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FARMACOLOGIA HUMANA DA HOASCA - ESTUDOS CLÍNICOS

Avaliação Comparativa Basal entre usuários do Chá Hoasca de longo prazo e


controles. Avaliações fisiológicas dos efeitos agudos pós ingestão do Chá Hoasca

ANDRADE, E.N.1; BRITO, G.S.2; ANDRADE, E.O.1; NEVES,


E.S2..; McKENNA, D3. ; CAVALCANTE, J.W.4; OKIMURA,
L.5; GROB, C.6; CALLAWAY J.C.7 et al.8

Como parte do Projeto Farmacologia Humana da Hoasca, foram conduzidos os


ensaios clínicos abrangidos em dois estudos distintos:
1. Estudo comparativo basal sobre os efeitos clínicos de uso a longo prazo
comparando-se o Grupo de usuários do Chá Hoasca de pelo menos 10 anos e um
grupo de controles que nunca utilizou este Chá.
2. Avaliação fisiológica dos efeitos agudos após a ingestão do Chá.

MÉTODOS
Experimentadores e Controles
Um grupo de 15 homens que estiveram usando o chá com regularidade por 10 anos
ou mais, constituiu o grupo de experiência (Experimentadores). Eles foram selecionados
aleatoriamente entre 24 candidatos que se apresentaram espontaneamente para
participação nos estudos.
Cada experimentador teve que indicar uma pessoa do grupo de controle de acordo
com o seguinte critério: preferencialmente deveriam ser escolhidos entre irmãos, primos,
parentes, colegas de trabalho ou um amigo que teria aproximadamente a mesma idade; não
usuário de drogas; não alcoólatra; de preferência não fumante, sendo que esta última
condição não seria um critério de exclusão do estudo.
Todos os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e os
procedimentos que eles iriam se submeter, e assinaram um documento formal de
consentimento de participação na pesquisa. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo
Comitê de Ética do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina e do
Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas.

Avaliação Clínica Basal


Todos os Experimentadores e de Controle foram submetidos a uma entrevista clínica,
exames físicos e um painel de testes laboratoriais conhecido como SMAC-24 (incluindo ECG).
Todos esses procedimentos foram conduzidos pele equipe médica do Departamento de

1
Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, AM,
Brasil.
2
Centro de Estudos Médicos UDV, Brasília, DF, Brasil.
3
Heffter Institute on Etnobothanical Research, Santa Fe, NM, USA
4
Cardiologista do Hospital Universitário da Universidade Federal do Amazonas
5
Diretora do Laboratório Central do Hospital Universitário da UFAM
6
Diretor da Divisão da Criança e Adolescência Depto. De Psiquiatria da UCLA.
7
Neurocientista da Universidade de Kuopio, Finlândia
8
A versão final deste texto foi redigida por Glacus Brito e Elizabeth Neves.
1
Medicina Interna, Faculdade de Medicina da Universidade do Amazonas, no Hospital
Universitário Getulio Vargas, em Manaus.

Medições Fisiológicas Agudas


As dependências clínicas foram instaladas num templo da UDV em Manaus, chamado
Núcleo Caupuri. Este local foi escolhido por manter um ambiente familiar para os
experimentadores e também pela boa assistência dos líderes e membros da União do
Vegetal.
Seis sessões de avaliação foram feitas. Uma dose de 2 ml por kg para o corpo foi
estabelecida pelos “Mestres da UDV" e pesquisadores, baseados em conhecimentos
anteriores dos efeitos do chá, experenciados pela equipe de pesquisa numa sessão informal
conduzida por um “Mestre da UDV", onde o chá foi ingerido para conhecer subjetivamente
sua ação.
O chá usado para este teste foi preparado por um experiente Mestre da UDV, e os
procedimentos e as quantidades exatas dos vegetais foram observadas e anotadas pela
equipe de pesquisa.
O grupo clínico realizou as seguintes medições: temperatura oral, diâmetro da pupila,
batimentos cardíacos, pressão arterial, freqüência respiratória e ECG, em intervalos
regulares: Tempo Zero - Basal (anterior à ingestão), 20, 40, 60, 90, 120, 180 e 210 minutos
após a ingestão do Chá; amostras sangüíneas foram também coletadas nestes mesmos
intervalos, e mais uma amostra 8 horas após a ingestão. Toda urina foi coletada durante as
24 horas seguidas da ingestão.

RESULTADOS
Avaliação Clínica Basal
Ambos os grupos (Experimentadores e Controles) foram comparáveis em idade,
tempo de tabagismo, tempo de alcoolismo, uso de drogas. A única diferença significativa foi
a renda: os Controles tinham um nível de poder aquisitivo maior do que os
Experimentadores. Não houve níveis diferentes em relação a: células sangüíneas vermelhas,
creatinina, fosfatase alcalina, colesterol, Transaminase Glutamico-Oxalacética, Transaminase
Glutamico-pirúvica, Bilirrubina total e frações, sódio, potássio, cálcio e HDL. Encontrou-se
diferença significativa na contagem de plaquetas: os de controle tinham maior quantidade
(359.000/mm3) do que os experimentadores (271.000/mm3) (p<0.05). Na avaliação basal
do Eletrocardiograma (ECG), foi encontrado um bloqueio de ramo direito (BRD), um boqueio
de ramo esquerdo (BRE) e uma distúrbio de repolarização ventricular.
A entrevista clínica e o exame físico não mostraram nenhuma diferença significativa
no sistema neurosensório, circulatório, renal, respiratório, digestivo e endócrino entre os
grupos de Experimentadores e Controles.

Avaliações Fisiológicas Agudas


A tabela 1 mostra a média dos valores encontrados e o desvio padrão. Duas pessoas
apresentaram vômitos 30 minutos após a ingestão. Nenhum outro tipo de desconforto foi
demonstrado pelos experimentadores. Alguns apresentaram certo grau de palidez e
sudorese fria de efeito passageiro 40 minutos após a ingestão do chá, com duração média
de 10 a 20 minutos. Mantiveram-se conscientes e colaborando com os procedimentos de
avaliação que estavam sendo executados.

2
TABELA 1 – Medições Fisiológicas durante efeitos agudos
após ingestão do chá Hoasca
Tempo Diâmetro da Freqüência Freqüência Pressão Pressão Temperatura
pupila respiratória Arterial Arterial Oral
após cardíaca
sistólica diastólica
Ingestão X (DP) X (DP) X (DP)
X (DP)
X (DP) X (DP)

Zero 3.67 0.62 72 11 18 03 126 15 83 11 37.0 0.2


20’ 4.00 0.93 79 17 19 03 136 09 91 11 37.1 0.2
40’ 4.73 0.88 75 15 21 04 137 12 92 11 37.1 0.2
60’ 4.67 0.98 72 13 19 03 131 14 89 14 37.1 0.3
90’ 4.60 0.83 69 13 21 04 128 12 85 14 37.1 0.5
120’ 4.80 1.08 64 08 20 03 126 17 84 12 37.2 0.4
180’ 4.87 0.64 66 08 21 03 125 10 84 11 37.2 0.4
210’ 4.80 0.68 68 12 21 03 123 13 81 11 37.3 0.4

X=MEDIA; DP= DESVIO PADRÃO

DISCUSSÃO
A generalização dos resultados encontrados nesta pesquisa fica comprometida por
não se tratar de uma amostra aleatória de todos os integrantes da UDV que residem em
Manaus. Da mesma forma, o grupo Controle não é uma parcela representativa da população
masculina residente em Manaus. Ambos grupos, porém, foram comparáveis pelos critérios
estabelecidos, exceto pela renda.
A avaliação clínica basal não mostrou nenhuma diferença significante entre esses dois
grupos, com exceção do número de plaquetas que foi significativamente menor no grupo
dos experimentadores em relação a seus controles. Entretanto, a média observada nos
experimentadores estava dentro do limite da normalidade.
Os dois casos de bloqueios cardíacos (BRD e BRE) podem ter várias causas não
investigadas neste teste, como a Doença de Chagas e outras. A avaliação clínica basal não
mostrou nenhuma disfunção cardíaca entre os usuários de Hoasca. Não foi encontrado entre
os dois grupos nenhuma diferença significativa, ou comprometimento clínico nos usuários do
Chá Hoasca nos diversos sistemas avaliados: Neurosensorial, endócrino, Cardio-Respiratório,
Gastrointestinal e Hepático e Renal.
Na avaliação dos parâmetros de efeitos fisiológicos de fase aguda, o exame físico
mostrou um pequeno aumento no diâmetro da pupila (3.67 à 4.80) o qual não pode ser
considerado isoladamente como um efeito farmacológico ativo simpatomimético. Na
verdade, muitos dos experimentadores estavam um pouco ansiosos e tensos antes da
sessão de experimentação.
Houve uma queda da freqüência cardíaca medida pela pulsação durante a
experimentação de 72 batidas / min. no início da experiência para 68 batidas / min. ao final
de 4 horas, houve no entanto uma pequena elevação da FC aos 20 minutos pós ingestão do
chá com uma média de 79 batidas / min. Um experimentador alcançou o pico de 100 batidas
por minuto. Observou-se um aumento médio da pulsação nas medições em 20, 40, 60, e 90
minutos.
Considerado como efeito mais intenso depois da ingestão do chá Hoasca, sendo que
para alguns isto aconteceu até 120 minutos. As medições da pressão sistólica seguem o
mesmo padrão da taxa dos batimentos cardíacos.

3
A regressão de curva pressórica médica mostra uma pequena queda no começo e no
fim da sessão de experimentação, mas um pequeno aumento de 20 a 90 minutos foi
observado. Os números mais altos achados foram de um experimentador que começou em
160 mm/hg, evoluiu com 150, 160, 140. Os registros principais de pressão sangüínea
diastólica também seguiram o mesmo padrão.
Todos os parâmetros avaliados sugerem um estimulação adrenérgica, ou simpática,
na primeira hora e meia após a ingestão do chá, sendo que para alguns casos isto pode ser
observado até a segunda hora. Após este período é observada uma resposta tipo
parassimpática, ou de repouso, com redução de todos os parâmetros, freqüência cardíaca,
pressão arterial e freqüência respiratória.
O ECG também demonstrou esta resposta de relaxamento com redução significativa
da freqüência cardíaca e chegando em alguns casos com retardo da repolarização
ventricular.

CONCLUSÃO
Esta é a primeira avaliação clínica em usuários do Chá Hoasca. Ambos – Avaliação
Clínica Basal (ACB) e Efeitos Fisiológicos Agudos (EFA) – são os primeiros estudos desta
substância psicoativa utilizada por séculos na América.
Os autores consideram esta avaliação como um estudo clínico piloto, e muitos de
seus aspectos poderão ser melhor elucidados quando os resultados do estudo
farmacocinético estiverem disponíveis. Os resultados encontrados reafirmam as observações
empíricas nos diversos grupos que utilizam regularmente este chá em seus rituais religiosos,
onde pessoas que fazem o uso por 30 anos ou mais se apresentam saudáveis, lúcidas e cujo
perfil de morbidade não é diferente das outras pessoas das comunidades onde vivem.
A Avaliação Clínica Basal demonstrou que em usuários antigos não há nenhuma
disfunção clínica comparando-os com os Controles. De acordo com a análise das Medições
Fisiológicas Agudas, mesmo com alguns parâmetros, como os de pressão sangüínea,
mostraram um pequeno aumento no começo dos efeitos agudos entre 20 e 90 minutos, não
causaram nenhuma disfunção ou dano clínico importante na dose utilizada, 2 ml/dose por
quilograma do peso corporal.
Com os resultados finais de outros estudos neste projeto, bem como farmacocinético,
perfil neuroendócrino, LD50, nós poderemos alcançar uma compreensão mais adequada dos
eventos registrados neste estudo clínico.
Pela metodologia utilizada, os resultados encontrados tanto nos estudos clínicos
comparativos em usuários de longo prazo e controles, quanto as avaliações fisiológicas de
fase aguda, não apontam danos evidenciáveis a saúde humana. Novos estudos, entretanto
,são necessários para elucidação dos efeitos agudos a nível de atividade elétrica da atividade
cardíaca.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os voluntários experimentadores e de controle que
participaram deste projeto. Também a todas as pessoas que direta e indiretamente
contribuíram para o desenvolvimento deste estudo.
Este projeto teve o patrocínio de doações particulares da Bothanic Dimensions, uma
organização sem fins lucrativos de incentivo ao pesquisa científica na área de estudos
etnobotânicos.

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