ana Amélia.
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2. Se se morre de amor! Arder por afogá-la em mil abraços:
Gonçalves Dias Isso é amor, e desse amor se morre!
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3. Estudo da estrutura do poema: “Se se morrer de amor!” – Gonçalves Dias.
A seguir, estrofe por estrofe será estudada de acordo com suas rimas e figuras de
linguagem.
Os versos desta estrofe, como também os das outras estrofes, são brancos, porém, é
possível detectar algumas rimas isoladas.
As últimas palavras dos versos segundo e penúltimo são consoantes, por rimarem
vogais e consoantes da sílaba tônica, e ricas quanto à classe gramatical, pela primeira
ser um verbo, e a segunda, um substantivo – surpreende e ambiente.
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No terceiro verso, “De ruidoso sarau entre festejos”, há uma inversão, pois a locução
adjetiva deveria vir depois do substantivo festejos. Há também uma sinestesia que
excita a audição: festejos de ruidoso sarau – o leitor pode ter a capacidade de
imaginar tais ruídos.
No quarto verso, “Quando luzes, calor, orquestra e flores”, há várias sinestesias dos
sentidos: visão – luzes, tato – calor, audição – orquestra, e simultaneamente visão e
olfato – flores.
As sinestesias de audição e de visão são claras no último verso: “No que ouve, e no
que vê prazer alcança!”.
Há uma inversão no final do quarto verso e quinto:”(...) acaso podem/ Num engano
d’amor arrebatar-nos.” De acordo com a regra: sujeito, verbo, complemento, a locução
adverbial deveria vir no final da frase, assim: :”(...) acaso podem/ Arrebatar-nos num
[engano d’amor.”
Do sexto ao nono verso, há uma metáfora: “Mas isso amor não é; isso é delírio,/
Devaneio, ilusão, que se esvaece/ Ao som final da orquestra, ao derradeiro/ Clarão,
[que as luzes no morrer despedem:”. Nestes versos, o autor expôs o que ele acha que
o amor é. Há zeugmas em: “(...) isso é delírio,/ (isso é) Devaneio, (isso é ) ilusão, que
[se esvaece/ Ao som final da orquestra, (que se esvaece) ao derradeiro/ Clarão, que
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[as luzes no morrer despedem:”. Neste último verso, o autor personifica as luzes, já
que luzes não despedem: isto é uma faculdade humana.
Em “Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,”, há uma repetição do som do u,
sendo assim uma assonância: “Se outru nome lhe dãu, se amor u chamãu,”.
Nos segundo, terceiro, sexto e sétimo versos, as palavras abertos, extremos, campos,
solitários rimam-se externamente, por serem todas as últimas palavras dos versos, e
são pobres, quanto à classificação gramatical, por serem todas substantivos. Nos
décimo-segundo e subseqüente versos, as palavras custo e ponto rimam-se da
mesma forma que estas.
Toda esta estrofe é uma metáfora, pelo autor explicar o que realmente amor é para
ele.
Nos versos “Amor é vida; (amor) é ter constantemente/ Alma, sentidos, coração —
[abertos/ Ao grande, (amor é ter constantemente alma, sentidos, coração — abertos)
[ao belo; (amor) é ser capaz d’extremos,/ (amor é ser capaz) D’altas virtudes, té capaz
[de crimes!”, há zeugmas. Este é só um exemplo, já que ao longo da estrofe há vários
zeugmas.
Uma gradação com idéia aumentativa está explícita nos quatro primeiros versos
citados acima: amor é vida < é ter constantemente alma, sentidos, coração — abertos
ao grande, ao belo < é ser capaz d’extremos < d’altas virtudes < té capaz de crimes.
“(...)gostar dos campos,/ D’aves, flores, murmúrios solitários;” são os versos sexto e
sétimos em que há sinestesia de visão – flores, campos, aves, de ofalto – campos,
flores, de tato – flores, e de audição – murmúrios, como também aliteração do s.
Nos oitavo e nono versos, há antíteses entre: tristeza e riso, e ermo e festa.
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No décimo-primeiro verso, “Fontes de pranto intercalar sem custo”, há inversão, pois a
ordem adequada seria: “intercalar fontes de pranto sem custo”, devido o fato de depois
de o verbo ter que vir o objeto e, depois deste, a locução adverbial.
Nesta estrofe há rimas muito isoladas. Nas palavras sentimos (segundo verso),
recatamos (quinto verso), tesouros (sexto verso), pensamentos (nono verso), olhos
(décimo verso), amamos (décimo-primeiro verso), vestidos (décimo-segundo verso) e
abraços (décimo-terceiro verso), pode-se considerar a rima “-os”. É uma rima externa
e rica, gramaticalmente falando, por haver verbos e substantivos rimando-se.
Esta estrofe é a continuação da explicação do autor sobre o que para ele é o amor,
sendo assim toda a estrofe uma metáfora.
No terceiro verso, “Temer qu’olhos profanos nos devassem”, há uma repetição do som
da consoante s – aliteração.
Nos versos “Inesgotáveis, d’ilusões floridas;/ Sentir, sem que se veja, a quem se
[adora./ Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,/ Segui-la, sem poder fitar
[seus olhos,/ Amá-la, sem ousar dizer que amamos,/ E, temendo roçar os seus
[vestidos,/ Arder por afogá-la em mil abraços:”, há várias sinestesias. No primeiro
destes versos, há sinestesia que excita a visão e o tato: “d’ilusões floridas”, além de
haver aliteração com repetição do s. No segundo, há sinestesia do tato e da visão:
“Sentir, sem que se veja”, além da repetição do som do s e e – aliteração e
assonância. No terceiro, de audição: “Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos”.
No quarto, da visão: “Segui-la, sem poder fitar seus olhos,”. E nos dois últimos, é o
tato o exaltado: “E, temendo roçar os seus vestidos,/ Arder por afogá-la em mil
abraços:”.
Em dois dos versos já citados acima, “Sentir, sem que se veja, a quem se adora./
Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,”, há inversão. A ordem adequada
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seria: “Sentir a quem se adora sem que se veja./ Compr’ender seus pensamentos sem
lhe ouvir.”
No primeiro verso desta estrofe, “Se tal paixão enfim transborda”, está explícito um
uso de hipérbole pelo autor: o que ele quis dizer com o fato de a paixão “transbordar” é
ela aumentar muito.
No terceiro verso, “(...) recíproco afeto (...)”, há um pleonasmo, já que afeto é algo
recíproco. Porém, não é um pleonasmo vicioso, já que ele o usou para frisar a
reciprocidade do afeto. No verso seguinte, “Dois seres, duas vidas (...)”, também há
pleonasmo por dois seres serem duas vidas e vice-versa. Houve uma repetição da
idéia.
No sexto verso, “em puro céu d’êxtases puros”, há hipérbole e metáfora, pois o autor
comparou “puro céu d’êxtases puros” a muita felicidade.
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O autor inverteu completamente a ordem das palavras em: “Pode o raio num píncaro
[caindo,”. A ordem adequada seria: “O raio caindo num píncaro pode”. Neste verso
também há assonância das letras o e u.
Do verso acima até o final da estrofe há metáfora, pois o autor compara a separação
do casal e as possíveis conseqüências disto a várias coisas. Primeira comparação:
“Pode o raio num píncaro caindo,/ Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;” – aí, o
autor quis dizer que com a separação, os dois podem ficar definitivamente separados.
Segunda comparação: “Pode rachar o tronco levantado/ E dois cimos depois verem-se
[erguidos,/ Sinais mostrando da aliança antiga;” – com a separação, o casal fica
separado, mas ainda alimentando dentro deles o que viviam juntos. Terceira
comparação: “Dois corações porém, que juntos batem,/ Que juntos vivem, — se os
[separam, morrem;” – com a separação, os dois vão morrer interiormente. Última
comparação: “Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,/ Se aparência de vida, em
[mal, conservam,/ Ânsias cruas resumem do proscrito,/ Que busca achar no berço a
[sepultura!” - se, depois de tudo, ainda continuam vivos fisicamente, mas mortos
interiormente, vegetando, todo o sentimento que um tinha pelo outro vai diminuindo
(“Ânsias cruas resumem do proscrito”), e tentam achar uma nova vida na morte (“Que
busca achar no berço a sepultura!”).
Em “Dois corações porém, que juntos batem,/ Que juntos vivem, — se os separam,
[morrem;”, há metáfora e personificação, pois o autor compara corações com casal e
diz que estes “corações” se forem separados morrem: ele deu uma faculdade humana
ao coração, já que este, por si só, não tem vida. Neste último verso citado, também há
uma gradação: vivem – separam – morrem.
No último verso da estrofe: “Que busca achar no berço a sepultura!”, há uma antítese:
berço (vida) X sepultura (morte) e um paradoxo, pois, como encontrar vida na morte?
No primeiro verso, “Esse, que sobrevive à própria ruína”, há uma metáfora, pois o
autor compara ruína à desgraça que sua vida encontra-se.
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4. Interpretação do texto.
A pureza, então, passa a ser vista como fonte da plena realização do desejo
transcendente e, uma vez profanada, gera a dilaceração da plenitude do Eu: “amá-la,
[sem ousar dizer que amamos,/ E temendo roçar os seus vestidos,/ Arder por afogá-la
[em mil abraços:/ Isso é amor, e desse amor se morre!”. A plenitude concretiza-se na
impossibilidade, o sujeito idolatra a amada à distância; é como se a proximidade
destruísse a idealização. Nos momentos em que o desejo de profanação materializa-
se, o sujeito transfigura o “perfeito”, degradando a figura divinizada.
O encontro entre Gonçalves Dias e Alfonso López Quintás realiza-se nesse “lugar”
único da transcendência. O poeta brasileiro romântico e o pensador espanhol,
contemporâneo nosso, conversam diante de nós.
O poema Se se Morre de Amor! parece ter sido composto por encomenda para ilustrar
uma das mais promissoras intuições de Quintás. A intuição de que o ser humano está
sujeito a duas experiências que, à primeira vista, parecem semelhantes: a experiência
do êxtase e a experiência da vertigem.
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mística e poesia são “condimentos” indispensáveis para a formação integral de uma
pessoa.
O método lúdico-ambital que Quintás propõe para analisar textos literários exige que o
leitor “brinque” com esses textos, que os vivencie como um jogo, como um âmbito em
que seja possível refazer pessoalmente as experiências fundamentais ali descritas, ali
vivenciadas de um modo “irreal”, “ficcional”.
O prazer que a alma alcança (verso 7), ouvindo essas músicas, essas vozes em
estado de exaltação, vendo essas imagens insinuantes, leva ao delírio, à vertigem, à
tontura, a uma sensação de redemoinho. A um arrebatamento negativo, mais
excitação do que propriamente enlevo e encanto. E desse amor não se morre, porque
“isso amor não é” (verso 13).
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acorde (verso 15), assim que o dia amanhece e a luz natural substitui o clarão que
mantinha o ambiente iluminado (verso 16), vem à tona o tédio, sente-se o mais
profundo cansaço.
Esse cansaço e esse tédio não são a morte, no sentido de um “sair de si mesmo”.
Desse “amor” ninguém morre quando acaba (verso 18). Uma vez que acaba!
Precisamente porque acaba!
A segunda estrofe define o amor como um estado de êxtase, numa abertura (verso 20)
generosa de corpo, sensibilidade e alma a valores que levam o homem ao extremo de
si mesmo: à beleza, ao grandioso, à virtude — até mesmo a crimes (verso 22), porque
por amor se pode fazer “loucuras” aos olhos de muitos —, à compreensão do natural e
do divino, do terreno e do celeste, das mesmas flores que estavam na festa alucinante
mas agora transmitem a imagem da vida em plenitude (versos 23-5).
A exaltação do amor egoísta assemelha-se, mas nada tem a ver com o entusiasmo do
amor generoso. Sentir vertigem não leva à morte. Pode-se desmaiar depois de uma
noite de orgia. Pode-se perder os sentidos depois de uma falsa experiência de amor.
Se o desejado não é autenticamente desejável, quem deseja não “morre de amor”,
simplesmente fica alienado, perde-se, frustra-se.
A frase de Sófocles — “para o morto não existem mais armadilhas” — também pode
ajudar-nos a entender a morte como uma libertação das ciladas dos baixos instintos,
dos interesses escusos, dos pseudo-amores, das ilusões, dos auto-enganos.
“Morrer de amor” é então viver plena e somente de amor. Vale a pena entregar tudo
para viver/morrer um grande amor. Vinícius de Moraes resume tudo na última estrofe
de seu Soneto do amor total:
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Hei de morrer de amar mais do que pude.”
O amante que “morre de amor” dá o testemunho mais vivo de seu amor. É um martírio.
O martírio é a morte sem o aniquilamento do mais essencial, do mais importante. Ao
contrário, o martírio é a glorificação do essencial.
Na terceira estrofe do seu poema, Gonçalves Dias capta novos matizes do êxtase
amoroso. Quem ama receia banalizar, expor inutilmente, medir o amor inesgotável
(versos 34-5), dado que se trata de algo sagrado, valioso, “a melhor porção da vida”
(verso 37).
Esse cuidado para não ferir o amor e a quem se ama, essa sensibilidade aguçada de
quem ama, esse pudor e esse ardor, esse desejo de união absoluta (versos 41-46)
configuram o êxtase ascensional, com traços de experiência do indizível, como num
estado de adoração — sentir sem ver, compreender sem ouvir, saber sem poder dizer.
Esse misto de impotência e onipotência, de receio e de integração, pertence ao amor
verdadeiro. E desse amor se morre (verso 47).
O afeto recíproco (verso 50) cria um âmbito de plenitude: um “puro céu d’êxtases
puros” (verso 53). É a união dos que se amam, e a constatação dessa pureza remete,
não ao puritanismo, mas à genuinidade, tal como quando falamos “ar puro”, “água
pura”, dizendo implicitamente: “ar ar”, “água água”, ar que é ar e água que é realmente
água.
O amor puro. Mas desse amor também se morre! Quando, bruscamente, interfere a
“mão do fado” (verso 54). É de tal ordem a união que, se porventura os que se amam
precisam separar-se, morrem os dois, ou desejam morrer (verso 65), uma vez que
esse amor é a própria vida.
Quem uma vez experimentou o êxtase do amor, o amor verdadeiro, portanto, já não
pode viver sem ele. A última estrofe retrata o amante que sobreviveu à própria
destruição (verso 70) e que, numa insônia sem fim, vê a imagem de quem ama (verso
75), e inveja aqueles que encontram o fim do seu sofrimento no cemitério.
Também desse amor se morre, ou pelo menos se deseja morrer — trata-se do amor
que não sucumbe à dor (da separação) tamanha (verso 76), mas já não se habitua
nem espera a vertigem. Está entre as sombras da noite (verso 73), e ao mesmo tempo
fora do âmbito de luz que o amor instaura.
As noções de “êxtase” e “vertigem” propiciam uma leitura criativa de textos como este
de Gonçalves Dias. Pois convidam o leitor a distinguir com mais lucidez as realidades
que o habitam e o circundam.
No caso do amor que leva à morte, podemos discernir melhor os matizes desse amor,
dessa morte, conquistando a consciência de que as palavras, sobretudo quando
poeticamente em ação, assumem novos sentidos que transcendem os significados do
dicionário, por mais preciso que este seja.
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5. Vocabulário.
- Avaro: que ou aquele que é obcecado por adquirir e acumular dinheiro; sovina
- Cimo: a parte superior de uma coisa que tem maior altura do que comprimento ou
largura; a parte de cima; alto, topo
- Fado: destino, sorte, estrela; o que necessariamente tem de ser; vaticínio, decreto do
destino
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- Ludíbrio: ato ou efeito de ludibriar, enganar
- Sarau: reunião festiva, ger. noturna, para ouvir música, conversar, dançar
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