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A discussão dos movimentos sociais dos países latino-americanos em torno da esfera do campo da
biopolítica leva, por diferentes caminhos a um enfrentamento das corporações transnacionais
sediadas no hemisfério norte. Este artigo tem como foco o posicionamento dos movimentos sociais
nesse conflito e muitas vezes cita o caso brasileiro, por ser aquele ao qual estou inserido.
O termo biopolítica pode ser entendido aqui como sendo o campo de diálogo em torno de questões
referentes: I) às recentes aplicações de mercado para o desenvolvimento científico de
biotecnologias (verde e vermelha) e da bionanotecnologia; II) à biopirataria da biodiversidade por
grupos transnacionais, visando patentear para obter margens de lucro cada vez maiores; e III) a
formulação de conceitos como bioética e biosegurança (ou biorisco, dependendo do referencial)
para entendermos a contemporânea face da eugenia no mundo.
Entre os movimentos sociais que atuam em áreas e questões relacionadas ao campo da biopolítica
relacionam-se as pessoas, organizações e redes que atuam: no feminismo, na luta pela terra, nos
direitos humanos, na questão ambiental e propriedade intelectual, na luta contra transgênicos, na
prevenção à AIDS, entre outros.
Qual a postura dos movimentos sociais frente a essas novas tecnologias que pertencem ao que
muitos já chamam de "Indústria da Vida"?
Primeiramente, há que se destacar o fosso existente até então entre os movimentos sociais e a
produção científica ligada a biologia e manipulação da vida, cada vez mais acelerada no último
quartil do século XX e neste início do terceiro milênio.
A velocidade das descobertas científicas não vem possibilitando, a tempo, uma contestação dos
movimentos sociais relacionados, muito menos um diálogo democrático com a sociedade civil de
uma forma geral. Há um certo desprezo, pode-se dizer, dos cientistas para com a sociedade em
geral ao optar, de forma isolada ou em conluio com o capital, por pesquisas que desembocam em
determinado tipo de tecnologia em detrimento de outras.
Por outro lado, os movimentos sociais não se mostram a par do que vem sendo produzido,
normalmente reagindo, de forma isolada ou fragmentada, ao invés de adotar uma postura pró-
ativa e integrada em frentes ou redes no sentido de acompanhar de perto essas pesquisas. Por
exemplo, no Brasil, sabe-se que grande parte da produção científica está dividida entre as
universidades públicas (e nesse caso, não há justificativas para essa desatenção) e os laboratórios
de grande corporações aqui instaladas (o que até justifica-se uma certa surpresa quando as
descobertas são apresentadas através da mídia, normalmente).
Em segundo lugar, a posição dos movimentos sociais quando entende a ciência como produtora de
verdade em um mundo pós-moderno não se traduz em realidade, considerando que, atualmente,
as estruturas midiáticas praticamente "selecionam" que versão de verdade científica será
massificada. O papel da ciência é importante no processo, mas não se pode mais afirmar que seja
determinante como outrora.
No Brasil, especificamente, pode-se dizer que há, já a algumas décadas, uma aliança ciência-mídia-
corporações transnacionais que não pode ser desprezada. Logo, ações teriam que ser
empreendidas em três frentes, a princípio, o que requer foco e pessoas capazes para tal objetivo.
Em terceiro lugar, os movimentos sociais latino-americanos que atuam em áreas relacionadas ao
campo da biopolítica entram em consenso em relação a uma postura de enfrentamento a ser
adotada contra as corporações transnacionais que atuam com apetite voraz no campo de produção
de biotecnologias relacionadas a manipulação e privatização da vida.
Entretanto, esse consenso ainda não se traduz em ações que façam frente ao poderio econômico
dessas estruturas de poder. Argumentar que é difícil (e é, realmente), que "não há pernas" (e pode
ser que não há, por exemplo, se não acontecer uma horizontalização da questão de forma
urgente), não é suficiente quando a questão que mais chama atenção é o desconhecimento de
grande parte dos movimentos sociais acerca das práticas de mercado destas corporações
transnacionais aliado a um comportamento maniqueísta contemporâneo (com um discurso
simulado aqui: "nós, movimentos sociais, somos os hereges pós-modernos que salvaremos o
mundo das transnacionais, que são os demônios do novo mundo...") que só prejudica a ação dos
próprios movimentos sociais, desestimulando em muito que as pessoas continuem na luta.
Mais que desconhecimento, nota-se um desinteresse dos movimentos sociais relacionados ao
campo da biopolítica em entender as estratégias de marketing, de criação de necessidades e
desejos no inconsciente do público-alvo dessas corporações técnico-científicas-produtoras-da-vida
(em geral, as classes mais abastadas, ou seja, a elite) em relação aos "benefícios" de utilização, por
exemplo, de novas tecnologias reprodutivas conceptivas e genéticas, como, por exemplo, a FIV
(fertilização em vitro), a ICSI (injeção introcitoplasmática de espermatozóide), a heteroplasmia
mitrocondrial, o DGPI (diagnóstico genético pré-implantacional) e até da clonagem animal e
humana.
Também pode-se destacar que técnicas - como as utilizadas por organizações como o Greenpeace
junto a Exxon e a Texaco nos EUA - mais agressivas de adquirir ações, negociadas publicamente
em Bolsas de Valores, de companhias que atuam no campo da biopolítica ainda não são utilizadas
pelos movimentos sociais latino-americanos de um modo geral.
O quadro é desanimador?
Nem tanto. Talvez o caminho seja longo, desgastante e os resultados de ações dos movimentos
sociais não apareçam de uma hora para outra.
(*)Marcelo Castañeda é cientista social e coordena o Núcleo de Pesquisas e Projetos Sociais da Faculdade de Filosofia Santa
Dorotéia em Nova Friburgo-RJ. Atua no Fórum da Agenda 21 de Nova Friburgo e no Fórum Permanente de Direitos
Humanos / RJ. É associado ao CECNA (Centro de Estudos e Conservação da Natureza).
FONTES:
Caderno "O que é biopolítica?" – Alejandra Rotania / Vanessa Ventura – Ser Mulher – 2006.
Oficina de Reflexão sobre Biopolítica – Fundação Heinrich Böll – 10 a 12 de Abril de 2007.
(Envolverde/O autor)