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Depósito nº : 0012305/08
2
talvez
e-mfb
3
fui informado
fui informado
de que o mundo real não existia
stop
fiquei surpreendido
e despedi-me
definitivamente
da realidade.
(2000)
4
morte de manhã
5
coisas revoltas
6
Senhor
7
fabricante de postais
a basílica da Estrela
as duas basílicas da Estrela
a que de longe aparece como uma escultura gigante
e a outra
a de perto
onde as três dimensões vencem
e nos mostram ao fundo
o iluminado corpo grosso
contra o céu
e na frente
duas torres
uma sem luz, ali estão.
8
arte plástica
9
infelicidade
a infelicidade é
quando Cole canta
tu não estares à volta
e nunca termos
o par certo
na certa noite
deixa lá
também não estou
certo
de que o mundo assim
seria maravilhoso
já não é mau
ter esta infelicidade
só esta
(2001)
10
estilhaços
11
a uma desconhecida
será atracção
saber da tua existência
conhecer tua luz
receber confidências
beber tua música
desenhar teu rosto
és estrela nova
desconhecida
e no firmamento
sigo-te
12
esboço de um take
ó moon!
ó lua!
porque apareces grande? às vezes
sem tiras, sem riscas, ilesa.
porque me impressionas?
tens muita certeza,
apareces branca, mostras-te toda.
ó moon!
tu ficas feliz por me saberes sempre
encantado.
dás-te, talvez, num alívio forçado,
de quem tem de ser amado.
ó lua!
acreditas que quando voltares,
branca, forte,
passarão por debaixo de ti
duas mulheres, lindas
e sem te olhar?
é um sem olhar de inveja,
mas eu ainda te chamarei:
lua! lua! sou eu!
sou teu.
(1988)
13
Alentejo confirmado
14
à natureza
15
sentir
16
estrada irreal
17
GRITO
Grito
Porque tenho medo
Grito mais
Porque ouvi o meu grito
Grito ainda
Cresce o pavor
Não me ouço
Mas sinto-me gritar
Grito com mais força
Começo a gostar
Grito para me lembrar
Altero a postura
Grito por gritar
Finalmente
Atingi
A loucura
(1994)
18
2004
em 2004
eu ainda lia Virginia Woolf
e resumia toda a vida
a um diário por escrever.
fazia o balanço
e os braços caíam sem força,
fechava capítulos
com pontes para a Europa
e Escolas de Sagres para o mundo.
abria a porta
às pessoas com talento
a quem não cedo nada
senão o desejo,
para que o estandarte
da força de viver
não caia comigo
(2004)
19
respirar (manual prático)
coloca-te, peça A,
no espaço B,
um país europeu dito
da linha da frente.
verifica os neurónios
e faz um auto-teste:
onde eras mais feliz?
na terrinha,
ou em paris?
entristece,
renasce em portugal
e aprende a ser diferente.
cumpriste a missão,
e aprendeste
a respirar finalmente!
(2001)
20
todas as noites
todas as noites
quero remendar a minha vida
e a onda resultante é uma fortaleza
ritmo frenético onde um solista
tem seu tempo de brilho
vontade
de fundir reciclar remendar
esta noite
com um astro próximo
brilhante, ameaçador
qual gás de explosão
esta noite
vai redimir todas as noites
em que quis remendar a minha vida
com resultado
próximo de zero
21
esta noite
será o sótão arrumado
(esperou dez anos para que dessem por ele)
é, tenho a certeza, a noite da reconciliação
a noite em que encontro o bálsamo
para continuar
extrair
a raiz do que magoa
aspirar os cantos da memória
endireitar livros tombados
sobre personagens inventadas
22
excitação
o que paira no ar
o que não se adivinha
vontade de colar lábios
a lábios
a face
a pescoço
as coxas
a mão curva
o olhar turvo
mármore de monumento
branco
sem aviso iluminado
tontura
raio
excitação
(1995)
23
oitenta e oito
pelas imagens
podem crer
viveremos para sempre
(1988)
24
Em voo (poema religioso)
25
o Profeta, Deus e eu
- de notar que eu existo -
mesmo em equipa
e trabalhando muito
nunca conseguiríamos explicar
porque olho para baixo
e vejo novelos brancos
sem fim
que julgo saber serem água
numa forma bela
de pairar
e mais abaixo ainda
os verdes e castanhos da Terra
desta minha terra
povoada por profetas
e sem Deus
(2002)
26
pássaros da costa
27
o eclipse
28
Guiness da tristeza em simultâneo
com Óscar
29
mas quero sobretudo agradecer-te a ti
sem ti este prémio
seria como a minha vida
sem sentido
sem o teu contributo
de rejeição
não estaria neste podium
foi com suprema tristeza
que me coloquei
a este nível
para subir alto
e de lá me atirar
para o abismo
(2004)
30
ao destino
31
Esta ladainha em forma de prece
é um requiem pelo século que deixamos
e pelo desperdício de metade dele roçando a arte sem a
tocar
(1999)
32
comigo
comigo
o ano 2001 descia a avenida
da liberdade
os murmúrios intensos
a recusa
de ficar na rotunda do tempo
33
sons cheiros visões
os sons indispensáveis
à minha bússola
orientam dia e noite
melodias e palavras
no limite
ouço um órgão em catedral
o humano está
nas vozes do coro
os cheiros
pairam em desafio
tão diferentes como sândalo
alfazema ou o teu corpo
sê para alguém
uma linha envolvente
do seu som sua cor
seu odor
(2004)
34
homenagem aos répteis
35
espanto
espanto
é conhecer
que um dia
haverá um momento
único
na terra:
o último que se lembrava
de nós
morreu
36
trocas sincronizadas
conto a história
do pintor de paisagens
apanhado por um tornado
quando viu o rosto
e os olhos ternos
da mulher da sua vida
37
lugar de criação
38
reter lágrimas
retive as lágrimas,
invertendo programas em curso
senti
que emitias energia positiva
peça nuclear,
acolhi-te como és - virtual.
(2002)
39
felicidade
um solo de violino,
acordes de Beethoven
lembranças de Nyman
e odores de mulher
a calma de bosque
um castelo ao longe
abandono de dois seres,
um a outro.
êxtase –
sei agora o teu código.
(1994)
40
amor de provinciana
41
Sophia 99
marcham penosamente
para salvar a alma
sonhando ver
escrito nas pegadas
SOPHIA
(1999)
42
7º dia
vomitou argumentos
magnéticos
o resultado
é mais este
crucificado.
(2001)
43
conversa
a mensagem
parecia estranha
para quem
a não esperasse
estranha seria
para um incrédulo
eu sabia
que chegariam
explicações
esperadas
desejadas
necessárias
fundamentais
alguém soubera
mostrar o cinzento da vida
o preto da solidão
sobre o branco de Lisboa
44
flutuar
e sem porquê
continuo
flutuo
(1991)
45
no fundo – história curta
estremeceu e parou
sentiu uma luz forte em cima
ouviu perguntar
lembras-te dela?
deviam estar a gozar
queriam o seu embaraço
por certo
cego pela luz
atordoado pela questão
disse
se me lembro?
e há algum minuto sem a ver
dentro da minha cabeça?
sua pele prometia sempre
seus olhos eram risadas
com o choro em fundo
seu corpo em geral
uma mistura de fêmea desejo e cor
seu andar
dramático ao afastar-se
ondulante à vinda
se me lembro?
sufocou, tudo andou à roda
e caiu, fulminado.
(2001)
46
África
47
A capital de Lisboa
48
ainda hoje
na Estrela nos despedimos
de portugueses
dos nossos hábitos
de vozes do fado
da televisão
preto e branco
aceitando
que algum ponto desta cidade
seja o centro
o princípio
e o fim
(2004)
49
como apanhar Condores
há um momento
de preocupação
reflexão
quando surge a dúvida
como perseguir o Sonho?
a explicação
está na frase
lida num jornal antigo
alcançar um sonho
é apanhar Condores
com um caça-borboletas
(2004)
50
Veneza
51
noites de encantamento
pequeno tributo
aos que nas ruas caminham
música na cabeça
versos atrás dos olhos,
aos que respiram
dança, canto,
representação,
aos que tudo cozinham
fabricantes do sonho
que no palco
recriam vida,
delírio, paixão
ópera, opereta
flores-de-lis, margaridas
à beira do caminho
(2004)
52
Poema
53
madrugada
54
da viagem à descoberta
porque a fazemos?
para que a alma continue colada ao peito
evitando a surpresa de um dia
não estar lá
sei agora
o que é o salto da gata
de olhos verdes
feitiço da serra iluminada
por candeeiros
tudo será diverso
na doce asfixia
experiência única
sinto-me preparado
para uma nova era
(2001)
55
inadaptado
vai ser
nosso choro
como os filmes que vemos:
preto e branco da memória
no colorido
dos dias
56
uma história
um copo de vinho
― coisa simples
os sonhos emanados
da destilaria que somos
― números difíceis
os sons incríveis
nas faixas de uma vida
criam grande eco na muralha
construída
― nosso palco
o copo vazio
a alma esgotada
― saída sem glória
salva a peça
bebe outra dose
retira pedras ao muro
marca uma nova actuação
( 2004)
57
praia
58
desejo
59
CANÇÃO SOBRE OS CAÇADORES DO
PÔR-DO-SOL
empoleiravam-se em mastros
passavam as mãos pelos cabelos
quando era tempo
de esperar a partida do sol
naquele dia, de tão curto,
havia no ar um tremor
um medo que o sol não voltasse
pois do solstício se tratava
a noite seria a mais longa
e o sol era tudo para eles
nem a lua, também amada,
lhes dava coragem
sem sol
não haveria
lua
caçadores
noite e dia
nem o amor grande
à praia com esse nome
(2004)
60
desalento
quando me atraso
nas tarefas de todos os dias,
a seguir castigo-me, produzindo mais,
sempre devagar, claro.
pela falta de hábito
de ser velho,
passo o tempo
forçando barras
das que torcia em novo
uma coisa há em que certamente
serei maior
no desalento
(2005)
61
ouço a luz
62
ar de moinhos
63
tu
teu rosto
tuas formas
teu corpo
salva-vidas deste náufrago
nas tempestades do fim
da vida
(2005)
64
onde estás
onde estás
para te dizer
das estúpidas dores que sinto
das brilhantes ideias que tenho
e tudo o mais
tudo o que cabe num dia vazio
e acaba no sonho
ter-te tido
uma delícia
uma ternura
junto à espuma do mar
revolto com a tua ausência
(2005)
65
quarto não habitado
agora,
porque nem sempre foi
assim,
a falta
o que não se vê
a viagem,
última consequência,
pode ser
um bater de porta
o entender
do adeus
(2005)
66
Amor
67
as cordas das velas do meu passado
esticam rangem vibram
as cruzes nelas bordadas
partem com o vento
e a minha alma fica
branca
pura
disponível
para receber as tuas marcas,
só as tuas!
(1990)
68
fim do sonho
69
informação
a má
influência que temos
sobre nós próprios
pode ser curada
pelo remédio do passado
agora
só devo escrever
o que me passa
pela cabeça
sem qualquer outra
consideração
se uma seta
me atingir em qualquer momento
quero estar bem
(1985)
70
digital
houve um tempo
em que a escrita
ela só
gerava as imagens
delicadamente impressas
em células cinzentas
e por aí ficavam
noutro estamos
cérebro adormecido
aguardando o que virá
onde as imagens
são digitais.
(2005)
71
recusa
72
perda
73
se
se
quiseres saber quem te ama
e
tiveres dado sinais, da cabana onde estás
podes
medir a afeição de que dispões
pelas
visitas recebidas
e
a mais profunda mágoa
sempre
pelo silêncio dos intervalos
(2005)
74
a Castro
vamos a canis
salvar da morte animais,
e apunhalamos
mulheres e crianças.
75
prata
oferta de rio
na superfície
escondendo as três dimensões
olhar que faz bem
e garante para depois
transmissão à alma
brilho de reposição
nas faltas sentidas
substituição
do prateado
por cinzento-escuro
voz na noite
favorita das artes
afastada de mim
retiras-me a prata
sem defesas
para a feitiçaria
mudo de rumo
construo
meus próprios escombros
(2006)
76
convite
ouve
avança
ilumina-te na noite
coloca o breu no escuro
dá de ti o que não tens
alterna-te contigo
consome a vida num todo
e sê para sempre
no teu estar e no teu modo
(2005)
77
sou contra
78
vejo no mistério envolvente um sinal
de estar na rota certa para a condenação
os sonhos que à pressa embarcaram vieram a tempo
do naufrágio garantido pela previsão
79
MEU FOGO
TEU FOGO
80
Irreparável
à Mónica e ao Alexandre
81
às mulheres dedico
encontrar alegria
no sexo praticado ontem à noite
82
fui informado
fui informado
de que o mundo real não existe
stop
fiquei surpreendido
despedi-me
definitivamente
da realidade.
(2006)
83
Porquê ?
pela estrada
absorvemos no início
desenhos da calçada portuguesa
pregão anunciando fava-rica
e uma gare marítima
que nos empurra para o mar
o pescador à linha
terá a alma no seu corpo
ou afogada e espetada no anzol?
84
na partida começa a dor
sabendo que à chegada
ela será reforçada
por mais dor
- a de ter estado ausente
porquê?
se nas terras de outro oceano
há encontros índicos
inadiáveis
outro mundo por descobrir
com um xicuembo-feiticeiro
à espreita
estranho?
sim. descobrir entre máscaras e
esculturas primitivas
que os deuses do Olimpo
habitaram a savana
o homem só e
os medos desse homem
cabem numa mochila
ou numa arca de casa provinciana
85
conhecer Mozart e Haendel
num salão onde o calor aperta
e à saída
ouvir os marimbeiros de Zavala,
tem lógica?
há pontos do percurso
onde a mensagem do regresso
aparece em cada esquina
é a nossa sina?
alguém sabia
da certeza de voltar
vou chamar-lhe Destino.
porquê?
não sei.
(2006)
86
boa hora
87
fulgor
88
Poema de nunca sentir abandono
sinto
o teu sofrimento
corro à procura da caneta
minha ferramenta
também do papel
teu suporte amado
com teu rosto em visão
quero escrever
um poema amuleto
para que o tenhas junto ao peito
quando o dia desfeito
a noite caída
te sentires perdida
com o mar na mente
usa-o estandarte
emblema talismã
que teu coração sossegue
adormeças serena
e acordes feliz
pela manhã
(2004)
89
4 fui informado
5 morte de manhã
6 coisas revoltas
7 Senhor
8 fabricante de postais
9 arte plástica
10 infelicidade
11 estilhaços
12 a uma desconhecida
13 esboço de um take
14 Alentejo confirmado
15 à natureza
16 sentir
17 estrada irreal
18 GRITO
19 2004
20 respirar (manual prático)
21 todas as noites
23 excitação
24 oitenta e oito
25 Em voo (poema religioso)
27 pássaros da costa
28 o eclipse
29 Guiness da tristeza em simultâneo com Óscar
31 ao destino
33 comigo
34 sons cheiros visões
35 homenagem aos répteis
36 espanto
37 trocas sincronizadas
38 lugar de criação
39 reter lágrimas
40 felicidade
41 amor de provinciana
42 Sophia 99
43 7º dia
44 conversa
45 flutuar
46 no fundo – história curta
90
47 África
48 A capital de Lisboa
50 como apanhar Condores
51 Veneza
52 noites de encantamento
53 Poema
54 madrugada
55 da viagem à descoberta
56 inadaptado
57 uma história
58 praia
59 desejo
60 CANÇÃO SOBRE OS CAÇADORES DO PÔR
DO SOL
61 desalento
62 ouço a luz
63 ar de moinhos
64 tu
65 onde estás
66 quarto não habitado
67 Amor
69 fim do sonho
70 informação
71 digital
72 recusa
73 perda
74 se
75 a Castro
76 prata
77 convite
78 sou contra
80 MEU FOGO – TEU FOGO
81 Irreparável
82 às mulheres dedico
83 fui informado
84 Porquê?
87 boa hora
88 fulgor
89 Poema de nunca sentir abandono
91
Nota da editora
92