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SÃO PAULO
2008
SÃO PAULO
2008
Aprovado em 19/05/2008.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Prof. Rev. Elias dos Santos Medeiros
Mestre em Teologia, Doutor em Ministério
Doutor em Missiologia – Reformed Theological Seminary (RTS)
_________________________________________________________
Prof. Rev. Augustus Nicodemus Lopes – Orientador
Mestre em Novo Testamento
Doutor em Hermenêutica e Estudos Bíblicos (CPAJ)
São Paulo
2008
Essa pesquisa só pôde ser finalizada graças ao apoio de muitas pessoas. A elas eu agradeço.
A minha esposa, Mirian, e às minhas filhas, Ana Carolina e Bruna Camila. Depois de Deus,
vocês são a minha maior fonte de motivação.
Aos meus irmãos Iran, Estelina, Lourdes e Josefa, e ao meu sobrinho André. No seio dessa
família abençoada, tornei-me o que sou.
Ao Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes, por seu apoio e sábia orientação. Principalmente,
por seu exemplo de estudioso aplicado e cristão comprometido com Deus, com as Escrituras e
com a edificação da igreja.
Ao Rev. Dr. Valdeci Santos Silva, pelo incentivo, exemplo de moderação e auxílio em todo o
curso.
Ao Rev. Dr. Elias dos Santos Medeiros, pelas sugestões sábias e pertinentes.
Ao casal Francisco Solano Portela Neto e Elizabeth Zekveld Portela, irmãos cuja amizade
produz aperfeiçoamento.
Aos irmãos e amigos da Igreja Presbiteriana Central do Gama. Eu não chegaria aqui sem suas
orações, palavras incentivadoras e preciosa colaboração.
RESUMO
PALAVRAS-CHAVES
ABSTRACT
The article deals with the choice of a biblical standard for Church growth in the field
of Church management and to what point planning strategies are important to its
administration. This is done as the Church is under pressure to show itself relevant and to
offer results.
The study is developed so as to answer the following main question: Is it biblical and
pertinent to use strategic management in pastoring the Church? This main question leads to
five secondary issues: (1) Does the Bible suggest a connection between pastoring and
management? (2) If the answer to the previous question is affirmative, does the Bible support
the use, in church management, of the methods derived from the surrounding culture? (3) Is
this use approved — or at least suggested — by the Westminster Confession of Faith (WCF)?
(4) Does the management model of the Presbyterian Church of Brazil (IPB) leave room for
the use of these methods? (5) Do the worldview and the proposed strategic management
method fit in with the Bible, with the WCF and with IPB practice?
The objectives of this study are: (1) To investigate if the use of strategic management
is biblical for use in the pastoring of the Church. (2) If the reply to the previous question
should be affirmative, to propose a set of biblical management principles and practices,
applicable to the local churches and councils of the IPB.
The research seeks to answer questions on both the academic and the practical level,
considering, a priori, that science aims both at the knowledge of oneself and at practical
contributions resulting from this knowledge.
KEYWORDS
SUMÁRIO
1 O PROBLEMA .............................................................................................................15
Formulação da Situação-Problema, 15
A Secularização e os Movimentos de Oscilação Numérica da Igreja, 15
Pluralismo Global, Diversidade de Opções Religiosas e
Timidez Missionária, 17
Diversidade de Modelos Eclesiásticos, 18
Perguntas da Pesquisa, 22
Objetivos do Estudo, 24
Justificativa, 24
Hipótese, 27
Moldura Conceitual Assumida, 27
Delimitação, 28
Organização do Restante do Estudo, 29
II. O QUE A LITERATURA SACRA NOS DIZ SOBRE A RELAÇÃO ENTRE O
PASTOREIO E A ADMINISTRAÇÃO.......................................................................30
2.1 Conceitos Importantes do Segundo Capítulo, 30
2.2 O Ataque de Wagner ao Uso Eclesiástico da Administração, 32
2.3 O Pastoreio Como Cuidado, Liderança e Organização do Rebanho, 36
2.3.1 O Que o Cuidado do Rebanho nos Ensina Sobre
o Pastoreio e a Administração, 36
2.3.1.1 Deus Cuida de Seu Povo, 37
2.3.1.2 Deus Destaca Pessoas Para Cuidar de Seu Povo, 38
2.3.2 O Que a Liderança do Rebanho nos Ensina Sobre
o Pastoreio e a Administração, 39
2.3.2.1 Deus Lidera Seu Povo, 40
2.3.2.2 Deus Destaca Pessoas Para Liderar Seu Povo, 42
2.3.3 O Que a Organização do Rebanho nos Ensina Sobre
o Pastoreio e a Administração, 45
2.3.3.1 Deus Organiza Seu Povo, 45
2.3.3.2 O Povo de Deus Deve Organizar-se, 46
2.4 Primeira Síntese: Pastoreio e Administração São Interdependentes, 47
III. A ADMINISTRAÇÃO ESTABELECIDA NA CRIAÇÃO COMO
NÚCLEO DE SIGNIFICADO DA ESFERA MODAL ECONÔMICA ......................48
3.1 Conceitos Importantes do Terceiro Capítulo, 49
CAPÍTULO I
O PROBLEMA
Formulação da Situação-Problema
o crescimento da igreja e até que ponto métodos de planejamento são importantes para a sua
Bosch2 como uma das responsáveis pela crise relacionada à teologia e missão cristãs. Devido
1
GIL, Antonio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 23.
2
BOSCH, David J. Missão Transformadora. São Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 19-21. Alguns dados fornecidos
pela pesquisa de Bosch, publicada em 1991, merecem atualização. O autor do presente projeto reconhece que
16
de voltar à religião, uma vez que parece plausível — sem a fé — “lidar com as exigências da
vida moderna.” 3
católicas quanto protestantes, ocorrido desde meados do século XX. O autor cita uma
pesquisa de David Barret revelando que, “na Europa e na América do Norte, 53 mil pessoas
são consistentes com a avaliação que Hobsbawm faz da última década do século XX:
sugerir generalizações a partir de Bosch abre espaço para a demasiada simplificação de informações que exigem
tratamento mais pormenorizado. Considera-se, porém, que alguns dos pontos levantados em Missão
Transformadora são dignos de nota, uma vez que a essência dos argumentos parece coadunar-se com o quadro
atual enfrentado pela igreja.
3
Ibid., p. 19. Cf. HARRIS, Sam. Carta a Uma Nação Cristã. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, passim.
4
BOSCH, op. cit., loc. cit.
5
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O Breve Século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 544.
6
BARELLA, José Eduardo. Europa sem Deus: Debandada de Fiéis Esvazia a Igreja e Expõe Desencanto
Religioso dos Europeus, in Veja, ed. 1700, ano 34, n. 19 (16.5.2001), p. 61.
17
Em suma, “de súbito, a igreja viu minguar os peixes de suas praias. Viu se erguerem
em 1999, para 33%.8 Há cerca de uma década, exatamente quando os dados acima eram
construídas sobre a negação de Deus [...] estão se esfacelando [...]. A religião volta a despertar
Cabe verificar se o recente aumento numérico das denominações cristãs, bem como o
produzem uma nova interface religiosa. Os cristãos vêem as outras religiões de forma mais
tolerante e, em certos contextos, os adeptos destas religiões “muitas vezes mostram ser mais
7
GOMES, Wadislau Martins. Psicologização do Púlpito e Relevância na Pregação, in Fides Reformata, v. X, n.
1 (2006), p. 12, grifo do autor.
8
Os dados (28% em 1999) são de SINE, Tom. O Lado Oculto da Globalização: Como Defender-se dos
Valores da Nova Ordem Mundial. São Paulo, Mundo Cristão, 2001, p. 165. Uma possibilidade interessante
de pesquisa é a análise da relação entre globalização e secularização. Os números atuais são extraídos de
FORBES, Scott et al. Geographica World Atlas & Enciclopedia. Special Edition. Australia: Random House
Australia, 2008, p. 72-73.
9
MONDIN, Battista. Quem é Deus? Elementos de Teologia Filosófica. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 6.
10
Isso não cabe a esta pesquisa responder. Registra-se, no entanto, como uma sugestão para trabalhos
posteriores.
18
religião do mundo,13 o hinduísmo e o budismo, bem como as novas religiões, criadas a partir
relacionados à ética econômica ou criam-se novas versões do evangelho, nas quais a promessa
de riqueza vem mesclada ou até mesmo substitui o anúncio de reconciliação através de Jesus
Cristo. Onde ocorre essa mistura entre evangelho e prosperidade, surgem novas versões de
cristianismo, com seus respectivos modelos eclesiásticos, dentre eles, a “nova igreja” descrita
11
BOSCH, op. cit., p. 20.
12
Ibid., loc. cit.
13
BBC BRASIL.COM. Fiéis do Islã Formam a 2ª Maior Religião do Mundo. [s.l.]: BBC Brasil, [200-?]. Disponível
em: <http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI141888-EI312,00.html>. Acesso em: 10 jun. 2004. Cf.
FORBES, op. cit., loc. cit., depois do cristianismo, com 33%, estão o islamismo, com 19.6%, os não-religiosos,
13%, o hinduísmo,12.8%, as religiões tradicionais chinesas, 6.2%, o budismo, 6%, outras religiões, 4.7%,
religiões étnicas, 4%, siquismo, 0.4% e judaísmo, 0.3%.
14
SINE, op. cit., p. 163.
19
massa crítica cujo porte lhe permite ser o que a igreja tradicional não pode:
uma igreja que oferece “serviço completo.” 15
maiores necessidades de nossos membros mais antigos?”.16 Outro autor, que chama a atenção
para a necessidade das igrejas serem “amigáveis” e “acolhedoras”, afirma que cada cristão “é
células segundo Robert Lay,19 igreja em células no modelo G-12 20 e, por fim, o fenômeno da
igreja emergente, que não pode ser considerado como um movimento, nem mesmo uma
15
BUFORD, Bob. Os Baby Boomers, as Igrejas e os Empreendedores Podem Transformar a Sociedade. In:
HESSELBEIN, FRANCES. et al. (Ed.). A Comunidade do Futuro: Idéias Para Uma Nova Comunidade. São
Paulo: Futura, 1998, p. 51, grifo nosso.
16
WARREN, Rick. Uma Igreja com Propósitos. São Paulo: Editora Vida, 1997, p. 377, 378, grifos nossos.
17
BARNA, George. Igrejas Amigáveis e Acolhedoras. São Paulo: Abba Press, 1995, p. 99-107; cf. PEREIRA,
C. e LINHARES, J. Os novos pastores, in Veja, ed. 1964, ano 39, n. 27 (12.7.2006), p. 76-85.
18
MEISTER, Mauro. Igreja Emergente, a Igreja do Pós-Modernismo? Uma Avaliação Provisória, in Fides
Reformata, v. XI, n. 1 (2006), p. 102.
19
Sobre esse modelo, cf. NEIGHBOUR JR., Ralph W. Manual do Líder de Célula: Fundamentação Espiritual e
Prática Para Líderes de Células. 2. ed. Curitiba: Ministério Igreja em Células, 1999; LAY, Robert Michael. O
Ano da Transição: Vamos Mostrar a Você Como Fazer!!! Curitiba: Ministério Igreja em Células, 2005. Uma
proposta semelhante é encontrada em EBERT, Claudio Ernani. Grupos Familiares: Um Modelo Brasileiro. São
Paulo: Vida, 1997. Outra abordagem digna de nota é a de KORNFIELD, David; ARAÚJO, Gedimar de.
Implantando Grupos Familiares: Estratégia de Crescimento Segundo o Modelo da Igreja Primitiva: Manual
Para Líderes. São Paulo: Editora SEPAL, 1995.
20
Sobre o modelo de igreja em células G-12, cf. BATISTA, Jôer Corrêa; SAHIUM, Leonardo; BATISTA,
Jocider Corrêa. G12 História e Avaliação. Goiânia: Seminário Presbiteriano Brasil Central, 2000;
FIGUEIREDO, Onezio. Os Segredos do G-12. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
20
sua definição missional, uso da linguagem, expressão de culto e pregação”.21 O mesmo autor
abrangente”.22 Isso equivale a dizer que, ao mesmo tempo em que rejeita o modelo seeker
superficial dessas propostas pode produzir a noção de que igrejas que não são plenamente
visto com suspeitas — como algo a ser relido e adaptado. Diante disso, como pastorear e gerir
esse desafio:
[...] a não ser que nós, individualmente como cristãos, sintamos uma
preocupação séria acerca da condição da Igreja e do mundo hoje em dia,
então somos cristãos muito medíocres. Se nos associamos com a Igreja
Cristã simplesmente para recebermos ajuda pessoal, e nada mais, então
somos meras crianças em Cristo.24
substituam a dependência da igreja do poder do Espírito Santo.25 Nesse ponto ele é seguido
21
MEISTER, op. cit., p. 95.
22
Ibid., p. 97.
23
MCLAREN, Brian. Uma Ortodoxia Generosa: A Igreja Em Tempos de Pós-Modernidade. Brasília: Editora
Palavra, 2007, p. 26.
24
LLOYD-JONES, D. Martin. Avivamento. 2.ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1993, p. 12.
25
Ibid., passim.
21
por outros autores. Alguns se dedicam ao estudo das raízes da secularização da igreja,26
outros, aos problemas específicos de sua atual teologia e prática,27 ou, mais especificamente,
às ciladas desta nova mentalidade para a identidade e integridade pastoral.28 Outros constatam
que a igreja está confusa quanto à sua missão — ou pelo menos, quanto ao modo bíblico de
o mundanismo da igreja.
A igreja que fica sentada de cara fechada ao futuro, pouco fazendo além de
lustrar os louros de ontem, se tornará uma igreja à qual falta relevância e
entusiasmo. Ao mesmo tempo, a igreja que amolecer sua posição teológica e
alterar a Escritura para combinar com o estilo do futuro, perderá seu poder.30
26
Cf. SOUZA, Jadiel Martins. Charles Finney e a Secularização da Igreja. São Paulo: Parakletos, 2002; SINE,
op. cit., passim.
27
Cf. BANKS, Robert. A Teologia Nossa de Cada Dia: Aplicando os Princípios Teológicos no Cotidiano. São
Paulo: Editora Vida, 2004; HORTON, Michael Scott. (Ed.). Religião de Poder: A Igreja Sem Fidelidade Bíblica
e Sem Credibilidade no Mundo. São Paulo: Cultura Cristã, 1998; MACARTHUR JR., John F. Com Vergonha do
Evangelho. São José dos Campos: Fiel, 1997; NASH, Laura; MACLENNAN, Scotty. Igreja aos Domingos,
Trabalho às Segundas: O Desafio da Fusão de Valores Cristãos com a Vida dos Negócios. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 2003; ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise. São Paulo: Mundo Cristão, 1995 e VIEIRA,
Samuel. O Império Gnóstico Contra-Ataca. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.
28
Cf. HANSEN, David. A Arte de Pastorear. Santo Amaro: Shedd Publicações, 2001; PETERSON, Eugene H.
À Sombra da Planta Imprevisível: Uma Investigação da Santidade Vocacional. Campinas: Editora United Press,
2001; PETERSON, Eugene H. O Pastor Contemplativo: Voltando à Arte do Aconselhamento Espiritual. Rio de
Janeiro: Textus, 2002; SITTEMA, John. Coração de Pastor: Resgatando a Responsabilidade Pastoral do
Presbítero. São Paulo; Cultura Cristã, 2004; STEUERNAGEL, Valdir; BARBOSA, Ricardo. (Ed.). Nova
Liderança: Paradigmas de Liderança em Tempo de Crise. 2. ed. Curitiba: Encontro, 2003; WHITE, Peter. O
Pastor Mestre. São Paulo: Cultura Cristã, 2003 e ARMSTRONG, John. (Org.). O Ministério Pastoral Segundo a
Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
29
BOSCH, op. cit., passim.
30
SWINDOLL, Charles L. A Noiva de Cristo: Renovando Nossa Paixão Pela Igreja. São Paulo: Editora Vida,
1996, p. 141.
22
É aqui que se coloca este estudo sobre o uso eclesiástico de métodos gerenciais
compreensão do assunto à luz das Escrituras e disponibilizar recursos úteis para o pastoreio e
edificação da igreja. Ao focalizar a IPB, esta pesquisa revela sua intenção de contribuir para o
Perguntas da Pesquisa
Esta pesquisa se ocupa com o seguinte problema central: É bíblico e pertinente o uso,
desdobramento em cinco questões subsidiárias: (1) A Bíblia sugere o vínculo entre pastoreio e
administração? (2) Se a resposta à questão anterior for positiva, a Bíblia apóia o uso, na
administração da igreja, de métodos oriundos da cultura circundante? (3) Tal uso é aprovado
doravante denominado MP, abre espaço para o uso destes métodos? (5) A cosmovisão e a
metodologia da administração estratégica condizem com a Bíblia, com a CFW e com a prática
da IPB? Todas essas questões envolvem “variáveis que podem ser tidas como testáveis.” 33
31
BOICE, James M. et al. Reforma Hoje. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, passim.
32
ASSEMBLÉIA DE WESTMINSTER. Símbolos de Fé, Contendo a Confissão de Fé, Catecismo Maior/Breve.
São Paulo: Cultura Cristã, 2005. CFW, passim.
33
GIL, op. cit., p. 24.
23
resposta para essa questão é instilada a partir da leitura dos primeiros quatro capítulos de
abertura para o uso de tais métodos. Isso é importante uma vez que a IPB é confessional, ou
seja, “adota [...] como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os
Catecismos Maior e Breve”.35 Para manter-se fiel à Constituição, tanto as igrejas locais
consistentes com a CFW — qualquer prática que contrarie a CFW é, prima facie,
inconstitucional.
IPB. Aqui se busca compreender o modelo organizacional que rege a atual administração da
gerenciamento.
34
Trata-se do antagonismo entre a revelação e a filosofia, personificado pelos pais apologistas Justino Mártir (c.
100 — c. 165), que tentou relacionar o evangelho com a filosofia grega e Tertuliano (c. 160 — c. 225), que
considerava errado o uso, pelos cristãos, de qualquer filosofia secular. Sobre essa questão, cf. McGRATH,
Alister E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica. Santo Amaro: Shedd Publicações, 2005, p. 44-45.
35
Constituição Interna da Igreja Presbiteriana do Brasil, doravante denominada CI/IPB, Capítulo I, Art. 1, grifo
nosso. In: CAMPOS, Silas. (Org.) Manual Presbiteriano Com Jurisprudência. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 8.
24
principal. Espera-se assim, cumprir o que está sendo prometido nessa introdução.36
Objetivos do Estudo
estratégica no pastoreio da igreja; (2) se a resposta à questão anterior for positiva, propor um
concílios da IPB.
segundo, como projeto ministerial aplicado. Ambos os aspectos são importantes, uma vez que
“a maior sabedoria, não transformada em ação ou atuação, é um dado sem sentido”,37 ou, nas
Ação sem conceitos para orientá-la é pouco mais do que experiência e erro, e
nesse sentido deve-se considerar altamente relevante ter-se conceitos claros
e válidos. Mas conceitos sem ação representam pouco mais do que jogos
intelectuais. Não importando o quanto sejam invisíveis ou não reduzidas a
uma fórmula, todas as ações humanas têm um conceito que lhes é
subjacente.38
Justificativa
Assumindo o pressuposto de que o ofício pastoral é uma dádiva divina para o governo
da igreja pela Palavra de Deus (Ef 4.11-14),39 esta pesquisa reconhece que, na IPB, a
36
ECO, Umberto. Como Se Faz Uma Tese. 19. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 84.
37
DRUCKER, Peter F. O Gerente Eficaz. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1990, p. 4.
38
CARAVANTES, Geraldo R.; PANNO, Cláudia C.; KLOECKNER, Mônica C. Administração: Teorias e
Processo. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005, p. 210.
39
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 538-539; Bíblia de Estudo
de Genebra, doravante designada BEG. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999,
25
acompanhar as ovelhas nos momentos mais relevantes de suas vidas, orar pelo e com o
rebanho, conduzir a adoração e exercer a disciplina? Ou tem a ver, também, com liderar e
gerenciar?
encargo considerado administrativo. Se biblicamente não houver base para ligar o pastoreio à
igreja. Torna-se plausível enxergar o serviço pastoral e a administração como excludentes, ou,
operacionais. A administração pode ser vista como incumbência “mundana”, inserida por
decreto conciliar no “serviço divino”, uma espécie de fardo desagradável, mas, necessário.
a fim de desonerar o presbiterato para o pastoreio.41 O problema é que, nos moldes da CI/IPB,
p. 1501; CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura: Novo Testamento: Efésios. São Paulo: Paracletos,
1998, p. 121-122.
40
CI/IPB, Capítulo IV, Seção 2ª, Artigos 36, 38; Capítulo V, Seção 2ª, Artigos 78, 80 e 83. In: CAMPOS, op.
cit., p. 21, 32-34.
41
A passagem de Atos 6.1-7 tem sido citada de forma a sustentar isso. Uma proposta de interpretação desse
texto é fornecida na seção 4.4.2.
42
CI/IPB, Capítulo I, Artigo 3, § 2°. In: CAMPOS, op. cit., p. 9.
43
Ibid., Capítulo II, Artigo 10, p. 12.
44
Ibid., Capítulo IV, 2ª Seção, Art. 36, alínea “d”, p. 21.
45
Ibid., Capítulo V, Seção 2ª, Artigo 78, p. 32-33.
46
Ibid., Modelo de Estatutos Para Uma Igreja Local, Capítulo II, Artigo 3º, Parágrafo único, p. 225-232.
26
convictos de que a Escritura não apenas permite, mas, insiste em que eles administrem. Eles
ao cuidado do rebanho. Tal perspectiva não é isenta de problemas: A condução da igreja pode
ser encarada a partir de uma ótica meramente institucional47 e o organismo pode ser sufocado
pela organização. Nesse caso, “as regras burocráticas” passam a servir “à própria
igreja servirem a Deus sem dicotomias e, por conseguinte, de forma mais fiel às Escrituras,
prazerosa e produtiva.
reflexão sobre a igreja como organização. Como afirma McGrath, “estudar as diversas
perspectivas cristãs sobre a igreja significa adquirir uma noção sobre a maneira como as
os procedimentos administrativos, um alicerce bíblico adequado, ou, ainda pior; (4) o total
com as práticas administrativas da IPB, definidas no MP; (6) descaso para com a
pertinente.
Hipótese
estratégica — pode e deve ser utilizada no pastoreio da igreja. Tal uso, porém, exige sua
criacionais, queda e graça comum, articulado pela filosofia da idéia cosmonômica de Herman
50
Tal perspectiva enxerga a administração como ligada à criação divina — como núcleo de significado
do aspecto modal econômico. Cf. OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. A Relevância Transcendental do Deum Et
28
cosmovisões sugeridas por Nancy Pearcey. 51. As categorias avaliativas propostas por
Pearcey (criação, queda e redenção) são utilizadas para averiguar a cosmovisão que
Delimitação
Administração Eclesiástica.
condizentes com as Sagradas Escrituras, com a CFW e com o MP. Ademais, a partir do
Animam Scire no Pensamento de Herman Dooyeweerd. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação
Andrew Jumper, 2004. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado, Centro Presbiteriano de Pós-
Graduação Andrew Jumper; GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética: Respostas aos Críticos da Fé
Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 288-291; CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro. Sociedade, Justiça
e Política de Cosmovisão Cristã: Uma Introdução ao Pensamento Social de Herman Dooyeweerd. In:
CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro. (Org.). Cosmovisão Cristã e Transformação. Viçosa: Ultimato, 2006,
p. 189-217.
51
Cf. PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo De Seu Cativeiro Cultural. Rio de
Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2006, p. 49-51. Mais informações sobre o paradigma
cosmonômico e as ferramentas de análise e interpretação de cosmovisões são fornecidas nas seções 3.2.2 e 3.5.
O autor reconhece que seria interessante analisar com mais profundidade tanto a cosmonomia proposta por
Dooyeweerd — incluindo-se os argumentos daqueles que a rejeitam — quanto as idéias sobre cosmovisão
propostas por Pearcey, mas isso foge ao escopo deste projeto. Ambos os arcabouços teológico-filosóficos são
aqui assumidos como pressupostos.
29
Os capítulos dois a seis fornecem um apanhado das fontes primárias relevantes para o
estudo.
52
ABRAHAMSOHN, Paulo. Redação Científica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 25.
30
CAPÍTULO II
53
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração: Uma Visão Abrangente da Moderna
Administração das Organizações: Edição Compacta. 3. ed. rev. e atualizada. 4ª reimp. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 2.
54
Ibid., p. 17.
55
Adaptado de OLIVEIRA, Djalma de Pinha Rebouças de. Administração Estratégica na Prática: A
Competitividade Para Administrar o Futuro das Empresas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 4; CARVALHO,
31
dinâmica através da qual “uma pessoa influencia um grupo de indivíduos a alcançar um alvo
seja realizado.59 Enquanto a liderança estabelece uma direção, reúne e capacita a equipe e
domínio de competência.” 61
Cosmovisão cristã, por sua vez, é a visão bíblica do mundo, neste trabalho, mais
Antonio Vieira de. Planejando e Administrando as Atividades da Igreja. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 37;
KILINSKI, Kenneth K. Organização e Liderança na Igreja Local. São Paulo: Vida Nova, 1987, p. 119.
56
HITT, Michael; IRELAND, R. Duane; HOSKISSON, Robert E. Administração Estratégica: Competitividade
e Globalização. 7. ed. norte-americana, 2. ed. São Paulo: Thomson Learning, 2008, p. 6.
57
CHIAVENATO, op. cit., loc. cit.; cf. MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 109: “Eficácia é o ato de produzir os
resultados desejados e a eficiência é a capacidade para produzir um efeito.”
58
NORTHOUSE, Peter G. Leadership: Theory and Practice. 3. ed. Thousand Oaks: SAGE-USA, 2003, p. 3,
tradução nossa.
59
DRUCKER, op. cit., p. 1-8.
60
NORTHOUSE, op. cit., p. 8-9.
61
McGRATH, Alister; McGRATH, Joanna. O Delírio de Dawkins: Uma Resposta ao Fundamentalismo Ateísta
de Richard Dawkins. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 56-57.
62
MORELAND, J. P.; CRAIG, William Lane. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 29.
63
PEARCEY, op. cit., p. 26.
32
entre pastoreio e administração. Neste embate destaca-se Glenn Wagner,64 cuja obra é bem-
vinda no sentido de fornecer material para reflexão sobre os perigos apresentados pela
secularização e mercantilização da igreja, mas comete a falácia do falso dilema ao propor “um
Ele entende que a igreja tem substituído “o modelo de comunidade pelo modelo
empresarial”.66 Ao assumir esse último, o pastor vende a sua alma.67 Sem conceituar tais
As pessoas sentem-se usadas pelas empresas ou corporações, não nutridas por elas.68 O
de comunicação.69
64
WAGNER, Glenn. Igreja S/A: Dando Adeus à Igreja-Empresa Recuperando o Sentido da Igreja-Rebanho.
São Paulo: Editora Vida, 2003.
65
NAVEGA, Sergio. Pensamento Crítico e Argumentação Sólida: Vença Suas Batalhas Pela Força das
Palavras. São Paulo: Publicações Intelliwise, 2005, p. 165.
66
WAGNER, op. cit., p. 26.
67
Ibid., p. 28.
68
Ibid., p. 29.
69
Ibid., p. 30.
33
segundo Wagner, usa as pessoas como objetos “para alcançar os fins da organização”, ele se
orientando-se “por um modelo bíblico enraizado na identidade de Cristo como o Bom Pastor”,
estratégico.71 Ele entende que o alvo principal do pastor não é articular uma grande visão, mas
ajudar suas ovelhas a confiar nele e conhecê-lo.72 A Bíblia “não requer que participemos de
administração financeira.” 73
“iniciar com a Palavra de Deus. Nossa filosofia de ministério deve ser fundamentada na
teologia bíblica.” 74
O problema do argumento de Wagner é que ele força o leitor a abraçar um dos dois
70
Ibid., p. 160.
71
Ibid., p. 24.
72
Ibid., p. 165, 166.
73
Ibid., p. 123.
74
Ibid., p. 77.
34
servil.75 Pollard76 descreve o líder servidor como alguém que presta um serviço e reconhece
que as pessoas possuem dignidade, por terem sido criadas conforme a imagem e semelhança
de Deus. Este líder se sacrifica pelos seguidores, faz acontecer, ou seja, é voltado para o
desempenho, mas orientado pelo valor, doa ao invés de tomar, promove a diversidade e a
mútua colaboração e se preocupa com o bem-estar de seus liderados. Ele afirma que “um líder
com intenção de servir pode proporcionar esperança, [...] e pode ser um exemplo para aqueles
que estão em busca de direção [...] e que desejam realizar e colaborar”.77 A descrição
fornecida por outro autor sugere amor, bons relacionamentos, caráter, aperfeiçoamento
liderança e autoridade, agora agrega serviço sacrificial, amor e vontade.81 O sucesso das
novas organizações depende cada vez mais não de tecnologias, estruturas e processos, mas de
pessoas.82 Montoya considera que “o pastor é a pessoa chamada para prover a liderança final
75
O termo “servil”, aqui, não tem a conotação negativa de condescendência, adulação ou subserviência, mas o
sentido positivo de “relativo ou pertencente a servo” (HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales. (Ed.).
Servil. In: Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0.5a. Editora Objetivo Ltda., 2002.
CD-ROM).
76
POLLARD, C. William. O Líder Servidor. In: HESSELBEIN, Frances; GOLDSMITH, Marshall; BECKHARD,
Richard. (Ed.). O Líder do Futuro: Visões, Estratégias e Práticas Para uma Nova Era. São Paulo: Futura, 1996, p. 241-247.
77
Ibid., p. 242.
78
HUNTER, James C. Como Se Tornar Um Líder Servidor. Rio de Janeiro: Sextante, 2006, passim.
79
BENNIS, Warren; NANUS, Burt. Líderes: Estratégias Para Assumir a Verdadeira Liderança. São Paulo:
Editora Harbra, 1988, p. 14-15.
80
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 512-513.
81
HUNTER, James C. O Monge e o Executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004, p. 57-71.
82
CHIAVENATO, op. cit., p. 482.
35
Wagner não desconhece essa possibilidade, apenas decide rejeitá-la: “Para ser
honesto, o termo ‘servo-líder’ não me convence. Prezo o que se procura transmitir, mas [...]
De fato a palavra “liderança” não é isenta de problemas. Gerzon chama a atenção para
o fato de, em alemão, “o líder” é der Fuhrer, uma expressão que, sem dúvida, “nos leva a
refletir sobre o seu lado mais sombrio”.86 A situação na língua inglesa não é muito mais
favorável.
liderança, mas mesmo assim o mantém, ainda que qualificado,88 Wagner simplesmente rejeita
a expressão “servo-líder” sem fornecer uma sustentação conceitual, aparentemente por uma
questão de preferência pessoal: “[...] não penso que seja necessário” (grifo nosso). Se ele
estiver certo, as evidências bíblicas demonstrarão que não há relação necessária — nem
83
MONTOYA, Alex D. A Liderança. In: MACARTHUR JR., John. (Ed.). Ministério Pastoral: Alcançando a
Excelência no Ministério Cristão. 4. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2004, p. 294.
84
Ibid., p. 295.
85
WAGNER, op. cit., p. 117.
86
GERZON, Mark. Liderando Pelo Conflito: Como Líderes de Sucesso Transformam Diferenças em
Oportunidades. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 24.
87
Ibid., p. 25.
88
Ibid., p. 19-62, sugere três tipos de líderes: O demagogo, o administrador e o mediador.
36
demanda organização.
pela raiz h[r, “alimentar” ou “apascentar” (Gn 48.15). O h[,ro—, “pastor”, é aquele que
89
DANIEL-ROPS, Henri. A Vida Diária Nos Tempos de Jesus. 2. ed. São Paulo; Vida Nova, 1986, p. 150-151.
90
É preciso esclarecer alguns pressupostos hermenêuticos do autor. O que Pratt Jr. afirma sobre a leitura do AT
aplica-se a este estudo. A interpretação da Bíblia que se segue decorre da interação do texto cheio de autoridade
com os “nossos compromissos, crenças e experiências [...]. Colocamo-nos diante das Escrituras com
pressuposições, mas também com a disposição de ouvir. Falaremos dessa nossa interação com o texto como um
Diálogo com a Autoridade” (PRATT JR., Richard L. Ele Nos Deu Histórias: Um Guia Completo Para a
Interpretação das Histórias do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 39). O texto é enfocado
como Palavra de Deus inspirada, inerrante, infalível e suficiente (cf. HARRIS, Robert Laird. Inspiração e
Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 59-126; BOICE, James M. et al., op. cit., p. 12-13,
57-74).
O método de interpretação utilizado nesta pesquisa é o sintático-teológico, uma atualização conceitual do estudo
histórico-gramatical proposto por Karl A. G. Keil, que estabelece como necessária a apreensão de perícopes
completas dentro de seus contextos (cf. KAISER JR., Walter C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica
Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 31). PRATT JR., op. cit., p. 440, nos informa que este tipo de
interpretação é denominado por Mickelsen “histórico-gramatical-contextual” (Interpreting the Bible, 159 — e
por Virkler, “histórico-cultural” e “léxico-sintático” — Hermeneutics, 76-112). O sentido das passagens isoladas
é definido, além de por seus conteúdos intrínsecos, pela comparação destas com outras que tratam do mesmo
assunto. Além disso, predominam os sentidos naturais dos textos, rejeitando-se a alegorização. Nesse particular,
admite-se uma influência reformada e puritana na interpretação (cf. LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e
Seus Intérpretes: Uma Breve História da Interpretação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 173-174).
Reconhece-se que a Bíblia não é um livro sobre administração. Por essa razão, esta pesquisa é conduzida com o
cuidado de não cometer a falácia do anacronismo semântico, de atribuir às passagens ou a um vocábulo, em
particular, “um significado mais recente”, não imaginado pelos autores bíblicos (cf. CARSON, D. A. Os perigos
da Interpretação Bíblica. 2. ed. reimp. (2002). São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 31-33).
A última observação é sobre o padrão adotado para a transcrição de termos nas línguas bíblicas originais. De
modo geral observa-se a instrução de Greggersen e Carvalho: “Citações do grego, hebraico e aramaico devem
37
faltará” (Sl 23.1; cf. Gn 49.24). Ele fortalece e abençoa ao seu povo, “apascenta-o e exalta-o
Isaías antevê o dia em que Yahweh, “como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os
seus braços recolherá os cordeirinhos e os levará no seio; as que amamentam ele guiará
mansamente” (Is 40.11). Através do profeta Ezequiel (Ez 34.14-16) Deus promete às suas
ovelhas: “Apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será a sua pastagem;
deitar-se-ão ali em boa pastagem e terão pastos bons nos montes de Israel. Eu mesmo
vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com
inteligência” (Jr 3.15).93 Tal promessa torna-se mais específica em Jeremias 23.4. Deus
promessa com a aliança davídica (Jr 23.4-6), ou seja, os pastores apontam para o Pastor
ser feitas nos alfabetos originais, (sem transliterações)” (GREGGERSEN, Gabrielle; CARVALHO, Tarcízio de.
Manual de Dissertação. Edição em PDF. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper,
2004, p. 21). Em tais casos os vocábulos são seguidos da tradução entre aspas na primeira ocorrência, e de
nenhuma tradução a partir da segunda. Transliterações são mantidas, porém, nas citações de outros autores.
91
YOUNGBLOOD, Ronald F. (Ed.). Dicionário Ilustrado da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 1082,
1083.
92
A referência aos “altos montes” e “montes de Israel” (Ez 34.14; cf. Ez 37.22) sugere a busca de melhores
pastagens. Daniel-Rops nos informa que os pastores saíam com seus rebanhos a fim de assegurar-lhes
alimento “uma semana antes da Páscoa e não voltavam senão em meados de novembro, nas primeiras
chuvas de Hesvan” (DANIEL-ROPS, op. cit., p. 150). Os pastos nas regiões baixas tornavam-se
empobrecidos em razão do pastoreio da primavera. Os pastores mais experimentados, por ocasião do verão,
conduziam seus rebanhos para “os espessos gramados das encostas” (LUCADO, Max. Seguro Nos Braços do
Pastor: Esperança e Encorajamento do Salmo 23. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus,
2005, p. 55, 56).
93
Schökel e Dias sugerem que a frase “segundo o meu coração” pode ser traduzida como “à minha vontade” e
relaciona-se com “que lhe agrada”, de 1Samuel 13.14, “descrevendo o novo eleito, Davi” (SCHÖKEL; L.
Alonso; DIAS, J. L. Sicre. Profetas I: Isaías, Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1988. (Coleção Grande Comentário
Bíblico), p. 449, 451).
38
Jesus. Em Ezequiel lê-se algo semelhante. A expressão “o meu servo Davi” é usada em lugar
Tais predições revelam a meta redentora divina de “trazer o Messias no tempo devido
poimh.n o` kalo,j, “o bom pastor” que “dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11), o poime,na tw/n
proba,twn to.n me,gan, “grande Pastor das ovelhas” (Hb 13.20), o poime,na kai. evpi,skopon,
“Pastor e Bispo” das almas (1Pe 2.25) e o avrcipoi,menoj, “Supremo Pastor” que dará aos
pastores locais a “imarcescível coroa de glória” (1Pe 5.4). O apóstolo Paulo faz referência ao
serviço pastoral sem aplicar o título de Pastor diretamente a Cristo. Isso não quer dizer que as
idéias comunicadas pelo vocábulo poimh.n estejam ausentes dos escritos paulinos. Paulo
refere-se a esses mesmos construtos utilizando ku,rioj, “Senhor” (2Co 6.18; Ef 5.29, no
pastores (Jr 3.15; Ez 34.2, 8-9).97 Moisés (Êx 3.1), Davi (Sl 78.70-72) e Amós (Am 1.1)
cuidaram de ovelhas, antes de assumir posições de destaque perante Israel.98 White entende
que “esse atributo divino é uma das características dos ofícios de profeta, sacerdote e rei. A
94
VAN GRONINGEN, Gerard. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. v. 1, p. 543.
95
Isso é assim ainda que nos Evangelhos Sinóticos só haja uma referência a Deus como pastor (em Lucas 15.4-7
e na passagem paralela, em Mateus 18.12-14). Cf. BEYREUTHER, Erich. Pastor. In: COENEN, Lothar;
BROWN, Colin. (Orgs.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida
Nova, 2000. v. 2. p. 1590.
96
Ibid., loc. cit.
97
LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1999, p. 397; BEASLEY-MURRAY, G. R. Ezequiel. In: DAVIDSON, F. (Ed.). O Novo
Comentário da Bíblia. 1. ed. reimp. (1985). São Paulo: Vida Nova, 1963. v. 2, p. 807. Cf. SCHÖKEL; DIAS, op.
cit., p. 444, no livro de Jeremias, por exemplo, “os pastores são delegados de Deus, os quais haverão de garantir
a vassalagem da aliança.”
98
YOUNGBLOOD, op. cit., p. 1082.
39
pretensão de Davi ao trono se baseava no fato de que Deus lhe ordenara que alimentasse o
“pastorear” as ovelhas (Jo 21.15-17 — Bo,ske,, “apascenta”, nos versículos 15 e 17, e poi,maine,
“pastoreia”, no v. 16). O mesmo apóstolo escreve mais tarde, exortando aos presbu,teroi,
“presbíteros”: “poima,nate, ‘pastoreai’ o rebanho de Deus que há entre vós” (1Pe 5.2).
Também Paulo dirige-se aos presbíteros, em termos semelhantes: “Atendei por vós e por todo
o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu evpisko,pouj, ‘bispos’, para poimai,nein,
‘pastoreardes’ a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28, cf.
(Ef 4.11; cf. At 20.17, 28).100 A partir do modelo divino — o cuidado do Senhor por seu povo
Bíblia, Deus pastoreia liderando: “Ele me faz repousar [...]. Leva-me para [...]. Guia-me [...]”
(Sl 23.2-3).101 A passagem transmite a idéia de satisfação das necessidades das ovelhas no
99
WHITE, William. Rā‘âh. In: HARRIS, R. Laird; ARCHER JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (Org.).
Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998. p. 1437-1438.
100
VINE, W. E.; UNGER, Merril F.; WHITE JR., William. Dicionário Vine. 7. ed. Rio de Janeiro: Casa Editora
das Assembléias de Deus, 2006, p. 856.
101
Grifos nossos.
102
STEK, John H. Salmos. In: BARKER, Kenneth et al. (Orgs.). Bíblia de Estudo Nova Versão Internacional,
doravante denominada BENVI. São Paulo: Vida, 2003, notas de estudo Sl 23 e 23.1, p. 895-896.
40
conduzir “pelo caminho direito”;103 Davi utiliza a expressão quando pede a Yahweh para
guiá-lo na “justiça” (Sl 5.8) e ao afirmar: “Tu me conduzirás e me guiarás” (Sl 31.3); (2)
dirigir pessoas para o alcance de finalidades específicas, por exemplo, Deus “guia” o
servo de Abraão até a casa dos parentes do patriarca, a fim de obter uma noiva para Isaque
Terra Prometida (Êx 13.21), além de ser o estrategista que “conduz” os seus com a
finalidade de vencer Edom (Sl 60.9; cf. Sl 108.10); (3) soberania na criação, governo e
manutenção do universo, dos povos em geral e, especialmente, de Israel, o que pode ser
para o louvor de Deus, seu Juiz e Guia (Sl 67.4) e nas palavras de Asafe, que enxerga, nos
fatos do Êxodo, evidências da direção segura do divino pastor (Sl 78.52-53). Ainda com
esse último sentido, Isaías utiliza o sinônimo gh;n" para descrever o modo cuidadoso como
seção anterior, referentes ao reino messiânico. A promessa da vinda do pastor que tomará
nos braços os cordeirinhos é precedida desta declaração: “O Soberano, o Senhor, vem com
poder! Com seu braço forte ele governa. A sua recompensa com ele está, e seu galardão o
acompanha” (Is 49.10).104 O pastor que alimenta e busca as ovelhas perdidas, é o mesmo
que disciplina (Ez 34.16). O Pastor anunciado por Jeremias “reinará, e agirá sabiamente, e
103
COPPES, Leonard J. N¹µâ. In: HARRIS; ARCHER JR.; WALTKE. (Org.). Op. cit., 1998a, p. 947. Idem.
N¹hag. In: HARRIS, ARCHER JR.; WALTKE, op. cit., 1998b, p. 930.
104
BENVI, grifo nosso.
41
executará o juízo e a justiça na terra” (Jr 23.5). O Messias “será príncipe no meio” das
ovelhas de Israel (Ez 34.24), unindo o rebanho outrora disperso sob sua única liderança
(Ez 37.24).
“chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora” (Jo 10.3). A mesma
ressurreição, o Senhor “levou” os seus discípulos para Betânia (Lc 24.50). Estêvão discursou
diante das autoridades judaicas, lembrando o modo como Deus “tirou” os judeus da terra do
Egito (At 10.36). O autor da carta aos Hebreus cita uma profecia de Jeremias, relembrando a
época em que Deus tomou Israel pela mão, para “conduzi-lo” até “fora da terra do Egito” (Hb
8.9). Ainda no Quarto Evangelho Jesus afirma que o pastor, “depois de fazer sair todas as
[ovelhas] que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem a
voz” (Jo 10.4).105 No mesmo versículo, a ação condutora evidencia-se em outro detalhe:
Cristo “vai adiante” de suas ovelhas, e estas “o seguem”. Em João 10.16 afirma-se que
O apóstolo Pedro (1Pe 2.25) descreve Cristo juntando os títulos poimh,n, “pastor” e
5.4), poi,menoj é precedido de avrci, o que transmite a idéia de “governo e forte tom de
105
O vocábulo evkba,llw carrega um sentido de “força” (RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave
Lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida, Nova, 1985, p. 178). Hendriksen enxerga aqui a
indicação de uma ação enérgica de Cristo: “O pastor, Jesus, faz sair todas as suas ovelhas. Ele vence todas as
objeções delas. Algumas vezes as ovelhas tinham de ser forçadas a sair! De modo algum, qualquer que lhe
pertencesse era deixada para trás” (HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. São
Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 455, grifo do autor).
106
STEWART, R. A. Pastor. In: DOUGLAS, J. D. (Ed. Org.). O Novo Dicionário da Bíblia. 1. ed. reimp.
(1986). São Paulo: Vida Nova, 1962. v. 2, p. 1213.
107
LUZ, Waldyr Carvalho. Novo Testamento Interlinear. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 827.
108
TAMEZ, Elsa; FOULKES, Irene W. de. Diccionario Conciso Griego — Español del Nuevo Testamento.
Stuttgart: German Bible Society: 1994, p. 70.
42
autoridade”.109 O Apocalipse promete que o Cordeiro “apascentará e [...] guiará” o seu povo
Enquanto o AT “apresenta Deus como o Pastor líder de Israel (Sl 80.1; Ez 34.14)”,111
Cesaréia: “Ele é rei dos que já alcançaram as culminâncias, e precisam de chefe legítimo.” 113
No que diz respeito à liderança o serviço pastoral exercido por homens guarda
semelhanças com o pastoreio divino. O AT utiliza hx'n" para referir-se a pessoas ou nações
sendo conduzidas (algumas vezes a contragosto) tanto por Deus quanto por autoridades
humanas.114 Coppes enxerga, no uso dos termos relacionados à direção, no AT, a indicação da
“ação de conduzir, de modo organizado, [...] pessoas a um destino intencional seja pela força
epístola aos Hebreus 13.7, 17 e 24. Em todas as ocasiões utiliza-se o verbo h`ge,omai, “liderar
ou guiar”. A partir das afirmações “os quais vos pregaram a palavra de Deus” (Hb 13.7) e
“velam por vossa alma” (Hb 13.17), infere-se que tais “guias” são os pastores das igrejas. O
109
WAGNER, op. cit., p. 159.
110
Grifo nosso.
111
YOUNGBLOOD, op. cit., p. 1082, grifo nosso.
112
VON ALLMEN, J. J. Pastor. In: VON ALLMEN, J. J. (Org.). Vocabulário Bíblico. 2. ed. São Paulo:
Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos, 1972, p. 316.
113
MAGNO, Basílio. Basílio de Cesaréia: Homilia sobre Lucas 12; Homilias Sobre a Origem do Homem;
Tratado sobre o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 1998, p. 108.
114
Em virtude de uma deliberação de Davi, seus pais são “levados” diante do rei de Mispa de Moabe (1Sm
22.4). Sob a ordem do rei da Assíria, Israel foi “transportado” para Hala, junto a Habor e ao rio Gozã (2Rs
18.11) e, no Êxodo, Deus “conduziu” o seu povo, “como rebanho, pelas mãos de Moisés e Arão” (Sl 77.20). Um
sentido organizacional é verificado em 1Reis 10.26: Salomão “distribuiu” suas tropas entre as cidades do reino.
115
COPPES, 1998b, p. 929.
43
pastoreio-liderança por eles realizado reflete o de Cristo, uma vez que a mesma palavra é
“governadores” comandam pela força, mas o discípulo deve ser como um dia,konoj, um
“servente” ou “servo” (Mc 10.43). Não se proíbe, nesse caso, o exercício da liderança, mas
estabelece-se o modelo de liderança cristã. Parece que o problema não está, como argumenta
Wagner alhures, na conjugação do termo “líder” com “servo”, nem mesmo na sustentação,
da função — uma liderança do rebanho que reflete o próprio Senhor Jesus Cristo, que “não
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.44-45).
admoestam a igreja no Senhor (1Ts 5.12). A mesma palavra é usada pelo apóstolo ao dizer
que o presbítero deve “governar” a própria casa (1Tm 3.4). O jovem — e ao que tudo
“ordena” e ensina estas coisas” (1Tm 4.11), literalmente “transmita essas coisas como
116
A palavra evoca, indubitavelmente, a idéia de autoridade para conduzir, uma vez que é traduzida, em Atos
15.22 como “notáveis”, “homens considerados” (Bíblia de Jerusalém: Nova Edição, Revista e Ampliada. 2ª
reimp. (2003). São Paulo: Paulus, 2002, doravante denominada BJ) ou “líderes” (BENVI). Na Septuaginta,
doravante denominada LXX, a expressão é usada em diversos contextos, referindo-se a “cabeças” (Dt 1.13),
príncipes (Js 13.21; 2Cr 5.2, 17.7; Et 1.16), comandantes (2Cr 11.11), líderes de guarnições (2Cr 17.2),
poderosos da terra (Ez 17.13), governadores (Jr 28.28; Ez 23.6, 12), prefeitos (Dn 3.2) e presidentes (Dn 6.2).
Uma vez que, em todas essas referências, homens são revestidos de autoridade para dirigir, é plausível afirmar
que, no caso específico de Hebreus, os pastores-guias devem ser não apenas respeitosa e ternamente
considerados, mas obedecidos.
117
Cf. HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito. São Paulo:
Cultura Cristã, 2001, p. 224.
44
118
BJ, grifo nosso.
119
Um entendimento questionável sobre o serviço presbiterial é demonstrado por Volkmann (cf. VOLKMANN,
Martin. Teologia Prática e o Ministério da Igreja. In: SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. (Org.). Teologia
Prática no Contexto da América Latina. São Leopoldo: Sinodal, 1998, passim). Ele sugere que, conforme foi se
institucionalizando, a “comunidade primitiva de Jerusalém” absorveu gradativamente a modalidade presbiterial
de direção, inspirada pelo conselho de anciãos das sinagogas judaicas (ibid., p. 83). Com base nos relatos de
Atos — ele reconhece — as igrejas elegiam presbíteros, inclusive sob a liderança de Paulo (ibid., p-83-84). No
entanto, a liderança presbiterial é estranha à teologia paulina. As cartas paulinas não mencionam o assunto; o
modelo de liderança presbiterial introduziu-se gradativamente “a partir das comunidades judaico-cristãs, tendo-
se imposto no decorrer dos anos, à medida que a Igreja foi se organizando e institucionalizando” (ibid., p. 84,
grifo nosso). A partir desse ponto, afirma-se que o serviço presbiterial,“mais institucional”, se diferenciava do
serviço profético, “mais espontâneo” (Ibid., p. 83). O profeta é divinamente chamado e não se lança ao serviço
“por iniciativa própria, mas por comprometimento exclusivo com o próprio Deus” (Ibid., p. 84).
Tais postulados são relevantes para a presente pesquisa, uma vez que são apresentados como “raízes bíblicas do
ministério” (ibid., p. 80-81), o que inclui o pastoreio, e produzem duas conseqüências: Primeiro, Volkmann
entende que as epístolas Pastorais (1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito) não foram escritas por Paulo, mas surgiram no
contexto de “solidificação” e “estruturação” da igreja, no final do primeiro século (ibid., p. 85). Esse ponto de
vista é compartilhado por outros autores (e.g., BRUNNER, Emil. O Equívoco Sobre a Igreja. São Paulo: Novo
Século, 2000, p. 88; CHARPENTIER, Etienne. Para Ler o Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1992, p. 52;
GABEL, John B.; WHEELER, Charles B. A Bíblia Como Literatura. São Paulo: Loyola, 1993, p. 191-192;
HARRINGTON, Wilfrid J. Chave Para a Bíblia: A Revelação, a Promessa, a Realização. São Paulo: Paulinas,
1985, p. 554, 556; KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1982, p.
319, 320, 321), cuja análise detalhada das ponderações foge ao escopo do presente estudo. Pode ser afirmado,
porém, que há argumentação consistente e suficiente, por parte da erudição contemporânea, para a aceitação da
autoria paulina das epístolas Pastorais (e.g., BLOMBERG, Craig L. A Credibilidade Histórica do Novo
Testamento. In: CRAIG, William L. (Ed.). A Veracidade da Fé Cristã: Uma Apologética Contemporânea. São
Paulo: Vida Nova, 2004, p. 191-235; CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento. 1. ed. reimp. (2002). São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 395-411; GUNDRY, Robert H. Panorama do
Novo Testamento. 2. ed. reimp. (2003). São Paulo: Vida Nova, 1998 p. 359-363; HALE, Broadus David.
Introdução ao Novo Testamento. ed. rev. ampliada. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 321-330; HENDRIKSEN,
2001, op. cit., p. 10-47; HINSON, E. Glenn. I e II Timóteo e Tito. In: ALLEN, Clifton J. (Ed.). Comentário
Bíblico Broadman: Novo Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1985, p. 361-
365; HARRIS, op. cit., p. 33-37, 217-255; RIDDERBOS, Herman. A Teologia do Apóstolo Paulo: A Obra
Definitiva Sobre o Pensamento do Apóstolo dos Gentios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 14-15, 520-522);
ELLIS, E. Earle. Cartas Pastorais. In: HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P. (Orgs.). Dicionário de
Paulo e Suas Cartas. São Paulo: Vida Nova, Paulus, Loyola, 2000, p. 181-191; MARSHALL, I. Howard.
Teologia do Novo Testamento: Diversos Testemunhos, Um Só Evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 345-
363; THIELMAN, Frank. Teologia do Novo Testamento: Uma Abordagem Canônica e Sintética. São Paulo:
Shedd Publicações, 2007, p. 261-278, 487-573.
O ponto a salientar é que a aceitação da autoria paulina das Pastorais não é uma questão de pequeno porte. Ela
faz grande diferença na concepção da igreja sobre a relação entre pastoreio e administração, pois, se o próprio
apóstolo Paulo escreveu estas epístolas, ou supervisionou diretamente sua escrita, estamos lidando com
documentos autoritativos, confiáveis e adequados para a elaboração de uma teologia bíblica do serviço pastoral.
Se, por outro lado, as Pastorais foram escritas por um ou mais discípulos de Paulo, após sua morte, como
garantir que, de fato, seus conteúdos refletem fielmente o ensino apostólico? Alguns poderiam alegar, por
exemplo, que certas instruções destas últimas (como as regulamentações para eleição de oficiais) se chocam com
os ensinos “autenticamente paulinos”. Além disso, elas poderiam ser consideradas inferiores canonicamente, o
que já é insinuado por determinados autores: “[...] epístolas pastorais subapostólicas” (BRUNNER, op. cit., loc.
cit.), “um grupo à parte” (KÜMMEL, op. cit., p. 320.) ou “deuteropaulinas” (GABEL & WHEELER, op. cit., p.
191.). A partir do momento em que isso é admitido, deve-se questionar, inclusive, se nas epístolas ditas
autenticamente paulinas, não existem, também, incorreções inseridas a posteriori (KÜMMEL, op. cit., p. 321).
A segunda conseqüência das asseverações de Volkmann é a instalação de uma ruptura não-bíblica entre o
pastoreio da igreja-comunidade e a administração da igreja-instituição. Impõe-se um dualismo. De um lado,
45
A Escritura nos informa que não há dilema entre pastorear — e isso atentando para o
Afirmou-se em 2.1 que administrar tem relação com organizar. Como função,
objetivo comum”.121 Tais idéias ressoam, de certo modo, as informações bíblicas sobre o
Alimento, água limpa, proteção, liderança e motivação. Cada uma dessas demandas exige
contas de seu trabalho. De modo geral, os cristãos são admoestados a portar-se de tal maneira
que sejam considerados mordomos fiéis, por ocasião da chegada de seu senhor (Lc 12.42; cf.
1Co 4.1-2).123 Eles são todos “despenseiros da multiforme graça de Deus” (1Pe 4.10). Ligado
à administração financeira, Paulo fala de “Erasto, tesoureiro da cidade” (Rm 16.23),124 e dos
“curadores”, responsáveis pela gestão dos bens de um herdeiro “menor” (Gl 4.1-2). No
contexto do pastoreio o “bispo” deve ser “irrepreensível como despenseiro” (Tt 1.7).
De acordo com os textos bíblicos até então examinados, é possível afirmar que o
para o cuidado do rebanho. Salvo melhor juízo, parece ser possível afirmar, a partir da
avaliação das passagens da Escritura relacionadas ao serviço pastoral, que não há motivo para
122
BEYREUTHER, op. cit., p. 1587-1588; YOUNGBLOOD, op. cit., p. 1081-1082; DANIEL-ROPS, op. cit., p. 150-151.
Ainda que o ofício pastoral não fosse muito valorizado nos tempos de Jesus, seu exercício exigia qualificação e
organização. O pastor precisava tomar decisões, usar eficientemente o tempo, estabelecer e cumprir rotinas,
definir e executar planos pertinentes e conduzir mudanças, quando necessárias.
123
Em uma de suas parábolas de sentido mais enigmático, Jesus alude a um “administrador” inteligente (Lc
16.1-9). Quanto ao texto de 1Coríntios 4.1-2, ainda que nessa passagem o vocábulo deva ser entendido como
apontando para a correta administração do serviço da Palavra (KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo
Testamento: 1Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 185), as repercussões administrativas mais amplas de
oivkono,moj não podem ser minimizadas.
124
Grifo nosso.
47
É respondida a primeira questão subsidiária: Sim, a Bíblia não apenas sugere como
CAPÍTULO III
Tais narrativas são úteis por duas razões: (1) Deseja-se verificar se a administração
tem sua origem na criação; (2) presume-se que, a partir de tais relatos, seja possível
criação.
Somar dados para a síntese fornecida em 3.6 — e assim construir um alicerce para a
Não há a pretensão de sugerir, neste trabalho, que determinado procedimento deva ser
adotado pela igreja contemporânea, pelo simples fato de constar em um relato bíblico. Há
125
O período pré-patriarcal é relatado nos primeiros onze capítulos do livro de Gênesis. Cf. KAISER JR., Walter
C. Teologia do Antigo Testamento. 2. ed. rev. reimp. (1988). São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 73. Para Hamilton
esta primeira parte de Gênesis pode ser denominada “História Primitiva” (cf. HAMILTON, Victor P. Manual do
Pentateuco. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2006, p. 17).
126
Um dogma corresponde a uma crença essencial cuja negação implica na rejeição do próprio cristianismo.
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 Anos de Tradição e Reforma. São Paulo: Vida, 2001, p. 17.
49
consciência do caráter descritivo e não normativo das narrativas.127 Apesar disso, uma prática
confirmada pela Bíblia possui a tripla utilidade de demonstrar, em primeiro lugar, que alguns
procedimentos organizacionais não são estranhos à história da redenção, nem rotulados pela
tais registros, que o Texto Sagrado dá abertura para o uso, na condução do povo de Deus, de
cosmos.
cultivar”.128 Em fins do século XVIII e inícios do século XIX, o vocábulo germânico kultur
utilizou a palavra inglesa culture para designar o “todo complexo que inclui conhecimentos,
127
FEE, Gordon D.; STUART, Douglas, Entendes O Que Lês?. 2. ed. reimp. (1998). São Paulo; Vida Nova,
1997, p. 69. Estas observações são também aplicáveis à leitura das narrativas bíblicas apresentada no próximo
capítulo.
128
YAMAUCHI, Edwin M. Cultura. In: HENRY, Carl. (Org.). Dicionário de Ética Cristã. São Paulo: Cultura
Cristã, 2007, p. 153.
129
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um Conceito Antropológico. 11. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1996, p. 25.
50
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
domina sobre os outros animais “por ser o único que possui cultura.131 O que comportou tal
tornar mais eficiente o seu aparato biológico”132, ou seja, a possibilidade de criar tecnologia.
tecnologia.133
aprendizado na formação, mas acrescenta que os dados espirituais da cultura são formatados a
espiritual.” 135
130
TYLOR, Edward, Primitive Culture. Londres: John Murray & Co. 1871, apud LARAIA, op. cit., loc. cit.
Kwast descreve a cultura como composta por quatro camadas. De fora para dentro, observam-se (1)
comportamento; (2) valores; (3) crenças e (4) cosmovisão (KWAST, Lloyd E. Entendendo O Que É Cultura. In:
WINTER, Ralph D.; HAWTHORNE, Steven C. Missões Transculturais: Uma Perspectiva Cultural. São Paulo:
Mundo Cristão, 1987, p. 437-441). Hiebert entende que a cultura possui três dimensões: cognitiva, afetiva e
avaliadora (HIEBERT, Paul G. O Evangelho e a Diversidade das Culturas. 1. ed. reimp. 2001. São Paulo: Vida
Nova, 1999, p. 30-35).
131
LARAIA, op. cit., p. 24. Como será demonstrado no restante do capítulo, a visão bíblica sobre a razão do
“domínio” do homem sobre o cosmos é bem diferente da oferecida pela antropologia.
132
Ibid., p. 28-29.
133
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações, Volume 1. São Paulo: Martins Fontes, 2003, (Coleção Paidéia), p. 7-
22 (cf. p. 18); FRIEDMAN, Thomas L. O Mundo é Plano: Uma Breve História do Século XXI. 2. ed. rev.
atualizada. São Paulo: Objetiva, 2007, p. 272-300.
134
LARAIA, op. cit., p. 20. Tal conceito parte da premissa de tabula rasa proposta por John Locke (1632 –
1704), o protagonista do empirismo e do behaviorismo: “A mente humana não é mais do que uma caixa vazia
por ocasião do nascimento, dotada apenas da capacidade ilimitada de obter conhecimento” (ibid., p. 26). Locke
expõe suas concepções sobre o processo cognitivo no segundo volume de seu Essay Concerning Human
Understanding (Ensaio sobre o Intelecto Humano). Contrapondo-se à doutrina cartesiana das idéias inatas,
afirma que “o conhecimento humano começa com a experiência sensível e é condicionada por ela: Nihil est in
intellectu quod prius non fuerit in sensu — nada há no intelecto que não tenha estado antes no sentido”
(MONDIM, Battista. Curso de Filosofia. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1981, v. 1, p. 102-105. Cf. VERGEZ,
André; HUISMAN, Denis. História dos Filósofos Ilustrada Pelos Textos. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1988, p. 218-220).
135
EICHRODT, Walther. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 848.
51
sentido de cada ser humano possuir sua própria cultura, absorvida através do processo de
endoculturação. Ao mesmo tempo, o homem vive imerso na cultura, que o cerca de todos os
composto de matéria e energia e ordenado segundo suas próprias leis; universo”.136 A palavra
cuidadosamente elaborado.138 Seus conteúdos são organizados em dois grupos de três, sendo
136
HOUAISS, cultura. In: Op. cit. Nesta pesquisa, não “segundo suas próprias leis”, como se o universo fosse
um sistema autônomo, mas segundo a lei ou nomos divino. No Dicionário Aurélio somente cosmo (no singular)
refere-se ao universo. Cosmos (plural) refere-se a um “gênero de plantas herbáceas da América tropical”.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Cosmos e Cosmo. In: Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão
5.0. 3. ed. Positivo Informática Ltda., 2005. CD-ROM.
137
Op. cit., passim.
138
Nesta leitura não é aprofundada a discussão sobre a autoria e unidade de composição de Gênesis. Tampouco
são consideradas as leituras sobre cronologia, modo de operação dos eventos criacionais ou mesmo
evolucionismo versus criacionismo.
A verificação das passagens referidas é encaminhada assumindo-se alguns pressupostos. Primeiramente,
considera-se que os relatos são históricos, ou seja, não são elaborações mitológicas (VAN GRONINGEN, op.
cit., p. 115-116). Nesse ponto discorda-se de Eichrodt (op. cit., p. 843), que lê tal relato como “mito etiológico.”
Assume-se ainda que os relatos integram uma unidade redacional. Eles não são uma coletânea e amálgama de
textos de diversos autores e editores religiosos (HAMILTON, op. cit., p. 21-22).
O terceiro pressuposto assumido na abordagem dos textos é que estes são paradigmáticos, compreendendo-se
paradigma como um modelo ou padrão mental que condiciona a visão de mundo e, conseqüentemente, o
comportamento no trato e desenvolvimento dos magistérios (cf. KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções
Científicas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Debates, p. 29; para uma defesa do conceito de paradigma de
Kuhn no âmbito da teologia, cf. BOSCH, op. cit., p. 230). Isso equivale a dizer que tais narrativas não apenas
lançam luz sobre o restante das Escrituras, mas fornecem padrões para a averiguação, elaboração de conceitos
e discernimento de práticas pertinentes a diversos setores da vida humana (cf. Gn 2.24; Mt 19.3-6). Tenciona-
52
que os dias um e quatro, dois e cinco e três e seis são correspondentes. Assim, a luz do
primeiro dia é uma preparação para os luminares (sol, luz e estrelas) do quarto dia; os céus
o ambiente para os peixes e pássaros do quinto dia. A terra e a vegetação comestível, criadas
no terceiro dia, formam o habitat para os animais terrestres e o homem, no sexto dia. O
sábado, dia do descanso de Deus, é a culminação da criação.139 Pode ser afirmado ainda que
Deus cria o cosmos em Gênesis 1.1-2, e continua criando e organizando, dentro do cosmos,
em Gênesis 1.3-2.3.
A Bíblia inicia com “no princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1).140 Indica-
se, em contraposição às crenças pagãs, que tudo o que há foi livremente criado por Deus.
se verificar se os relatos das origens auxiliam na formulação de uma resposta à segunda questão subsidiária
desta pesquisa.
O caráter peculiar das narrativas bíblicas é aqui respeitado, reconhecendo-se que, nelas, as coisas são
apresentadas indiretamente. A interpretação dá atenção ao modo como cada escritor selecionou e dispôs os
detalhes (KAISER JR.; SILVA, op. cit., p. 65-66). Além disso, assume-se que a história relatada nas Escrituras é
história da redenção (ibid., p. 66; FEE; STUART, op. cit., p. 64, 66).
139
HAMILTON, op. cit., p. 19-20. O arranjo sugerido por Hamilton é encontrado, sem a referência ao sábado,
em KIDNER, Derek. Gênesis: Introdução e Comentário. 1. ed. reimp. (1991). São Paulo: Mundo Cristão e Vida
Nova, 1979, p. 43, que por sua vez o atribui a W. H. Griffith Thomas, Genesis: A Devotional Commentary. [s.l.]:
Eardmans, 1946, p. 29.
140
O uso de tyviÞarEB. — “no princípio”, pode ser interpretado como indicando o início relativo da criação. Nesse
caso assume-se o vocábulo hebraico no estado construto, ou seja, dependente das palavras seguintes,
favorecendo a tradução “quando Deus começou a criar os céus e a terra, sendo a terra sem forma e vazia, disse
Deus” (YOUNGBLOOD, Ronald. Gênesis. In: BARKER, Kenneth et al. (Orgs.). BENVI. São Paulo: Vida,
2003, tradução alternativa proposta na nota textual “a”, p. 6). De acordo com Hamilton (op. cit., p. 30-32), “essa
é a compreensão mais utilizada desde a tradução de Moffatt em 1922. Vemos seus reflexos nas traduções mais
recentes”. Ainda que tal construção gramatical seja possível, esta pesquisa assume o termo no estado absoluto,
possuindo significado isolado: “No começo Deus criou os céus e a terra” (Nova Tradução na Linguagem de Hoje,
doravante denominada NTLH). Esta é a opção das principais traduções da Bíblia em português, e.g., de João Ferreira
de Almeida, a Segunda Edição Revista e Atualizada e a Edição Revista e Corrigida, ambas da Sociedade Bíblia do
Brasil. Além destas, a BENVI e BJ. Cf. HAMILTON, op. cit., p. 30-32; KAISER JR., op. cit., p. 75.
Em todas as vezes que o Antigo Testamento utiliza o verbo ar'B' — “criar”, Deus é o sujeito da ação
(HAMILTON, op. cit., p. 24). No primeiro capítulo de Gênesis o termo é usado cinco vezes (Gn 1.1, 21 e 27),
com sentido correlato a hf'[' — “fazer” em Gênesis 1.7, 16 e 25, e rc,yE — “formar” em Gênesis 2.7 (KIDNER,
op. cit., p. 41-42). Estes últimos verbos são utilizados outras vezes tendo como sujeitos seres humanos,
indicando que “há algo de singular no ato criador de Deus [...], mas também há algo de semelhante entre o que é
feito por Deus e o que é feito pelos humanos” (HAMILTON, op. cit., p. 25).
53
O texto avança afirmando que “a terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas
sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1.2).141 O caos é o
primeiro resultado da criação de Deus, sendo que Gênesis 1.3-2.3 relata a “imposição gradual
completude.” 142
mesmo tempo em que demonstram que Deus está presente, prestes a dar continuidade ao seu
expressões “e houve” (Gn 1.3) “e assim se fez” (Gn 1.7, 9, 11, 15, 24, 30) demonstram que as
Deus “vê” (Gn 1.4, 10, 12, 18, 21, 25, 31). Ao final de cada etapa de trabalho ele
verifica os detalhes. Isso resulta em pronunciamentos de aprovação do que foi feito: “Boa;
O uso dos termos acima leva Kaiser Jr. (op. cit. p. 76) a concluir que “Deus iniciou o processo da criação a partir
de nada mais do que a Sua própria palavra”. Para Eichrodt (op. cit., p. 565) a terminologia empregada em
Gênesis 1.1 indica “a ação maravilhosa de Deus que produz algo surpreendentemente novo” e “partindo da
intenção que preside claramente essa afirmação, torna-se fácil concluir que seu verdadeiro significado é a creatio
ex nihilo.” Quanto ao circunlóquio “os céus e a terra”, deve ser entendido como “o universo ou cosmos, para os
quais o hebreu carece de vocábulo específico” (ibid., loc. cit.).
141
Muito tem sido escrito sobre o uso de ‘Whto’ — “sem forma” e Whboêw" — “e vazia”. Uma linguagem
semelhante é encontrada em Jeremias, em um contexto de desalento (Jr 4.23; cf. Is 45.8). Há quem entenda
o texto como se referindo a uma lacuna entre a “criação original” (Gn 1.1) e o “segundo ato de criação de
Deus” (Gn 1.3 et seq.). Sob essa ótica, a passagem retrata o caos produzido por uma catástrofe, talvez a
expulsão de Satanás dos céus (HAMILTON, op. cit., p. 32-33). Uma segunda leitura percebe no caos a
“imagem do nada, que constitui a base da criação” (EICHRODT, op. cit., p. 566, 567). Uma terceira
percepção, assumida por este estudo, interpreta o caos como a situação da terra entre a criação e a ordem
“haja luz” (Gn 1.3).
142
HAMILTON, op. cit., p. 33. VAN GRONINGEN, op. cit., p. 35-36, vê no versículo um relato da “condição
da terra quando surgiu inicialmente das mãos do Criador.”
143
KIDNER, op. cit., p. 43, grifo do autor.
54
bom” (Gn 1.4, 10, 12, 18, 21, 25, 31). A nota visual destes versículos é destacada por
Westermann, para quem o adjetivo bAj, “bom”, é “também ‘belo’. Para ouvidos hebraicos a
aprovação da parte do Criador soava também como se tivesse dito: ‘Deus viu que isso era
avaliação.
denotam a intenção divina de colocar cada coisa no seu lugar, com a finalidade de garantir
Deus dá nome às coisas (Gn 1.5, 8, 10). “Na Antiguidade, não ter um nome
significava ser considerado inexistente”.146 Dar nome indica que Deus “dá a cada coisa o seu
valor, o seu lugar e o seu significado”.147 Verifica-se, nesse ato, não apenas a confirmação da
As sentenças conclusivas “houve tarde e manhã” (Gn 1.5, 8, 13, 19, 23, 31) e
“havendo Deus terminado” (Gn 2.2), indicam que o que tinha de ser feito, foi feito. Deus é
modelo de eficácia; termina o que começa, faz o que deve ser feito.
A ordem “produza” (Gn 1.11, 24) evidencia que Deus cria vida produtiva e as
palavras “os abençoou” (Gn 1.22, 28) desvendam Deus como fonte da bênção, os processos
naturais a ele conectados e a intenção divina de beneficiar cada criatura.149 Segundo este
144
WESTERMANN, Claus. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 80. Se o que Deus
faz, faz bem feito, infere-se ainda que ele é comprometido com eficiência e excelência.
145
Isso é observado ainda nas frases “segundo a sua espécie” (Gn 1.11, 12, 21, 24, 25) e “conforme a sua
espécie” (Gn 1.12, 24, 25). Também daqui pode ser depreendida a referência à administração enquanto
organização.
146
HAMILTON, op. cit., p. 41.
147
KIDNER, op. cit., p. 44.
148
Deus está conceituando, rotulando, definindo, marcando e diferenciando, tornando único e identificável. Ele
estabelece especificidade, delimitação e especialização em meio à diversidade, abrindo espaço para administrar
relações. Ele pode, a partir de então, chamar sua criação por nome (Is 40.26).
149
A ratificação dessa intenção é a provisão de “mantimento” (Gn 1.29, 30) e de “descanso” (Gn 2.2-3). As
criaturas têm asseguradas suas fontes de reposição de forças e abre-se espaço para o culto, o saudável
relaxamento e a ludicidade.
55
Se a Bíblia refere-se a Deus como Rei (Sl 47.1-9), Gênesis 1.1-2.3 trata da criação dos
da filosofia da idéia cosmonômica. Dooyeweerd entende que, ao criar, Deus estabelece uma
(matemática); (3) cinemático, ligado ao movimento (mecânica); (4) físico, ligado à energia
(física e química); (5) biótico, ligado à vida orgânica (biologia, fisiologia e morfologia); (6)
distinção teórica (lógica); (8) histórico, ligado ao processo cultural (história do poder
ligado ao significado simbólico (filologia, semântica); (10) social, ligado ao intercurso social
administração);152 (12) estético, ligado à harmonia (teoria harmônica, artes, arquitetura); (13)
150
OLIVEIRA, 2004, p. 3.
151
Dooyeweerd considera essa questão em sua teoria dos aspectos modais (OLIVEIRA, 2004, p. 85-95). A partir
daqui, ainda que sob o risco da excessiva generalização, são consideradas como sinônimas as expressões “esfera
modal” e “magistério.”
152
No primeiro capítulo desta pesquisa fez-se referência à administração como ligada às ciências aplicadas, e à
economia como vinculada às ciências sociais. Essa classificação inspira-se na atualização da classificação
decimal desenvolvida por Melvil Dewey in 1876, utilizada hoje por diversas Bibliotecas. Cf. MUNDIE, David
A. Cyber Dewey: A Catalogue for the World Wide Web. Pittsburgh, PA: Polymath Systems, 1995. Disponível
em: <http://www.anthus.com/CyberDewey/CyberDewey.html>. Acesso em: 29 out. 2007. A partir daqui, este
56
jurídico, ligado à retribuição (jurisprudência, direito, ciência política); (14) ético, ligado ao
amor ao próximo (moral, ética) e pístico, ligado à pi,stij, fé (certeza transcendental com
relação à origem).153 Isso confere a toda a criação uma “raiz religiosa central” e cada aspecto
154
da realidade temporal criada “é significado”. Oliveira explica o que isso representa, no
pensamento de Dooyeweerd:
Ao se dizer que algo tem significado, ainda é conferido a esse algo uma certa
dose de independência e autonomia em relação à sua Origem [...]. Contudo,
quando se afirma que as coisas criadas são significado, se está claramente
apontando para o fato de que a diversidade criada pertence a uma estrutura
abrangente de interdependência mútua formando uma totalidade de
significado. Esta totalidade de significado ou unidade de significado, por sua
vez, aponta para a sua Origem, aquele que lhe conferiu significado e a partir
de quem esta totalidade criada deriva seu sentido. Embora todas as coisas
sejam entes de significado e este significado seja irredutível, este significado
particular não é suficiente em si mesmo; cada aspecto da criação aponta para
outro, para além de si e, por último, para aquele que o criou. 155
Na criação “as funções de cada aspecto [...] foram prescritas por Deus e cada função
estava em harmonia com as funções dos outros aspectos. Deus organizou o cosmos que ele
criou e o fez refletir sua pessoa como um Deus de ordem.” 156 Isso equivale a dizer que cada
um dos aspectos modais opera segundo um nomos, lei ou “ordem estruturada [...] que reflete a
vontade soberana e pessoal de Deus quando criou.” 157 A ordem normativa presente em todas
unidades concretas) que, por sua vez, estão fundadas nos aspectos modais da realidade
aspecto modal está fechado quando “só exibe relações que apontam para os aspectos
trabalho refere-se à administração (capacidade de gerenciamento) de acordo com a análise de Oliveira, 2004,
passim, ou seja, como núcleo de significado do aspecto modal econômico.
153
OLIVEIRA, 2004, p. 85-86; GEISLER, op. cit., p. 289; CARVALHO, op. cit., p. 196.
154
OLIVEIRA, 2004, p. 72-73.
155
Ibid., p. 74.
156
VAN GRONINGEN, op. cit., p. 51.
157
OLIVEIRA, 2004, loc. cit.. Oliveira complementa dizendo que por isso a proposta de Dooyeweerd foi
batizada de Wijsbegeerte der Wetsidee ou filosofia da idéia de lei, ou filosofia da idéia cosmonômica.
158
Ibid., p. 89.
57
justiça’ não se refere ao aspecto jurídico em si, mas sim a uma antecipação do núcleo de
Cada aspecto possui ainda sua própria esfera de soberania. Oliveira esclarece que
a utilizava para designar “os limites estruturais de cada instituição social criada por Deus
uma ordem divina da criação, não é absurdo afirmar que a ação administrativa não apenas é
antecipada por esferas modais anteriores, tais como a numérica, psíquica, lógica, histórica,
lingüística e social, como antecipa as esferas jurídica, ética e pística. Isso equivale a dizer que
159
Ibid., p. 93.
160
Ibid., loc. cit.
161
CARVALHO, op. cit., loc. cit.
162
OLIVEIRA, 2004, p. 95. KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 98, refere-se à
família, os negócios, a ciência e a arte. O Estado não foi criado por Deus, mas instituído por causa do pecado. A
esfera do Estado, que deve ser respeitada, funciona com o objetivo de assegurar que cada esfera da criação
funcione livremente e de acordo com a vontade divina (KUYPER, op. cit., p. 85-115). Cf. GEISLER, op. cit., p.
288, Dooyeweerd seguiu a tradição de Kuyper ao mesmo tempo em que foi além de seu antecessor.
163
Ibid., p. 96.
164
CARVALHO, op. cit., p. 197.
58
Resumindo, o relato cosmogônico abre espaço para a admissão de Deus como criador
e administrador. Ademais, Gênesis 1.1 a 2.3 sustenta razoavelmente a teoria dos aspectos
modais proposta por Dooyeweerd. A administração, portanto, pode ser considerada no âmbito
possível concordar com Van Groningen, quando este afirma que visão cristã não se limita à
redenção, mas “deve ser tão extensa e intensa quanto o próprio cosmos.” 165
(Gn 1.26; cf. Gn 1.28).166 No âmbito desta similitude surge a incumbência do domínio sobre a
165
VAN GRONINGEN, 2002, p. 30.
166
Os termos usados nesses versículos dão lugar a entendimentos variados. Quanto à perspectiva do Catolicismo
Romano de “imagem” como uma similitude “estrutural” não prejudicada pela queda e “semelhança”, como
“imagem moral” afetada pela queda cf. HAMILTON, Victor P. d®mût. In: HARRIS; ARCHER JR.; WALTKE,
op. cit., p. 316; SPROUL, R. C. Defendendo Sua Fé: Introdução à Apologética. Rio de Janeiro: Cada
Publicadora das Assembléias de Deus, 2007, p. 59. Quanto noção de que ~l,c, é mais importante do que tWmd>, e
de que o último termo foi acrescentado para suprimir o ímpeto de idolatria, cf. HAMILTON, op. cit., loc. cit.;
FRANCISCO, Clide T. Gênesis. In: ALLEN, Clifton J. (Ed.). Comentário Bíblico Broadman: Velho
Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1987, p. 177, 178; BJ, nota de estudo
“f”, p. 34. A sugestão de que os dois termos são intercambiáveis — a posição de Lutero e Calvino — pode ser
conferida em HAMILTON, 1998, loc. cit.; SMITH, Ralph L. Teologia do Antigo Testamento: História, Método
e Mensagem. São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 236-237; CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. 2. ed.
São Paulo: Cultura Cristã, 2006. I.XV.3; YATES, Kyle M. Gênesis. In: PFEIFFER, Charles F. (Ed.).
Comentário Bíblico Moody, Volume 1: Gênesis a Deuteronômio. 1. ed. quarta impressão (2001). São Paulo:
Imprensa Batista Regular, 2001, p. 5 e KIDNER, op. cit., p. 48. O ponto de vista de que o texto refere-se à
59
criação: “[...] tenha ele domínio sobre [...]” (Gn 1.26).167 Van Groningen argumenta que isso
significa que Deus confiou sua criação aos cuidados do homem, seu “agente pactual” e “vice-
gerente.” 168
seguinte síntese:
As afirmações acima são reconhecidas dentro de um pacto. Ainda que o termo tyrIB.,
“aliança”, não seja encontrado em Gênesis 1-2, e a fórmula de Gênesis 1.28 destaque a
bênção,170 vários elementos que integram um pacto, tais como um vínculo entre duas partes,
representação — o homem é uma “imagem de semelhança” — pode ser conferido em HAMILTON, op. cit., p.
317. A noção de Deus como “protótipo” do homem é encontrada em KAISER JR., op. cit., p. 77-78. Para a
interpretação relacional — de que os termos implicam em comunhão do Criador com o homem — cf.
EICHRODT, op. cit., p. 586; HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2005,
p. 76-77; BJ, loc. cit.; KAISER JR., op. cit., p. 77; VAN GRONINGEN, op. cit., p. 28, 82-83 e YATES, op. cit.,
loc. cit. SMITH, 2001, p. 232, afirma simplesmente que a busca de sentido com base filológica é impossível.
O debate sobre a continuidade ou não da imagem de Deus no homem após a queda foge ao escopo desta
pesquisa. Admite-se, porém, a continuidade de um “resquício” da imagem de Deus no homem, mesmo após a
desobediência do primeiro casal. Mais sobre isso pode ser verificado em BERKHOF, op. cit., p. 187-194;
HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 555-570 e STRONG, Augustus Hopkins.
Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003, v. 2, p. 87-114.
167
Discute-se se o versículo deve ser traduzido como “tenha ele domínio” ou “eles terão domínio”. Van
Groningen prefere a primeira tradução porque indica “uma conexão íntima entre ser feito à imagem e
semelhança de Deus e ter domínio” (op. cit., p. 76; cf. ibid., p. 77; HOUSE, op. cit., p. 76). A pluralidade de
possibilidades não anula o sentido geral. O homem, criado segundo a “imagem” e “semelhança” de Deus, recebe
a incumbência de dominar a criação como representante do Criador. Na criação ele recebe de Deus “um poder
sobre os outros seres vivos” (BJ, loc. cit.; EICHRODT, op. cit., 587). KAISER JR., op. cit., p. 77, vê nesses
conceitos, além da “possibilidade da comunhão e comunicação com Deus, o exercício de domínio e liderança
responsáveis sobre a criação que pertence a Deus” (cf. YATES, op. cit., loc. cit.).
168
Op. cit., p. 53, 83, 251. O termo “vice-gerente” é utilizado propositalmente. Na mesma página em que se
refere a Deus como “Criador, Modelador, Diretor e Produtor” (ibid., p. 83), cita-se Wenham, afirmando-se que,
para este, a vice-gerência humana decorria da criação conforme a “imagem” divina. A seguir (ibid., p. 87),
destaca-se que Adão não foi estabelecido como vice-regente, aquele que domina no lugar do rei, e sim vice-
gerente, aquele que administra sob a direção do rei.
169
SMITH, 2001, p. 237.
170
VAN GRONINGEN, op. cit., p. 77; KAYSER JR., op. cit., p. 78-79.
60
Ademais, Deus proveu uma base “ordenada para o casamento, para a família restrita e a
o mandato social.174 Acima de tudo, a comunhão deve “ser exercida no andar com Deus
diariamente, conversar intimamente com ele e expressar amor, honra, devoção e louvor”
enquanto vão sendo enfrentados “os desafios e privilégios de cada dia” — o mandato da
para com o jardim, como seu cultivador e guardador, decorre do mandato cultural (Gn 2.15).
mandato espiritual (Gn 2.16-17). O restante do capítulo reforça o mandato cultural e faz
Pela primeira vez no livro de Gênesis é afirmado que algo não é bom: O homem viver
só (Gn 2.18). Essa expressão abre o relato da criação da mulher, culminando com a primeira
palavra humana registrada na Bíblia: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha
171
VAN GRONINGEN. Revelação Messiânica no Velho Testamento. Campinas: Luz Para o Caminho, 1995, p.
95-96. Cf. ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos Pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 21-29.
172
VAN GRONINGEN, 2002, p. 90.
173
Ibid., loc. cit., grifo nosso.
174
Ibid., p. 91.
175
Ibid., p. 92.
61
carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.23).176 As palavras finais do
capítulo (Gn 2.24-25) estabelecem um motivo e padrão divino para a união conjugal,
Nos dois versículos que formam o parêntese aberto entre a declaração sobre a solidão
do homem (Gn 2.18) e a criação da mulher (a partir de Gn 2.21), Deus traz ao homem “todos
os animais do campo e todas as aves dos céus”, para que este lhes dê nomes (Gn 2.19-20).
Isso equivale a colocá-los sob domínio.177 O próprio Criador pode arbitrar o modo como cada
ser será chamado, mas confia a tarefa a seu vice-gerente, confirmando o mandato cultural.
O homem funciona nos seis primeiros aspectos modais da criação em sua correlação
com as coisas criadas — como parte delas —, e nos nove aspectos superiores, em sua relação
apreciar o belo (aspecto estético), desenvolver leis e ordenar a polis (aspecto jurídico), amar
ou odiar o próximo (aspecto moral) e crer com firmeza confiança e certeza última (aspecto
pístico).178
Bíblia difere de todos os outros relatos da criação do homem apresentados pelo paganismo.179
No Gênesis Deus trabalha. Em seguida, cria o homem à sua imagem e semelhança, com a
176
A primeira palavra pronunciada pelo homem na Bíblia é um poema inspirado em sua mulher. A análise de
FRANCISCO, op. cit., p. 181, da estrutura hebraica do referido poema, leva-o a concluir que o homem está
dizendo: “Esta mulher, em primeiro lugar, em último e sempre!”
177
KIDNER, op. cit., p. 61. “A pessoa somente dá nome àquilo que possui ou sobre o qual recebe jurisdição”;
Cf. KAISER JR., op. cit., p. 75.
178
Essa afirmação sobre a capacidade do homem de crer não deve ser interpretada apressadamente, como um
ataque à doutrina bíblica de depravação total. O ponto de vista cosmonômico sustenta simplesmente que,
diferentemente de todo o restante da criação, o homem é o único ser criado por Deus com essa capacidade de
manter comunhão com o Criador. O foco deste argumento é ontológico e não soteriológico.
179
Nestes o homem é criado sem nenhuma dignidade, com a finalidade de submeter-se a trabalhos que os deuses
não querem realizar. HAMILTON, 2006, p. 34-40, fornece um resumo dos mitos do Enuma Elish e do épico de
Atrahasis.
62
finalidade de trabalhar como seu representante. Deus cria ex nihilo e opera plenipotencial e
partir de coisas que existem, seguindo o modelo de Deus, de modo finito e dependente das
bênçãos do Criador. O texto bíblico sugere um sistema de relações entre meios e fins — uma
teleologia. 180
pacto da criação, com seus mandatos, torna o homem responsável pelo mundo. As esferas
modais pertencem ao Criador e, ao mesmo tempo, são colocadas sob os cuidados do homem
desobediência humana (Gn 3.1-7) é seguida de afirmações divinas que contêm não apenas
“maldições”, mas, também, provisões para a ininterrupção do pacto (Gn 3.8-24). Os filhos de
Deus, e estabelece civilização: Uma cidade, técnicas de criação de gado, arte e fabricação de
serpente”.181 Trata-se de um animal selvático “que o SENHOR Deus tinha feito” (Gn
3.1),182 ou seja, não há no cosmos nenhum ser que rivalize com Deus; o opositor que surge
180
EICHRODT, op. cit., p. 570.
181
HAMILTON, 2006, p. 40, aponta para a possibilidade do vocábulo estar ligado a dois outros termos
hebraicos, um substantivo ligado à idéia de “algo reluzente” e um verbo que descreve a prática de
adivinhação.
182
Grifo nosso.
63
é criatura sujeita à divina soberania: “O capítulo fala, não do mal invadindo, como se
que Deus disse [...]?” (Gn 3.1), introduz o diálogo, abre espaço para checar a segurança
silogismo.184
alternativo. Ela não precisará estar mais sob Deus uma vez que, ao comer do fruto será “como
Deus” (Gn 3.5).185 Trata-se de uma proposta de suposta autonomia.186 Ela come do fruto e o
dá ao seu marido, que também come (Gn 3.6). O problema é que ao tentar estabelecer-se
“como Deus”, o homem assume-se contra Deus.187 Pior, o que está implícito na oferta da
Van Groningen considera que a partir daí estabelece-se no cosmos “um reino
parasita”.189 A serpente instala um vírus no sistema cósmico e deseja operar a partir dele, com
“foi um grotesco anticlímax do sonho de iluminação. O homem viu o mundo que lhe era
183
KIDNER, op. cit., p. 63; HOUSE, op. cit., p. 80. A palavra ~Wr[', “astuta” ou “sagaz” é usada positivamente
em Provérbios significando ação inteligente diante do perigo (Pv 12.16, 23, 13.16, 14.8, 15, 18, 22.3,
27.12; cf. Mt 10.16). Em Jó, porém, o termo é usado para as pessoas abominadas por Deus (Jó 5.12, 15.5 —
HAMILTON, 2006, p. 41).
184
Primeira premissa: Deus não é confiável — “Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os
olhos [...]” (Gn 3.5). Segunda premissa: Se Deus não é confiável, o que ele diz não precisa ser levado a sério —
“É certo que não morrereis” (Gn 3.4). Conclusão: vocês podem comer do fruto e, ao fazerem isso, “como Deus,
sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5).
185
Grifo nosso.
186
Francisco (op. cit., p. 184) sugere que “quando ela comeu do fruto, a [...] alienação foi consumada. ‘Deus é
Deus e eu sou eu, e eu estou preparada para me virar sozinha’” (grifo nosso).
187
Como diz Kidner (op. cit., p. 64), “daí por diante Deus será tido, conscientemente ou não, como rival e
inimigo”. Por isso, “tudo o que o homem faz, o faz para Deus ou contra Deus, redunda em glória e honra a Deus
ou a um ídolo” (OLIVEIRA, 2004, p. 4).
188
O oposto à palavra de Jesus, registrada em João 14.1.
189
VAN GRONINGEN, 2002, p. 127. O vocábulo “reino” é usado por ele referindo-se a um “poder comandante;
a manifestação deste poder, o lugar onde este poder é manifestado; e ao domínio que é influenciado” (ibid., p.
127-128). A expressão “parasita” denota que o reino da serpente é “completamente dependente do reino cósmico
de Yahweh. Satanás, como um ser criado, não é autônomo; ele tira todos os aspectos essenciais da sua existência
e atividades de sua fonte, o Criador” (ibid., p. 128-129).
190
Ibid., p. 129.
64
familiar, e o contaminou ao vê-lo, projetando o mal sobre a inocência [...] e reagindo ao bem
perguntando “onde estás?” (Gn 3.9). As respostas, tanto do homem quanto de sua mulher (Gn
3.10-13), conduzem à enunciação de diversas sentenças que devem ser vistas como
humanidade.
serpente é amaldiçoada com uma sentença de completa derrota, humilhação e destruição (Gn
É prometido um Redentor que, ainda que ferido, vencerá: “A luta amarga terminará
com a vitória para a semente da mulher, i.e., para o Messias, e para os regenerados que têm fé
nele, que obedecem e servem a Yahweh, seu Senhor”.193 Deus garante a continuidade de uma
mandato espiritual.
conflituosa com o homem (Gn 3.16).194 Com essas palavras, Deus concede um prazo para
191
KIDNER, op. cit., p. 65. Cf. Gênesis 3.7. O homem que buscou a autonomia separou-se de Deus e tornou-se
subserviente à serpente, “o príncipe da potestade do ar”, e, por conseguinte, aos seus próprios “delitos e
pecados” e ao “mundo” (Ef 2.1-3). No NT ko,smoj, “mundo” é usado para referir-se ao universo (Mt 25.34), à
terra (Mt 4.8), ao somatório dos eleitos de Deus (Jo 3.16), às aquisições e realizações humanas (Mt 16.26, 1Co
7.31) e à cultura influenciada por Satanás, oposta e hostil a Cristo e aos cristãos (Jo 7.7, 8.23, 12.31, 16.33,
17.25; 1Jo 2.15-17). O mundo continua sendo de Deus, no entanto, contém dentro de si evidências da rebeldia
instigada pela serpente.
192
KAISER JR., op. cit., p. 80. Cf. 2Co 11.3; VAN GRONINGEN, 2002, p. 154. As palavras do proto-
evangelho (Gn 3.15) apontam para um embate prolongado e sem tréguas, cujo desfecho será o golpe mortal à
serpente, desferido pelo descendente da mulher. Eichrodt (op. cit., p. 845) enxerga nesse texto apenas uma
referência à “degradação de toda a criatura” e à “harmonia rompida da coexistência entre os seres criados.”
193
VAN GRONINGEN, 2002, p. 155.
194
De acordo com Yates (op. cit., p. 11), o termo hebraico usado em Gênesis 3.16 indica consternação tanto
física quanto mental.
65
naturais passam a expressar os sinais da violação do pacto (Gn 3.17-18; cf. Rm 8.18-21).196 O
trabalho, antes prazeroso, produz desgastes e, ao final de existência sofrida, o homem volta ao
pó, de onde veio (Gn 3.18-19). Com tais afirmações, Deus diz ao homem que, mesmo em
O favor de Deus é percebido por Adão, que dá à sua mulher o nome de hW"x, “Eva” ou
“vida”. Em seguida é revelado na providência divina das “vestimentas de peles” (Gn 3.20-21).
Até mesmo as palavras finais do capítulo, que informam sobre a expulsão do primeiro casal
do Éden, podem ser tomadas como ato gracioso. Deus veda ao homem o acesso à “árvore da
vida”, para que este não tome do seu fruto “e coma, e viva eternamente” (Gn 2.22). O homem
“coabitar” (Gn 4.1, 17, 25), “conceber” (Gn 4.1, 17), “dar à luz” (Gn 4.1, 2, 17, 25) e “nascer”
(Gn 4.18, 26). A idéia subjacente é de bênção divina assegurando a continuidade dos
195
VAN GRONINGEN, 2002, p. 138-139.
196
KAISER JR., op. cit., p. 81.
197
HOUSE, op. cit., p. 83.
198
VAN GRONINGEN, 2002, p. 146.
66
SENHOR”, ditas por ocasião do nascimento de Caim (Gn 4.1).199 O segundo filho é chamado
de lb,h,, “Abel”, “nada”, “fôlego”, “vapor”, “temporário” ou “sem sentido” (Gn 4.2).200
Ambos os filhos são mostrados, nos versículos 2 a 4, já adultos e oferecendo culto. Deus
aceita o culto de Abel e rejeita o de Caim (Gn 4.4-5). Este último é divinamente confrontado,
mas sequer responde ao Criador. Pelo contrário, astuciosamente, leva o irmão ao campo e o
Deus fala a Caim três vezes, revelando uma progressão de julgamento: Pergunta geral
humanidade rebelde (Gn 4.15). Gênesis 4.16 pontua a triste nota da retirada de Caim da
presença de Deus. Caim afasta-se para nunca mais voltar.202 O palco está pronto para o
199
Currid destaca ainda que “adquiri” pode ter o sentido de participação na atividade divina, uma vez que o
termo hebraico, às vezes traduzido como “possuir” ou “formar”, refere-se ao direito divino sobre a criação (Gn
14.19, 22; Dt 32.6 — cf. CURRID, John D. Genesis. Faverdale North, Darlington: Evangelical Press, 2003, p.
143). Francisco (op. cit., p. 186-187) observa que essa é a única vez, em todo o AT, em que a palavra vyai,
“homem”, é usada para um recém-nascido. KIDNER, op. cit., p. 69, ressalta a possibilidade de enxergar no texto
um jogo de palavras: !yIq' (q¹yin), “Caim” ou “ferreiro”, ressoa semelhante a hn"q' (q¹nâ), “adquirir”. A BÍBLIA
TRADUÇÃO ECUMÊNICA, doravante denominada BTE. São Paulo: Loyola, 1994, nota de estudo “u”, p. 29,
entende q¹nâ com o sentido de “procriar”. YOUNGBLOOD, 2003, p. 12, percebe, na expressão de Eva, o
reconhecimento de Deus como “fonte da vida”. KAISER JR., op. cit., p. 81, prefere a tradução “a saber, o
SENHOR”, como indicativo de um equívoco por parte de Eva. A idéia de equívoco com conseqüente desilusão é
apresentada ainda por HENRY, Matthew. Comentário Bíblico de Matthew Henry. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa
Publicadora das Assembléias de Deus, 2002, p. 18. Olhado por este ângulo, o enunciado de Eva pode ser
interpretado como uma declaração de auto-exaltação, iniciando o processo de degradação desenvolvido no
restante do capítulo. Mais apropriadamente, Van Groningen (1995, p. 106) entende o dito como uma declaração
de fé na mensagem declarada em Gênesis 3.15. Esse é o sentido que mais apropriadamente se encaixa no
contexto.
200
O mesmo termo é usado com freqüência em Eclesiastes (Ec 1.2, 2.1, 3.19, 12.8). BEG, nota de estudo
4.2. Abel, p. 15; BÍBLIA DE ESTUDO NTLH. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005, nota de estudo
4.2, p. 17. KIDNER, op. cit., p. 70; YOUNGBLOOD, 2003, nota de estudo 4.2, p. 12.
201
Stott sugere que o ódio de Caim “originou-se no diabo, no maligno, e deu em assassinato” e que a motivação
para o crime cometido foi a inveja ressentida pela justiça superior de Abel (STOTT, John R. W. I, II e III. João:
Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão e Vida Nova, 1982, p. 120). Destarte, Caim tornou-se “o
protótipo do mundo, que manifesta hoje as torpes qualidades que ele exibiu primeiro” (ibid., p. 121).
202
Ele torna-se um dn"ß,“vagabundo”, “forasteiro”, na dAnà-#r<a,(B, “terra de Node” (Gn 4.12-16 — BTE, nota de
estudo “h”, p. 30). Seu refúgio em uma vida de realizações materialistas apenas atesta sua infeliz alienação (Gn
4.17). A referência ao “leste”, em Gênesis 4.16, não é incidental. No leste surgirão Babel (11.2) e as cidades de
Sodoma e Gomorra (13.11 — cf. CURRID, op. cit., p. 151-152).
67
Caim foi ativo em realizar o mandato cultural, pois construiu uma cidade,
seus descendentes se tornaram criadores de gado, metalúrgicos e músicos.
Eles puderam fazer isso porque Yahweh era favorável a eles.205
últimas palavras do quarto capítulo de Gênesis são alentadoras: Deus suscita uma linhagem de
adoradores.207 A civilização avança debaixo do favor divino, dispensado inclusive sobre não-
crentes. A linhagem santa prossegue, assegurada pelo pacto da redenção. Deus preserva
203
A pesquisa parte do pressuposto que Caim casou-se com uma de suas irmãs. Adão e Eva tiveram outros
“filhos e filhas”. Se ele já era casado na época da fuga da presença de Deus é ponto controvertido. Cf. KEVAN,
E. F. Gênesis. In: DAVIDSON, F. (Ed.). O Novo Comentário da Bíblia. reimp. 1985. São Paulo: Vida Nova,
1963, v. 1., p. 89; KIDNER, op. cit., p. 72; YATES, op. cit., p. 14. A linhagem apóstata prossegue de Caim,
Enoque, Irade, Meujael, Metusael, Lameque, Jabal, Jubal até Tubalcaim, marcando a história com orgulho,
apostasia e morte (Gn 4.17-24).
204
Eis a linhagem da promessa: Adão, Sete, Enos (Gn 4.25-26), Cainã, Maalalel, Jarede, Enoque, Metusalém,
Lameque, Noé (Gn 5.1-32).
205
VAN GRONINGEN, 2002, p. 151.
206
KEVAN, op. cit., loc. cit.. Currid (op. cit., p. 155) chama a atenção para o fato de este ser o segundo poema
da Bíblia. A comparação deste cântico com o primeiro, encontrado em Gênesis 2.23, revela a brutalidade dos
efeitos da desobediência de Adão e Eva.
207
A esperança é publicada no nome de tve_, “Sete”, “designado” (cf. KIDNER, op. cit., p. 73). A BEG, nota de
estudo Sete, p. 16, sugere o sentido de “apontado”. A BTE, nota de estudo “q”, p. 30, sugere um jogo de palavras
entre Shet e shat (suscitou). A expectativa da vinda do Redentor, frustrada em Caim e na morte de Abel, é
renovada e assegurada. A partir de vAna/, “Enos”, “aquele que é homem, humano” (KIDNER, op. cit., loc. cit.) ou,
simplesmente “fraqueza” (YATES, op. cit., p. 190), o nome de Deus passa a ser invocado.
208
VAN GRONINGEN, 2002, p. 154.
68
evidência da graça comum — permite colocar o cosmos sob a devida perspectiva. O estrago
produzido pela queda não afasta Deus de sua criação. O Criador soberano unifica o cosmos
Não é verdade que há dois mundos, um mal e um bom, que estão encaixados
um no outro. [...] é um e o mesmo mundo que outrora exibiu toda glória do
Paraíso, que depois foi atingido com a maldição e que, desde a Queda, é
sustentado pela graça comum; que agora foi redimido e salvo por Cristo em
seu centro e que passará do horror do julgamento para o estado de glória.209
denominam estrutura e direção.210 Esta pesquisa sugere que este conjunto bíblico de asserções
sobre cosmogonia, antropogonia, mandatos criacionais, queda e graça comum, articulado pela
ponto, faz-se referência a tal modelo sempre que se utiliza a expressão cosmovisão cristã.211
Pearcey sugere o uso de uma “caixa de ferramentas bíblicas” para a cosmovisão cristã,
equipada com três idéias: Criação, queda e redenção.212 Na categoria da criação tudo se
uma vez que o homem encontra-se sob o efeito noético do pecado.214 Na categoria da
209
KUYPER, op. cit., p. 80-81.
210
Op. cit., p. 96. “Estrutura diz respeito ao caráter criado do mundo, que ainda é bom mesmo depois da queda
[...]. Direção refere-se ao modo como ‘dirigimos’ essas estruturas para servir a Deus ou a ídolos.”
211
Ibid., p. 27. A autora defende que a palavra cosmovisão foi assumida nesses termos pelos pensadores
holandeses calvinistas Abraham Kuyper e Herman Dooyeweerd.
212
Op. cit., p. 49-51.
213
Ibid., p. 49.
214
Ibid., p. 49-50. O efeito noético é o efeito do pecado sobre a nou/j, “mente”, produzindo obscurecimento e
confusão.
69
redenção, tudo encontra novo significado e passa a ser novamente centralizado e reconstruído
em Cristo.215
Tais ferramentas são aplicáveis a todas as áreas da vida. Pearcey defende que,
munidos deste instrumental, é possível não apenas diagnosticar, mas também reconstruir
1. CRIAÇÃO. Como este aspecto do mundo foi criado em sua origem? Qual
era sua natureza e seu propósito originais?
2. QUEDA: Como a criação foi torcida e retorcida pela queda? Como foi
corrompida pelo pecado e pelas falsas cosmovisões? Sem Deus, a criação
tende a ser divinizada ou endemoninhada, ou seja, torna-se ídolo ou
demônio.
3. REDENÇÃO: Como podemos colocar este aspecto do mundo sob o
senhorio de Cristo, restaurando-o ao propósito para o qual foi originalmente
criado?216
gerenciamento, extrai sua legitimidade da criação, a fim de funcionar coram Deo, ou seja,
215
Ibid., p. 50-51.
216
Ibid., p. 144.
217
OLIVEIRA, 2004, p. 72; KUYPER, op. cit., p. 98.
70
Torna-se plausível afirmar que o relato bíblico da criação revela o Deus criador e
um propósito (Is 45.18; At 4.28; Ef 1.11). “Deus planejou tudo e executa o seu plano (Is 46.9-
humana em geral e, especialmente a cultura, que é criada pelo homem, revelam sinais de sua
rebelião instigado por seu usurpador, a serpente. Cada aspecto modal da realidade contém
criatura, mas isso não é absolutamente necessário. O aspecto modal econômico continua
desta pesquisa.
218
PORTELA NETO, F. Solano. Planejando os Rumos da Igreja: Pontos Positivos e Crítica de Posições
Contemporâneas, in Fides Reformata, v. 1, n. 2 (1996), p. 80.
71
CAPÍTULO IV
ou contradiz a hipótese desta pesquisa. São formuladas novas sínteses que, por sua vez,
Os quatro quadros demonstram como José (seção 4.1), Moisés e a Trindade (seção
4.2), o Senhor Jesus Cristo (seção 4.3) e, por fim, o registro lucano de Atos (seção 4.4),
as crenças e práticas da igreja e o livro de Atos é visto pelos cristãos como inspiração para
a prática da missão.
219
Reconhece-se que há outras referências na Bíblia que permitem uma abordagem útil ao assunto. No
entanto, assume-se que a exposição exaustiva dessas passagens foge ao escopo da presente pesquisa.
72
gerencial. Potifar, oficial de Faraó,220 percebendo o favor divino sobre a vida de José (Gn
39.2-3), nomeia o jovem “mordomo” de sua casa. José, competente e honesto, recusa-se a
desonrar a Deus e sofre prejuízo pessoal (Gn 39.4-20). No cárcere do rei Yahweh continua
a abençoá-lo e ele trabalha como supervisor dos presos, ou seja, toma providências para o
bom funcionamento da prisão, sob a autoridade do carcereiro (Gn 39.21-23). Anos depois
ele vê-se diante do Faraó, interpreta um sonho e recebe uma incumbência de administrar
José interpreta o sonho de Faraó e, em seguida, apresenta um plano (Gn 41.25-36). O texto
bíblico registra a palavra do Faraó “aos seus oficiais: Acharíamos, porventura, homem como
este, em que há o Espírito de Deus?” (Gn 41.38). Devidamente contratado, José coloca em
terreno para o enriquecimento e expansão dos domínios de Faraó (Gn 41.46-57, 47.13-26).
união de sua família. Como vice-gerente de Deus, ele opera no aspecto modal econômico
sem dicotomias. Ele não considera os métodos administrativos como coisas “impuras” ou
comunitária, mas pode ser utilizada para garantir-lhe a continuidade e o crescimento. Por
220
De acordo com WALTON, John H. O Antigo Testamento em Quadros: Conheça Melhor o Antigo Testamento
Através de Tabelas e Diagramas Cronológicos e Explicativos. São Paulo: Editora Vida, 2001, p. 15, 62, José
viveu provavelmente entre 1915 e 1805 a.C. durante o Império Médio, sob a décima segunda dinastia egípcia
(2106-1786 a.C.). O Faraó que governava no tempo em que ele tinha trinta anos (cf. Gn 41.46) era,
provavelmente, Amenemete I (1983 – 1934 a.C.), seguido de Senousrete I (1943-1898). A BEG, p. 77,
argumenta em favor de uma data posterior da ascensão de José ao poder, situando-a no período de “domínio do
Egito pelos hicsos, que também eram semitas (c. 1700-1550 a.C)”. O problema com a datação da BEG é a
declaração de Êxodo 12.40: “Ora, o tempo que os filhos de Israel habitaram no Egito foi de quatrocentos e trinta
anos”. Se for mantida a data do Êxodo entre 1450-1440, os eventos da vida de José devem ser colocados em c.
1880 a.C.
73
com ele.
estruturas econômicas e, por conseguinte, políticas de uma nação pagã — o Egito. Por outro,
ascendência do Redentor.221
divisão do trabalho. “Toda atividade humana organizada [...] dá origem a duas exigências
observação de uma equipe envolvida na forja de alfinetes, ele argumenta que a divisão do
221
NELSON, Thomas. Manual Bíblico de Mapas e Gráficos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 23: “José foi o
instrumento usado por Deus para preservar a família de Jacó durante os anos de fome (Gn 41—46), preservando
também da destruição a linhagem do pacto e da promessa.”
222
MINTZBERG, Henry. Criando Organizações Eficazes: Estruturas em Cinco Configurações. 2. ed. 3. reimp.
São Paulo: Atlas, 2006, p. 12.
223
SMITH, 2003, p. 7-17.
74
A multiplicação da produção das diversas artes, em uma sociedade bem administrada, gera
“opulência generalizada que se estende às mais baixas camadas do povo”.226 Mas, o que
câmbio.227
Antes de Smith, porém, Moisés lida com uma questão que exige a divisão do
trabalho. Se José contribui para instalar a família de Jacó nos domínios de Faraó,
quatrocentos e trinta anos depois, Moisés lidera sua retirada (Êx 12.37-41).228
20 et seq.). Tal revelação pode ser considerada um evento transcendente. Deus concede as
“leis morais, civis e cerimoniais, bem como o projeto do Tabernáculo, que deveria ser
construído no deserto”.229 Tal concessão tem uma finalidade. Israel está sendo constituído
como povo sacerdotal (cf. Êx 19.5 et seq.) — um fato que repercute significativamente
224
Ibid., p. 8-9.
225
Ibid., p. 11-15.
226
Ibid., p. 15.
227
Ibid., p. 18-21.
228
Esta pesquisa assume que a retirada dos israelitas de Canaã deu-se entre 1450-1440 a.C. no período do Novo
Império, na décima oitava dinastia egípcia, sob Tutmés III (1479 – 1425, cf. WALTON, op. cit., p. 62; 1504-
1450 a.C.; BEG, loc. cit.) ou Amenotepe II (1450-1425 a.C., cf. BEG, loc. cit.; NELSON, op. cit., p. 30).
NELSON, op. cit., p. 27, 30, refere-se ainda a uma teoria de data mais recente do Êxodo, ao redor de c. 1275
a.C., o que colocaria o evento sob Ramsés II (1304-1236). O problema com essa última hipótese é a
desconsideração da declaração de 1 Reis 6.1, de que o Êxodo ocorreu antes da fundação do templo, em 966 a.C.
229
NELSON, op. cit. p. 35.
75
Nesses termos, o Capítulo da Aliança (Êx 19),230 deve ser considerado um proêmio
aos Dez Mandamentos, listados no capítulo seguinte. Acampado “em frente do monte” (Êx
19.2) Israel prepara-se para o grande evento do recebimento da Lei: Moisés sobe ao monte e
ouve a Yahweh (Êx 19.3-6), depois transmite o que ouviu aos anciãos e ao povo (Êx 19.7-10),
sobre os arranjos necessários (Êx 19.10-15). Três dias depois são ouvidos “trovões, e
relâmpagos [...] e mui forte clangor de trombeta”. Uma nuvem densa cobre o monte e o povo
estremece (Êx 19.16). Moisés leva o povo para “fora do arraial ao encontro de Deus” e a
multidão contempla o monte fumegando e tremendo, uma vez que Deus desce sobre ele em
fogo (Êx 19.17 et seq.). Poderosa experiência espiritual. O Divino revela-se em palavra e
poder. Uma provisão transcendente está a caminho, prestes a ser dispensada ao povo nascente.
que registra uma providência administrativa. A visita de um pagão midianita, Jetro, ao seu
genro israelita, Moisés, contribui para criar a estrutura gerencial da nação de Israel.
Halley afirma que “foi mediante o conselho desse governante midianita amigo, seu
sogro, que [Moisés] conseguiu organizar o povo de modo mais eficiente”.231 A BTE vai
mais longe ao sustentar que o relato autentica, “por um ato do próprio Moisés, a
230
BTE, p. 125.
231
HALLEY, Henry Hampton. Manual Bíblico de Halley: Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida Nova,
2001, p. 118.
232
BTE, nota de estudo “f”, p. 124.
76
chefes, cada um com sua alçada (Êx 18.21-22). Muito mais pode ser realizado com menos
esforço, o povo é mais bem atendido e Moisés tem mais tempo para dedicar-se a
representá-lo “perante Deus”, levar “as suas causas a Deus” e ensinar-lhes “o estatutos e
as leis”, fazendo-os “saber o caminho em que devem andar e a obra que devem fazer” (Êx
18.17-20, 23).
Destacam-se algumas expressões. O sogro de Moisés declara “não é bom o que fazes”
(Êx 18.17), uma frase que ressoa Gênesis 2.18, quando providências criativas precisaram ser
tomadas, relacionadas à solidão de Adão. Aqui, a solidão de Moisés na condução das questões
encontra-se em Êxodo 18.24: “Moisés atendeu às palavras de seu sogro e fez tudo quanto este
lhe dissera”.233 Algo semelhante é encontrado em Êxodo 19.8: “Então, o povo respondeu à
uma: Tudo o que o SENHOR falou faremos” e nas declarações conclusivas relacionadas às
Moisés” (cf. Êx 39.2, 5, 7, 21, 26, 29, 31). Tais afirmações demonstram que Moisés e o povo
Junto ao “monte de Deus”, no deserto, há uma multidão que precisa de cuidados. Deus
está prestes a firmar uma importante aliança com esse povo, dando-lhe a lei. É plausível
sugerir uma correlação com o Gênesis. Tanto as alianças da criação e redenção, quanto a
aliança do Sinai, foram firmadas após a execução de atos administrativos. Talvez seja
modais pístico e econômico: a administração cria estruturas necessárias à prática daquilo que
trabalho.
233
Grifo nosso.
234
OLIVEIRA, 2004, p. 87.
77
indícios da divisão do trabalho no próprio Criador. Isso pode ser feito a partir do estudo de
Moltmann, que percebe no relato bíblico da vida e obra de Jesus o desvendamento de seis
tópicos: (1) Envio; (2) sofrimento (paixão) e morte; (3) ressurreição; (4) exaltação do Filho;
“o Pai envia o Filho, através do Espírito. O Filho procede do Pai, na força do Espírito. O
Espírito conduz os homens ao seio da comunidade do Filho com o Pai” 236 (Gl 4.4-6; Lc 1.34-
35; Rm 8.15-16). O próximo tema é o da paixão e morte de Jesus, onde se verifica que “o Pai
entrega o seu próprio Filho à morte absoluta, por nós. O Filho entrega-se a si mesmo, por nós.
O comum sacrifício do Pai e do Filho acontece por meio do Espírito Santo, que liga e unifica
o Filho, em seu abandono, com o Pai”237 (Mc 15.34; Jo 10.17-18; Hb 9.14). Em seguida,
defrontamo-nos com o tema da ressurreição, no qual “o Pai ressuscita o Filho, pela força do
Espírito; o Pai revela o Filho, pelo Espírito e o Filho é estabelecido como Senhor do poder de
Deus, mediante o Espírito”238 (Rm 1.4, 6.4; 1Co 2.10). A partir da ressurreição, partindo dos
Evangelhos para o restante do NT, são encontrados os temas da exaltação do Filho e envio do
Espírito. A Bíblia ensina que “o Pai ressuscita o Filho morto, pelo Espírito vivificador; o Pai
estabelece o Filho como Senhor do seu reino e o Filho ressuscitado envia o Espírito criador do
Pai, que renova céus e terra” 239 (At 2.32, 33, 36). Por último, na temática da consumação, a
235
MOLTMANN, Jürgen. Trindade e Reino de Deus: Uma Contribuição Para a Teologia. Petrópolis: Vozes,
2000, passim.
236
Ibid., p. 88.
237
Ibid., p. 96.
238
Ibid., p. 101.
239
Ibid., p. 102.
78
Escritura demonstra que “o Pai submete tudo ao Filho; o Filho entrega o reino consumado ao
O Deus Triúno age dinamicamente; sua ação não segue um molde fixo ou rígido, mas
vontade. Esta operação revela a divisão divina do trabalho. Não se trata apenas da constatação
O centro do NT é a pessoa e obra de Cristo. Uma investigação sobre seus ditos e feitos
Marcos: Estabelecimento de autoridade (Mc 1.22, 3.14-15), cuidado dos liderados (Mc 1.31);
investimento em ensino (Mc 2.13), escolha de colaboradores (Mc 2.14), planejamento (Mc
3.9), avaliação (Mc 4.24), publicidade (Mc 5.20), preparo de sucessores (Mc 5.35-43) e
organização (Mc 6.39).242 Em outra obra, o mesmo Briner sugere uma leitura abrangendo
Esse tipo de abordagem é bem-vindo por duas razões. Primeiro, porque cria links
entre o exemplo de Cristo e alguns desafios práticos da administração. Segundo, porque, com
sua linguagem acessível, coloca nas mãos de seus leitores ferramentas úteis. Há, no entanto,
categorias extraídas da administração do século XXI. O Jesus dos Evangelhos pode dar lugar
ao Jesus Administrador ou ao Jesus Consultor — versões de auto-ajuda que têm pouco a ver
com o Redentor retratado na Escritura. A exegese apressada e superficial impede que tal
sugestão se torne paradigmática, uma vez que todo paradigma exige uma base conceitual
consistente e suficiente. Propõe-se uma prática sem, de fato, uma teologia. Isso tem o
potencial de, primeiramente, afastar os cristãos que discernem a ausência de solidez bíblica.
administração. O que precisa ser checado, nesse momento, é se sua pessoa, ditos e obras
243
BRINER, Bob. Os Métodos de Administração de Jesus. São Paulo: Mundo Cristão, 1997. A lista não é
exaustiva.
244
Antes de prosseguirmos, cabe uma ponderação sobre o questionamento de Jeremias, teólogo que se esforça
por encontrar um núcleo confiável das palavras de Jesus a partir da reconstrução aramaica dos textos gregos dos
Evangelhos: “As fontes de que dispomos possibilitam estabelecer com alguma probabilidade as idéias
fundamentais da pregação de Jesus ou essa esperança seria de antemão utópica? [...] Não só temos que contar
80
primeiro lugar, que o nome Jesus designa um profundo lastro com a humanidade e a cultura.
Trata-se de um nome comum, usado por grande número de judeus do primeiro século.
Um segundo dado provém de sua profissão. Jesus era um te,ktwn. O termo é traduzido
por “carpinteiro”, mas pode ser entendido com uma conotação mais ampla, “construtor”. Um
exemplo disso é a afirmação do apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos coríntios: “Segundo
a graça de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro
edifica sobre ele. Porém cada um veja como edifica” (1Co 3.10). Aqui a palavra traduzida por
“arquiteto”. Thiede e D’Ancona argumentam que a cidade de Jesus, Nazaré, ficava distante 6
km de Séforis, reconhecida pelo arqueólogo e monge beneditino Bargil Pixner como “a mais
com o fato de que as palavras de Jesus tenham sofrido alterações no período que vai até sua forma escrita, mas
temos que contar, além disso, com a possibilidade de novas formulações” (JEREMIAS, Joachim. Teologia do
Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Editora Teológica, 2004, p. 29, 30).
Jeremias (ibid., p. 30, 31) assume como critérios para o reconhecimento da autenticidade dos ditos de Jesus: (1)
O método da dessemelhança, originado no estudo comparativo das religiões — um dito autêntico de Jesus não
pode derivar-se do judaísmo antigo, nem da igreja das origens; nem do ideário de seus contemporâneos; (2) os
dados referentes à linguagem — o dialeto galileu do aramaico ocidental — e ao estilo — os modos de falar
preferidos por Jesus.
Especialmente na aplicação do segundo critério, a obra de Jeremias é enriquecedora. O autor possui
conhecimento exaustivo dos idiomas bíblicos e do aramaico, e utiliza tais ferramentas para comparar as palavras
de Jesus nos Evangelhos com o modo de falar de seu meio cultural. Desse esforço surgem informações sobre o
modo como Jesus utilizava o “passivo divino”, o paralelismo antitético, o ritmo, a aliteração, a assonância e a
paronomásia, a hipérbole e o paradoxismo. Ele sugere a singularidade dos ditos de Jesus, definidos como
ipsissima vox em suas parábolas, ditos enigmáticos, discursos sobre o reinado de Deus e usos do amém e Abba
(ibid., p. 31-85). O problema do critério da dessemelhança é levantado incidentalmente por Charlesworth:
“Muitos cristãos, inclusive alguns que são eruditos e sofisticados, inclinam-se a presumir que Jesus deve ter sido
singular e ter tido pouca semelhança com seus contemporâneos” (CHARLESWORTH, James H. Jesus Dentro
do Judaísmo: Novas Revelações a Partir de Estimulantes Descobertas Arqueológicas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Imago, 1992, p. 58). Charlesworth demonstra (ibid., passim), a partir de evidências da arqueologia, que Jesus era
um judeu plenamente integrado à sua cultura, e que muitos de seus ensinos refletem o judaísmo do primeiro
século. Uma conclusão semelhante é obtida por um erudito judeu contemporâneo, cf. FLUSSER, David. Jesus.
São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
Com relação a essa questão, a presente pesquisa assume as pressuposições de Morris: (1) “Cada evangelista tem
sua própria perspectiva teológica, mas não devemos achar que a teologia de cada um seja a coisa mais
importante no evangelho que leva seu nome”; (2) “os evangelhos nos trazem informações confiáveis sobre
Jesus”; (3) “os evangelhos nos transmitem a essência do que Jesus disse e fez” (MORRIS, Leon. Teologia do
Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 110-111).
245
BONNARD, P. Jesus. In: VON ALLMEN, J. J. (Org.). Vocabulário Bíblico. 2. ed. São Paulo: Associação
dos Seminários Teológicos Evangélicos, 1972, p. 197.
81
importante cidade depois de Jerusalém, sob uma perspectiva cristã”. Tal cidade estava sendo
reconstruída como capital da Galiléia durante a juventude de Jesus. Provavelmente Jesus e seu
Considerando que Jesus inicia seu ministério com “cerca de trinta anos” (Lc 3.23),
conclui-se que ele vive a maior parte de sua existência terrena exercendo uma profissão não
reconhecidamente “religiosa”. Esse pode ter sido o motivo da perplexidade registrada nos
A leitura desses registros indica que Jesus Cristo, inserido na cultura de seu tempo,
vida e trabalho.
à prudência. Ao saber que vem o ladrão, o pai de família toma providências para vigiar e
proteger sua casa (Mt 24.43).247 Diante da possibilidade de perseguição, não há mal em
manter uma espada à mão (Lc 22.35-38). O servo infiel da parábola dos talentos, sabendo da
severidade de seu senhor, deve ao menos depositar em um banco os recursos recebidos para
investimento, a fim de garantir o ganho dos juros (Mt 25.27). Antes de construir uma torre, o
sábio se senta para “calcular a despesa e verificar se tem os meios” para concluí-la; antes de
(Lc 14.27-33). “Um meio começo é pior do que nenhum”,248 ou seja, a ação eficaz é realizada
246
THIEDE, Carsten Peter; D’ANCONA, Matthew. Testemunha Ocular de Jesus: Novas Provas em Manuscrito
Sobre a Origem dos Evangelhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 181.
247
JEREMIAS, Joachim. As Parábolas de Jesus. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 46, sugere que nesta
parábola Jesus se refere a um acontecimento concreto, talvez um fato ocorrido há pouco tempo e que está sendo
comentado por toda a aldeia.
248
Ibid., p. 197.
82
40; Lc 9.14). Tanto na primeira quanto na segunda multiplicação, o alimento que sobra é
recolhido, contado e guardado (Mt 14.20, 15.37; Mc 6.43, 8.8; Lc 9.17 e Jo 6.12-13).
Cabe afirmar que o Senhor encarnado não apenas se orientava pelas instruções diretas
recebidas da Escritura, mas também pela “luz da natureza e prudência”.249 Considera-se, aqui,
“natureza” como sinônimo de “ordenanças da criação”,250 o que abre o terreno para sugerir-se
O propósito desta seção é examinar três blocos de informações no livro de Atos: (1) O
cuidado de Lucas com números; (2) a criação de estrutura eclesiástica em Atos 6 e (3) a
249
ASSEMBLÉIA DE WESTMINSTER, op. cit., CFW, I.vi, p. 24-25.
250
KUYPER, op. cit., p. 78.
251
Esta pesquisa não tem a intenção de entrar em detalhes sobre os debates técnicos relacionados ao livro de
Atos. Um aspecto, porém, precisa ser pontuado. Em 2.3.2.2 abordou-se o questionamento de Volkmann sobre a
autoria paulina das epístolas Pastorais. Demonstrou-se que tal pressuposição — prejudicial ao correto
entendimento do ensino bíblico sobre a liderança presbiterial — é desprovido de bases sólidas. Registre-se,
porém, que Volkmann afirma crer na autenticidade e utilidade dos registros de Atos.
O assunto que se levanta agora é outro. Kistemaker refere-se a Roloff, estudioso que sustenta que os discursos
paulinos de Atos foram colocados “nos lábios de Paulo” por um escritor tardio (ROLOFF, Jurgen. Die
Apostelgeschichte. In: Das Neus Testament Dutsch. Göttingen: Vandenhoeck und Ruprecht, 1981, v. 5, p. 3,
apud KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Atos. São Paulo: Cultura Cristã, 2006a. v. 1, p.
28). Esse tipo de argumentação é assumido por estudiosos críticos que “questionam o valor do testemunho da
igreja primitiva” (CARSON; MOO; MORRIS, op. cit, p. 210). Cadbury, por exemplo, considera “fantasiosas” as
teorias dos primeiros cristãos sobre a origem do Novo Testamento (ibid., loc. cit.).
Esta pesquisa assume que Lucas é o autor de Atos e que o livro foi escrito antes de 19 de julho de 64 d.C.
(KISTEMAKER, 2006a, p. 44. Argumentos consistentes defendendo essa posição são fornecidos pelo próprio
Kistemaker (ibid., p. 41-44). As implicações de tais pressupostos são as seguintes: (1) Atos reflete a teologia e as
práticas das três primeiras décadas depois do Pentecostes (ibid., p. 43); (2) os registros de Atos são plenamente
consistentes com os das epístolas paulinas.
83
a ressurreição o grupo de cristãos reunidos é de “umas cento e vinte pessoas” (At 1.15). No
dia de Pentecostes agregam-se à igreja “quase três mil pessoas” (At 2.41). Os eventos da cura
do coxo e do sermão de Pedro culminam com a subida do “número de homens a quase cinco
mil” (At 4.4). Além dessas informações detalhadas, há outras referências gerais ao
crescimento da igreja (At 2.47, 5.14, 6.7, 8.6, 9.31, 11.21 e 24, 12.24, 16.5 e 17.12). Tais
jamais como meta. O número de pessoas que abraçam o evangelho é uma variável
transcendente, que se encontra fora do controle da igreja (cf. At 13.48, 16.14, 18.9-10).
criação de estruturas para o atendimento de pessoas, uma leitura que destoa da tese de
Theissen, para quem “Jesus não fundou primordialmente comunidades locais, e sim
252
THEISSEN, Gerd. Sociologia do Movimento de Jesus. São Leopoldo: Sinodal, 1989, p. 16. Theissen
descreve a igreja primitiva como uma amálgama de três movimentos: Primeiro, um núcleo itinerante
formado por “apóstolos, profetas e discípulos carismáticos apátridas”, completamente espontâneo e cujo
papel não é “uma forma de vida institucionalizada” (ibid., loc. cit.). Os apóstolos percorrem campos, vilas e
cidades fazendo missão e curando (cf. Mc 3.13 et seq.); não têm a “incumbência de dirigir comunidades”
(ibid., p. 17). Um segundo movimento é o crescimento dos núcleos de crentes nos lares. Os carismáticos são
sustentados em casas de simpatizantes, que por sua vez, se desenvolvem em comunidades locais, ainda
84
Esse não parece ser o caso, pelo menos a partir de uma leitura conservadora da
Escritura. Lucas registra que, logo após a ressurreição, os apóstolos dirigem uma reunião
para eleição do substituto de Judas (At 1.12-26). Depois do Pentecostes, além de pregar e
realizar sinais, eles lideram uma comunidade, o que envolve a gerência de bens (At 2.42-
47, 4.32-35). A dificuldade em assumir isso decorre dos pressupostos de Theissen sobre o
NT. Sua abordagem dos textos demonstra que ele os considera uma colagem tardia de
recortes produzidos pelos diversos segmentos da igreja.253 Por sua vez, ele contribui com a
helenistas, “entre os quais presumimos maior número de doadores”,255 percebem que suas
crentes”.257 De acordo com Stott, “nada indica que esse esquecimento fosse proposital [...]; a
ligadas ao judaísmo. Por fim, a ascensão dessas comunidades sobre o profetismo itinerante exige
regulamentação de conduta, estruturação de autoridade e definição de normas de admissão e exclusão (ibid.,
p. 22-25). Para Theissen, Jesus não fundou a igreja — uma comunidade ou instituição — e sim um movimento.
253
O NT, segundo ele, revela as tensões entre os carismáticos andarilhos e a comunidade. Os primeiros
produzem os textos que enfatizam a vida sem pátria, renúncia à família e propriedade e desproteção (ibid., p. 18-
22). Os últimos são os responsáveis pelas passagens que recomendam a regulamentação da conduta, a estrutura
de autoridade, o batismo como iniciação comunitária e a disciplina (ibid., p. 22-26). Outro aspecto formativo da
igreja primitiva é o papel do Filho do Homem, cuja referência neotestamentária é devida aos carismáticos
andarilhos, ao passo que o título Messias é destacado pela comunidade institucionalizada.
254
Diferentemente de Wagner que propõe o dilema comunidade versus instituição (cf. seção 2.2), Theissen
enxerga o dilema carismatismo itinerante, destituído de formatação, versus comunidade que, por sua própria
natureza, exige institucionalização.
255
Ibid., p. 51.
256
O verbo cognato é usado pela LXX para referir-se à reclamação dos israelitas contra Moisés (cf. Êx 16.8; Nm
17.25 — cf. STOTT, John R. W. A Mensagem de Atos: Até os Confins da Terra. 1. ed. 2. reimp. 2003. São
Paulo: ABU, 1994. A Bíblia Fala Hoje, p. 132). Os membros da igreja falam mal dos apóstolos.
257
MARSHALL, I. Howard. Atos: Introdução e Comentário. 1. ed. reimp. 1985. São Paulo: Mundo Cristão;
Vida Nova, p. 122.
85
causa provável era uma falha na administração ou supervisão”.258 O conflito exige uma
“separação organizativa dos dois grupos”.259 Kistemaker vê nessa situação um paralelo com
“razoável [...]” (At 6.2).262 A resposta ao problema tem de atender à prudência, àquilo que é
Ceder à pressão gerada pela murmuração — por mais legítima que seja a necessidade
relatada — não é a melhor alternativa. Os Doze se vêem forçados a escolher entre o urgente e
mesas.”264
Os apóstolos não hesitam em dizer à igreja que eles não conseguem, sozinhos, suprir a
todas as demandas. Estabelecem prioridades e dividem tarefas. Até aqui eles “têm tido a
responsabilidade total de cuidar das necessidades espirituais e materiais dos crentes. Mas é
258
Ibid., p. 133, grifo nosso.
259
THEISSEN, op. cit., loc. cit., grifo nosso.
260
KISTEMAKER, 2006ª, p. 296.
261
BTE, nota de estudo “n”, p. 2113: “É a igreja enquanto assembléia deliberante (cf. v. 5; 15.12.30)”.
MARSHALL, op. cit., p. 123: “A proposta feita pelos Doze foi submetida a uma assembléia da igreja [...].”
262
Outras traduções trazem “não é certo” (NVI; NTLH), “não convém” ou “não é conveniente” (BJ; BTE). Para
Kistemaker (2006a, p. 299), “o adjetivo verbal do verbo avre,skw (eu agrado; v. 5) juntamente com a partícula
negativa ouvk (não) significa ‘não é desejável’.”
263
A expressão carrega o sentido de desmazelo: “Não é certo negligenciarmos” (BENVI). Os Doze não podem
deixar a Palavra de Deus para diakonei/n trape,zaij, “servir às mesas”. O versículo não se refere apenas ao perigo
de um descuido, mas também a uma oportunidade de serviço diaconal.
264
BTE, nota de estudo “l”, p. 2113, grifo do autor.
265
KISTEMAKER, 2006a, p. 296.
86
A solução proposta é separar pessoas capacitadas para cuidar do serviço (At 6.3).266
Estas devem ser honestas e repletas do Espírito Santo e sabedoria, ou seja, portadoras de
caráter, competência e graça divina, ou, como diz a tradução de Philips, homens “práticos e
O quarto versículo encerra o argumento dos Doze. Estes se dedicarão th/| proseuch/| kai.
th/| diakoni,a| tou/ lo,gou, “à oração e ao ministério da palavra”.269 Observe-se uma segunda
referência à idéia de diaconia. Em Atos 6.2 aponta-se a “diaconia das mesas”, e aqui para a
“diaconia da palavra”. Os apóstolos estão dizendo que ambos os grupos, os Doze e os Sete,
servem no espírito diaconal, ou seja, trabalham para o Senhor atendendo à igreja. A diferença
A proposta é bem recebida, sete irmãos são eleitos e a igreja prossegue enquanto é
6.5-7).271
a harmonia dos relacionamentos, e, por conseguinte, para a vida espiritual da igreja nascente,
266
O termo traduzido por “serviço” é crei,aj, que indica precisão, necessidade, ou ofício (cf. Lc 10.42; Hb 7.11).
267
STOTT, op. cit., p. 134.
268
KISTEMAKER, 2006a, p. 297.
269
Os dois artigos definidos, th/, “à”, “ao” que precedem os substantivos oração e ministério “significam que o
autor indica orações formuladas e cultos de pregação” (ibid., p. 299); cf. BJ, nota de estudo “e”, p. 1911: “A
dupla função dos apóstolos nas reuniões litúrgicas da comunidade: Pronunciar as orações e fazer a catequese.”
270
THEISSEN, op. cit., p. 48-49 relata que o templo tinha a capacidade de empregar “1.000 sacerdotes pobres.”
271
Um espaço poderia ser concedido à discussão das origens do ofício do diaconato. Atos 6.1-7 retrata tal
origem ou esta ocorre em um desenvolvimento tardio da igreja? Tanto a BENVI, nota de estudo 6.6, p. 1861,
quanto a BEG, nota de estudo “a palavra de Deus”, p. 1280, relacionam as palavras usadas no texto com o
vocábulo diácono. A BEG, loc. cit., sugere que o ofício de diácono, descrito em 1 Timóteo 3.8-13, “pode ter
tido seu começo aqui”. Tal esforço, porém, seria uma digressão, indo além do que é proposto neste trabalho. A
obtenção dos recursos para elaboração de uma resposta à segunda questão subsidiária exige que nos detenhamos
nos pontos abordados a seguir.
87
“luz da natureza e prudência cristã”; (3) os responsáveis pela ação administrativa são os
propõem uma solução e confirmam sua autoridade sobre o povo empossando publicamente os
que foram eleitos para a realização do serviço; (4) a iniciativa apostólica compreende
edificar a igreja; (5) a palavra de Atos 6.4 não pode ser compreendida como uma fuga dos
ação administrativa que abre espaço para separar o urgente do importante; (6); os homens
dependente do Espírito Santo; (7) a ação apostólica é institucional no sentido de criar uma
crescimento da igreja.
igrejas. Diversas partes do registro lucano demonstram que Paulo planta igrejas sob a direção
divina (cf. At 9.15-16, 13.1-4, 16.6-7). A questão que se levanta é: Ele utiliza algum método?
É possível aventar que ele, no estabelecimento das comunidades cristãs, segue um plano
previamente estabelecido?
88
Selêucia e vão para Chipre. Em Pafos testemunham ao procônsul Sérgio Paulo que crê,
seguida, para Antioquia da Pisídia, onde muitos crêem (At 13.13-52). Falam na sinagoga
de Icônio, com resposta positiva tanto de judeus quanto de gregos (At 14.1). As próximas
paradas são Listra e Derbe, onde o evangelho é também anunciado e produz fruto (At
14.8-18, 20-21). A partir desse ponto começa o retorno. Paulo e Barnabé passam pelas
encomendando tais líderes às igrejas. Passam pela Pisídia e Panfília, pregam em Perge,
descem para Atália e chegam, por fim, em Antioquia da Síria de onde haviam saído “para
a obra que haviam cumprido” (At 14.21-26)274. A igreja os recebe e se alegra com as
272
Esta pesquisa evita atribuir a estas viagens o título “missionárias”, assim como, a Paulo e seus companheiros
o título “missionários”. Ainda que se reconheça a aceitação universal dessa nomenclatura, o fato é que a palavra
“missionário” não se encontra em Atos — e nem no restante do NT. No texto bíblico os seguidores de Jesus, de
modo geral, são “irmãos” (At 1.15), “testemunhas” (At 1.8), “crentes” (At 5.14), “discípulos” (At 6.1) e
“cristãos” (At 11.26), e os que ocupam ofícios são designados “apóstolos” (At 1.2), “profetas” (At 11.27),
“presbíteros” (At 14.23) ou “bispos” (At 20.28) e “evangelistas” (At 21.8).
273
ALLEN, Roland. Missionary Methods: St. Paul’s or Ours? Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 2001, p. 3, tradução nossa.
274
Grifo nosso.
89
(Derbe, por exemplo), pode ser afirmado que, em dois anos, foram organizadas — com
A segunda viagem ocorre após o Concílio de Jerusalém (At 15.1-36). Paulo e Silas
saem de Antioquia e passam pela Síria e Cilícia “confirmando as igrejas” (At 15.40-41).
Chegam a Derbe e, em Listra, Timóteo se junta a eles (At 16.1-3). Transmitem às igrejas —
fortalecidas e crescem em número (At 16.4-5). Tentam pregar na Ásia. De Mísia tentam ir
para a Bitínia, mas terminam aportando na Macedônia (At 16.6-10). A partir de Atos 16.10 a
descrição da viagem é feita na primeira pessoa do plural até 16.17, o que é retomado em 20.5.
Isso indica a participação do narrador, Lucas, nesses eventos.276 De Trôade vão para Neápolis
e, dali, a Filipos, onde uma igreja é estabelecida (At 16.11-40). Passam por Anfípolis e
Apolônia, e chegam a Tessalônica, onde outra igreja é implantada (At 17.1-9). Os irmãos
enviam Paulo e Silas para Beréia e surge uma terceira nova igreja (At 17.10-12; cf. 20.4).
Paulo prega em Atenas, onde alguns crêem e segue para Corinto onde conhece Priscila e
Áquila, estabelece outra igreja e permanece por um ano e seis meses (At 17.16-18-11). O
retorno dá-se a partir de Corinto para Cencréia, daí para Éfeso (onde deixa Priscila e Áquila) e
prega algumas vezes aos judeus. Saindo de Éfeso os viajantes desembarcam em Cesaréia e
275
DOWLEY, Tim. (Ed.). Atlas Vida Nova da Bíblia e da História do Cristianismo. 1. ed. reimp. 1998. São
Paulo: Vida Nova, 1997, p. 68. ALLEN, op. cit., loc. cit., entende que a primeira viagem foi iniciada em 47 d.C.
276
MARSHALL, op. cit., p. 249. KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Atos. São Paulo:
Cultura Cristã, 2006b, v. 2, p. 122.
90
foram iniciadas cinco igrejas e um grupo de convertidos em Atenas, em três ou quatro anos.
Listra, Icônio e Antioquia, as “regiões mais altas” citadas em Atos 19.1 (cf. At 18.23) e chega
a Éfeso, onde prega o evangelho e consolida a igreja por dois anos (At 19.1-41). De Éfeso
prossegue até a Macedônia (provavelmente Filipos, Tessalônica e Beréia) e vai para a Grécia
(talvez Atenas e Corinto). Volta a Macedônia e, de lá, segue para Trôade (At 20.1-12).
Chegando a Mileto, despede-se dos presbíteros de Éfeso e dali segue passando por Rodes,
término é marcado pela chegada de Paulo em Jerusalém, onde ocorre uma turbulência que
e os textos de Atos não permitem afirmar que ele responde a todas essas situações segundo
uma estratégia previamente definida (cf. At 14.1-7, 19). Na segunda viagem Paulo é impedido
pelo Espírito Santo de pregar na Ásia e na Bitínia, recebendo divina orientação para dirigir-se
Grécia para a Síria, ele é forçado a voltar por outro caminho (At 20.2-3). Por fim, ao escrever
aos cristãos gálatas, informa que o estabelecimento da igreja entre eles não decorreu de um
plano cuidadosamente elaborado, mas de uma “enfermidade física” (Gl 4.13).279 Se as viagens
277
DOWLEY, op. cit., loc. cit.
278
Ibid., p. 69.
279
ALLEN, op. cit., p. 10. STOTT, John R. W. A Mensagem de Gálatas: Somente Um Caminho. São Paulo: ABU,
2003, (A Bíblia Fala Hoje), p. 106, presume que “se não foi uma crise de alguma condição crônica, ele teria apanhado
uma infecção a caminho da Galácia, a qual fê-lo deter-se ali”. HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo
91
paulinas em Atos têm algo a dizer sobre planejamento na implantação de novas igrejas, é que
Isso não significa, porém, que Paulo seja afeito à improvisação. Mesmo rejeitando a
primeira viagem (At 13.2, 14,26, 15.38), permite cogitar ao menos em uma atividade prévia e
minimamente articulada.
Allen chama a atenção para o fato de — nas viagens em questão — Paulo abordar não
apenas cidades isoladamente, mas províncias. Ele nota ainda que o trabalho é realizado dentro
localidades importantes.280 Mais: As igrejas iniciadas por Paulo estão inseridas em centros da
A administração romana providencia não apenas proteção dos inimigos externos, o que
possibilita a realização de viagens e outras iniciativas de propagação da fé, mas uma estrutura
legal que permite a Paulo e aos discípulos proteger-se da violência interna incitada pelos
judeus.282 A civilização grega, por sua vez, contribui com a estrutura cultural, uma base
educação grega fornecida nas cidades visitadas por Paulo permite a comunicação em termos
argumenta com base na Escritura, a fim de provar que Cristo é o Messias (At 13.5,14-15,
Testamento: Gálatas. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 246 destaca, a partir do versículo 14, que se trata de “uma
enfermidade tão séria que poderia ter suscitado nos gálatas um sentimento de desprezo e nojo.”
280
Op. cit., p. 12.
281
Ibid., p. 13.
282
Ibid., loc. cit. GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.
12-14, fala da PAX ROMANA como um dos caminhos da providência — no primeiro século — para a
evangelização mundial.
283
ALLEN, op. cit., p. 14; GREEN, op. cit., p. 14-21.
92
17.1, 10, 18.4,19, 19.8).284 Nos centros comerciais transita grande quantidade de pessoas e
cumprindo. O tempo atual deve ser usado com propriedade para o anúncio da salvação.
Cristo”, a comunidade escatológica através da qual Deus está trazendo a si os seus eleitos.
assume uma metodologia que, na verdade, é uma aplicação de sua teologia: Fixação em
Palavra de Deus.
registra seu crescimento, o que implica em uso — logicamente nos termos do primeiro século
das viagens de Paulo para implantar e fortalecer igrejas, por sua vez, sinaliza padrões
metodológicos e estratégicos, ainda que a fidelidade aos textos não permita dizer que o
Será que o cuidado de Paulo, de operar dentro dos limites do Império, revela um
contexto da cultura grega, isso não demonstra uso pertinente de ferramentas advindas da
cultura circundante? Temos nos relatos de Atos sobre as viagens de Paulo, ainda que não uma
prescrição, pelo menos uma sinalização positiva quanto ao uso de métodos administrativos? A
Moisés no Êxodo, a ação da Trindade na redenção, Jesus em seu ministério terreno e a igreja
Estas instruções lançam luz sobre o modo como a igreja deve lidar com seus assuntos
negócios da igreja devem ser encaminhados de modo ordeiro, “segundo as regras da Palavra”.
Tais “regras” — os parâmetros para resolução destas questões —, no entanto, nem sempre são
qualquer reducionismo, ao mesmo tempo em que sugere que a Escritura, ainda que suficiente
290
ASSEMBLÉIA DE WESTMINSTER, op. cit., CFW, I.vi, p. 24-25, grifos nossos. Esta pesquisa assume
como pressuposto que a expressão “igreja”, neste ponto da CFW, diz respeito à associação dos cristãos em
assembléias locais ou instâncias denominacionais. Isso é depreendido da referência à igreja no contexto das
“ações e sociedades humanas.”
95
para todas as áreas da vida, não trata direta e exaustivamente de cada uma delas.
discernimento natural dos atributos divinos (I.i; XXI.i); consciência que orienta o não-
alguém de perturbar indevidamente a ordem social (XX.iv) e bom senso que recomenda ao
homem separar uma parte de seu tempo para o culto divino (XXI.vii). Todos esses usos
ao crivo da moderação que leva o homem a evitar “tudo o que acredita ser fonte de erro ou de
dano”.291 As idéias e procedimentos concebidos por esse exercício de bom senso devem, por
sua vez, ser consistentes com o evangelho, ou seja, alinhar-se às “regras da Palavra.”
Resumindo, o texto da CFW propõe não apenas um princípio regulador para o culto,
mas também para o governo eclesiástico. Ambas, “luz da natureza” e “prudência cristã” —
291
FERREIRA, Prudência. In: Op. cit.
96
mas em seu mau uso. Lançar mão de métodos administrativos oriundos da cultura circundante
— aquilo que é comum “às ações e sociedades humanas” — é tanto aprovado quanto sugerido
CAPÍTULO V
O MODELO DE ADMINISTRAÇÃO DA
IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL
aos desafios propostos pelo capitalismo primitivo ou burguesia moderna (fim do século XIX),
o modelo burocrático emerge do capitalismo social (do início às três últimas décadas do
Segundo, cada teoria constrói a partir das elaborações precedentes. Não há ruptura
radical entre elas. O teoria neoclássica refina o que foi proposto pela teoria clássica, o modelo
292
A teoria clássica e a teoria neoclássica da administração, bem como o modelo burocrático de organização.
Tais apresentações não são exaustivas e recomenda-se, para aprofundamento nos tópicos, as leituras das obras
citadas nas referências bibliográficas. Utiliza-se a terminologia sugerida por CHIAVENATO, op. cit.
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., mantêm semelhanças terminológicas ao mesmo tempo em
que dividem o assunto em “Teorias Pré-Sistemas”, “Teoria Geral dos Sistemas (TGS)”, “Pós-Sistemas” e
“Novas Abordagens”. MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Atlas,
2007, considera as abordagens de Fayol e Weber (burocracia) como pertencentes à “Escola Clássica” e
denomina a proposta de Fayol de “Escola do Processo de Administração”, tratando do planejamento estratégico
sob o título “Evolução do Processo Administrativo”, ao invés de usar a designação “Teoria Neoclássica”.
MUNIZ; FARIA, op. cit., mantêm o uso da expressão “Teoria Neoclássica”, ao mesmo tempo em que
denominam a proposta de Fayol de “Abordagem Anatômica”. O estudo reconhece a possibilidade da existência
de outras classificações, propostas por outros autores.
293
Tal afirmação nada mais é do que um desdobramento do paradigma cosmonômico: A administração é núcleo
de significado da esfera modal econômica.
294
Esta pesquisa reconhece que a datação acima, apesar de arbitrária e sujeita a correções, não prejudica o ponto
enfatizado: Cada teoria responde a uma exigência imposta pela situação sócio-econômica.
98
estratégica, longe de ser uma nova “teoria”, apresenta-se como uma iniciativa de aplicação
administração por ela definido reflete não apenas convicções bíblicas, mas, também, as
295
CHIAVENATO, op. cit., p. 74, denomina Taylor e Fayol de “fundadores da moderna Administração.”
296
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 56.-57, 61-63; CHIAVENATO, op. cit., p. 41-43.
297
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 61-62. Taylor obteve, em vida, maior reconhecimento
do que Fayol. Apesar de destacar-se profissionalmente, criar um Centro de Estudos Administrativos, ter seu
nome vinculado a uma escola de pensamento, o fayolismo, e ser prestigiado como aquele que pôs a pedra
fundamental para a construção da doutrina administrativa, a maior parte dessa consideração é póstuma, de modo
que Pierre Morin cita R. Braun, Secretário Geral do Comitê Internacional da Organização Científica, por ocasião
do cinqüentenário da publicação da doutrina de Fayol: “Por estranha ironia do destino, os conselheiros
americanos que foram à França após a Segunda Guerra Mundial — durante o período da reconstrução e do Plano
Marshall — para ajudar no reerguimento industrial, ensinaram aos dirigentes franceses o que o francês Fayol
publicara trinta anos antes, na França”. MORIN, PIERRE. Atualidade de Henri Fayol. In: FAYOL, HENRI,
Administração Industrial e Geral: Previsão, Organização, Comando, Coordenação, Controle. 10. ed. 1990. 8.
reimp. 2007. São Paulo: Atlas, 2007. p. 11-17.
99
dirigentes da empresa; é uma função que se reparte, como as outras funções essenciais, entre a
Para Fayol, administração tem a ver com pessoas e não coisas. O órgão e instrumento
finalidade é “produzir mais e melhor, com o mesmo esforço”304 e sua aplicação gera, no
298
FAYOL, op. cit., p. 19, grifos nossos.
299
Ibid., p. 26: “Prever é perscrutar o futuro e traçar o programa de ação. Organizar é constituir o duplo
organismo, material e social, da empresa. Comandar é dirigir o pessoal. Coordenar é ligar, unir e harmonizar
todos os atos e todos os esforços. Controlar é velar para que tudo corra de acordo com as regras estabelecidas e
as ordens dadas” (grifos do autor). Tais funções — previsão, organização, comando, coordenação e controle —
são descritas por MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 101, utilizando-se o acrônimo POC3.
300
FAYOL, op. cit., loc. cit.
301
Ibid., p. 34.
302
Ibid., p. 43, grifo do autor.
303
Ibid., p. 43-44.
304
Ibid., p. 44. Nesse ponto Fayol ecoa Adam Smith (cf. SMITH, 2003, p. 9): “A divisão do trabalho gera em
todos os ofícios, na medida em que é possível introduzi-la, um aumento proporcional das forças produtivas do
trabalho.”
100
do comportamento mecânico, ou seja, “deve ser arranjada tal como uma máquina”;309 (5) a
forma e a ênfase na estrutura levaram a exageros”;310 (6) a organização é tida como “um
alguns aspectos que são manipulados por meio de princípios gerais e universais. Predomina a
305
Quanto à departamentalização, para Fayol (op. cit., loc. cit.), um departamento é uma unidade de trabalho
especializada, na qual as tarefas são feitas de forma padronizada: “O operário que faz todos os dias a mesma
peça e o chefe que trata constantemente dos mesmos negócios adquirem mais habilidade, mais segurança e mais
precisão e, conseqüentemente, aumentam de rendimento”. Chiavenato (op. cit., p. 68) afirma que o foco da teoria
clássica da administração é “a divisão no nível dos órgãos que compõem a organização, isto é, com os
departamentos, divisões, seções, unidades etc. [...] No mesmo nível hierárquico, cada departamento ou seção
passa a ser responsável por uma atividade específica e própria”. Cf. FERREIRA, Departamento. In: Op. cit.: O
termo “departamento” descreve uma “divisão administrativa da França e de algumas outras nações”. Quanto à
hierarquia, a cadeia escalar tem o formato piramidal: Mais pessoas na base, nas funções não-administrativas, e
menos pessoas no topo, nas funções administrativas. Influenciado por concepções antigas da organização
(militar e eclesiástica), Fayol vê a organização como “uma estrutura”, ou seja, “uma cadeia de comando [...],
uma linha de autoridade que interliga as posições da organização e define quem se subordina a quem”
(CHIAVENATO, op. cit., p. 67).
306
CHIAVENATO, op. cit., p. 71: “Limitaram-se à organização formal, estabelecendo esquemas segundo os
quais as organizações devem ser construídas e governadas. Nesse sentido são prescritivos e normativos.”
307
Ibid., p. 72: “Suas afirmações se dissolvem quando postas em experimentação.”
308
Ibid., loc. cit., grifo do autor.
309
Ibid., p. 73.
310
Ibid., loc. cit.
311
Ibid., loc. cit.
312
Ibid., p. 74.
101
departamento tem a sua Diretoria,314 que, por sua vez, pode nomear Secretarias de
motivação de seus sócios.317 O trabalho destas sociedades, por sua vez, extrapola a
confederações nacionais.320
uma igreja é governada por um concílio local — o Conselho. Este, por sua vez, reporta-se a
313
IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Manual Unificado das Sociedades Internas, doravante
denominado MUSI. 2. ed. 8. reimp. 2001. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, Capítulo I, Art. 1-2.
314
Ibid., Capítulo V, Artigos 13-27.
315
Ibid., Capítulo VI, Artigos 28-47.
316
Ibid., Capítulo VI, Artigos 29.
317
Ibid., Capítulo VII, Artigos 43-45.
318
Ibid., Capítulos IX-XVIII, Artigos 48-85.
319
Ibid., Capítulos XIX-XXIV, Artigos 86-115.
320
Ibid., Capítulos XXV-XXX, Artigos 116-145.
102
Concílio, doravante denominado SC/IPB.321 Cada concílio é dirigido por uma mesa ou
específicos.
existir, nos concílios em geral e nos departamentos de cada comunidade uma cadeia de
por três características: (1) Pragmatismo; (2) refinamento da divisão do trabalho proposta
321
CI/IPB, Capítulo V, Seção 1, Artigos 59-62. In: CAMPOS, op. cit., p. 35-36.
322
Ibid., Capítulo V, Seção 2, Art. 84, p. 47.
323
Ibid., Capítulo V, Seção 1, Art. 67, p. 38.
324
Ibid., Capítulo VI, Seção 1, Art. 98, p. 54.
325
Ibid., Capítulo VI, Seção 3, Art. 105, Seção 4, Art. 106, p. 57-58.
326
Como nos informa Chiavenato (op. cit., p. 125), “os autores neoclássicos não formam uma escola bem
definida, mas um movimento relativamente heterogêneo”. Muniz e Faria (op. cit., p. 102-107) destacam, como
principais autores, Cyril J. O’Donnell, Ernest Dale, George Odiorne, George Robert Terry, Harold Koontz, John
William Humble, Louis Alexander Allen, Michael James Jucius, Peter F. Drucker, Ralph C. Davis, Ralph Jarron
Cordiner e William Herman Newman, entre outros.
103
descartar os postulados clássicos, abre-se o espaço para outros conceitos (ecletismo) e ajusta-
se o foco para o alcance de objetivos concretos.327 Uma de suas facetas nem sempre simpática
pelos gerentes; (3) operacional, composto pelos supervisores que acompanham a execução
327
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 178; CHIAVENATO, op. cit., p. 125-126. Em seu seio
surge, por exemplo, a administração por objetivos, amplamente usada nos Estados Unidos, entre 1950 e 1960, e
no Brasil, entre 1960 e 1970 (cf. CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 179; MUNIZ, FARIA,
op. cit., p. 107).
328
Muniz e Faria citam Koontz e O’Donnell, que definem a “administração como um processo de fazer
coisas por meio de outras pessoas”. Isso significa que “o bom administrador é, naturalmente, aquele que
possibilita ao grupo alcançar seus objetivos com o mínimo dispêndio de recursos e de esforços com menos
atritos em relação a outras atividades úteis” (MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 108-109). Isso pode soar estranho
aos ouvidos pastorais e talvez justifique a rejeição de WAGNER (op. cit., p. 26, 29), do “modelo empresarial” e
sua afirmação de que as corporações “usam” as pessoas. Talvez seja mais aceitável descrever a administração
cristã como um processo de edificar pessoas por meio de coisas. A questão é que, do ponto de vista bíblico,
Deus “usa” pessoas para fazer coisas. Esse parece ser um dos postulados da doutrina cristã da vocação (cf. Êx
3.9-12; Js 1.1-9; Jz 6.11-24; 1Sm 16.1-13; Is 6.1-9 et seq.; Jr 1.4-10; Mc 1.16-17; At 26.12-21). A partir do
alicerce bíblico estabelecido nos capítulos anteriores, pode ser sugerido que a administração cristã deve ser o
processo de fazer as “coisas” do reino de Deus por meio dos agentes pactuais de Deus — os cristãos. O
administrador cristão articula relações e procedimentos reconhecendo a dignidade de cada colaborador, ao
mesmo tempo em que o voluntário cristão assume o serviço sentindo-se privilegiado por estar sendo “usado” no
cumprimento dos mandatos pactuais, não pelo administrador humano, mas pelo próprio Deus (1Co 3.6-9; Cl
4.17; 1Tm 1.12). Peterson desenvolve um estudo sugestivo sobre o chamado de Jeremias, demonstrando que
Deus vocaciona o profeta para ser “usado” não como peça de uma máquina ou estrutura, mas como ser humano
singular, que tem família e nome (PETERSON, Eugene H. Corra Com os Cavalos: Para Quem Busca Uma Vida
de Excelência. Viçosa: Ultimato; Niterói: Textus, 2003, p. 25-37).
104
Estratégico, fornece o plano diretor para toda a organização, projetado no longo prazo (em
geral, cinco anos); tático, abrange cada departamento, projetado para médio prazo (o
exercício anual) e operacional, que abrange cada tarefa ou atividade específica, projetado
para o imediato.332
329
CHIAVENATO, op. cit., p. 129.
330
FAYOL, op. cit., p. 56; CHIAVENATO, op. cit., p. 133-134; MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 109.
331
PODC. As funções POC3, sugeridas por Fayol, são ratificadas e atualizadas (cf. MUNIZ; FARIA, op. cit., p.
101). As funções organização, direção e controle não são aqui detalhadas por falta de espaço. Nuances de
aplicação destas funções são mostradas no sexto e oitavo capítulos, nas tratativas referentes à administração
estratégica.
332
CHIAVENATO, op. cit., p. 140-141. Para Chiavenato e Sapiro, pelo menos do ponto de vista das escolas
prescritivas, planejamento estratégico é “o planejamento concebido para a organização como uma totalidade. Em
geral, parte de cima para baixo, envolve a organização como um sistema integrado e é focado no longo prazo”
(CHIAVENATO, Idalberto; SAPIRO, Arão. Planejamento Estratégico: Fundamentos e Aplicações. 1. ed. 6.
reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 412). Outro conceito de planejamento estratégico é fornecido por estes
autores (op. cit., p. 39). O planejamento é “um processo de formulação de estratégias organizacionais no qual se
busca a inserção da organização e de sua missão no ambiente em que ela está atuando.”
Os mesmos autores citam o conceito apresentado por Drucker: “Planejamento estratégico é o processo contínuo
de, sistematicamente e com o maior conhecimento possível do futuro contido, tomar decisões atuais que
envolvem riscos; organizar sistematicamente as atividades necessárias à execução dessas decisões e, através de
uma retroalimentação organizada e sistemática, medir o resultado dessas decisões em confronto com as
expectativas alimentadas” (DRUCKER, Peter. Introdução à Administração. São Paulo: Pioneira, 1984, p. 133-
136, apud CHIAVENATO; SAPIRO, op. cit., loc. cit.).
Wright, Kroll e Parnell afirmam que, tradicionalmente, “estratégia refere-se aos planos da alta administração
para alcançar resultados consistentes com a missão e os objetivos gerais da organização” (WRIGHT, Peter;
KROLL, Mark J.; PARNELL, John. Administração Estratégica: Conceitos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 24). Para
esses autores “estratégia”, pura e simplesmente, é sinônimo de planejamento estratégico.
105
sobre um período específico [...]. O plano descreve um curso de ação para alcançar um
objetivo e proporciona respostas às questões: O quê, quando, como, onde e por quem.” 333
Chiavenato é parcimonioso na crítica à teoria neoclássica. Ele percebe que ela carrega
organização em um contexto que exija flexibilidade e abertura a mudanças. Por outro lado,
333
CHIAVENATO, op. cit., p. 141. A teoria neoclássica sugere quatro tipos de planos: (1) Procedimentos,
“relacionados a métodos de trabalho ou de execução”; (2) orçamentos, “relacionados a dinheiro”; (3)
programas ou programações, baseados na correlação entre as variáveis “tempo e atividades a serem
executadas”; (4) regras ou regulamentos, “relacionados a comportamentos solicitados às pessoas” (ibid., p.
141-142).
334
Ibid., p. 148.
335
CI/IPB, Capítulo V, Seção 5, Art. 97, alínea “a”. In: CAMPOS, op. cit., p. 51.
106
medidas consideradas benéficas à igreja, acatam e fazem com que sejam executadas as ordens
gerencial da administração.
Conselho local, a quem cabe o exercício do “governo espiritual e administrativo da Igreja sob
supervisão.339
lado há uma autoridade claramente estabelecida, com poder de comando, exercida do concílio
superior para o inferior. Por outro lado, cada instância conciliar, bem como cada diretoria
departamental, tem sua própria alçada decisória. Nos Presbitérios, Sínodos e Supremo
336
Os artigos da CI/IPB citados alhures, confirmam a proeminência das decisões do SC/IPB sobre os Sínodos,
Presbitérios e, por conseguinte, Conselhos locais. As deliberações do SC/IPB são regulamentação estratégica para toda
a denominação. Cf. FERREIRA, Letícia. Supremo Concílio Toma Decisões Históricas Para a Vida da IPB, in Brasil
Presbiteriano, ano 49, n. 623 (agosto. 2006), Caderno Igreja, p. 10-11. O título da reportagem dá o tom oficial da
informação: As deliberações do SC/IPB são para a “vida da IPB”, ou seja, alcançam a denominação inteira, em todas
as suas localidades e departamentos. Cf. MORAIS, Ludgero Bonilha. O Supremo Concílio da Consolidação, in Brasil
Presbiteriano, ano 49, n. 623 (agosto. 2006), Editorial, p. 2: “Em Aracruz, a IPB consolidou o seu rumo como
denominação histórica reformada, distanciando-se da tendência de outras denominações históricas de aproximar-se do
liberalismo teológico, do pragmatismo e do neopentecostalismo exacerbado”. Tais palavras do então Secretário
Executivo da IPB ratificam a abrangência nacional das decisões do SC/IPB.
337
CI/IPB, Capítulo V, Seção 3, Art. 88, alíneas “m” e “o”; Seção 4, Art. 94, alíneas “c”, “e” e “i”. In:
CAMPOS, op. cit., p. 49, 50, 51. O objetivo desta pesquisa é comparar os postulados das teorias administrativas
com o modelo administrativo da IPB descrito em seu MP e MUSI. Não vem ao caso se as normas são, de fato,
observadas. A análise do grau de conformação da prática da IPB ao MP e MUSI é, sem dúvida, um tópico
interessante, mas extrapola os limites deste trabalho. Cf. MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 71: “A configuração
administrativa formal nunca poderá refletir adequadamente ou completamente a organização concreta a que se
refere, em conseqüência da evidente razão de que nenhum plano ou padrão abstrato (desde que se pretende que
sejam úteis) pode descrever exaustivamente uma totalidade empírica.”
338
Ibid., Capítulo V, Seção 2, Art. 83, alínea “a”, p. 44.
339
Ibid., Capítulo V, Seção 2, Art. 83, alínea “h”, p. 45-46. Cada uma dessas descrições, com exceção da do
SC/IPB, é relativa, no sentido dos outros concílios exercerem também função legislativa e de planejamento. O
Conselho, por exemplo, atua no nível de supervisão quanto às determinações dos concílios superiores, ao mesmo
tempo em que no nível institucional ou estratégico quando traça planos para a igreja local. Nesse último caso, os
níveis tático/operacional e de supervisão são implementados pelas diretorias dos departamentos.
107
Concílio as decisões são tomadas pelo plenário.340 Nas igrejas locais, pela maioria dos
reuniões plenárias,343 e nos demais departamentos e autarquias, nos termos estabelecidos por
seus próprios estatutos e regimentos, todos aprovados pelos concílios locais ou extralocais.344
na base do organograma.
faz referência a medidas e planos. O modelo burocrático de administração, por sua vez,
fornece à IPB uma base racional-legal, bem como fomenta uma cultura mais focada na ordem
340
Regimento Interno do Supremo Concílio da IPB, Capítulo IV, Artigos 23-34. In: CAMPOS, op. cit., p. 177-179;
Modelo de Regimento Interno Para os Sínodos, doravante denominado MRIS, Capítulo IV, Artigos 17-28, op. cit., p.
200-202; Modelo de Regimento Interno Para os Presbitérios, doravante denominado MRIP, Capítulo IV, Artigos 19-
30, op. cit., p. 216-218. A mesa ou comissão executiva de cada concílio pode, através de voto unânime, em situações
em que seja identificado “motivo sério” e sempre ad referendum do plenário da próxima reunião, alterar uma decisão
tomada pelo plenário da reunião anterior. Cf. CI/IPB, Cap. VI, Seção 2, Art. 104, Parágrafo Único, op. cit., p. 56.
Regimento Interno da Comissão Executiva do Supremo Concílio, Capítulo I, Art. 4, § 1, § 2. In: CAMPOS, op. cit., p.
185. MRIS, Capítulo IV, Art. 30, alínea “d”, op. cit., p. 203; MRIP, Capítulo IV, Art. 32, alínea “d”, op. cit., p. 219.
341
CI/IPB, Capítulo V, Seção 2, Art. 77, op. cit., p. 43.
342
Ibid., Capítulo II, Art. 9, op. cit., p. 13-14.
343
MUSI, Cap. V, Artigos 14-15.
344
CI/IPB, Capítulo IV, Seção 3, Art. 58; Capítulo VI, Seção 3, Art. 105, § 2. In: CAMPOS, op. cit., p. 34, 57.
108
na “Mesopotâmia, China, Índia, Império Inca, Antigo Egito e Rússia”.346 Ele atribui à
desenvolve suas reflexões a partir do contexto do capitalismo social — o pacto social firmado
que todos têm “seu lugar e cada lugar, uma função definida”.350 As empresas e instituições
345
MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 56.
346
CHIAVENATO, op. cit., p. 228.
347
MUNIZ; FARIA, op. cit., loc. cit.
348
CHIAVENATO, op. cit., p. 228; CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 64.
349
Quanto à impressão de Weber sobre a democracia norte-americana, cf. MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 58. Para
uma reflexão digna de nota sobre a influência do pacto social de Bismarck sobre as idéias de Weber referentes à
burocracia, cf. SENNETT, op. cit., p. 33-79.
109
da sociedade civil são formatadas de acordo com um padrão militar, em nome da paz e da
prevenção da revolução. Nasce o capitalismo social, que pode ser mais bem compreendido
Werner Sombart (1863 – 1941).351 Quase duas décadas antes do nascimento de Sombart, em
1848, Marx e Engels referem-se ao sistema econômico vigente como “burguesia moderna”,352
produz estragos:
Bismarck estabelece um capitalismo que opera sob o Estado, que intervém a fim de
justificadas, porque essa sempre foi a maneira pela qual as coisas foram feitas”.357 É um poder
passado eterno, a justiça ou a maneira tradicional de agir, e tem como aparato o vínculo
354
SENNETT, op. cit., p. 26-27, grifo nosso.
355
Ibid., op. cit., p. 37. A ética do pacto social abriu espaço para a consideração dos “benefícios previdenciários,
como a educação e as pensões por aposentadoria” como “direitos universais.”
356
Ibid., p. 26.
357
CHIAVENATO, op. cit., p. 210-211.
111
presente.359 Reconhecer esse tipo de autoridade, no contexto de Weber, equivale a muito mais
legitimar a monarquia.
com o qual se identificam”.360 Esse tipo de poder é irracional, instável e tem o potencial de
emocional dos seguidores, que formam o aparato leal e devotado do líder carismático.361 Do
ponto de vista institucional, a autoridade carismática tem como ponto fraco o não provimento
de uma base de sucessão.362 Mas esse não é o único problema. Reconhecer esse tipo de
Essa crença na justiça da lei é a base não apenas das organizações empresariais, mas
burocracia.366
358
Ibid., p. 211.
359
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 65.
360
CHIAVENATO, op. cit., loc. cit.
361
Ibid., p. 212.
362
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., loc. cit.
363
SENNET, op. cit., p. 29; Cf. JELLEMA, Dirk W. Etos. In: HENRY, op. cit., p. 284: Ethos “geralmente se
refere aos valores operacionais de uma dada sociedade ou grupo social.”
364
O termo “cargo”, em português, é buro, em alemão. Esta “autoridade racional-legal enfatiza a obediência às
ordens de quem ocupa o cargo — não importa quem ele seja. A autoridade está vinculada ao cargo e não ao
indivíduo” (CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 65, grifo do autor).
365
MAXIMIANO, op. cit., p. 68-69.
112
seu lugar. “Weber ficou impressionado com o pacto social [...] o chanceler e seus ministros
Tal inclusão enfatiza não a produtividade, mas a ação de acordo com determinadas
social: “Para que um exército tenha coesão, é preciso definir com clareza e precisão as
funções de cada patente, não importando quem esteja vivo para desempenhá-las ou se o
funcionando dentro das regras, é mais importante do que vencer ou perder, ou seja, obter
resultados.
indivíduos encarem “suas vidas como narrativas — não tanto daquilo que necessariamente
366
Ibid., loc. cit.
367
CHIAVENATO, op. cit., loc. cit.
368
SENNETT, op. cit., p. 35.
369
Ibid., p. 33.
370
Ibid., p. 34.
113
Devido a essa perspectiva peculiar sobre o tempo, o gerente eficaz, na burocracia, é aquele
Sennett refere-se à palavra alemã bildung, que até o século XIX designava “um
processo de formação pessoal que prepara o jovem para o encaminhamento de toda uma
vida”.373 Nesse contexto “a firmeza de propósitos torna-se mais importante que os súbitos
surtos de ambição no interior da organização, que só rendem frutos a curto prazo.” 374
mas psicológica. O indivíduo percebe que a realidade que o cerca encaixa-se em um plano,
pode ser mais bem compreendida e até planejada. Um jovem pode pensar em “fazer carreira”
em uma organização, em estruturar sua vida em torno de uma instituição estável, duradoura.
O pacto social de Bismarck permite ao cidadão adquirir sua própria casa e organizar-se dentro
Por mais pobre que seja, o trabalhador que sabe que ocupa uma posição bem
estabelecida estará menos propenso a se revoltar que aquele que não tem
uma noção clara de sua posição na sociedade.375
371
Ibid., p. 29, grifo nosso.
372
Ibid., p. 69.
373
Ibid., p. 30.
374
Ibid., loc. cit.
375
Ibid., p. 28.
376
SENNETT, op. cit., p. 36. Isso possibilita questionar se a burocracia, como um modelo de organização,
encontra ressonância em instituições vitalícias provedoras de ordem e sentido, pouco preocupadas com produção
de resultados imediatos. O aprofundamento nessa questão, porém, extrapola os limites desta pesquisa.
114
Assim como as teorias anteriores, a burocracia propõe a divisão do trabalho com sua
características operacionais são: (1) “Uma estrutura de cargos”; (2) “especificação de áreas de
administra não é, necessariamente, o dono da empresa —; (5) conduta impessoal; (6) “registro
Muniz e Faria, bem como Chiavenato, parecem interpretar a burocracia descrita por
Weber em termos de eficiência.378 Uma análise das disfunções burocráticas, sob a ótica do
novo capitalismo, pode sugerir que a proposta burocrática “falha” no sentido de provar-se
ineficiente.379
de associação. Ele refere-se à “rapidez nas decisões, pois cada um conhece o que deve ser
“continuidade da organização pela substituição do pessoal que é afastado”, ele afirma que
377
MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 59-60.
378
Para Muniz e Faria (ibid., p. 60-61), “a burocracia é a organização eficiente por excelência” e os processos
burocráticos são descritos com a finalidade de “obter a maior eficiência da organização”. Cf. CHIAVENATO,
op. cit., p. 216: “Tudo na burocracia é estabelecido no sentido de prever antecipadamente as ocorrências e
rotinizar sua execução para que a máxima eficiência do sistema seja alcançada.”
379
Cf. MERTON, Robert K. Sociologia, Teoria e Estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970, p. 275, apud MUNIZ;
FARIA, op. cit., p. 64-65; CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 66-68; CHIAVENATO, op.
cit., p. 222-225.
380
Ibid., loc. cit. Esse é um ponto controvertido. A quarta disfunção da burocracia, descrita a seguir, parece
indicar o contrário.
115
técnica.” 381
redução de iniciativa criativa; (2) impessoalidade; (3) conservadorismo; (4) formalismo e (5)
indivíduos que realizam suas tarefas com o mínimo de requisitos criativos, “basta a submissão
equivale a uma “máquina construída para cumprir uma tarefa”;384 devido à impessoalidade no
trato, o indivíduo pode acabar se sentindo uma mera “peça de engrenagem.” O modelo é
passam a ser objetivos em si”.385 Sennet faz referência aos “idosos, estudantes,
desempregados e doentes”386 que não eram mais vistos como “indivíduos dotados de
históricos pessoais e intransferíveis”,387 pois o sistema era cada vez mais focado em
381
Ibid., loc. cit.
382
SENNET, op. cit., p. 35. Weber critica a burocracia mesmo considerando-a adequada e condizente com a
moldura institucional do pacto social.
383
CHIAVENATO, op. cit., p. 223.
384
Ibid., p. 223-224.
385
MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 64.
386
Op. cit., p. 37.
387
Ibid., loc. cit.
388
Ibid., loc. cit.
389
CHIAVENATO, op. cit., p. 219.
116
relacionamentos.392
390
MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 64. Para esses autores (ibid., p. 65), essa superconformidade às rotinas e
procedimentos sufoca a liberdade e espontaneidade, produzindo, segundo alguns estudiosos, uma “incapacidade
treinada” (Veblen), “deformação profissional” (Warnotte) ou “psicose ocupacional” (Dewey). Cf.
CHIAVENATO, op. cit., p. 220-221.
391
MANDELLI et al. A Disciplina e a Arte da Gestão das Mudanças Nas Organizações: Como Integrar
Estratégias e Pessoas. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 47-48. O texto em questão se aplica a todas as
organizações, mas ressoa particularmente nas instituições burocráticas.
392
MUNIZ; FARIA, op. cit., p. 64-65; CHIAVENATO, op. cit., p. 219, 220, 225. Para Brown, Isaacs e a
Comunidade do World Café, enquanto as normas e regulamentos providenciam um esqueleto institucional que
possui sua importância e não podem jamais ser desconsideradas, as redes de relacionamento e conversação
informal definem, de fato, a ação organizacional (BROWN, Juanita et al. O World Café: Dando Forma ao Nosso
Futuro Por Meio de Conversações Significativas e Estratégicas. São Paulo: Cultrix, 2007, passim). Esses
autores (ibid., p. 56) afirmam que “a conversação é ação. Você pode pensar sobre coisas e pode sentir coisas,
mas o que você pensa e o que você sente não se tornam “reais” enquanto você não os exprimir. Em seguida, elas
começam a germinar. Outras pessoas ouvem, outras pessoas começam a sentir, você troca idéias conjuntamente
— e, se for suficientemente importante, a ação significativa se torna apenas uma coisa natural que acontece”. A
cultura organizacional é definida não apenas pelas descrições dos documentos formais, mas pelo que é
conversado nos corredores da instituição: “Criamos nosso mundo através da fala” (ibid., p. 37). Mais: “Se as
organizações são sistemas vivos, então que processos básicos uma organização pode utilizar que reflita os
padrões da natureza? Onde você, na condição de líder, coloca intenção e atenção num sistema vivo?” (ibid., p.
52). Tais autores (ibid., loc. cit.) defendem a mudança de foco da administração por resultados (teoria
neoclássica) para administração por meios (um foco sistêmico em relacionamentos fomentados por diálogos
profundos e criativos).
117
e o modelo burocrático. Pelo menos oito aspectos podem ser considerados convergentes: (1)
definição de cargos; (3) a regulamentação específica e escrita das leis; (4) a uniformização de
consistência — os mesmos tipos de decisão devem ser tomados nas mesmas circunstâncias;
394
(7) a confiabilidade — os processos são conduzidos por regras conhecidas; (8) o foco em
produtividade.
indivíduos para os cargos é feita não exclusivamente em termos de competência técnica, mas
393
Essa descrição fornecida por Gerzon (op. cit., p. 6) é plenamente aplicável a situações de conflitos em
organizações burocráticas. Tal disfunção da burocracia pode decorrer de sua tônica na uniformidade, o que
produz dificuldades para o trato com a pluralidade e a diversidade. A frase utilizada por Gerzon, “animal
enjaulado”, repercute Weber, para quem, cf. SENNETT, op. cit., p. 35, “a pessoa que faz uma carreira vitalícia
numa instituição dessa natureza vive numa ‘jaula de ferro’.”
394
CHIAVENATO, op. cit., p. 217.
395
O termo “conciliarismo” refere-se, originalmente, a um movimento dentro da Igreja Católica Romana entre a alta
Idade Média e a Reforma, cujas origens remontam a Guilherme de Occam (cerca de 1280 ou 1290 – 1349), que reagiu
contra “a autoridade opressiva do papa e da hierarquia eclesiástica” (OLSON, op. cit., p. 358). O conciliarismo
pregava “que a igreja deveria ser governada por concílios e não por papas” (ibid., p. 360) e, nesse sentido, pavimentou
o caminho para a Reforma Protestante. O conciliarismo calvinista é a aplicação prática do modelo bíblico do exercício
do governo da igreja por concílios locais e extralocais. Calvino considera bíblica e necessária a condução da igreja por
um corpo de presbíteros (cf. CALVINO, João. As Institutas: Edição Clássica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2006. IV.III.1-16). Do mesmo modo, vê como positivas as contribuições dos concílios que se reúnem
verdadeiramente “em nome de Cristo” e que “atentam para o Espírito”, ou seja, deliberam submissos à Palavra de
Deus (ibid., IV.IX.1-2). Na IPB há questões que exigem a votação dos plenários dos concílios.
396
CI/IPB, Capítulo VII, Artigos 108-109, op. cit., p. 59.
118
planos, o modelo burocrático contribui com uma estrutura racional-legal e com uma cultura
No que cabe ao interesse desta pesquisa, verifica-se, portanto, que ele contém
administrativo adotado pela IPB, em consonância com as Escrituras e com a CFW, permite o
CAPÍTULO VI
Uma análise detalhada da administração estratégica foge ao escopo deste projeto, mas
estratégico; (3) informações sobre o novo capitalismo, que fornece o contexto econômico-
histórico em que floresce a administração estratégica; (4) um apanhado das diversas escolas
contribuições, e, por fim, (7) a sexta síntese que responde às últimas perguntas da pesquisa.
397
WRIGHT; KROLL; PARNELL, op. cit., p. 28.
398
Ibid., loc. cit.; TAVARES, Mauro Calixta. Gestão Estratégica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 40.
120
pode ser considerada como “a disciplina que estrutura, integra e consolida o conjunto de
teoria.400 Ela também não deve ser considerada como um “novo método”.401 O melhor é
considerá-la como uma caixa de ferramentas úteis para auxiliar as organizações a serem mais
termos ela pode ser abordada em sua elaboração ou fase de desenvolvimento, prática ou
399
HERRERA, Wagner. Administração: Evolução e Conceitos. Portal do Marketing. Disponível em:
<http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Administracao_Evolucao_e_Conceitos.htm>. Acesso em: 14
abr. 2008.
400
Ainda que, como é destacado em 6.4, existam várias “escolas” de administração estratégica, cada uma delas
sustentando uma ou mais teorias.
401
Apesar de, no seu escopo, utilizar métodos para a implementação dos propósitos organizacionais.
402
WRIGHT; KROLL; PARNELL, op. cit., p. 25. Nesses termos, como já foi afirmado em 2.1, a administração
estratégica é um processo — um “conjunto completo de compromissos, decisões e ações necessários para que a
empresa obtenha vantagem competitiva e retornos acima da média” (HITT; IRELAND; HOSKISSON, op. cit., p. 6).
A administração estratégica é o conjunto de iniciativas e medidas tomadas com o objetivo de “reunir o plano
estratégico e sua implementação em um único processo” (TAVARES, op. cit., p. 40).
403
WRIGHT; KROLL; PARNELL, op. cit., p. 24.
404
Ibid., loc. cit.
121
clássicas são questionadas em sua proposição de poder centralizado. Sugere-se que nem
sempre as estratégias que realmente funcionam são formuladas pela cúpula da corporação. Há
ocasiões em que ocorre o sucesso deliberado, ou seja, consonante com o plano previamente
Bridges cita uma empresária da Condé Nast, que coloca a questão da seguinte
maneira: “Considero [nossa] empresa um time de vôlei. São necessários três toques para
levantar a bola sobre a rede e não importa quem a tocou”.407 Brafman e Beckstrom propõem
não possui cabeça, pelo contrário, é uma rede neural descentralizada. Destarte, organizações
estratégia global de uma organização — emergir, ou, nos termos de Mintzberg, Ahlstrand e
405
Para retornar aos conceitos de planejamento estratégico, cf. nota de rodapé 332, na seção 5.2.3.
406
MINTZBERG, AHLSTRAND; LAMPEL, op. cit., p. 54.
407
BRIDGES, William. Conduzindo a Organização Sem Cargos. In: HESSELBEIN; GOLDSMITH;
BECKHARD, op. cit., p. 40. Grifo nosso.
408
BRAFMAN, Ori; BECKSTROM, Rod A. Quem Está no Comando? A Estratégia Da Estrela-Do-Mar e Da
Aranha. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 28-29, 37-43.
409
PINCHOT, Gifford. Criando Organizações Com Muitos Líderes. In: HESSELBEIN; GOLDSMITH;
BECKHARD, op. cit., p. 51-64.
410
Ibid., p. 56.
122
fisiológico, coletivo ou até mesmo um não-processo? Talvez seja tudo isso. Neste caso,
Este último, por sua vez, para ser mais bem compreendido, exige um apanhado dos principais
Hobsbawm como uma crise de escala global iniciada pela quebra da bolsa de Nova York, em
A Rússia sofre o impacto da quebradeira global415 mas ainda assim pode referir-se à
crise como “trapalhada capitalista”416 e, de modo geral, permanece imune aos seus
também, adaptado a outros contextos, com a finalidade de minorar os efeitos da crise global.
Como afirma Hobsbawm, “a Grande Depressão destruiu o liberalismo econômico por meio
411
Op. cit., p. 267.
412
Ibid., p. 22.
413
Op. cit., p. 91, 96.
414
Ibid., p. 91.
415
O impacto na Rússia se deve a necessidade de garantir o pagamento dos contratos de comércio exterior,
relativos à aquisição de máquinas necessárias ao seu mercado interno, exige-se a duplicação da produção de
trigo e das sacas de pele (HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21. ed. revista. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1986, p. 284-286).
416
Ibid., p. 290. O capitalismo em sua formatação mais livre de restrições, que Marx e Engels chamam de
“burguesia moderna”, e Sennett, de “capitalismo primitivo”, é denominado por Hobsbawm (op. cit., p. 100-101)
de “liberalismo econômico.”
123
século”.417 O intervencionismo estatal na economia é assumido como solução para dar aos
“longa e profunda recessão, combinando baixas taxas de crescimento com altas taxas de
417
Ibid., p. 99.
418
Nas economias de países totalitários, o intervencionismo é encaminhado como uma adaptação do modelo do
“capitalismo avançado” de Bismarck e, nos países democráticos, ele assume a forma de um “capitalismo
democrático reformado”, cujo profeta e pioneiro mais conhecido é John Maynard Keynes (1883 – 1946), criador
da teoria geral do emprego, dos juros e da moeda, “fonte da moderna macroeconomia” (ROSSETTI, José
Paschoal. Introdução à Economia. 16. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 1994, p. 646; cf. HOBSBAWM,
op. cit., p. 99-100; KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro: Inflação e
Deflação. São Paulo: Abril Cultural, 1983. A Grã-Bretanha abandona o livre comércio em 1931, os EUA e a
Comunidade Européia passam a subsidiar os preços dos produtos agrícolas. “Os países desenvolvidos”
utilizaram “o método keynesiano de criar empregos improdutivos como forma de ampliar a demanda e assim
dinamizar a produção estagnada de bens de massa”, enfatizando o ideal de fortalecimento da “indústria nacional”
(BUARQUE, Cristovam. A Segunda Abolição: Um Manifesto-Proposta Para a Erradicação da Pobreza no
Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 51, grifo nosso). Nos Estados Unidos, entre 1933 e 1937, o governo de
Franklin Delano Roosevelt (1882 – 1945) firma o New Deal. Na Europa, os Estados Escandinavos (ou países
nórdicos) tais como a Suécia, a Dinamarca e a Noruega e a Finlândia, sob a orientação de Karl Gunnar Myrdal
(1898 – 1987), aderem ao Welfare State, “Estado do Bem-Estar” (HOBSBAWM, op. cit., p. 100;
ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, INC. Gunnar Myrdal. Disponível em:
<http://www.britannica.com/eb/article-9054556>. Acesso em: 27 nov. 2007).
419
HOBSBAWM, op. cit., p. 99-100. No Brasil tais políticas ganham ímpeto, como adaptação do modelo
fascista, no Estado Novo de Vargas (1937 – 1945) e, como versão tupiniquim do New Deal norte-americano, a
partir dos governos militares (ibid., p. 110, 136-138).
420
Cf. CI/IPB. Preâmbulo. In: CAMPOS, op. cit., p. 7.
421
CHIAVENATO; SAPIRO, op. cit., p. 5.
422
Ibid., loc. cit.
423
COMBLIN, José. O Neoliberalismo: Ideologia Dominante na Virada do Século. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
1999, p. 27.
124
capitalismo. Este, ainda que ecoando as antigas afirmações relativas ao planejamento, forçou
uma mudança não apenas no Estado, mas, nas instituições, que tiveram de adaptar-se a um
organizacionais.426
424
CHIAVENATO; SAPIRO, op. cit., loc. cit.; cf. SENNETT, op. cit., passim; COMBLIN, op. cit., p. 15-50.
425
O primeiro desses estudiosos é Friedrich August von Hayek (1899 – 1992), ganhador do prêmio de Ciências
Econômicas, em 1974, por sua contribuição pioneira na teoria da moeda e flutuações econômicas e pela “análise
penetrante da interdependência dos fenômenos econômicos, sociais e institucionais” (DEPARTMENT OF
ECONOMICS OF THE NEW SCHOOL FOR SOCIAL RESEARCH. Friedrich August von Hayek, 1889-1992.
In: The History Of Economic Thought Website. Disponível em:
<http://cepa.newschool.edu/het/profiles/hayek.htm>. Acesso em: 27 nov. 2007). Para Comblin (op. cit., p. 16) a
expressão neoliberalismo contrapõe-se a “liberalismo clássico”, esta última, utilizada para referir-se à proposta
de auto-regulação do mercado propugnada por Adam Smith. O pensamento de Hayek é assim interpretado por
Comblin : (1) Toda economia gira em torno do mercado, que produz “equilíbrio perfeito” (ibid., p. 42); (2) os
inimigos do mercado são “o Estado e os sindicatos” (ibid., p. 42-43) e (3) “a definição de preços por um
planejamento central é impossível.” (ibid., p. 43-44). Comblin (ibid., p. 21) afirma que “a política neoliberal
tende a destruir todos os ‘coletivos’ que servem para defender os indivíduos”. Friedman (op. cit., p. 273-541)
defende que o novo capitalismo — definido por ele como um sistema de economia horizontalizada ou
“achatada” — não exige a destruição de tudo o que é coletivo, mas altera o entendimento e vivência de
coletividade, ao mesmo tempo em que desafia os países a investirem em infra-estrutura, educação e governança.
O segundo teórico a ser destacado é Milton Friedman (1912 – 2006) que, de acordo com Comblin (ibid., p. 45),
desconsidera o desenvolvimento da economia após Adam Smith, ao afirmar que “todo o problema da liberdade
humana está na questão do mercado” e que “somente há dois métodos para organizar as atividades econômicas
de milhões de pessoas: O Estado totalitário ou o livre-mercado”. Assim sendo, “quem não adota o livre-mercado,
cai no estado totalitário.”
O texto de Comblin sugere uma perspectiva no mínimo simpática à leitura marxista, a começar pelo juízo de
valor estabelecido sobre as idéias dos autores neoliberais. As “teorias de Hayek são puras petições de princípio,
círculos viciosos sem nenhum valor intelectual” (ibid., p. 43, grifo nosso) e as idéias de Friedman “são
simplistas”, “rudimentares” e utilizadas pela “burguesia” que não tem interesse em “discussão acadêmica” (ibid.,
p. 44-45). Sua análise, porém, é bem documentada e útil para o entendimento de aspectos importantes do novo
capitalismo, e.g., ele sugere que, na administração dos Estados e Nações, os programas econômicos passam a ser
considerados mais importantes do que as ideologias políticas (ibid., p. 20). Além disso, ele contribui ao afirmar
que algumas explicações neoliberais, tais como “o desemprego não é o resultado do mercado capitalista e sim
dos sindicatos”, ou, “a intervenção do Estado no mercado do trabalho é a causa de todos os problemas
econômicos” são superficiais e exigem leituras mais aprofundadas (ibid., p. 44, 47).
426
Analisando o mesmo tema, Sennett (op. cit., p. 41) aponta três fatores como cruciais para a ascendência das
teorias do novo capitalismo. Primeiro, a derrocada dos acordos de Bretton Woods, no início da década de 1970,
produz superávit de capital para investimentos que, por sua vez, provoca a mudança, nas grandes empresas, do
poder gerencial para o acionário. Um volume considerável de riqueza, antes confinado a empresas e bancos
locais e nacionais, pode ser movimentado mais facilmente em escala global. Com isso, “os investidores estavam
em condições de turbinar ou desmontar corporações inteiras ante os olhos perplexos e impotentes da gerência”
125
psicológico, isso significa que “o desenvolvimento linear é substituído por uma predisposição
atraídos ou descartados à medida que a empresa transita de uma tarefa a outra.” 430
rigorosas, ganham maior flexibilidade. Contratos de longo prazo são substituídos por
contratos temporários.431
(ibid., p. 43). Sobre os acordos de Bretton Woods, durante as três primeiras semanas de julho de 1944, 730
delegados das 44 nações aliadas reúnem-se em Bretton Woods, New Hampshire, EUA, a fim de definir regras de
gerenciamento econômico mundial, detalhando normas para as relações comerciais e administração do câmbio
entre os países mais industrializados. Para supervisionar o cumprimento do acordo, são criados o Banco Mundial
e o Fundo Monetário Internacional, FMI. Cf. CLUBINVEST.COM, Bretton Woods. Disponível em:
<http://www.clubeinvest.com/_technical_analysis/forex/Bretton_woods/Bretton_woods.php>. Acesso em: 27
nov. 2007; UNIFICADO.COM, Conferência Internacional
Monetária de Bretton Woods. Disponível em: <http://www.unificado.com.br/calendario/07/bretton.htm>. Acesso
em: 27 nov. 2007.
Segundo, alteram-se as expectativas de retorno do investimento dos acionistas. “Os investidores dotados de novo
poder queriam resultados a curto, e não a longo prazo. Constituíam o contingente do ‘capital impaciente’, na
formulação de Bennett Harrison”. Nesse novo contexto, o preço das ações torna-se mais interessante do que os
dividendos distribuídos pelas corporações (SENNETT, op. cit., p. 43). Isso provoca uma mudança estrutural nas
instituições: Passa-se a valorizar a disposição e capacidade para a mudança e a estabilidade é considerada, em
termos organizacionais, como “sinal de fraqueza” (ibid., p. 43.44).
O terceiro e último fator de imbricação do novo capitalismo é o surgimento de novas tecnologias de
comunicação e manufatura, que tornam possível, em proporções quase que inimagináveis, a interação global, ao
mesmo tempo em que aumentam as exigências de velocidade na tomada de decisões, por parte da alta gerência
(ibid., p. 44-45). A automação achata a pirâmide hierárquica, deixa para trás a inclusão das massas e produz uma
“nova individualidade idealizada”: O indivíduo alarga e aprofunda sua base de conhecimento mantendo-se cada
vez mais “à frente da máquina” (ibid., p. 46-47).
427
Op. cit., p. 47.
428
A nova instituição, que abandona a antiga forma de estrutura piramidal, assemelha-se a um aparelho de MP3,
que pode ser programado para “tocar apenas algumas faixas de seu repertório. [...] Num tocador de MP3, o que
ouvimos poder ser programado em qualquer seqüência” (ibid., p. 49).
429
Ibid., p. 50.
430
Ibid., loc. cit.
431
Ibid., p. 50-51: “O trabalho temporário constitui o setor de mais rápido crescimento da força de trabalho nos
Estados Unidos e na Grã-Bretanha; e representa atualmente 8% da força de trabalho americana.”
126
oscilante do trabalho de curto prazo por tarefa. A estrutura da empresa não constitui um sólido
objeto passível de estudo, seu futuro não pode ser previsto”.432 Isso exige que, nas novas
propugnadas pelo novo capitalismo não libertam as pessoas, mas, pelo contrário, geram três
déficits sociais:434 (1) Baixa lealdade do indivíduo às instituições;435 (2) declínio da confiança,
tanto nos contratos formais quanto nas relações informais436 e (3) “debilitação do
fomenta inovação, por outro, produz insegurança. Diante disso, como as organizações podem
e devem ser gerenciadas? Esta questão é abordada pela escolas de formação de estratégia.
432
Ibid., p. 52, grifo nosso.
433
Ibid., p, 52, 60.
434
Ibid., p. 62-69.
435
Ibid., p. 62-64.
436
Ibid., p. 64-66.
437
Ibid., p. 66-69.
438
Op. cit., passim. Cada uma dessas escolas representa uma faceta da administração estratégica. A obra de
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel é útil no sentido de levantar pontos pertinentes para o entendimento da formação de
estratégia. Cada escola é rigorosamente dissecada apresentando-se sua descrição, pressupostos, os pontos positivos e,
por fim, as críticas dos autores.
127
estratégico avalia os pontos fortes e fracos da organização à luz das oportunidades e ameaças
formal.
analítico. Tal escola acrescenta conteúdo de duas formas: (1) Enfatiza “a importância das
próprias estratégias, não apenas do processo pelo qual elas foram formuladas”; (2) dá ênfase
substanciais”.442 É no âmbito desta Escola, no início dos anos 80, que surge a expressão
administração estratégica.443
Estas primeiras três escolas são consideradas prescritivas, ou seja, estão “mais
preocupadas em como as estratégias devem ser formuladas do que em como elas são
formuladas.” 444
439
Strenghts, Weakenesses, Opportunities and Threats (ibid., p. 28). cf. WRIGHT; KROLL; PARNELL, op. cit.,
p. 85-92.
440
MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, op. cit., p. 28. Grifo dos autores.
441
Ibid., p. 44.
442
Ibid., p. 68.
443
Ibid., loc. cit.
444
Ibid., p. 14. Grifos dos autores.
128
cabeça do líder. Essa visão serve como inspiração e também como um senso daquilo que
a investigação da mente do estrategista. Isso pode ser feito de duas formas. Uma primeira ala,
esforço para produzir algum tipo de filme objetivo do mundo”, enquanto outra ala enxerga
uma situação” e a organização como um todo obtém proficiência em “lidar com ela”. A
que funcionam”.447 Essa escola contribui ao constatar que “somente 10% das estratégias
tomadas por todos os tipos de pessoas diferentes (algumas vezes de forma acidental ou por
negociação. São reconhecidos nas organizações o poder micro, que “lida com o jogo de
política — de poder ilegítimo — dentro de uma organização”, e o poder macro, que “diz
cultura junta uma coleção de indivíduos em uma entidade integrada”.454 A literatura da Escola
451
SENGE, Peter. A Quinta Disciplina: Arte e Prática da Organização Que Aprende. 21 ed, rev. e amp. Rio de
Janeiro: BestSeller, 2006, p. 99.
452
MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, op. cit., p. 174. Grifos dos autores.
453
Ibid., p. 175.
454
Ibid., p. 194.
455
Ibid., loc. cit.
130
conjunto de forças vagas ‘lá fora’ — na verdade, tudo o que não é a organização.” 457
mudanças ambientais.460 Por isso mesmo, “para os teóricos contingenciais, ‘tudo depende’: do
externa e assim por diante”.461 Tal “imperativo ambiental”, no entanto, tem sido questionado:
organização como estados que requerem iniciativas e respostas diferenciadas. Nesses termos,
a criação de uma estratégia nada mais é do que o salto de um estado para outro.
Nesta seção demonstra-se que a administração estratégica é naturalista, uma vez que
existencialismo. Tal cosmovisão pode e deve ser criticada e revista nos termos do paradigma
cosmonômico.
Wright, Kroll e Parnell sugerem que muitos pensadores de administração têm sido
influenciados pela teoria da mudança evolucionária proposta pelo naturalista Charles Robert
Darwin (1809 – 1882).465 Tal teoria sugere “que as mudanças ambientais forçam as espécies
partir de tal alicerce que se afirma “que as organizações são influenciadas pelo ambiente; que
organizações eficazes são aquelas que mais se adaptam às exigências ambientais”.467 Dentre
as teorias administrativas afetadas pelo darwinismo, Wright, Kroll e Parnell citam a teoria da
As organizações não são regidas pela racionalidade global, nem por qualquer
estrutura isolada que guie as mudanças. Estas emergem da interação
cumulativa entre sistemas básicos de ação chamados “rotinas”, que são
padrões repetitivos de atividade que sustentam e controlam o funcionamento
regular da organização. [...] As rotinas transmitem estabilidade à
organização, assim como os giroscópios mantêm aviões em cursos estáveis.
[...]
À medida que as rotinas são mudadas para lidar com novas situações,
surgem mudanças maiores. Isto acontece porque as rotinas são
interligadas: assim, mudanças em um conjunto irão afetar outros,
criando um efeito cascata.471
Gause de Exclusão Competitiva: “Duas espécies que conseguem seu sustento de maneira
administração:
modo geral, as teorias da administração — e aqui se inclui tudo o diz respeito à administração
estratégica — procedem de três tipos de paradigmas: (1) Positivista; (2) místico e (3)
resolutora”, que leva em conta todas as contribuições das anteriores, adequada às exigências
contemporâneas.475
473
Ibid., p. 3-4.
474
Op. cit., p. 4-36.
475
Ibid., p. 335-378.
134
escolas são comparadas a “um complexo sistema que cresce e se desenvolve [...] produto de
apenas uma parte do “animal” e, no fim das contas, o elefante é muito mais do que a soma de
suas partes: “Precisamos ir além da estreiteza de cada escola [...] saber como este animal
chamado formação de estratégia, que combina todas essas escolas e mais, vive realmente sua
vida.” 480
administração estratégica enxerga sua origem? Qual é sua natureza e seu propósito originais?
(2) Quanto à queda, como a administração estratégica foi torcida e retorcida? (3) Quanto à
restaurando-o ao propósito para o qual foi originalmente criado? Os dados obtidos tornam
476
Op. cit., p. 256-274.
477
Ibid., p. 257. Grifo nosso.
478
Ibid., p. 265-269.
479
Ibid., p. 12-13.
480
Ibid., p. 274.
481
Cf. seção 3.5.
135
uma visão naturalista das origens. A estratégia é compreendida não apenas como recurso de
principalmente — como arma que garante a vitória contra a concorrência. A idéia de que
somente os mais aptos sobrevivem ao mercado, assim como a conseqüente ênfase exacerbada
e como vive, de fato, o “elefante da formação de estratégia”. O homem — seja ele o líder
e colher resultados das estratégias. A escola de formulação de estratégia que fica mais
a autonomia do homem. Isso de certo modo está presente no cerne da moderna administração.
égide do modernismo, enfatizando a razão, seguidos daqueles que se abrigam sob o guarda-
482
CARAVANTES; PANNO e KLOECKNER, op. cit., p. 15-16.
483
Ibid., p. 22-27.
484
Ibid., p. 30-36.
136
criação de Deus. Quanto à direção, devido ao seu alicerce naturalista — positivista, místico e
Assim sendo, do ponto de vista bíblico, a cosmovisão cristã une revelação e razão e
encontra-se no núcleo de significado da esfera modal econômica — foi criada por Deus — e
nesse contexto, a realidade do pecado. Ademais, ela deve operar sob o selo de Cristo,
pertinentes; (3) a responsabilização da liderança pela eficácia institucional e, por fim, (4) o
planejar; resultados decorrem da execução da estratégia e isso exige uma abordagem mais
485
Todas essas contribuição são dadas enquanto são levantadas e respondidas algumas das perguntas da
estratégia: Onde estamos? Como chegamos aqui? [...] Quais são as ameaças e as oportunidades do ambiente
presente e futuro? [...] Quais são nossos pontos fortes e fracos? [...] Para onde devemos ir? O que devemos
fazer para chegar até lá? (cf. MAXIMIANO, op. cit., p. 231-232).
137
As operações são ligadas aos objetivos estratégicos e às habilidades das pessoas.” 487
planejamento estratégico, uma missão e visão abrangentes, abre-se o espaço, na sua execução,
para adaptações aos contextos menores, preservando-se a identidade institucional sem ferir as
particularidades da localidade.
ações sensíveis ao contexto.490 Isso equivale a dizer que na execução da estratégia pode ser
por sua vez, conduzem a revisões da estratégia.493 O processo pode imbricar no ajustamento
Aqueles que sustentam o ponto de vista naturalista afirmam que tais ajustes refletem o
com o nomos divino são comuns a tudo o que é vivo. A administração estratégica é, nesse
organizacionais.
se envolva profundamente nos três processos — pessoas, estratégia e operação. “Eles são os
491
Op. cit., p. 44-45.
492
Ibid., loc. cit.
493
BOSSIDY; CHARAN, op. cit., p. 199-213.
494
MANDELLI et al, op. cit., p. 47-48. Ajustes estruturais afetam as esperanças dos indivíduos, os de layout,
suas percepções de domínio, os de informações, seus protocolos de acesso e os de rituais, seu conforto. Segundo
esses autores (ibid., p. 48), mudanças na organização são normalmente rejeitadas pelas pessoas. WRIGHT;
KROLL; PARNELL, op. cit., p. 44-45: “Uma mudança superficial é aquela que altera processos e competências.
As profundas lidam com estratégias e identidade organizacional, sua estrutura e cultura. Podem ter sua forma de
implementação variando entre imposta até consensual.”
139
a figura do catalisador,497 aquele que lidera inspirando pelo exemplo: Shawn Fanning, o
P2P (peer to peer);498 Bill Wilson, fundador dos Alcoólicos Anônimos (AA)499 e “Jimmy
Wales, o catalisador que está por trás da Wikipédia”,500 são apenas alguns nomes que
confirmam isso.
e tecnologias convergentes. Os relatos fornecidos por Friedman para comprovar sua tese de
Globalização 3.0 ou achatamento do mundo são, de fato, registros de ações que ocorrem na
Conclui-se que a administração pode ser considerada um hub ou núcleo conectivo que
interliga as diversas teorias, métodos e recursos, a fim de tornar a organização mais efetiva.
495
Ibid., p. 33.
496
Op. cit., loc. cit.
497
op. cit., p. 91-108.
498
Ibid., p. 9-21.
499
Ibid., p. 29-30.
500
Ibid., p. 92-93.
501
Op. cit., passim.
140
pertinente desde que respeitados os critérios da CFW: Que seja ordenada “pela luz da
natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser
administração estratégica condizem com a Bíblia, com a CFW e com a prática da IPB?”.
administração estratégica negam a cosmovisão cristã. Isso, de fato, diz respeito não apenas à
CAPÍTULO VII
utilizado na investigação. Além disso, são apresentados os resultados da pesquisa. Tal como
No que diz respeito aos campos de atividade humana, o presente estudo classifica-
se como interdisciplinar,502 uma vez que interessa às áreas de Religião, Teologia Pastoral,
A pesquisa, com base em seus objetivos, é de caráter exploratório, uma vez que
tenciona “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais
O autor entende ainda que o presente material pode ser utilizado como inspiração
posteriores.504 Uma pesquisa descritiva pode, e.g., analisar relações entre as variáveis “uso
504
Ibid., p. 42.
505
TEIXEIRA, Elizabeth. As Três Metodologias: Acadêmica, da Ciência e da Pesquisa. Petrópolis: Vozes,
2005, p. 118; LIMA, Telma Cristiane Sasso de; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos Metodológicos
na Construção do Conhecimento Científico: A Pesquisa Bibliográfica, in Revista Katálysis, vol.10, n. spe, ISSN
1414-4980 (2007), p. 41. Scielo Brasil. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
49802007000300004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 15 Abr. 2008; GIL, op. cit., p. 44.
506
Op. cit., p. 40-41.
143
exploratória, rápida, para verificar “se as informações e/ou dados selecionados interessam
de fato para o estudo”;507 (3) leitura seletiva, mais aprofundada, a fim de escolher o
e (5) leitura interpretativa, que consiste no relacionamento das idéias expressas nas obras
O autor desenvolveu uma ferramenta que propiciou “pinçar das obras escolhidas os
caracterização de cada obra lida, bem como sua contribuição para o estudo. Isso permitiu
palavras-chaves.
investigação?; (2) os dados desta fonte são importantes para responder às questões da
pesquisa?; (3) este conteúdo é referência aceita em seu campo de pesquisa, ou seja, é
reconhecido em seu campo de pesquisa? Cada escolha buscou atender à maior quantidade
507
Ibid., p. 41.
508
Ibid., loc. cit.
509
Ibid., loc. cit.
510
Cf. FILEMAKER INC. Database Software | Filemaker. Santa Clara, CA: Filemaker Inc., 2008. Disponível
em: < http://www.filemaker.com/>. Acesso em: 18 Set. 2008.
144
estratégica nas organizações. Das últimas, foram obtidos dados significantes para propor
consultou-se a Bíblia Sagrada, bem como ferramentas de estudo bíblico, a CFW e obras
IPB foram abordados. No entanto, podem ser encontradas sínteses de blocos menores de
informação no próprio corpus da análise das fontes primárias (do segundo ao sexto
capítulos).
511
LIMA; MIOTO, op. cit., p. 42.
512
MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: A Prática de Fichamentos, Resumos, Resenhas. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2000, p. 196.
145
Lima e Mioto sugerem que o método dialético é útil na pesquisa bibliográfica “por
filosófica, material [...] e política que envolvem seu objeto de estudo”.514 O autor considera
que este não é o caso da presente pesquisa. Aqui não temos um problema que surja da
conhecimento da verdade sobre a realidade — ainda que não o conhecimento absoluto, pelo
No caso deste estudo, a interpretação dos dados ocorre dentro do contexto de uma
513
LIMA; MIOTO, op. cit., p. 39.
514
Ibid., loc. cit.
515
Cf. BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory G; WILLIAMS, Joseph M. A Arte da Pesquisa. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 105-106: “Quando você conta com pelo menos duas fontes, quase sempre
descobre que elas não concordam inteiramente, e é aí que sua pesquisa começa.”
516
Minayo advoga que “a objetivação não é realizável [...] é impossível descrever a realidade com exata
fidedignidade” (MINAYO, M. C. O Desafio do Conhecimento. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro:
ABRASCO, 1994, apud Lima e Mioto, op. cit., loc. cit.). Assumindo a premissa que o aspecto modal econômico
possui seu próprio nomos objetivo, uma “ordem estrutural cósmica de significado”, cf. OLIVEIRA, 2004, p. 3, é
plausível admitir a existência da verdade absoluta sobre a realidade.
517
FRANKFURT, Harry H. Sobre a Verdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 62, 63, grifo nosso.
146
capítulo, juízos de valor são atribuídos a diversos tópicos abordados. Tais juízos são exigidos
Gil chama a atenção para uma das limitações do método de pesquisa bibliográfica:
mesmo a ampliar esses erros”.518 Booth, Colomb e Williams destacam outros perigos:
distorções causadas pelo envolvimento por demais apaixonado do autor com o tema.519
contextos originais.521 Ademais, reconheceu-se que, em certos casos, o uso de uma boa
fonte secundária foi muito útil aos propósitos da pesquisa — é o caso da obra de
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel, que analisa toda a literatura relevante das escolas de
formação de estratégia.
Finalmente, “sempre há a falha humana: Uma palavra que falta, aspas omitidas ou
518
Op. cit., p. 45.
519
Op. cit., p. 98-99.
520
GIL, op. cit., loc. cit.
521
BOOTH; COLOMB; WILLIAMS, op.cit., p. 100.
522
Ibid., p. 98-99.
147
No que diz respeito aos resultados, para responder à primeira questão subsidiária, “a
organização, todas, de certo modo, ligadas à administração. Uma primeira síntese, em 2.4,
mandatos criacionais, bem como no registro bíblico da queda e graça comum, Deus é
estabelecidas para a glória do Criador. Dentre tais esferas encontra-se a esfera modal
que pertence a Deus. Cada aspecto modal contém potenciais de realização sob Deus ou de
levada adiante por Moisés, o líder que retirou Israel do Egito. Sugeriu-se uma ligação
148
entre a iniciativa administrativa tomada por Moisés, atendendo ao conselho de seu sogro,
Jetro (Êx 18), a ação econômica da Trindade, no Novo Testamento, e as idéias de Adam
assumiu que a igreja cumpre as ordenanças divinas como instituição administrada por
questão subsidiária.
comum “às ações e sociedades humanas” — é tanto aprovado quanto sugerido pela CFW,
que o modelo administrativo da IPB estabelece uma amálgama de tais teorias e modelos com
o sistema de governo conciliar e a doutrina bíblica do chamado para o serviço cristão, o que,
prática da IPB?”— exigiu uma discussão sobre o conceito, as diversas escolas e a cosmovisão
da administração estratégica, bem como sua releitura e adaptação, a fim de torná-la utilizável
no contexto cristão. A sexta síntese traduziu o ponto, que, por sua vez, respondeu à quinta
pergunta subsidiária e, ao mesmo tempo, à pergunta central. A quinta questão subsidiária foi
metodológica da administração estratégica negam a cosmovisão cristã. Aliás, isso diz respeito
não apenas à administração estratégica, mas a toda administração moderna. O uso adaptado
CAPÍTULO VIII
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Este capítulo assume que a IPB opera no contexto do novo capitalismo que, por sua
vez, sinaliza uma nova civilização. Tal conjuntura apresenta alguns desafios singulares.
523
FORRESTER, Viviane. O Horror Econômico. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 8.
524
O telefone, por exemplo, em pleno início de século XXI, é utilizado “apenas por pouco mais que 20%
dos seres humanos” (LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000, p. 236).
525
GREIDER, William. O Mundo na Corda Bamba: Como Entender o Crash Global. São Paulo: Geração
Editorial, 1997, p 92-96.
526
ROCHA, Everardo. A Sociedade do Sonho: Comunicação, Cultura e Consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 1995,
p. 114-115.
151
projeto da modernidade. Tal projeto, porém, não produz satisfação. De acordo com
Touraine, “a modernidade nos arrancou dos limites estreitos da cultura local onde
vivemos; ela nos jogou igualmente na liberdade individual como na sociedade e na cultura
que ela empreende produz desencantamento e separação entre o “mundo dos fenômenos”
como defende Lévy, ela concretiza os ideais da modernidade, possibilita, por outro, a
impactada por uma terceira onda de mudança, caracterizada pela economia baseada na
industrial). 531
527
Op. cit., p. 245.
528
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 99.
529
Ibid., p. 101.
530
SANTOS, Jair Ferreira dos. O Que é Pós-Modernismo. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 10.
531
TOFLER, Alvin. A Terceira Onda: A Morte do Industrialismo e o Nascimento de Uma Nova Civilização. 19.
ed. Rio de Janeiro, Record, 1994, p. 15-32.
152
estratégica.
administração, fomentadas pelo capitalismo social. Deve ela, dentro de um novo contexto,
Estar ou não disposto a mudar é uma fronteira sutil e real que tem dividido
mentalidades e causado grandes atritos, prejudicando assim a unidade da
igreja. [...] Não querer mudar é arriscar-se a parar de crescer. Qualquer
instituição ou estrutura que se recusa adaptar-se a novas realidades acaba por
falir, sucumbir, desaparecer do cenário da história atual.532
para simplesmente estar em dias com a agenda da cultura, muito menos para sentir-se
532
SOLONCA, Paulo. Inovando Uma Igreja Tradicional: Esquentando um Povo Querido sem Queimar a Casa.
In: HORRELL, J. Scott. (Ed.). Ultrapassando Barreiras: Novas Opções Para a Igreja Brasileira na Virada do
Século XXI. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 121.
533
GETZ, Gene A. Igreja: Forma e Essência: O Corpo de Cristo Pelos Ângulos das Escrituras, da História e da
Cultura. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 328, grifo do autor.
153
arrecadação e conquistar espaço na mídia podem tornar-se alvos mais desejáveis do que
prática da disciplina. Horton considera perigosa essa ênfase no crescimento da igreja antes
da busca de sua identidade bíblica: “Como saberemos que a igreja que estamos erguendo é
a mesma que Cristo está construindo?”534 Este tipo de cristianismo não produz discípulos,
contemporânea é reconhecida pelo fato de que não há algo chamado igreja evangélica,
pragmático.
ação efetivas.
534
HORTON, Michael S. O Assunto da Relevância Contemporânea. In: HORTON, op. cit., p. 281-282.
535
PETERSON, Eugene. Um Pastor Segundo o Coração de Deus. Rio de Janeiro: Textus, 2000, p. 2.
536
Op. cit., p. 282.
154
A IPB pode enxergar na nova civilização não apenas ameaças, mas oportunidades:
verdadeiramente a igreja”.537
maneiras. Há pessoas que consideram que a nova ordem econômica ou a ciência fornecem
terreno desconhecido e escuro, sem nenhum tipo de mapa para guiar a caminhada.
Por uma só coisa anseio: aprender o que se esconde atrás dos fenômenos;
desvendar o mistério que me dá a vida e a morte; saber se uma presença
invisível e imota se esconde além do fluxo visível e incessante do mundo.
Pergunto e torno a perguntar, golpeando o caos: quem nos planta nessa
terra sem nos pedir licença? Quem nos arranca da terra sem nos pedir
licença?538
537
BOSCH., op. cit., p. 19.
538
KAZANTZÁKIS, Nikos. Ascese. apud KIVITZ, Ed René. Vivendo Com Propósitos. São Paulo: Mundo
Cristão, 2003, p. 3.
155
Para Sine, o estilo da vida e valores produzidos e propostos pelo novo capitalismo
[...] as pessoas estão exaustas por causa das longas horas de trabalho e
não têm achado as delícias consumistas do McMundo tão gratificantes
quanto pensavam que seriam. Cada vez mais pessoas de fora e de dentro
da igreja estão em busca [...] de [...] uma existência que tenha um senso
mais nítido de direção e uma espiritualidade mais profunda [...] uma fé
que permeie todos os aspectos da vida. 539
A estas pessoas a IPB pode e deve apresentar as boas notícias acerca de Jesus
Cristo (At 17.22-31). Os seres humanos estão abertos para ouvir que “o grande conceito
final da verdade está em que o cristianismo é fiel àquilo que existe”.540 A abertura para tal
testemunho tem uma razão: Muitos dos indivíduos globalizados são religiosos, ratificando
Isto, sem dúvida, será sempre evidente aos que julgam com acerto, ou,
seja, que está gravado na mente humana um senso da divindade que
jamais se pode apagar. Mais: esta convicção de que há algum Deus não
só é a todos ingênita por natureza, mas ainda que lhes está encravada no
íntimo, como que na própria medula [...].541
A IPB é chamada a reconhecer essa tendência como uma porta aberta para a
evangelização. A cultura do novo capitalismo não sinaliza o fim da igreja, mas a nova era
da missão. Ela traz consigo imensos problemas, muitos deles humanamente irresolúveis.
Avaliando aquele contexto, Green afirma que “provavelmente nenhum outro período da
história do mundo estava mais bem preparado para receber a jovem igreja que o primeiro
539
Op. cit., p. 226.
540
SCHAEFFER, Francis A. A Igreja do Final do Século XX. 2. ed. Brasília: Sião, 1988, p.54.
541
CALVINO, op. cit., I.III.3.
542
GREEN, op. cit., p. 11.
156
mensagem cristã são pontos de contato entre os séculos I e XXI; o imperialismo romano e
o econômico dão as mãos e cumprem uma agenda divina de plenitude dos tempos, de
modo que esse pode ser considerado um tempo para o plantio e, se Deus quiser, para a
Essa constatação de Buford, feita há mais de uma década, ressoa atualmente nas comunidades
Deus, a igreja (Ef 1.15-23, 3.1-13), que fala da obra consumada de Jesus que produz, além da
reconciliação individual, uma experiência comunal (Ef 2.11-22). Ela faz isso não se
anunciando como centro de aperfeiçoamento moral ou de cura física, muito menos como
instituição garantidora de prosperidade, mas como uma luz em meio às trevas, como um sinal
543
CARDOSO, Maurício. Jesus 2000: Os Desafios do Cristianismo às Portas do Novo Milênio, in Veja, ed.
1628, ano 32, n. 50 (15.12.1999), p. 174.
544
BUFORD, op. cit., p. 44-50.
157
de amor e esperança para uma sociedade amarga e violenta e como família acolhedora em
Como fazer isso? Com administração estratégica, coram Deo. Isso exige, antes de
visão, torna-se possível saber: (1) O que a organização é; (2) o que ela pretende realizar e
(3) a quem ela pretende atender.546 A missão organizacional delimita o primeiro ponto,
é plausível assumir como missão da IPB os primeiros dois artigos de sua Constituição:
545
FISHER, David. O Pastor do Século 21. São Paulo: Vida, 1999, p. 88.
546
HITT; IRELAND; HOSKISSON, op. cit., p. 16.
547
CHIAVENATO; SAPIRO, op. cit., p. 55; OLIVEIRA, 2007, p. 81; WRIGHT; KNOLL; PARNELL, op. cit.,
p. 92-93.
158
missão, primeiramente, ajusta o foco auxiliando a organização a saber o que ela não é e o
que ela não faz. Neste caso, assume-se que a IPB cumpre sua missão sendo o que é aqui
descrito, nada além disso. Chama-se a atenção para o óbvio. Estender as atividades da IPB
para além dos limites da missão corresponde a sucumbir à pressão para “estender o
ela pretende atender. Hitt, Ireland e Hoskisson consideram que a clarificação da visão
Sapiro dão a entender que a definição da missão vem antes da formulação da visão.553
548
CI/IPB, Capítulo I, Natureza, Governo e Fins da Igreja, Artigos 1 e 2. In: CAMPOS, op. cit., p. 8-9.
549
RIES, Al; TROUT, Jack. As 22 Consagradas Leis do Marketing. São Paulo: Makron Books, 1993, p. 49.
550
RIES; TROUT, op. cit., p. 49-54. Um iogurte da marca Bombril dificilmente seria um sucesso no mercado,
considerado-se que tal marca, na mente dos consumidores, está associada a produtos de limpeza. Aplicando-se o
princípio à IPB, esta estende —inadequadamente — sua linha de serviços ao lançar-se em frentes que não dizem
respeito ao cumprimento de sua missão precípua, no caso, ser federação de igrejas fiel às Escrituras e Símbolos
de Fé.
551
WRIGHT; KNOLL; PARNELL, op. cit., p. 93; CHIAVENATO; SAPIRO, op. cit., p. 56.
552
Op. cit., p. 18. Cf. OLIVEIRA, 2007, p. 82.
553
Op. cit., p. 55-56, 64-68.
159
Nesses termos o MP não fornece uma declaração de visão. Isso abre espaço, em
primeiro lugar, para a formulação, pelo SC/IPB, de uma declaração de visão aplicável a
direção divina para cada contexto. Na elaboração de tais declarações devem ser levadas
doutrina e prática das Escrituras”, o que implica em instrução e disciplina) e serviço, tudo
Orar e trabalhar para a consolidação das atuais igrejas sob sua jurisdição, de modo que
parcerias, a fim de que cada igreja do [nome do presbitério] contribua com a plantação de
novas igrejas”. Outro concílio pode declarar como visão: “Um sínodo cujos presbíteros
igrejas locais.”
554
CHIAVENATO; SAPIRO, op. cit., p. 64.
555
HITT; IRELAND; HOSKISSON, op. cit., p. 17.
556
Ibid., p. 19.
160
organizacionais.
contexto dito secular, é desejável, porém, que tais declarações permitam um delineamento
dos negócios “por longo período de tempo e dando consistência às medidas de longo,
médio e curto prazos”.558 No âmbito da IPB, enquanto sua missão, extraída da Palavra de
Deus, permanece a mesma, há liberdade para a definição e redefinição tanto de uma visão
com a Bíblia e os Símbolos de Fé. A partir de tais asserções, que IPB poderia emergir
557
WRIGHT; KROLL; PARNELL, op. cit., p. 94-95.
558
OLIVEIRA, op. cit., loc. cit.
559
Complementando o que foi dito no primeiro capítulo. as quatro últimas décadas do século XX foram
marcadas pela experimentação e busca de modelos de renovação. Nos anos finais do século passado, a igreja foi
vista — inclusive por seus membros — como um problema. A tônica dos escritos desse período, na maioria dos
casos, foi de busca de uma solução. A igreja tinha de encontrar uma saída, um meio de superar-se ou de vencer
suas dificuldades. Grupos de consagração, movimentos de oração, batalha espiritual, sinais e maravilhas,
evangelho da prosperidade, movimento neo-apostólico, novas estruturas eclesiásticas, missões urbanas, reuniões
161
pesquisa assume que a IPB não precisa dar crédito aos comerciais que anunciam as últimas
panacéias eclesiais. Para a edificação da igreja sugerem-se quatro ênfases bíblicas — todas
consistentes com a CFW e o MP: (1) Aperfeiçoamento de líderes; (2) maior destaque ao
discipulado; (3) cuidado com a saúde organizacional e (4) prática bíblica da unidade.
Líderes eficazes são dons de Cristo à igreja, concedidos com a finalidade de capacitá-
liderança é essencial à vida e missão da igreja. Sem ela, a igreja tropeça e cai num curso
enraizada nas Escrituras. Tarefas são distribuídas e realizadas por vários líderes,
Jesus. Os líderes são chamados para, antes de realizarem qualquer coisa, estarem com ele (Mc
2.14). Eles são seguidores de Cristo e lideram pelo exemplo (1Co 11.1; 1Pe 5.1-3). Eles
cuidam de si mesmos e da doutrina, a fim de ministrar a outros (1Tm 4.16). Caminhando com
Deus — na leitura, estudo e meditação da Escritura, na oração e adoração — eles são capazes
de fazer leituras sábias das situações e definir as direções mais apropriadas a serem seguidas.
Nesse processo a IPB não é confundida com uma empresa, os líderes de pastoreio não são
nos lares, igrejas informais, corpo vivo, revitalização da Escola Dominical, movimento de crescimento da igreja,
retorno ao puritanismo, igreja emergente — todas essas ênfases e modelos de ministérios assemelharam-se no
sentido de propor soluções para a igreja que precisava retornar a valores antigos ou renovar-se para crescer. Um
apanhado dessas iniciativas é oferecido por GETZ, op. cit., p.15-34.
560
MONTOYA, op. cit., p. 293.
162
líderes são os servos que demonstram na prática o que significa seguir ao Senhor (Mc 10.42-
da liderança, mas carrega nas tintas ao utilizar um critério gerencial para avaliação do
ensino das Escrituras. Em um primeiro momento, ao afirmar que o pastor é o único ou maior
responsável pelo crescimento, parece que há um retorno ao clericalismo, mas não apenas isso.
A igreja corre o risco de absorver crenças e práticas das organizações globalizadas. Os relatos
da Bíblia acerca de Moisés, Josué, Samuel, Elias, Eliseu, Isaías, Jeremias, Sofonias, João
Batista, o próprio Jesus Cristo e os apóstolos são ricos em detalhes de consagração a Deus e
eficiência no serviço que, do ponto de vista da lógica do novo capitalismo, podem ser
plantam e regam a semente, mas quem produz o crescimento é Deus (1Co 3.6-9). A resposta
Uma última dificuldade do texto de Wolf é sua asserção de que a figura do pastor
pode impedir que uma igreja seja aquilo que Deus deseja, uma típica ponderação que
descreve Deus como estando sujeito à vontade do homem — ou sendo frustrado em seus
propósitos pelos fracassos humanos. O apóstolo Paulo, no entanto, afirma que a vontade de
Deus inclui tanto o seu querer quanto o realizar (Fp 2.13). Aquilo que Deus decreta, ele faz;
nada é capaz de se opor à sua vontade (Is 46.8-13). O propósito de Deus é absoluto, os
Uma pessoa colhe, se semear. É salva, se crer. Sua colheita e sua salvação
são eventos condicionais. O propósito de Deus, porém, é absoluto. Se ele
propõe que uma pessoa colha, propõe, também que ela semeie; se propõe
que seja salva, propõe que ela creia.563
deve ser voltado para a execução, no caso, o cumprimento da missão. O pastor não é um
Montoya:
Líderes, liderem! A tarefa sua é ter a visão do que deve ser feito,
arregimentar pessoas para que adotem essa visão, delegar a tarefa a outros e
depois manter todo o grupo motivado para completar ou cumprir a missão.
Os líderes espirituais extraem suas perspectivas do propósito de Deus.
Depois convocam a igreja para que auxilie no cumprimento do propósito, o
que logicamente implica que os líderes devem manter a igreja motivada até
que o alvo seja atingido. O ato de liderar, portanto, compreende quatro
elementos: visão, convocação, delegação e motivação. Se o pastor ou líder
espiritual for bem-sucedido no cumprimento dessas quatro atividades, será
bem-sucedido em sua liderança.565
563
HODGE, op. cit., p. 305.
564
CFW, V.i, p. 34: “Pela mui sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável
conselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória de sua
sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as
ações delas e todas as coisas, desde a maior até à menor.”
565
MONTOYA, op. cit., p. 308.
164
Queremos fatos — ações realizadas, almas salvas. Está bem que se escrevam
ensaios. Mas, quais almas vocês impediram de ir para o inferno? A maneira
excelente como dirigem a escola interessa-me. Mas, quantas crianças foram
trazidas a igreja por meio dela? [...] Irmãos, façam alguma coisa; façam
alguma coisa; façam alguma coisa. Enquanto as comissões desperdiçam
tempo em deliberações, façam alguma coisa. Enquanto as sociedades e
uniões elaboram estatutos, ganhemos almas. Muitas vezes discutimos,
discutimos e discutimos, e satanás ri-se à socapa. É tempo de parar de
planejar e de procurar o que planejar. Rogo-lhes, sejam homens de ação,
todos vocês. Mãos à obra, e tratem de sair-se como homens.566
Como escreve Schwarz, “pastores não precisam ser ‘super-stars’ para que suas igrejas
cresçam. A maioria dos pastores, que nas nossas pesquisas conseguiram os melhores
Nesses termos sugere-se uma IPB com líderes mais e melhor habilitados, o que
graça através de Jesus Cristo, que é regenerado e responde ao chamado do evangelho com
arrependimento e fé: “O arrependimento [...] é um termo que raramente ouvimos hoje. Fala-se
muito de como Deus nos ama, mas não de quanto o odiamos”.568 A fé salvadora o compele a
566
SPURGEON, Charles H. Lições aos Meus Alunos: Homilética e Teologia Pastoral. 1. ed. reimp. 2001. São
Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1980, p. 41.
567
SCHWARZ, Christian. O Desenvolvimento Natural da Igreja: Guia Prático Para Cristãos e Igrejas Que Se
Decepcionaram Com Receitas Mirabolantes de Crescimento. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1996, p. 23.
568
SHELLEY, Bruce L. A Igreja: O Povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 46.
165
4.6; 1Ts 1.2-10). A mensagem a ser divulgada no contexto do novo capitalismo não é de
e “luz do mundo” e deve viver “como o seu mestre” (Mt 5.13-16, 10.24-25). Menos do que
isso é inaceitável. A IPB deve elevar ao máximo os custos do discipulado, traduzindo para o
tempo atual as implicações do paradigma cosmonômico. Ela não deve buscar números, mas
crentes ao cumprimento das ordenanças divinas e define uma nova pauta de capacitação e
envolvimento.
A IPB saudável valoriza as instâncias institucionais. Nela não há espaço para ojeriza
Os arquétipos institucionais são para a IPB o que o esqueleto é para o corpo — fornecem
solidez, arranjo, formato jurídico e administrativo. O arrazoado principal, porém, é este: Tudo
569
SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo ao Alcance de Todos: Uma Narrativa do Desenvolvimento da
Igreja Cristã Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 547.
166
Na IPB saudável tudo converge para o cumprimento de sua missão que aponta para o
compromisso com as marcas reformadas.570 Ainda que em sua difusão por todo o país haja
na consistência de cada concílio e igreja local aos padrões, no caso, à missão clarificada nos
dois primeiros artigos da CI/IPB. Nesses termos consolida-se uma IPB alicerçada na verdade
(Escrituras e Símbolos de Fé), pactual (composta de professos e seus filhos) e fiel (adoradora,
mutualidade e serviço).
Saúde não equivale a perfeição orgânica. A IPB saudável não é uma empresa ou linha
social e, nesses termos, humano. Organismos se desgastam, sofrem panes e são afetados por
perigo de almejar-se uma igreja cem por cento pura aqui na terra.571 A IPB não precisa
oferecer “serviço completo” para ser igreja. Desde que as marcas sejam preservadas, outros
elementos legítimos e até necessários podem ser agregados, mas uma comunidade perfeita ou
570
As marcas reformadas são o ensino e a pregação pura da Palavra de Deus e administração correta dos
sacramentos. Calvino (op. cit., IV.I.9 et seq.) sugere ainda a prática da disciplina, a fim de combater a frouxidão
dos costumes, mas mesmo assim admite a suficiência das duas primeiras marcas: “[...] pois onde quer que vemos
a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos os sacramentos serem administrados segundo
a instituição de Cristo, aí de modo algum há de contestar-se que está presente uma igreja de Deus [...]”.As
mesmas marcas são reconhecidas, com acréscimos contextuais, nos Trinta e Nove Artigos da Religião, (1571,
Igreja Anglicana), na Confissão Batista de New Hampshire (1833), na CFW (1643-46) e na Segunda Confissão
Helvética (1566, Igrejas Reformadas da Suíça, França, Escócia, Hungria, Polônia e outras). Autores recentes
articulam a idéia do núcleo de vida (marcas) utilizando novos conceitos. Ao invés de destacarem a pregação e os
sacramentos, focalizam outras características ou práticas de ministério. Warren (cit., p. 117-135) sugere que a
igreja deve cuidar para desenvolver cinco propósitos, quais sejam, a adoração, a evangelização, o discipulado, a
comunhão e o serviço. Schwarz (op. cit., p. 15-48) percebe, em centenas de igrejas que crescem, oito marcas de
qualidade: liderança capacitadora, ministérios orientados por dons, espiritualidade contagiante, estruturas
funcionais, culto inspirador, grupos familiares, evangelização voltada para as necessidades e relacionamentos
marcados pelo amor fraternal. Todas essas evidências de vitalidade, no entanto, decorrem da pregação e do
desfrute dos sacramentos. Na história da igreja, sempre que o verdadeiro ensino e a autêntica proclamação da
Palavra são realizados no poder do Espírito Santo, e os sacramentos administrados corretamente, surgem práticas
que se encaixam nas categorias sugeridas por Warren e Schwarz.
Nos termos da administração estratégica, o sucesso de uma organização exige, além da flexibilidade para
adequar-se a diferentes contextos, fidelidade aos padrões.
571
CFW, XIV.iii; XXV.iv-v; Segunda Confissão Helvética, XVII.3, 14. In: BEEKE, Joel R.; FERGUSON,
Sinclair B. (Org.). Harmonia da Confissões Reformadas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 184, 189;
CALVINO, op. cit., IV.I.
167
uma organização com padrão empresarial de qualidade é uma exigência muito alta, jamais
encontrada na Escritura.
A liberdade dada pela IPB para a contextualização não estabelece centros eclesiais ou
ministérios autônomos. Pelo contrário, cada concílio e igreja local deve enxergar-se como
parte de algo maior, a IPB, que, por sua vez, é uma parte da Igreja Católica da qual fala o
Credo dos Apóstolos. Concílios e igrejas percebem que engrossam as fileiras da “nuvem de
testemunhas” (Hb 12.1) formada pelos santos de todos os tempos. Negando-se o ecumenismo
irrestrito, pratica-se a unidade entre cristãos bíblicos que se juntam para adorar, orar, refletir e
É estranho ver neste dia como, não obstante todas as ameaças de Deus [...],
os homens estão ligados às suas próprias opiniões, além do que a lei da graça
e do amor permite [...] cada qual preso a sua própria opinião que não podem
ter aquela comunhão uns com os outros como, pelo testamento (Palavra) do
Senhor Jesus, é-lhes ordenada e imposta. Qual a causa? A verdade? Não!
Deus não é o autor de nenhuma confusão na igreja de Deus! (1Co 14.33).
Então é porque cada homem dá importância demais à sua própria opinião,
exagera na avaliação do seu entendimento e não tem o cuidado de separar a
sua opinião da iniqüidade que a ela se junta. Que essa confusão está na igreja
de Cristo, é por demais manifesta. Mas que linguagem inconveniente é esta
572
Segunda Confissão Helvética, XVII.15. In: BEEKE; FERGUSON, op. cit., p. 190.
168
A prática da unidade não significa abrir mão de convicções doutrinárias, ou, como
uma nova compreensão do que, efetivamente, significa ser cristão no mundo”.574 Ela impele os
almeja produzir “um nivelamento das diferenças, um reducionismo superficial, uma espécie de
‘caldo’ ecumênico. Nossas diferenças são genuínas e devem ser tratadas como tais.” 575
Por fim, a colocação em prática desses quatro pontos desejáveis para a IPB abre
573
BUNYAN, John. Uma Vida Santa: A Beleza do Cristianismo. apud LLOYD-JONES, Dr. Martin. Os
Puritanos: Suas Origens e Seus Sucessores: Palestras Proferidas nas Conferências Puritana e Westminster:
1959 a 1978. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 401.
574
Op. cit., p. 554.
575
Ibid., loc. cit.
169
São sugeridos três usos da administração estratégica no âmbito da IPB: (1) Ajuste
Assim como é possível falar de cultura no âmbito de uma sociedade mais ampla, por
exemplo, uma nação (3.1), é possível referir-se à cultura de um grupo menor, ou de uma
organização ou instituição.
afirmam que a cultura torna as organizações semelhantes aos seres vivos, com personalidade.
576
BOSSIDY; CHARAN, op. cit., p. 99. Mandelli et al referem-se a construtos semelhantes utilizando uma
ferramenta da administração denominada sete “Ss”: Structure — Estrutura Organizacional — diz respeito ao
arranjo das funções, à departamentalização da empresa e ao numero de níveis; Strategy — Estratégia — diz
respeito à forma como a empresa lida com sua identidade, missão, mercados, clientes e produtos; Systems —
Sistemas e Processos — diz respeito aos processos internos e aos sistemas de medição e informação; Staff —
Pessoal — diz respeito ao contingente humano envolvido; Skills — Habilidades e Competências — diz respeito
àquilo que a empresa precisa em termos de know-how para desempenhar seu papel; Shared Values — Cultura
— diz respeito ao conjunto de valores vigentes e Style — Estilo — diz respeito ao estilo gerencial praticado pela
liderança.
577
WRIGHT; KROLL; PARNELL, op. cit., p. 323; cf. HITT; IRELAND; HOSKISSON, op. cit., p. 24.
578
TAVARES, op. cit., p. 412.
170
a “redes de conversas e criação de sentido, com freqüência invisíveis, por intermédio das
Tal cultura pode constituir uma barreira ao cumprimento da missão. Tavares constata
que uma das razões do fracasso das fórmulas simplistas de gestão é não levar em conta “as
pessoas nela envolvidas — é tratada como uma máquina, um sistema impessoal, fechado e
efetivamente, executando.
579
CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, op. cit., p. 255.
580
Op. cit., p. 21.
581
Op. cit., p. 40.
171
ministério se confunde com o modus operandi burocrático e ajustes não são normalmente
bem-vindos.
cultural da IPB.
cultura da IPB. Hitt, Ireland e Hoskisson entendem que “moldar o contexto no qual a
corporação não tem uma cultura. Uma corporação é uma cultura. É por isso que elas são
concretização de sua visão geral e das declarações de visões de cada concílio e igreja
local. Ao ajustar sua cultura para a execução, a IPB como um todo deixa de ser
focalizam a execução do planejamento, que por sua vez, imbrica no serviço do reino.
Como isso pode ser implementado? Hit, Ireland e Hoskisson reduzem o processo a
dois passos: (1) Fomentar líderes com mentalidade empreendedora e; (2) moldar, reforçar
582
Op. cit., p. 355.
583
MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, op. cit., p. 198.
584
Ibid., p. 198-199.
585
MANDELLI et al, op. cit., p. 57-59.
172
interligação de três coisas: (1) Pessoas; (2) estratégia e (3) operações.587 A aplicação disto,
se ocupam com uma questão: “Esta é a pessoa certa para realizar as tarefas que, por sua
igrejas locais). Cada instância de liderança seria motivada a abraçar alvos desafiadores
586
Op. cit., p. 356.
587
Op. cit., passim.
588
HITT; IRELAND; HOSKISSON, op. cit., p. 356.
589
Como foi demonstrado em 4.4, não há base bíblica para a distinção entre ministério voltado para o saber
teológico e a evangelização, plantação e fortalecimento de igrejas. Paulo, o teólogo, dedicou-se completamente à
expansão do evangelho.
173
e revitalização de igrejas.
e avaliados.591
590
BOSSIDY; CHARAN, op. cit., 230-231.
591
É possível argumentar que, com base no texto do MP, não há aqui qualquer novidade, uma vez que sanções
disciplinares são atribuídas às faltas cometidas por líderes e membros da IPB. Isso é consistente com os
resultados desta pesquisa. Emoldurado pelas influências das teorias clássica e neoclássica, bem como pelo
modelo burocrático da administração, o modelo de administração da IPB tem no MP um excelente texto
normativo. O ponto crítico, não apenas na administração da IPB, mas em todas as organizações majoritariamente
influenciadas pelas teorias do capitalismo social, está na implementação de tais normas. A execução da
estratégia exige o acompanhamento — com as medidas reguladoras pertinentes — das operações.
592
Seria verificado, por exemplo, se saber o número de ensaios e apresentações de conjuntos corais de uma
igreja contribui, de fato, para a avaliação de sua eficácia quanto ao cumprimento da estratégia da IPB. Cf.
IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Relatório Anual do Conselho da Igreja ou da Mesa Administrativa
ao Presbitério. ed. Excel. São Paulo: Secretaria Executiva do Supremo Concílio da IPB, [s.data], item 2.3.4.
Disponível em: <http://www.executivaipb.com.br/estatisticas.htm>. Acesso em: 9 Set. 2008.
174
e pessoal, realizada pelas comissões executivas de cada concílio. Ao fim de cada processo
avaliativo, seria fornecido reforço positivo aos ministros e concílios alinhados à direção
Isso seria feito com consistência suficiente para estabelecer uma caminhada
593
MANDELLI et al, op. cit., p. 57.
594
Cf. Mt 18.15-20, 25.21,23; Gl 6.1-5; 1Tm 4.11-15; 2Tm 1.6-7; CI/IPB, Capítulo V, Seção 1, Art. 70. In:
CAMPOS, op. cit., p. 30-31.
595
Ibid., p. 221. Grifo nosso.
175
da prática da unidade — uma unidade não apenas bíblica e confessional, mas também
estratégica. Tudo isso convergindo para o cumprimento dos mandatos pactuais, nos
A seção 8.6.1 referiu-se ao planejamento, estratégia, plano geral e planos das unidades
menores. Uma cultura voltada para a execução corresponde a uma cultura que fomenta o
Segundo, o alicerce, bem como os limites para a estratégia são sugeridos em 8.4, na
(para cada concílio, igreja local e departamento da IPB), sugeridas em 8.4, é fornecido em 8.5
Quarto, as estratégias formuladas precisam ser não apenas eficientes e eficazes, mas,
lembrar que, tal como foi afirmado na análise de Atos (4.4.1), a quantificação de pessoas
agregadas à igreja é sempre dado estatístico, jamais meta. O número de pessoas que abraçarão
o evangelho e integrarão a IPB — bem como a quantidade de igrejas plantadas daqui a cinco
planejamento (cf. At 13.48, 16.14, 18.9-10). Bons objetivos eclesiásticos focalizam ações em
obediência aos mandatos pactuais (plantar e colher), não resultados (o crescimento vem de
Deus — cf. 1Co 3.6-7). Uma estratégia não pode definir quantos novos convertidos uma
igreja receberá no próximo ano, mas pode estabelecer que esta, em determinado tempo,
Quinto, estratégias devem ajudar a IPB a cumprir melhor sua missão e concretizar
Um concílio ou igreja local pode funcionar por décadas sem nunca ter elaborado
596
Planos que refletem a Escritura, os Símbolos de Fé e o MP, capazes de alavancar a IPB sem descaracterizá-la,
são desejáveis e necessários. Se não for assim, o planejamento pode ser contestado por concílios, pastores e
líderes das igrejas locais, dando lugar a oposições declaradas, com todos os desgastes jurídicos decorrentes, ou,
pior, a resistências psicológicas. Cf. MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, op. cit., p. 119. Neste caso as
pessoas não se colocam explicitamente contra o planejamento, apenas o ignoram.
597
Deve-se abrir espaço para o planejamento de ações enquanto se desautoriza o planejamento de resultados.
Portela Neto (op. cit., p. 84) alerta para a distorção produzida pela noção “de que podemos e devemos planejar
os resultados ou estabelecermos as metas, no que diz respeito à evangelização e ao crescimento da igreja local ou
nacional”. A IPB, cuja interpretação doutrinária é bíblica segundo a ótica dos Símbolos de Fé, assume que o
aumento da quantidade de membros de seus membros ocorre por obra do Espírito Santo, na vocação eficaz
(ASSEMBLÉIA DE WESTMINSTER, op. cit., CFW, X.i-iv, p. 49-51).
598
MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, op. cit., p. 230.
177
uma lutando por sua própria fatia de recursos, dedicação e energia. Ademais, o
administração estratégica auxilia demonstrando por que, como e quando planejar e revisar
contextos. Os planos não seriam inflexíveis, mas ajustáveis e até mesmo substituíveis por
estratégicos. Isso seria feito com consistência suficiente para, como foi visto alhures,
Você tem os líderes certos nos cargos certos? Eles trabalham bem juntos?
Você tem o tipo certo de pessoa que precisa em quantidade suficiente? Você
tem os recursos de produção, financeiros e tecnológicos para executar a
estratégia? 599
líderes que amam a IPB — seu povo, sua proposta de ministério, sua doutrina e seu
caráter institucional.
599
BOSSIDY; CHARAN, op. cit., p. 210.
178
Deve ser pontuado, por fim, em que sentido essa proposta de uso da administração
(FENEP).601
paradigma cosmonômico; (2) não foi esclarecido quais eram as partes constituintes do
fortes e fracos; (3) as metas e ações recomendadas, por não serem uma aplicação da
teologia, abriram espaço para serem interpretadas como arbitrárias e de cunho evangelical;
(4) esperou-se por resultados sem que fossem tomadas medidas efetivas de mudança
cultural; as metas estabelecidas, ainda que desafiadoras, contrastavam com o modo da IPB
600
COMISSÃO EXECUTIVA DO SUPREMO CONCÍLIO DA IPB. Planejando Para o Ano 2000. São Paulo:
Cultura Cristã, 1996, passim.
601
COMISSÃO EXECUTIVA DO SUPREMO CONCÍLIO DA IPB. Planejando Para o Ano 2001 e Realizando
Já. São Paulo: Cultura Cristã, 1997, passim.
179
denominacional.
A diferença não se encontra nas ferramentas e sim, na insistência em utilizá-las com vistas à
execução da estratégia. Não basta a igreja possuir um computador com acesso à Internet, e
ministerial. Trata-se, como foi abordado em 8.6.1, do resultado de ajustes da cultura da IPB.
destaque atual é para o uso de tecnologias digitais, especialmente aquelas que facilitam a
operacionais, mais tempo e recursos para a execução, menos papelório e até rotinas
dados único, disponível on-line, que propõe-se a facilitar a administração de róis de membros,
para a SE/SC. Utilizando padrões abertos da Internet, o sistema pode ser acessado por
serão conferidos e agregados às somas gerais, em tempo real. Seria interessante que, ao
consolidados, os números dos relatórios de ministros e concílios inferiores, bem como uma
lista de ministros, igrejas e concílios que ainda não enviaram seus respectivos documentos.
Isso eliminaria, de vez, os desgastes das comissões responsáveis pelas estatísticas dos
concílios, bem como o volume de trabalho de todos os envolvidos com o fechamento das
informações, na SE/IPB.
Em termos de aplicação local, ao criar um registro de membro, seria bom que o SI-
IPB considerasse essa informação para o relatório de estatística da igreja. O trabalho de fim
602
Na época da elaboração desta pesquisa o Sistema Integrado IPB podia ser acessado no web site da Secretaria
Executiva do Supremo Concílio da IPB, ainda em fase de implementação. Tal exemplo demonstra que em
diversos nichos da estrutura da IPB existe o pensamento e ação estratégicos. Cf. IGREJA PRESBITERIANA
DO BRASIL. Sistema Integrado — IPB. Belo Horizonte: Secretaria Executiva do Supremo Concílio da IPB,
2008. Disponível em: < http://www.executivaipb.com.br/si-ipb.htm>. Acesso em: 10 Set. 2008.
181
Se tudo correr bem, tudo isso poderá ser feito com custo zero de aquisição de
Um passo seguinte nesse processo seria a IPB viabilizar aos pastores, igrejas e
recursos e energias da IPB, abrindo espaço para o foco no cumprimento de sua missão.
eventos-chave da igreja.
603
FRIEDMAN, op. cit., passim.
182
disciplina Gestão Eclesiástica, que atualmente possui o peso de dois créditos, passaria a
grandes líderes da Bíblia, passaria de dois para quatro créditos, incluindo-se princípios e
métodos de liderança estratégica. Além das alterações nas disciplinas acima, sugere-se a
604
SECRETARIA EXECUTIVA DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. Digesto Presbiteriano: SC-
2006 - Doc. 117. Belo Horizonte: IPB, 2006.
183
discutir, criar, avaliar e implementar ações necessárias à edificação da IPB. Tal centro
oficiais ordenados, líderes e membros interessados da IPB. Tais cursos poderiam ser
O autor desta pesquisa admite que, nas primeiras leituras relacionadas a este
projeto, ponderou sobre a possibilidade de propor ajustes nos regulamentos da IPB — seu
administração estratégica. A partir da análise dos dados, porém, concluiu-se que tais
administração estratégica sem abrir mão de sua formatação central. Os regulamentos da IPB
Quando isso é obtido, uma cultura de execução é implantada nas mentes e corações,
perceptíveis.
Muito mais poderia ser dito, e.g., “quais as aplicações específicas da administração
apresenta aqui é um esboço muito falível e parcial. Além disso, outras questões, também
Diante das demandas observadas nas várias facetas do novo capitalismo, o autor
propõe, para a igreja, uma atualização. Observe-se, no entanto, que qualquer proposta de
resultado de uma percepção correta — não devido à pressão de modismos. Ademais, deve
caminhar sem romper com suas raízes, respeitando a história da igreja local e da
denominação, bem como a cultura local. Outro detalhe: Qualquer mudança deve começar
605
SOLONCA, op. cit., passim.
185
O que se espera? A IPB desejável, descrita na seção 8.5. Seria tal visão realizável? Se
esta for a vontade do Altíssimo, assim será. A administração estratégica pode contribuir para
isso, utilizada coram Deo pelos discípulos de Cristo. Cabe a nós refletir cuidadosamente,
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